Espero que gostem da baixaria, quer dizer, do capítulo de hoje
O jantar
— Como estou? – perguntava meu pai mais uma vez se olhando no espelho.
— O senhor está ótimo – respondia, mas gesticulei para que ele se virasse para mim para poder analisar melhor. Fiz um ajuste em sua gravata e ajeitei melhor o terno. Minha tia apareceu logo de fundo, colocando os brincos.
― Téo – ela colocou um cordão em minhas mãos – me ajuda com isso aqui, por favor.
― Ela tem que ir se vestir, Patrícia.
― É coisa rápida – dizia assim que o coloquei, e se virou para o espelho – pronto, minha filha, pode ir.
A roupa tinha chegado naquela manhã, em uma embalagem refinada com meu nome escrito. Meu pai tinha ido pegar e deixado em cima da minha cama na hora que tinha saído para pegar o almoço com minha tia.
Quando vesti, me senti estranha. Não um estranhamento desconfortável, mas sim de quase não me reconhecer no espelho. Terminei de arrumar as mangas, penteei o cabelo e fui até Patrícia pedir um dos seus perfumes emprestado.
― Nossa! – disse minha tia me olhando de um lado a outro – Você ficou tão linda, Téo! Tadeu, vem cá ver!
Ele chegou, e olhou surpreso, concordando.
― Está belíssima, Teodora. Realmente ficou muito bom em você. Já mostrou a sua mãe?
― Ainda não.
Nem tinha me atentado a isso. Depois de pegar um dos perfumes e ter uma breve explicação do jeito certo de passá-los, mandei para elas como estavam. Enquanto minha tia falava como estava bela e estonteante, minha mãe respondeu com várias filas de corações e seguida das palavras “coisa mais linda de mamãe.” Mandei uma foto para minha tia do meu pai, que também se prestou a dizer que ele continuava bonito e elegante como bem lembrava.
— E Catarina, iremos pegá-la? – perguntou Patrícia.
— Ela disse que vai depois por conta de uma reunião – respondi por fim – e que o pai dela vai levar, mas vai chegar antes de começar.
― Então... – disse meu pai pegando a chave do carro – Vamos.
O caminho dava até um lugar reservado, distante do centro da cidade, no qual, desde a entrada, só poderia prosseguir com identidade e o convite em mãos.
Estávamos todos tensos em ter que encontrá-las, mas, cada um de nós guardava isso para si.
Assim que estacionamos e descemos, andamos até o grandioso espaço de eventos que, pelo que entendia, pertencia ao prefeito da cidade. Ao nos identificarmos mais uma vez, me deslumbrei em como o ambiente era requintado.
Ali eu entendi o motivo da importância de nossa vestimenta e, principalmente, da aparência. Era um show particular do que podem chamar de ostentação, que seguia desde as mesas arrumadas à decoração branca e dourada daquele local iluminado, enfeitado com adereços no mesmo tom.
― Postura, Téo – disse minha tia, ajeitando minha posição – cabeça levantava e ombros relaxados.
― Agora, vamos cumprimentar as pessoas.
Meu pai estendeu o braço para que eu o segurasse, e assim o fiz, andando no mesmo passo que ele enquanto minha tia seguia do meu lado, sorrindo.
Algumas pessoas passavam por nós e se prestavam a dar um breve aceno e seguir. Minha tia acenava e meu pai somente gesticulava com um sim com a cabeça. Eu continuava encantada com o local, olhando de um lado para o outro enquanto a música ambiente tocava baixo e as conversas ao redor se sobressaíam.
— Ah, Tadeu! – um casal de senhores vinha em nossa direção. Ele o cumprimentou com um aperto de mão enquanto ela falou conosco com um beijo no rosto. No entanto, ele, assim que falou com meu pai, estendeu a mão para mim.
― E acho que você seja Teodora, certo?
— As notícias correm rápido, não? – meu pai dizia irônico.
— Sabes melhor do que ninguém que todo mundo sabe de tudo aqui – a mulher dizia em um tom mais descontraído – sem contar que ela é sua cara. E dona Maria, onde está?
― Ela chegará em breve – minha tia sorriu ao responder.
― Diga a ela que quero conversar com ela a respeito daquele terreno – o homem voltou a falar conosco, mas, se virou para mim – Que mulher difícil essa sua avó, viu?
Só me prestei a rir envergonhada, tentando me censurar do que realmente pensava dela.
– Bem, foi um prazer vê-los. Tenham uma ótima noite! – a mulher sorriu novamente ao se despedir e seguir o caminho com ele.
― Igualmente... – meu pai respondia enquanto voltava a gesticular para outras pessoas que passavam por nós – Seu velho pedante.
— Eles são podres de ricos, Teodora – minha tia dizia olhando pra frente, quase murmurando – uma das famílias mais ricas da região, mas esse homem não vale nada. Nem ele, nem os filhos.
— Ele deve ter no mínimo umas cinco amantes diferentes, tudo novinha, sabe? – meu pai dizia entre os dentes – Mas, é um ótimo cliente.
Cumprimentamos mais algumas pessoas, e nos servimos do champanhe que passou por nós. Brindamos e seguimos, ouvimos seus breves comentários dos amigos e conhecidos. O discurso era o mesmo: chegar com um abraço ou um aperto de mão, perguntar como estavam as coisas e fazer breves comentários dos negócios. Um ou outro vinha falar comigo, e quase todos me chamavam pelo nome, diziam que eu parecia muito com eles e que era um prazer me conhecer.
Nossa mesa tinha o nome da família no centro. Assim que nos sentamos, entregaram salgados e mais bebida. Peguei o telefone, e vi a mensagem de Catarina falando que já estava a caminho.
Só que, em um dado momento, eles, que riam, ficaram sérios. Já sabia que não era algo bom. De longe, vi minha tia, que até aquele momento só tinha visto por foto, e minha avó, chegando. Seus filhos, que também só tinha visto vez ou outra em algum dos retratos de família espalhados pela casa, vinham atrás.
Todos tinham a expressão fechada, o que me fez ficar ainda mais temerosa. Assim que se aproximaram, senti ainda mais o temor correndo por minhas veias. Elas, ornada de joias e vestido visivelmente caros, olhavam para o redor com o já esperado ar superior.
Senti a mão da minha tia segurando a minha, como se dissesse para mim que tudo ia ficar bem mesmo que aparentasse que não. Meu pai pigarreou antes de se levantar e falar com elas.
Já meu corpo parecia ter congelado perante a aquilo. Se minha avó me olhava com ironia e uma pitada carregada de rancor, daqueles que se vê de alguém que não gosta por uma antiga briga, Simone me olhava com um notável desprezo, e seus filhos, a quais nem fazia questão de saber o nome, fazia o mesmo.
— Posso saber quem convidou a filha de Elisa pra isso? – disse ela se sentando em um lugar mais afastado de onde estava, em seguida da mãe e dos filhos. Não fez menção de falar até mesmo com Patrícia, mas, era o esperado, afinal nem meu pai e nem ela fazia questão de falar com a irmã mais velha, e os motivos eram vários.
— Do mesmo jeito que você traz os seus filhos – minha tia dizia entre os dentes, pegando outra taça de champanhe que passava por nosso lado – Tadeu tem direito de trazer a filha dele.
― Ah, é claro... – Simone dizia no tom ácido a qual tinha sido respondida – é que a gente ainda não se acostumou com isso.
Elas mal tinham chegado e já queria ir embora. Bebi o resto do conteúdo que tinha na taça para tentar disfarçar o fato de que minha avó não parava de me olhar. Um dos rapazes que andavam no local chegou até ela e levou uma garrafa de vinho, taças, no qual a serviu exclusivamente.
― Ainda quero entender por que você está vestida assim, Teodora – minha avó apontou para mim enquanto saboreava o vinho de sua taça – Não precisa se vestir igual a um rapaz pra mostrar respeito, ou só quer ficar parecida com seu pai de qualquer jeito?
Não sabia dizer se eu não queria responder ou só estava com muito receio de falar qualquer coisa.
Alguém começou a falar no microfone, e eles tiveram que parar o assunto para dar atenção para o que falavam, mas, o silêncio era ainda pior, porque os olhares eram velados o tempo inteiro. Porém, elas tinham ido por um motivo, e não demorou para que elas fossem chamadas até o local para receber a premiação a qual haviam ganho.
Seus filhos não seguiram, mas faziam comentários entre si, olhando especificamente para mim, rindo. Meu pai parecia que ia desmaiar a qualquer momento ali, com o olhar perdido, visivelmente suado, pegando agora o vinho e virando em um gole só.
— Eu quero ir embora – deixei escapar dos meus lábios, mas Patrícia continuou séria, negando.
― Ei, Teodora, é verdade que sua tia matou um cara? – um deles dizia, ainda com a ironia na voz.
― Você ia fazer visita pra ela? Como era lá na prisão? Conta pra gente! – o outro complementava, se servindo do vinho e o bebendo de uma vez.
Aquilo me deixou desnorteada, e não consegui esconder meu choque. Já eles, pareciam se divertir.
― Isso não diz respeito a vocês – meu pai respondia em um tom urgente, apontando o dedo para eles, que só riam.
― Ah, então é verdade? – o primeiro perguntava – Tio, como foi pra você conhecer gente assim? O senhor também ia pra parada gay defender viado?
― Eu já volto – disse meu pai se levantando rapidamente, visivelmente enfurecido.
― Ou os dois calam a boca agora – minha tia já dizia em um tom ameaçador – ou eu mando cortar a mesada de vocês dois!
― Só queremos conhecer melhor nossa prima... – um deles deu de ombros. Eles eram tão parecidos que ainda não conseguia diferenciar quem era quem. Eram odiáveis na mesma medida.
― Deve ser uma maravilha viver lá na favela e descobrir que tua mamãe deu pro cara certo em algum momento na vida, né?
Encarei aquelas duas figuras muito séria, segurando minhas mãos contra a roupa, me perguntando o que me impedia de dar um soco na cara de cada um. Se eles queriam assim, eu iria seguir com o mesmo jogo.
Mas, eu jogava com outras cartas. Ainda não era o momento.
Elas terminaram de falar de qualquer coisa que não prestei atenção, mas não foram direto até nós. Pararam em uma outra mesa maior, no qual tinha mais pessoas. Eu só me prestava a tentar ignorar qualquer coisa que eles diziam.
― Caralh*, tu nem vai acreditar quem está vindo ali! – um deles dizia para o outro.
Quando olhei para onde eles estavam olhando, ao mesmo tempo que era maravilhoso, também me causava receio.
― Não sei quem teve a ótima ideia de chamar aquela gostosa, mas, está de parabéns... – e voltaram a rir consigo.
Catarina era de longe a mulher mais bonita daquele local. Seu cabelo arrumado e preso em algumas mechas para trás com um broche especial, usava um vestido de gala comprido e sapatos altos, assim como uma maquiagem que ressaltava ainda mais a beleza.
Só de ver Catarina ali tinha esquecido por um segundo do teor da conversa que acontecia ali.
— De nada – respondi para eles, que me olhavam confusos, e ficaram ainda pior quando viu que ela vinha em minha direção.
— Desculpe a demora... – ela me cumprimentou me abraçando, beijando meu rosto e apoiou as mãos em meus ombros. Eles olhavam sem reação alguma, até que ela colocou sua mão sob a minha e beijou o meu rosto, em seguida indo falar com minha tia.
Sentou-se ao meu lado e os encarou sem dizer nada, pegando logo duas taças das quais passavam, dando uma para mim e ficando com a outra. Brindou e deu um gole.
— Posso perguntar o motivo que faz com que os dois esquisitos não parem de me olhar? – Catarina dizia em seu tom irônico.
— O que tu está fazendo aqui sentada com a gente? – disse um deles, apontando para ela, que respondeu dando de ombros.
― Deve ser porque eu fui convidada – ela respondia dando de ombros, apoiando o seu braço em minha cadeira. Inevitavelmente, acabei me aproximando.
— Tia, a senhora não vai fazer nada? – ele apontava ainda mais consternado, mas, meu pai se prestou a negar com a cabeça, voltando a beber. Ambos se levantaram e foram até onde elas estavam.
O mais engraçado era que nunca tinha visto Catarina parecer se divertir tanto quanto com uma iminente briga, assim como minha tia. Meu pai chegou em seguida, portando uma maleta preta, voltando a se sentar do meu lado.
Quase no mesmo instante, as duas chegaram com os olhos injetados, mas, nada pior do que minha avó.
― Sentiu minha falta? Tenho certeza que devia estar morrendo de saudades, vovó Maria! – dizia Catarina em um tom sarcástico. Já ela parecia que ia surtar de raiva.
― Quem deixou essa mulher entrar?! – minha avó praticamente gritava – Na minha mesa, ainda?! Isso foi coisa sua, não foi?
Apontou para mim, indo em minha direção. Continuei olhando para ela, séria, sem expressar sequer raiva.
Puxou de sua bolsa o convite, praticamente jogando nela.
― É tão bom saber que, de qualquer jeito, o destino vai nos unir – ela estava exultante – Não, sério, vocês não acham engraçado a mulher que falou que eu não era nada agora estar sentada com uma doutora, que no caso também sou eu? Deve ser uma merd* ter que me ver e saber que está errada, né?
― Eu vou chamar os seguranças... – Simone logo seguiu para o lado contrário com seus filhos, mas, logo ouvimos o barulho da maleta batendo na mesa.
― Só se for para senhora.
Meu pai abriu e tirou de lá os documentos que tinha levado até ele, sem contar outros que não sabia do que se tratar. Seu olhar gélido confirmava que ela sabia muito bem do que se tratava. Pegou um deles e levou em sua direção.
― A minha vontade era de nem falar mais com nenhuma de vocês duas – ele dizia com um ódio notável nas palavras – mas, ainda vamos ter coisas pra tratar...
― Do que tu tá falando? – ela falava tão alto que chamou atenção de todos que estavam ali. Ele se levantou, batendo aqueles papéis com força contra a mesa.
― A senhora sabe muito bem do que estou falando! – suas palavras saíam com mais raiva ainda – Não se faça de desentendida, ou achou mesmo que eu não ia saber do que a senhora fez com minha filha?
― Isso não é tua filha! – ela apontava pra mim – Isso é uma desgraça que recaiu na nossa vida desde que tu engravidou aquela vagabunda da mãe dela.
― Por isso que a partir de hoje, quem vai tratar das coisas com a senhora e Simone serão meus advogados – as pessoas paravam o que fazia para prestar atenção no que acontecia em nossa mesa, ainda mais que falavam em um tom notavelmente alto um contra o outro – e não me faça falar pra todo mundo daqui os podres que rolam com seu nome...
― Você não ousaria, Tadeu...
― Ah, eu ouso sim! – ele praticamente gritou – Fale mais alguma coisa pra Teodora que a senhora vai ver o que sou capaz de fazer!
Os seguranças chegaram logo, indo em direção à nossa mesa, mas minha tia gesticulou para que parassem.
― Isso é tudo culpa sua, bastardinha! – Simone veio até mim assim que viu o que acontecia entre eles, mas minha tia se levantou.
― Ah, não me faça dar na sua cara de novo...
Segurei seu braço, fazendo menção de que era para parar o que estava fazendo. Olhei séria em direção as duas. Respirei fundo, e me levantei. Catarina fez o mesmo em seguida.
Esperei muito por aquele momento, mais do que gostaria de admitir. Segurei em sua mão e pressionei os lábios, concordando com um breve aceno.
― Vocês vão ter que me engolir.
E, levei a costa da mão que segurava até meus lábios, o beijando sem desviar o olhar das duas.
― Ou melhor, vão ter que nos engolir.
Ninguém esperava por aqui, mas, devo confessar que ver a falta de expressão delas tamanho choque e os comentário das pessoas ao redor foi uma das melhores coisas que eu já vi.
Tão sem reação que saíram a passos largos para longe de lá, assim como os outros, que seguiam olhando pra frente, mas vez ou outra para trás. Catarina mostrou o dedo do meio para eles e voltaram a olhar só para frente.
— Essa com certeza é a melhor festa que já vim – Patrícia dizia rindo, pegando o vinho pelo gargalo e o virando na boca mesmo – nunca me diverti tanto!
Já meu pai parecia consternado, respirando fundo, colocando a mão no peito, indo se sentar.
― O senhor está bem? – fui até ele, apoiando a mão em seus ombros, mas ele assentiu que sim.
― Sim, é que... – e expirou devagar – Foi muita coisa de uma vez.
Ainda estava eletrizada por conta de tudo aquilo. A festa continuava sem a gente, parecendo esquecer a discussão que havia tido entre eles. Tirando alguns murmúrios, tudo parecia continuar seguindo normal.
― Acho que... – minha tia veio por trás, apontando para a mesa – Podemos ir, né? A não ser que vocês queiram ficar aqui...
― Não, vamos embora – meu pai respondeu enfático.
Seguimos para o carro. Ninguém questionou o porquê estávamos indo tão cedo. Assim que entramos, ela apoiou a cabeça em meu ombro, com nossos dedos entrelaçados. Minha tia continuava bebendo e rindo, falando em como aquilo tinha sido maravilhoso. O celular deles não paravam de tocar, ainda assim.
― “Patrícia, já estou sabendo da confusão rolando entre a cobra da tua mãe, o Tadeu e a filha” – ela lia em voz alta – “me conte tudo depois, mesmo eu sabendo que quem deve estar certo é eles dois.”
E riu, olhando para mim.
― Catarina, você não quer ir pra casa com a gente?
Meu pai perguntava olhando pelo retrovisor. Ela arqueou as sobrancelhas, e concordou.
― Seria ótimo.
Se a festa para alguns tinham acabado, a nossa tinha apenas começado.
Fim do capítulo
Tome cascacu 1 e 2 e cobrinha de duas cabeças.
E aí, o que vocês acharam desse convite no final? Ele manjou ou não?
E quais serão as consequencias dessa confusão toda? Deem seus palpites! Prometo não demorar pra atualizar rs
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