Capitulo 38
Nunca Te Amarei -- Capítulo 38
Leticia olhou estupefata para o pequeno pedaço de papel. A quantia ali escrita era simplesmente inacreditável. Respirando fundo, ela prosseguiu:
-- O que eu devo fazer para merecer esse dinheiro? Deve ser algo muito importante.
Donatela assentiu com um gesto de cabeça.
-- É exatamente sobre isso que quero lhe falar agora, Letícia.
O telefone tocou e Matilde saiu para atender. Luciana esperou ela se afastar para então, perguntar a Francesco:
-- O senhor deve ter um motivo muito sério para vir até aqui.
Francesco tocou a xícara de café e suspirou.
-- O motivo principal era conhecer o meu neto, é lógico, mas confesso que também estou bem ansioso para retornarmos ao assunto sobre a morte do Arthur.
Terminando o café, Luciana o encarou.
-- Esse assunto me dói tanto.
-- Você amava o Arthur?
-- Sim. É fácil amar as pessoas que se preocupam com a gente. Arthur não era um homem romântico, não me tratava como uma porcelana fina, mas ele me protegia e amava o nosso filho com todas as forças do seu coração -- Luciana olhou para baixo, sentindo-se aflita -- Ele me amava, eu tenho certeza.
Francesco respirou fundo.
-- Ele a escondeu, não é?
Ela fez um gesto de assentimento com a cabeça.
-- Pensando bem, foi melhor assim. Arthur tinha seus motivos para não querer me expor e o maior deles era Donatela.
Ele a fitou.
-- Se ele tivesse assumido o Eduardo desde o início, muitos problemas teriam sido evitados. Inclusive entre você e Kristen -- Francesco sorriu suavemente -- Mas agora é tarde, não adianta ficarmos remoendo os acontecimentos do passado, o passado ficou lá atrás e não poderá mais voltar, vamos pensar no presente para melhorar o futuro.
Luciana assentiu com a cabeça ao ver a expressão de ânimo no rosto dele. Porém, se Arthur tivesse assumido o filho, será que ela e Kristen teriam se envolvido emocionalmente? Provavelmente, não.
-- O senhor está certo, vamos cuidar do presente -- ela sorriu, um pouco desanimada. Pensar no presente e no futuro sem Kristen, a arrasava -- Antes de conversarmos sobre a morte do Arthur, quero mostrar uns documentos para o senhor.
Kristen pegou os óculos escuros e sentou-se numa das confortáveis espreguiçadeiras perto da piscina. Esticada na espreguiçadeira, com o sol diretamente sobre ela, sentiu-se bem, apesar do antagonismo disfarçado em todas as coisas que Donatela lhe dissera. Às onze horas, Rick trouxe uma jarra cheia de suco de laranja gelado.
-- Vai se torrar, sua louca.
Kristen deu de ombros, mas não fez objeções, quando ele trouxe um guarda-sol colorido para protegê-la e depois saiu. Estava saboreando o segundo copo de laranjada, quando escutou barulho de saltos nos ladrilhos e se virou. Uma moça vinha vindo em sua direção. Era mais alta do que Luciana, mas não tão alta quanto ela, com cabelos escuros longos e traços serenos e bonitos. Usava um vestido sem alças, estampado de amarelo e azul, que valorizava seu bronzeado. Kristen desconfiou imediatamente de que era a vizinha do apartamento 202. Kristen ergueu o corpo para se levantar.
-- Por favor, não se levante -- a voz dela era quente e amável.
-- Tudo bem?
-- Tudo, sou Vera do 202. Como vai? -- ela sentou-se na espreguiçadeira mais próxima e puxou a saia sobre os joelhos.
-- Vou bem, eu sou a Kristen...
-- Eu sei, já me falaram de você. Cheguei a pouco tempo, mas já conheço quase todo mundo.
-- Bem-vinda ao condomínio. Acha que vai gostar daqui?
-- Claro que vou. Quem não gostaria? Esse lugar é maravilhoso, sempre quis morar aqui.
Kristen apenas sorriu e esperou que Vera continuasse.
-- Sinto muito pela morte de seu pai -- acrescentou, simpática, e Kristen percebeu que era verdade.
-- Já faz algum tempo, mas mesmo assim obrigada. Seus pais moram aqui, Vera? -- perguntou, depois de agradecer os pêsames.
-- Moram no Rio, em Botafogo, para ser mais exata -- Vera aproximou-se um pouco mais da espreguiçadeira de Kristen -- O teu pai não aceitou a morte -- ela falou de repente.
Kristen sentou-se na espreguiçadeira, irritada.
-- Você não deveria falar uma coisa dessas. Brincadeira tem hora.
-- Desculpa, mas não estou brincando. Eu não vim até aqui falar com você à toa. Goste você ou não é a minha obrigação alertá-la. A alma dele não consegue se desligar do plano terreno e transcender para o plano espiritual. O espírito permanece preso à vida material, não aceitando sua partida e impedindo seu processo de evolução.
-- O que você pretende com isso?
Laura deu um sorriso infantil.
-- Ajudá-lo.
Kristen balançou a cabeça veementemente.
-- Eu não acredito nisso.
-- A minha intenção não é fazer com que acredite, a minha intenção é ajudar quem me procura. O espírito do seu pai me procurou e eu vou ajudar. Quando o espírito não aceita a morte, ele pode ficar preso em um estado de confusão e apego ao mundo físico. Isso pode ocorrer devido a diversos fatores, eu ainda não descobri o motivo que o espírito do seu pai não encontra a paz. Pode ser medo, arrependimentos, laços afetivos intensos ou até mesmo por questões espirituais não resolvidas. Essa resistência em aceitar a morte pode gerar sofrimento tanto para o espírito quanto para aqueles que estão vivos.
Kristen parou para pensar nas palavras de um religioso na internet afirmando que os suicidas não herdarão o reino dos céus.
-- Meu pai suicidou-se. Será isso?
-- Não sei, mas se for, o suicidio contraria as leis divinas e gera algum tipo de punição ao espírito de quem se matou. Mas, a sorte não é a mesma para todos, depende das circunstâncias. Você pode ter essa resposta, se quiser.
Ela não acreditava. Seu olhar desconfiado dizia claramente isso, mas Vera não se abalou e manteve o discurso.
-- Para ajudar o espírito do seu pai, podemos fazer um trabalho de resgate espiritual.
-- Como isso é feito?
-- Isso pode ser feito por meio de orações, meditações, rituais e até mesmo com a ajuda de médiuns e terapeutas espirituais. É importante lembrar que cada caso é único e requer abordagens específicas, portanto, recomendo você buscar orientação de profissionais especializados.
Kristen passou a mão pelo rosto.
-- Que loucura! -- ela sussurrou.
Luciana abriu uma pasta marrom e estendeu-lhe alguns papéis, retirados de uma das repartições.
-- Posso dar uma olhada nisso, Luciana? -- perguntou Francesco, que estava sentado ao lado dela no sofá.
-- Como você conseguiu esses documentos?
-- Eu trabalhava no setor financeiro.
-- Entendo -- desviando a atenção de Luciana para os documentos, Francesco arregalou os olhos ao verificar o conteúdo dos documentos -- Mas isso é um absurdo!
Uma exclamação de espanto se ouviu na pequena sala. Espanto que se transformou em raiva quando Francesco passou o olhar por alguns valores -- Kristen viu esses contratos?
-- Não tive coragem de mostrar. Conhecendo Kristen como a conheço, tenho certeza que ela acusaria apenas o João Vitor, quando sabemos que ele não está sozinho no desvio de dinheiro.
-- É óbvio que não, a assinatura da Donatela está em todos esses documentos.
-- Apesar de tudo, Donatela é a mãe dela. Kristen vai acreditar em todas as desculpas que ela der. Acredito que a culpa cairá toda sobre o João Vitor. Francesco voltou a examinar os papéis que se espalhavam em seu colo.
-- O senhor entende muito bem de finanças, não é mesmo?
Ele sorriu.
-- Muito. Meu pai foi o meu professor. Ele dedicava boa parte de seu tempo livre à me ensinar sobre a administração da empresa. Ele chegava da construtora, tomava banho, comia alguma coisa e me arrastava para o escritório. Só saíamos de lá na hora de dormir.
Não havia ressentimento em sua voz. Ao contrário, essa era uma doce lembrança do homem que o preparou tão bem para a vida, em todos os sentidos.
-- Então, o senhor acredita que esses documentos são suficientes para denunciar o crime?
Os olhos de Francesco pousaram sobre Luciana.
-- Quase. O que precisamos fazer é reunir esses balancetes a outros documentos, como extratos bancários que demonstrem que valores da empresa foram enviados para contas ligadas a Donatela. Estando com essa documentação em mãos, chamarei o meu advogado para que ele construa um caso sólido para somente então partir para o confronto.
Por que, diabos, havia concordado com aquela loucura? Pensou Kristen, indignada consigo mesma.
-- Estou me sentindo ridícula.
-- Não sinta-se -- respondeu Vera -- Se concordou é porque algo dentro de você a incentivou, mesmo que seja apenas por curiosidade.
Inúmeras expressões passaram pelo rosto de Kristen antes que concordasse devagar com a cabeça.
-- É só curiosidade. Então, vamos logo.Tenho muitas coisas a fazer ainda hoje.
Vera não perdeu tempo, antes que ela mudasse de ideia, tomou sua mão e a conduziu até a saída do apartamento.
Tomaram o elevador, e poucos segundos depois, estavam na portaria.
-- O que vamos fazer lá, afinal de contas? -- perguntou Kristen, enquanto atravessavam o saguão.
-- Muitos espíritos ficam presos aos lugares onde ocorreu sua transição. Ainda não sei o que vamos fazer lá.
-- Como assim não sabe? -- uma rajada de ar quente e úmido as atingiu bem no rosto quando elas saíram para a garagem -- E de onde veio essa ideia tão brilhante?
-- Dos meus sonhos. Eu nem conheci o teu pai, mas o espírito dele me procurou e eu não vou deixar de ajudá-lo.
No momento em que elas chegaram ao potente carro esporte estacionado na vaga particular, Kristen abriu a porta do passageiro para Vera e se apressou em dar a volta e deslizar por baixo do volante. Ligou a ignição e engatou a marcha, o motor vibrando enquanto acelerava pela rua. Vera não falava muito, outro ponto a seu favor.
-- Tanta gente no mundo, porque o meu pai procurou justo a minha vizinha?
-- Para mim é muito óbvio, primeiro pela proximidade com vocês, segundo por ser uma médium capaz de manter contato entre o nosso mundo e o mundo espiritual. Uma pessoa médium é aquela que manifesta fenômenos de atração magnética e como se fosse um grande imã humano, capta o campo áurico, ou seja, a aura de alguém que já morreu; ela atua como uma ponte entre o mundo físico e o plano espiritual, manifestando fenômenos que desafiam até a ciência.
-- Interessante -- disse Kristen, pensativa.
-- O que a faz pensar que o meu filho não tirou a própria vida? -- Francesco perguntou, com os olhos fixos em Luciana.
-- O senhor não acha estranho o Arthur comprar um vestido e fazer reserva para restaurante, justamente no dia em que ele pensava em tirar a própria vida? Não acredito.
Francesco ficou em silêncio e pensativo. Luciana continuou:
-- Ele conversou com o seu Vicente às 19:00 e tirou a vida às 21:00, o que pode ter acontecido de tão grave em duas horas para ele querer se suicidar?
-- Assassinato? -- perguntou Francesco, engolindo em seco.
-- Não sei, mas é uma possibilidade que não podemos descartar.
Recostado na poltrona, Francesco a observou parecendo muito pensativo.
-- Você não contou isso à polícia?
Luciana balançou a cabeça veementemente.
-- Lógico que não. Sou pobre, senhor Francesco, provavelmente seria considerada a principal suspeita.
-- Você tem razão, ainda mais sendo o Eduardo um dos herdeiros -- concluiu ele, chateado -- E as câmeras de vigilância do prédio? -- lembrou-se, erguendo a cabeça.
-- Verdade. Não havia pensado nisso, mas com certeza a polícia pensou, imagino eu.
O resto do caminho foi percorrido em silêncio. Poucos minutos depois, Kristen estacionou o carro na garagem de um complexo de apartamentos localizado próximo a construtora.
-- Chegamos.
Vera virou a cabeça, erguendo uma sobrancelha.
-- O que foi Vera? Aconteceu alguma coisa?
-- Tenho a sensação de estar sendo observada -- ela olhou em volta e não viu ninguém.
-- É só impressão -- Kristen saiu do carro em direção à outra porta, mas Vera pulou para fora e a encontrou na metade do caminho.
-- Antes de entrar no prédio, deixe-me entender. O seu pai morava aqui na época da tragédia?
-- Morava. Era aqui que ele escondia o seu caso com outra mulher.
-- Entendo. E você está cheia de ódio por isso.
Kristen deu de ombros e entrou no prédio. Assim que colocou o pé no saguão, ela se deparou com uma cena um tanto estranha. Donatela encostada ao balcão da recepção conversando com o senhor Vicente -- Espera um pouco.
Mesmo sem entender, Vera obedeceu.
-- O que aconteceu?
-- A minha mãe está conversando com o porteiro.
-- E daí?
-- Você não conhece a minha mãe, ela não é de ficar por aí conversando com porteiros, visitando apartamentos. Donatela manda fazerem, ela não faz pessoalmente. Quando ela sai para a rua, é para aprontar.
-- O que faremos?
-- Vamos esperar ela sair, depois entramos. Não quero que ela nos veja.
Fim do capítulo
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Mmila
Em: 08/05/2024
Muita calma nessa hora Kristen.
Donatela sendo vista em lugares cruciais.
Acredito qu tenha chegado ao ponto da virada na história.
Vandinha
Em: 10/05/2024
Autora da história
Olá Mmila!
Obrigada pelo comentário. Sim, momentos decisivos por vir.
Beijos, querida! Até.
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Mille
Em: 08/05/2024
Oi Vandinha
Será que Vicente ajudou a Donatela no assassinato do Artur???
Acho que sim.
Vera veio ajudar e espero que ela diga logo para preparar a arapuca pra dona kkk
Bjus e até o próximo capítulo
Espero que esteja tudo bem com você e sua família. Não sei se essas chuvas afeta ou afetou vc.
Vandinha
Em: 10/05/2024
Autora da história
Olá Mille!
Tudo bem por aqui. Moro em Joinville, Santa Catarina. Nessa região está tudo tranquilo, graças a Deus.
Beijão querida. Abraços.
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Zanja45
Em: 08/05/2024
Oi, Vandinha!
É, vamos ver o que acontecerá agora que o espírito de Arthur entrou na jogada. Donatela que se prepare que os podres dela já estão vindo a tona. Será que ela já deu fim na filmagens do dia que Artur morreu?
Até o próximo!
Vandinha
Em: 10/05/2024
Autora da história
Olá Zanja45
Frequentemente um espírito se mantem preso à terra por conta de conflitos desta ou de outras vidas. Quando algum espírito se sente prejudicado pode desejar vingar-se e tentar devolver as dores que sentiu ao seu causador.
Beijos, querida. Até
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NovaAqui
Em: 08/05/2024
Donatela é muito perigosa! Fez bem em não deixá-la ver vocês
Vandinha
Em: 10/05/2024
Autora da história
Olá NovaAqui. Tudo bem?
Donatela é uma pessoa materialista e amplamente egoísta, ela prefere construir relacionamentos significativos com “objetos e bens”. A vida humana não significa nada para ela.
Beijos, querida. Até.
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Vandinha Em: 10/05/2024 Autora da história
Olá Marta.
A cobra está armando o bote. Fica ligada Luciana.
Beijos