Capitulo 32
YANA KIMI
Estava surtando, não tinha como negar. Será que era possível que minha vida tinha dado uma virada de trezentos e sessenta graus em uma noite? Meu Deus! Não conseguia acreditar que era Lívia que estava dormindo ao meu lado e para completar ela estava completamente agarrada em mim. Conseguia sentir a quentura do seu corpo nu junto ao meu, parecia um sonho.
Não queria me sentir tão feliz, porque o destino nunca foi bondoso com a minha vida amorosa, principalmente quando se tratava de Lívia. Mas não podia deixar de notar o quanto ela estava diferente, suas atitudes e palavras eram cheias de certeza. Mesmo assim, eu me sentia com dúvidas, me sentia estranha. Não sabia como agir agora que toda euforia tinha passado. Já fazia dois anos que não tinhamos contato e estava com medo de quebrar a cara mais uma vez.
Lívia começou a se mexer, dando sinais de que estava acordando. Meu coração ficou mais acelerado do que já estava. Mesmo que tentasse bloquear as minhas emoções, não estava conseguindo. Sentia medo, medo dela ter se arrependido. Sabia que era o passado me assombrando.
- Ainda não estou pronta para acordar. - Lívia falou com os olhos ainda fechados. - Está muito cedo, volte a dormir comigo. - Ela se aninhou mais ainda em meus braços, confesso que achei fofo.
- Tenho que ir para a empresa. - Pelo visto, ela continuava odiando a idéia de acordar cedo. Sorri ao lembrar desse seu hábito.
- Não seja tão responsável, só fique aqui mais alguns minutos. - Ela pediu abrindo seus olhos. Como ela ficava linda quando acordava.
- Voce não tem trabalho a fazer? - Perguntei.
- Sou dona dos meus próprios horários agora. - Ela se espreguiçou como uma gatinha. - E além do mais, ainda temos que conversar.
- Está arependida? - Perguntei e ela rapidamente se sentou na cama.
- Nunca vou me arrepender do que fizemos essa noite. - Ela disse enquanto tocava em meu rosto. Suas palavras eram tão confiantes. - Falei muito sério quanto a tudo que disse antes.
- Lívia, o que está querendo me dizer? Você quer conversar, tudo bem. Estou ouvindo.
- Eu te amo e não é como uma amiga, te amo com uma mulher. - Não estava acostumada com essa sua versão tão sincera e sem filtros. Ela estava sendo, sem dúvidas, muito direta.
- O que mudou, porque antes você não pensava assim? - Estava intrigada.
Ela cobriu seu corpo com o lençol e ficou de frente pra mim.
- Eu mudei. Quando você foi embora fiquei desolada, acho que foi o momento mais difícil da minha vida. Tive que encarar meus sentimentos sozinha, percebi que o caminho que estava seguindo era o pior possível. E não falo apenas em relação a você, mas de todo um conjunto que era os meus conceitos e crenças. No início, não aceitei que precisava de ajuda, foi um longo processo até conseguir me abrir com o meu psicólogo.
Fiquei surpresa em saber que Kimi estava fazendo terapia, ela não era de se abrir com as pessoas no geral, ainda mais com um desconhecido. Deve ter sido um grande esforço se permitir confiar.
- Eu tinha medo Kimi, sei que falei muita coisa ruim para você. Não sabe o quanto me arrependo. Eu não queria dizer nada daquilo. A verdade era que eu te achava boa demais para mim.
Sua afirmação me deixou muito surpresa.
- Achava que não era digna do seu amor. Me sentia inferior e incapaz de te fazer feliz. Me dava medo pensar que com uma relação mais íntima, voce teria acesso a todas as minhas partes ruins e eu tinha plena convicção de iria me deixar quando soubesse o quão indigna eu era. Você sempre teve tudo, seu jeito é cativante, as pessoas facilmente se simpatizam com você. Seu coração é bom, voce tem sensibilidade e coragem. E eu, era apenas uma menina insegura e tola.
- Nunca te encherguei dessa forma Lívia, pelo contrário, sempre te achei uma mulher incrível. - Segurei sua mão.
- Eu sei, você era a melhor parte de mim. Você era a pessoa que me mantinha firme, mesmo quando tudo estava desabando. Era o meu porto seguro. Só que na minha imaturidade, não soube dar valor aos seus sentimentos. O meu complexo de inferioridade, me fez acreditar que era impossível alguém como você se apaixonar por mim. Então estraguei tudo.
- Porque não me contou que se sentia assim?
- Tive vergonha, eu não sabia que o que tinha eram traumas. Nem que estava projetando o abandono do meu pai na nossa relação. Mas pensava, que não podia me mostrar tanto, e se você me visse de verdade e me abandonasse como ele tinha feito? Sei que não é justo com você. Não devia ter alimentado aqueles pensamentos. - Suas palavras me atingiram em cheio. Porque entendendo agora como ela se sentia, eu soube que contribuí para que ela pensasse daquela forma. Eu tinha lhe dado um ultimato quando ela falou das suas inseguranças para mim. Eu tinha ido embora quando ela tinha em mim a sua única confidente. Quando era em mim que ela confiava. Tinha prometido ficar ao seu lado, e não cumpri a promessa. Tinha lhe abandonado assim como o seu pai tinha feito quando ela era criança. Tinha feito exatamente tudo que ela tinha medo que eu fizesse. O quão boa na verdade eu era, se tinha sido tão desligada quanto aos sentimentos da pessoa que eu amava? Se tinha ido embora no momento em que ela mais precisava de mim?
- Me perdoa Lívia, me perdoa por ter ido embora. Não sabia que você se sentia assim. - Lágrimas começaram a molhar meu rosto.
- Não! - Rapidamente Lívia se aproximou e começou a limpar meu rosto. - O que está dizendo? Você não teve culpa de nada. Sinto muito se foi o que pareceu. Não chore por favor! Apenas estou falando sobre esses sentimentos porque eram eles que me sabotavam. Mas tudo mudou, não me sinto mais assim. - Ela sentou no meu colo e me encarou profundamente. - Kimi, eu não sou mais aquela garotinha assustada, hoje entendo que você precisou ir embora para que eu tivesse um choque de realidade. Precisei ficar longe de quem eu mais amava, para entender que estava errada. A culpa não é sua e a culpa não foi do meu pai. A culpa foi somente minha que deixei com que os fatasmas do meu passado nublassem as minhas escolhas. Eu estava cega, e não conseguia enxergar quem mais me queria bem. - Lívia beijou suavemente meus lábios. - E acabei abrindo mão da minha felicidade. Se eu pudesse voltar no tempo, teria feito tudo diferente. Mas sei que não posso. Só desejo, com todas as minhas forças, que um dia você seja capaz de me perdoar. Hoje eu entendo que você teve que se afastar para se proteger de toda a minha confusão. - Agora, Lívia estava chorando. Seu olhar era de puro arrependimento.
- Não vou mentir, durante todo esse tempo eu só tinha um único próposito. Queria deixar de te amar. Queria te arrancar da minha mente. - Fui sincera. - Eu queria que toda aquela dor sumisse, então me alimentei da sua rejeição. Usei a minha mágoa para criar uma barreira impenetrável a qualquer um que quisesse acessar o meu coração. Prometi para mim mesma que jamais voltaria a abrir meu coração novamente. - Conseguia ver a culpa nos olhos de Lívia enquanto ela absorvia cada palavra minha. - Só que, por mais que eu tentasse te esquecer, sentia a sua falta todos os dias. E no momento em que te vi naquele salão, todos os sentimentos que estavam enterrados dentro de mim, voltaram com força. Fui incapaz de controlar a ansiedade que estava em te ver. E isso me deu raiva, por isso nesses últimos dias tenho sido fria e distante. Quando todo o meu ser estava implorando para que eu me aproximasse de você. Entende que não existe nada que eu possa fazer para tirar você do meu coração? Como posso não te perdoar, se a cada segundo desejei que você me amasse de volta? Como posso não querer estar com você em cada dia dessa minha miserável vida, se desde que te vi pela primeira vez eu sonhei com esse momento?
Lívia não deixou eu terminar de falar e se jogou em meus braços. Ela me beijou intensamente, se conectou ao meu corpo de uma forma tão íntima, que eu tive certeza, ela nunca mais saíria dali. Ela tinha tomado o lugar que sempre foi dela. Tinha reivindicado o meu amor, que sempre foi dela.
- Te amo. Prometo que a partir de hoje, não deixarei de te mostrar o quanto sou apaixonada por ti. - Sua promessa se enraizou o fundo da minha alma e eu acreditei em suas palavras.
- Eu também, te amo muito. - Nos beijamos, sem nenhuma pressa.
****
Lívia voltou para casa e eu fui para a empresa. Combinamos de nos encontrar hoje a noite para continuar matando a saudade, mesmo sabendo que nem todo tempo do mundo seria suficiente. Eu estava nas nuvens, não conseguia acreditar que essa noite e essa manhã tinham acontecido. Minha vontade era de ficar com Lívia na cama durannte o dia inteiro. Pena que hoje tinha uma importante reunião com alguns membros da família. Meu pai, que chegava hoje de uma pequena viagem iria fazer um comunicado, e ordenou que ninguém faltasse.
Quando cheguei, caminhei para a minha sala.
- Bom dia Senhorita Yana, a Cris está a sua espera. - Samantha, que tinha voltado a ser a minha secretária, me avisou.
- Bom dia, obrigada. E Samantha?
- Sim?
- Me avise assim que a reunião com os membros da família começar.
- Pode deixar chefinha. - Ela sorriu.
Entrei na sala e Cris estava sentada no sofá, ela não percebeu minha presença. Pude notar que estava pensativa, como se alguma coisa a incomodasse. Era raro ver minha amiga assim.
- Bom dia Cris, aconteceu alguma coisa? - Anunciei minha chegada e fui até ela.
- Bom dia Chefe, só estou com sono. Não domi muito bem ontem.
- Me desculpa pela forma que agi na boate aquela noite. Fiquei me sentindo mal por descontar em você minha chateação. Vou preparar um café pra você para me redimir. - Fui até a cafeteira e coloquei uma cápsula.
- Esquece isso Yana, eu mais do que ninguém sei como é rever um amor mal resolvido do passado. - Quando ela disse isso fiquei curiosa. E ao mesmo tempo senti vontade de contar sobre Lívia.
Enquanto fazia o café perguntei.
- O que está tirando o seu sono? Aconteceu alguma coisa?
- Minha mãe insiste que eu compareça em um jantar de boas vindas para Ana, a filha do meu padrasto. - Sabia que aquele assunto era delicado para Cris. Lhe entreguei o seu café e me sentei na sua frente.
- Porque você não dá a desculpa que tem muito trabalho a fazer e não pode sair da cidade agora?
- Não dá, minha mãe está tão empenhada em reunir todo mundo que eles estão vindo pra cá passar as férias em nossa casa de praia. Ela não me deu escolha. Quer que eu esteja lá durante todo final de semana.
- Sinto muito amiga. Queria poder te ajudar a sair dessa.
- Na verdade, é por isso que estou aqui. Queria saber se você podia ir comigo nesse final de semana? Vai ser bem menos desconfortável se eu tiver sua companhia.
- É claro que posso te acompanhar Cris. Assim já posso conhecer a sua família.
- Nossa Yana, você não tem noção da situação constragedora que você acaba de me tirar.
- É tão ruin assim ficar perto da Ana? - Perguntei.
- Aquela patricinha me tira do sério. Ela fingi que nada aconteceu entre a gente e ainda faz questão de me irritar sempre que pode. É óbvio que ela não dar a mínima para ninguém além dela mesma.
- Da maneira como você fala, essa tal de Ana parece uma sem noção. Não se preocupe, vou te ajudar. Mas agora tenho uma notícia que você vai gostar.
- O quê?
- Primeiro, promete que não vai surtar.
- Meu Deus Yana, fale logo.
- Segui seu conselho e conversei com Lívia. Ainda não consigo acreditar em tudo o que aconteceu ontem. Mas ela tinha muito o que me falar. Ela me ama, Cris.
- Eu sabia, sabia que o que tinha entre vocês não tinha acabado. Estou tão feliz, amiga você e a Lívia merecem uma segunda chance. Nunca shipei tanto um casal como shipo vocês. - Cris me abraçou empolada.
- Obrigada, eu sei que você sempre me ouviu e me apoiou. E na outra noite também percebi que esteve perto de Lívia, apoiando ela enquanto eu estive fora.
- A Lívia é um amorzinho, aquele jeitinho ingênuo e fofo dela me cativou.
- Ei, pare de falar da minha garota assim!
- Se acalme senhorita ciumenta. Vejo Lívia como uma irmãzinha. Mesmo que ela seja um mulherão e muito gata. - Não deixei Cris terminar de falar e lhe dei um peteleco na testa.
- Ai! Só estou brincando. Voce tem quantos anos em? - Cris massageou a testa. Sabia que ela gostava de me irritar, mas não me importava nem um pouco com a dor que ela estava sentindo agora. Ela mereceu.
- Deixe de me irritar. Ou Você quer ir sozinha para a casa dos seus pais?
- Não tá mais aqui quem falou. - Cris ergueu os braços em rendição.
- É bom mesmo. Agora vá para o seu setor, tenho uma reunião. - Falei fingindo que ainda estava chateada. - Mas não esqueça que hoje a noite irei te apresentar a minha amiga do mestrado. Tenho certeza que vocês vão se dar muito bem. Vocês são muito parecidas.
- Espero que ela seja gata e desapegada. Já lhe disse que seria um pecado eu ser de uma mulher só. - Cris caminhou até a porta e piscou para mim. - Ah, agora que as coisas estão indo bem entre você e Lívia, seria bom ela nos acompanhar nesse final de semana.
- Vou convidá-la. - Falei sorrindo.
- Beijos vadia. Até a noite.
Mostrei o dedo do meio para minha amiga, ela não tinha o menor respeito pela sua chefe.
Logo Samantha me avisou que a reunião com meu pai iria começar. Não queria encontrar com os meus tios e primo. Meu dia estava indo tão bem, seria péssimo que o meu bom humor se estragasse. Mesmo assim, camminhei até a sala de reuniões.
****
Já na sala de reuniões, cumprimentei todos e sentei ao lado do meu pai. Os olhares dos meus tios e primos não era nada amigável. Eles nunca tinha engolida a minha presença ali. Mesmo depois de mais de dois anos como vice- presidente eles resistiram em admitir que eu estava ali porque tinha conquistado aquela posição e não por causa do meu pai. Mas a verdade era que eu não me importava. A única opinião que me interessava naquela sala era a do presidente.
- Que bom que todos estão presentes. Tenho um comunicado muito importante para fazer. - Papai anunciou.
- Espero que seja realmente importante Roberto, porque adiei uma viagem importante por sua causa. - Meu tio Augusto falou arrogante.
- Tenho certeza que suas férias podem esperar Augusto, afinal você já vive de férias. - Papai o colocou em seu lugar.
- Então tio, o que é tão importante? - Júlio perguntou.
- Sem mais enrolação devo dizer que estou me aposentando.
Fiquei surpresa ao ouvir aquela notícia. E todos na sala pareciam compartilhar do mesmo sentimento.
- E não é apenas isso, estou oficialmente promovendo Yana para presidente da nossa empresa.
Fim do capítulo
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