CAPITULO 56
CAPÍTULO CINQUENTA E SEIS
Nara
Saí muito cedo, o dia ainda estava longe de clarear. Não que fosse problema, já que enxergo melhor no escuro do que no claro. Eu não conseguia dormir preocupada com o sumiço inexplicável da Amkaly.
Amina tinha ficado no chalé, dormindo próximo a Manom. As duas tinham uma ligação estranha, como se conhecessem uma à outra a vida toda. Talvez em outras vidas, quem sabe? O fato é que não se largaram desde que a garota chegou no chalé.
As garotas rapidamente descobriram que não podiam se comunicar por telepatia sem ser descobertas pela criança, que conseguia ler tudo. Inaê afirmava que ela era a guerreira que faltava para completar o esquadrão, e eu também acreditava nessa hipótese.
Saí praticamente escondida para evitar assim que um batalhão de lobas, e agora uma vampira, quisesse ajudar na busca. Antes, porém, acordei Nyxs e pedi que fosse invisível até Salém e descobrisse se Amkaly tinha ido embora e largado a garotinha para trás. Afinal, ela nunca quis ser mãe. Essa novidade de ser responsável por alguém talvez tenha sido demais.
— Esther! — Chamei, a porta do chalé já se abrindo. Esther parecia ter pressentido a minha chegada.
— Vamos correr, quero conversar antes que as meninas acordem. — Pulei em frente ao chalé e mudei para a forma de loba, minha beta veio logo atrás.
Estamos indo ao chalé onde Amkaly estava hospedada para procurar pistas do seu paradeiro. A Nyxs foi em Salém para ver se ela apareceu por aquelas bandas.
Esther me acompanhou e seguimos em silêncio apreciando a estação das flores e o renascimento da floresta. Aqui nesse lado da ilha, estava bem presente com a passagem do Yule. Nalum nasceu na grande noite do primeiro solstício, quando o sol tinha morrido e se preparava para renascer. Era uma noite mágica para nós lobos. Nessa época, começa a tradição milenar onde a grande Deusa mãe traz à terra a criança prometida e o nascimento do sol se derrama sobre a floresta, fazendo tudo renascer, florir e colorir. A vida explode na natureza. Nessa mesma época, comemora-se o sabbat de Samhain, celebração em honra aos ancestrais sincretizado com o dia das bruxas.
Fiquei pensando como estaria Salém, cheia de festa ao ar livre e lobinhas correndo para as lagoas, fogueiras acesas à noite e muita carne, peixe, batata e macaxeira assadas. Senti o cheiro da reserva, fragmentos de memória que me deixaram nostálgica e com saudades.
— Estava pensando a mesma coisa.
A voz da minha beta na minha cabeça não me assustou. Já estava acostumada, sempre que ficávamos a sós com um objetivo em comum, nossa comunicação se abria por completo. Para ser mais específica, nós tínhamos um só pensamento.
— O que acha que aconteceu com a Amkaly para ela desaparecer assim? Esther se voltou para mim ao perguntar.
— Acho que ela abandonou a garota por medo da responsabilidade, ou talvez estivesse apavorada com a enxurrada de emoções e sentimentos desconhecidos para ela.
Ela também deveria ter suas teorias. Fiquei arrepiada só de imaginar o que Esther devia saber e não queria me contar.
— Se souber de algo que não sei, é melhor contar.— Pedi. Esther só me contava o que achava necessário, estava cagando para o fato de eu ser sua alfa. E, para ser sincera, até eu mesma ignorava essa besteira toda. Na hora certa ela me diria o que suspeitava e pronto.
Outra coisa que eu admirava nela era que sempre andava preparada para derrubar qualquer tipo de magia, mesmo que fosse um glamour, por mais bem feito que fosse.
Não tivemos dificuldade de ver o que outros não podiam enxergar. O ambiente calmo intrigava. No chalé de Amkaly as energias estavam nulas, simplesmente não existia. Tudo permanecia limpo e organizado, com exceção do quarto, onde as roupas de cama estavam espalhadas. O resto parecia tudo organizado demais para Amkaly.
— Isso aqui está limpo demais. Alguém andou limpando o local, escondendo digitais. Eu senti um cheiro estranho no ar. — Esther comentou.
— Esther, por acaso tem algum pó que posso usar aqui? — Aguardei enquanto ela passava a ponta dos dedos pelas cadeiras limpas e bem arrumadas, examinando os detalhes e farejando o ar. Momentos depois, levantou os olhos e me encarou.
— Os meus pós não deram sinal de vida, estão todos quietos. Pegue esse que eu te dei e vamos ver se ele tem serventia.
Peguei com a mão fechada o vidro que eu carregava pendurado no pescoço e o senti vibrar com uma temperatura acima do normal. A corrente se abriu sozinha e a tampinha saiu do mesmo jeito. Olhei espantada para Esther, que sorriu.
— Eles têm vida própria. Espere e ele vai te dizer o que fazer.
Esperei sem acreditar no que minha beta afirmava. Nada aconteceu, mas olhei para o vidrinho destampado e uma voz anormalmente doce e suave soprou no meu ouvido.
— Me assopre no ar, minha alfa.
Sem saber direito o que fazia, eu soprei no gargalo do frasco lentamente. Uma nuvem diáfana dançou num bailado, seguindo para a cozinha do chalé, e caminhou no ar até entrar no armário, abrindo portas, derrubando panelas e tudo que encontrava pela frente. Muito escondido entre garrafas e latas de cerveja, revelou um pote pequeno de cerâmica do tamanho da mão de um homem comum. Quando o destampei, o fedor de carniça tomou conta do ambiente.
Tapei o nariz e me afastei, deixando que minha beta visse o jarro cheio de sangue coagulado e podre. Esther esboçou a mesma reação que tive.
— Eu falei, esses vidrinhos têm vida própria. — Falou, se aproximando do armário.
— Quem veio aqui estava procurando por isso. Amkaly sabia, ou desconfiava, por isso o sangue estava tão escondido. — Afastei as garrafas que ainda permaneciam ao lado e peguei o jarro.
Esther o tomou da minha mão e sentiu a textura e a temperatura. Em seguida, guardou uma boa quantidade em um de seus frascos vazios e o guardou em seus bolsos mágicos.
— Esse armário está cheio de glamour, por isso não encontraram nada. Amina é mestre nesse tipo de magia. Quem esteve aqui está atrás de descobrir coisas sobre a existência dessa garota. Agora, por que o interesse? — Lembrei que a garota fez o mesmo encantamento em Nyxs quando estava ferida no pântano, para esconder o seu corpo e cheiro.
— Agora que você lembrou, eu consigo entender o que a cobra ou a dona pretendem com a garota. Essa era a minha suspeita.
— Eu ainda continuo no escuro. — Fechei as portas do armário e tirei minhas digitais e meu cheiro do local, caso voltassem outra vez.
— Um vampiro recém-nascido é uma arma letal. Existem vampiros que acordam loucos e sedentos e não conseguem controlar a sede de sangue. Cidades inteiras já foram dizimadas por vampiros recém-transformados. Quem está à procura da garota não sabe que ela é uma criança ou que foi recém criada. Amkaly não está sumida por vontade própria, deve estar escondida.
— E por que todo esse carnaval com um vampiro? Você acha que Sandra ou Camille querem ser mordidas e se transformar também?
— Eu acredito que a dona da cobra quer matar a vampira, por ela não ter deixado a cobra fazer o que bem entendesse. — Esther limpou o ambiente com um pó lilás que cheirava a desinfectante e me puxou para fora do chalé.
— Então, se Amkaly está escondida, ela sabe que estão atrás da garota e fugiu para protegê-la. Devia saber que ela iria nos procurar e ninguém iria se atrever a fazer nada de mal à garota.
— Se alguém tentasse, seria uma loucura. Manon não sai de perto nem um instante, e as outras meninas iriam adorar uma caçada. Nem se lembrariam que proibimos qualquer tipo de magia. — Bati meu ombro no da Esther e notei um vislumbre de sorriso em seus lábios.
— A Manon é forte em magia negra por herdar do Israfil parte do DNA que vem lá de baixo.
— Ainda assim, tem algo obrigando Amkaly a ficar distante da vampirinha. Amina falou que ela saiu sem deixar sangue para sua alimentação, mas não é o que vimos, ela veio e deixou muito sangue escondido. Se a encontrarmos, encontraremos quem está procurando a garota. — Antes de terminar, ela fez sinal com o dedo pedindo silêncio.
— Vamos no Lobos Bar, quero pegar Camille e Sandra de surpresa. Talvez elas saibam de algo. Dessa vez eu entro na mente delas. Quero resolver isso de uma vez, estou com saudades da minha reserva. Esther falou dentro da minha cabeça.
— Se fosse por mim eu já tinha voltado. Concordei.
— Ziam já comprou tudo, é só você assumir e mandar quem está causando problema embora e fim de papo. Tenho certeza que eu compartilhava a mesma expressão de impaciência que seu rosto mostrava.
— Eu sei, e vou fazer isso assim que descobrir quem matou aquelas humanas e o porquê. Quando destruir a cobra, nós vamos embora. Principalmente com a suspeita de a Nyxs estar grávida. Tem certeza que não sente nada diferente na Nyxs, Esther?
— Nada, os exames também não disseram nada e ainda assim ela sente a criança. Amina, Nalum e Manon também sentem o cheiro de vida quando se aproximam, mas eu nunca senti. Essa criança é bem diferente das outras, talvez um dia ela permita que eu sinta.
— Acho que não. Com a Nalum foi do mesmo jeito, eu só soube quando ela entrou em trabalho de parto. Sei lá, acho que as gestações da Nyxs sejam diferentes do resto das lobas, ou que nossos filhos são gerados em outros mundos. Os humanos dizem que cada gestação é diferente da outra, quem sabe a nossa raça esteja ficando parecida.
— Esther concordou pensativa. Ficamos absortas em nossos próprios pensamentos o caminho todo até o clube, que pela hora ainda estava com as portas fechadas.
Eu sabia que na parte de dentro tudo estava funcionando, com os funcionários colocando a casa em ordem para receber a clientela quando a noite chegasse. O encarregado do estacionamento ao lado da boate levantou ao ver nossa presença e veio até nós.
— Senhoras, desejam alguma coisa? — O humano já com a idade avançada andava com uma certa dificuldade. Seu forte sotaque francês me trouxe a vaga lembrança do zelador do prédio onde minhas irmãs moravam quando estiveram naquele país.
— Queremos falar com Camile ou Sandra. Sabe dizer se elas já chegaram? — Perguntei.
— Dona Camille chegou cedo, mas dona Sandra faz dias que não aparece. — O homem voltou para sua cadeira. Uma sensação esquisita se apossou da minha pele, deixando os pelos em pé. O homem estava escondendo algo, seu jeito nervoso não deixava dúvidas.
— Esther, eu vou entrar, você pode ajudar o senhor a sentar e ficar confortável. Seja gentil.
Pisquei o olho, ela sabia o que eu queria dizer. Esther me olhou com cara de safada. Continuei meu caminho, aproveitando que a porta não estava trancada, e entrei.
Fim do capítulo
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