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ACONTECIMENTOS PREMEDITADOS por Nathy_milk

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Palavras: 5068
Acessos: 840   |  Postado em: 29/03/2024

Capitulo 44

Capítulo 44 - Flávia


O cheiro de delegacia eu já conheço e vou dizer que estou tão acostumada que já se tornou um cheiro conhecido que raramente eu sinto. Mas o cheiro de presidio é uma experiência diferente. Já visitei  presídios algumas vezes, mas confesso que poucas para meus quase 14 anos de Polícia Civil. É um cheiro de fechado, mas acompanhado de urina, suor, um pouco de cigarro. Tudo isso associado ao barulho específico de carceragem, ao batuque nas grades, ao som dos portões, a experiência da revista. Enfim, uma situação desconfortável, incomoda.

Nesse momento estou sentada do lado de fora da sala do diretor do presidio de Votuporanga, aguardando para conversar com ele. Meio que formalizar o que o juiz já me permitiu, interrogar um detento que pode ajudar no caso do tráfico de orgãos. Apesar de eu trabalhar com preso o tempo todo, não gosto de lugares fechados como presídio, não gosto de não saber quando e como sairei de algum lugar, acho que por isso que minha perna direita não para de sacolejar. 

Talvez me perguntem se a Beatriz está aqui comigo no presídio. Não, ela não está. Achei de bom tom dobrar os meios e dividir o pão. Ela, fotógrafa e já adaptada a ficar de tocaia, foi até a cidade vizinha, Riolândia, achar a ex-esposa do Puca. Lembrando que o Puca é o médico envolvido nas cirurgias de tráfico de órgãos dessa quadrilha. Ela vai ficar lá um dia, ou o tempo necessário para ver se essa ex esposa não está envolvida em nada. Já eu, vim aqui para o presídio interrogar um antigo colega de cela do Puca, ver se descubro alguma coisa útil ao nosso caso. 

Depois de quase 40 minutos de espera, sem celular, sem ninguém para conversar, só meus pensamentos e as lembranças de ontem, o diretor do presídio me recebeu. Após uma conversa inútil de 3 minutos, não mais que isso, chamou um agente e pediu para me acompanhar até a sala de interrogatório. O detento levou mais uns 15 minutos para ser trazido pelo agente carcerário.

Um homem de uns 35, 40 anos, branco, com a barba por fazer veio trazido pelo agente carcerário que era metade do seu tamanho. Conhecido como Nóbrega, o antigo parceiro de cela do Puca também é médico, também indiciado por aliciamento de pessoas, tráfico de órgãos. Esse foi “contemplado” ainda com a cassação do direito a prática médica após ter sido identificado pelo pai de um paciente como o ladrão dos órgãos do filho. Uma outra história de arrancar os cabelos. O Nóbrega chegou com uma expressão calma, suave, de quem estava adepto a oferecer algo, se bem remunerado, e eu estou aqui pra isso. 

          - Olha, uma investigadora. Isso não acontece todo dia. Em que posso te ajudar, dra? 

          - Em que pode me ajudar é você quem vai me dizer, meu preço é bom, mas depende se sua ajuda é boa. 

           - Meu advogado falou mesmo do preço, redução de 10 anos e transferência para um presídio na capital, perto da minha família. 

         - Exatamente. Mas para receber esse pagamento, quero a localização do hospital e o funcionamento da rede, com nomes. Bem descrito. 

           - Mas isso vale muito mais que 10 anos, no mínimo 15 anos e uma prisão domiciliar. 

        - Ah, Nóbrega, não blefa comigo não querido - falei no mesmo tom de voz manso, suave que ele - sabe que o acordo já está fechado e assinado. Se quiser esse presente, me dá as informações. Caso não, vou embora e você fica aí, com sua pequena pena de 79 anos, quem sabe é você! - cinicamente respirei fundo - Ou da até para acrescentar mais alguns por obstrução à justiça, sabe que é bem simples fazer isso. 

- “Que” isso, não vamos caminhar por esse lado não. Mas dá para acrescentar uma prisao domiciliar não dá? Me ajuda que te ajudo!

- Querido, te dar prisão domiciliar é te liberar pra operar. Fico sem o caso, mas você continua sem casa - mantendo o tom amigável, pacifico - Vai querer os 10 anos e a prisão em São Paulo ou posso ir embora? Meu tempo é curto demais pra ficar aqui, sem contar que esse presídio fede. 

- Tá certo, a dra quer saber o que? 

- As cirurgias são feitas em um hospital proprio da quadrilha, onde fica? 

- humm, direto assim, gostei de você. Fica em heliopolis. 

- Nóbrega, o lugar. 

- Não tem como eu te dar as coordenadas, preciso de um mapa ou pelo menos de um computador, um guia de GPS. O hospital fica em uma casa de alvenaria lá na favela, são tres cômodos, coisa simples, mas bem equipada. Duas salas cirurgicas e uma recuperação pos anestésica. Sem janelas para os corredores ou para as ruas. Fica perto de um bar, onde sempre fica um ou dois do movimento cuidando. 

- Do movimento, quer dizer trafico de drogas?

- O Grilo é um cara versátil. Ele tem o apoio do trafico de drogas e nada acontece na comunidade sem o aval do Quinzena, chefe do movimento. 

- Esse bar fica por qual entrada da comunidade?

- Pega ali pelo mercadinho amarelo, tem um boteco no final da rua. A entrada do hospital é uma vielinha, parece que não passa uma maca, mas passa tranquilo. 

- Mais detalhes, quero chegar lá e saber a porta pra entrar. 

- Po dra, ai tu me quebra. To a uns 3 anos sem passar lá. Não sei que porta tem, qual cor. No final da viela, vai cair a esquerda, tinha duas portas, a da esquerda. 

- Você sabe que vou testar todas essas informações ne? E se for falso eu pessoalmente venho te avisar que seu beneficio caiu. 

- Não é cao. Mas é real que não vou lá a tres anos. 

- E como os orgãos são pegos? Quem escolhe os clientes? Quero isso. 

- Po, o novelo é longo. Tu não quer colocar o gravador na mesa pra guardar melhor a informação? 

- Que gravador zé mane?

- A Sra quem sabe, não me importo que grave, acho até mais seguro. Enfim, os pacientes são indicações de médicos e de outros pacientes, pessoas que tenham dinheiro o suficiente para comprar e pagar a cirurgia. Não é pé rapado, pobretão. 

- Tá, mas vocês dão um cartãozinho, oh vai no meu consultório e agenda uma consulta? Como o paciente chega até vocês?

- Dra, faz tres anos que não tenho contato com ninguém. Naquela época tinha um escritório na praça da sé, um ponto zero que o paciente podia se apresentar ou ligar. Normalmente, como é gente rica, vai um representante, nunca vai o paciente em si. Ou os brothers que iam atras do paciente, chegava na surdina, oferecia um rim, um coração. Esse caminho era o mais seguro. 

- Tá, esse ponto zero na praça da sé? Detalha mais. 

- Po, sabe aqueles caras que ficam na porta do metrô oferecendo atestado? Foto? A mãe? Então, o código era tem caneca nova? Não sei se mudou o código, deve ter mudado. Qualquer um que recebesse a mensagem “Tem caneca nova” chama um brother específico e esse camarada era quem pegava os dados, telefone, o caramba a quatro. Libera o representante. Depois um camarada mais desenrolado marca uma reunião, em um lugar público qualquer, para aprofundar as informações médicas, pegar dados, soltar quanto tempo vai demorar pra ter os órgãos, coisa assim. 

- E quanto tempo leva? 

- Dra, isso é muito relativo. Um rim é fácil, dá pra comprar de alguém. Um coração já complica que precisa ter um aliciamento ou desenrolar de alguém. 

- Matar alguém pra isso? 

- É. não tem como conseguir um coração sem matar ninguém. 

- E como vocês escolhem a vítima? 

- Que vítima? Quem vai receber ou quem está doando?

- Quem vai morrer pra dar um coração a um esnobe rico?

- Isso depende do tipo sanguíneo, tem que ter uma altura próxima, idade próxima, boa condição de saúde. Essas coisas. 

- Tá, então vocês tem um banco de possíveis doadores - fiz os doadores entre aspas. 

- Dra, o tráfico de orgãos não funciona sem o tráfico de pessoas, sem os usuários de drogas, sem os devedores de agiotas, essas coisas. Eu era só o camarada que ajudava a operar. Quem escolhe quem vai morrer ou quem vai viver, se a família vai receber algo ou procurar pra sempre seu parente, não sou eu. Eu tirava um coração velho e colocava um bom, medicava com imunossupressor, cuidava do pós operatório. 

- Nunca se importou com essas respostas? 

- Cara, até comecei a questionar, mais fui sendo isolado. Isso é uma questão de segurança. Quanto mais sei, mais posso delatar, como a senhora bem sabe. 

- Tá, você então só recebia um recado, vem operar hoje? 

- Basicamente isso. Tínhamos um código: Chegou caneca pra troca. Eu sabia que no dia seguinte, antes do amanhecer, em geral umas 4 ou 5 horas, eu tinha que estar lá no hospital. O paciente já estava lá, o doador, a equipe também. Cumpria minha função e ia embora. 

- Quem era a equipe? 

- Eu, o Puca, um anestesista, um instrumentador. Ficava uma mocinha ajudando no pós operatório também. O anestesista era um camarada branco como se não tivesse sangue, eu nunca entrei em detalhes, mas acredito que um bom usuário de tudo que se possa imaginar. 

- Tem nomes? 

- Nunca me atrevi a perguntar, consigo fazer uma descrição, mas dar nomes, codinomes, isso eu não consigo. 

- E como você entrou nesse mundo? 

- Ah dra, o mundo tá cheio de historia de idiotice. E a minha é uma das inúmeras. 

- Manda ai. 

- Eu comprei carro do ano, meti muita roupa de marca, gastei muito mais que eu se quer pensava. Gastei muito mesmo, mas ninguem que compra tudo isso, compra pra dar plantão. Compra pra conseguir mulher, para ganhar mais dinheiro, essas coisas. E se fez uma bola de neve. Fui atras de um agiota pra conseguir mais dinheiro, e também não consegui pagar ele. No final da história ou trabalhava pra ele ou morria. Se estou vivo, é porque fiz uma escolha. 

- E esse agiota ainda tá na ativa? Como consigo achar ele? 

- Na época foi um outro colega médico que indicou o Juba, o nome desse agiota.  Liguei pra ele, e claro que gentilmente apresentou uma proposta de financiamento que salvaria meus dias. E eu cai no conto da sereia. O poder mata o homem pela boca. 

- Sabe se esse agiota, o Juba, também aliciava pessoas para vender os órgãos? 

- Como eu disse dra, é mais seguro não saber das coisas. Nunca fui tão próximo a ninguém a ponto de saber dessas informações. Mas, to aqui lembrando, uma vez o Puca me disse que estavam expandindo. Esse Juba tinha descolado uma pessoa para levar vendedores de órgão para fora. Mas não sei quem é essa pessoa. E falo mais, eu imagino que precise de alguém para receber esse vendedor no outro país, uma rede de distribuição, essas coisas, pensando em logística. O crime é excepcional, inteligente, dedicado, promissor, mas para o foco errado. 

- E Nóbrega, quando você operava, era um receptor por vez? 

- Dra… não. Era quase dia de mutirão. Eu saía exausto depois de 5 ou 6 cirurgias, às vezes chegava a três dias direto de cirurgia. Normalmente era um doador, que gerava dois rins, um ou dois pulmões, é difícil receptor de pulmão, um coração. Vez ou outra, retiraremos o órgão e um camarada levava para algum lugar, tudo na rataria. Eu só não mexia com a parte ocular, tenho uma aflição gigante de olho. 

- O doador morria, né? Tiravam tudo. 

- É dra. Tirou o coração, morreu. Eu ajudava a tirar o coração e implantar no outro paciente. De um modo geral, quando eu voltava na sala do doador, não tinha mais nem corpo. Alguém já tinha levado. 

- Fazia isso quantas vezes por semana? 

- só dava pra fazer uma. É até perigoso mais de uma por semana, equipe pequena também. Só tinha duas salas, dois cirurgiões. Não tem como tocar tanta cirurgia junto. 

- Quanto você recebia por cirurgia? 

- Po, no começo nada, só pra pagar minha dívida com o Juba. Depois comecei a crescer, tava dando certo minhas cirurgias com o Puca. Eu recebia por volta de 10 a 15 conto por processo. Dava pra operar 1 vez por semana, com um salarinho suave de 40 mês, em mês bom, batia 60. 

Eu estava aguentando bem o depoimento do Nóbrega, até bem gentil e centrado que a maioria dos detentos e “malemento”, mas quando ele falou o valor que ele recebia para matar e traficar órgão, sobre a premissa médica, fiquei enjoada. Uma súbita náusea desejando ejetar a pizza de 4 queijos que comi no café da manhã com a Beatriz. Não posso demonstrar esse desconforto, preciso me manter firme. 

- Quem coordena as cirurgias, quem vai operar hoje? Quem é o doador? 

- Oh, quem mais estava por dentro das cirurgias era o Puca. Mas a sensação que eu tinha é que alguém acima dele orientava. O Ouca nunca foi organizado, muito menos com noção. Pra mim ele tem alguma patologia psiquiátrica, algum distúrbio. Falando a nível médico mesmo. Enfim, ele nunca foi organizado para chefiar nada. Nunca foi pontual para fazer encontro com pacientes, essa parte. Ele é ótimo operando, mas pra chefiar deve ter alguém acima. 

- Algum médico? 

- Não necessariamente, uma enfermeira é ótima para coordenação de centro cirúrgico, de entra e sai de paciente. Mas até três anos atrás, eu não sei se tinha essa pessoa ou não. 

- Vocês faziam essas cirurgias em crianças também?

- Dra, cirurgia pediátrica é uma área médica muito específica. Eu mal sei operar um apêndice pediátrico, quem dirá o coração de uma criança. Esse sistema de trafico de orgaos também existe para crianças, eu não participei,  mas existe. 

- Quer acrescentar alguma informação Nóbrega?

- Acho que não dra. Mas fico a disposição, eu já caguei muito nessa vida. Se eu puder ajudar alguem, fico a disposição. 

- Vou transcrever seu depoimento e depois te trago pra assinar - levantei da mesa e fui até a beirada do corredor. Um agente estava próximo a grade e me atendeu assim que me viu. Abriu a grade liberando meu acesso, entre aspas me dando a liberdade e entrou na sala para encaminhar o Nobrega. Eu segui pelo corredor, mas tudo naquele lugar era fechado, cheirando a mofo e urina. Minha náusea foi crescendo de tal forma, que eu não conseguia mais segurar nada no estômago, o primeiro cesto de lixo que achei foi em jato, café preto, pizza, água, tudo. 

Procurei naquele corredor um banheiro, alguns passos a frente consegui achar um. Claro que praticamente sem tocar em nada, mesmo sendo uma área administrativa, joguei a água no rosto, lavei as mãos, passei pelo cabelo, tentando acalmar alguns fios dos cachos rebeldes. Dava para ver no espelho minha palidez, representativa do meu real desconforto em ouvir esse depoimento. 

Eu raramente me envolvo emocionalmente com os casos, raramente deixo meus critérios morais falarem mais alto. Com uma breve relevância aos crimes de tráfico de drogas, que eu tenho uma raiva pessoal, por conta até mesmo da minha história familiar. Mas ouvir tão suave e educadamente que ele abre pessoas, tira seus órgãos, tira seu coração, da a outro e nem sabe o destino do corpo, foi ao menos indigesto. A cada ano que trabalho na civil descubro um novo limite para o lado negro da humanidade. 

Redigi o depoimento do Nóbrega e imprimi em três vias, solicitei a presença dele para assinatura, que ocorreu sem impedimento. Uma coisa que acho desonesto é reduzir a pena de alguém, por ele colaborar pela justiça. Se ele ajudasse a justiça, não teria cometido o crime, mas isso é uma expiação pessoal minha. 

Sai daquele lugar fétido tão desnorteada, que lugar pesado. Fui andando e seguindo pelos corredores até atingir a parte externa com o ar quente do interior de São Paulo. Vi um ponto de taxi a uns 100 metros, fui andando até lá e negociei uma corrida até o centro da cidade. O taxista até quis puxar conversa, mais eu queria um espaço, ar, apenas respirar. No centro da cidade encostei no primeiro restaurante decente que achei, por kilo. É aqui mesmo. A primeira coisa que fiz foi ir ao banheiro, muito mais limpo que do presídio, lavar as mãos e o rosto. Depois voltei ao salao e pedi uma água com gás e gelo, que quase engoli em uma deglutida só. Agora sim, consigo almoçar e me restabelecer. 

Após o almoço enrolei um tempo e parei em uma cafeteria para tomar um café e me distrair. Mas eu me conheço um pouco, sei que além do incomodo do depoimento e do presídio, eu estou preocupada com outra coisa. E essa coisa, na verdade pessoa, tem nome e sobrenome. Beatriz Coelho! O que foi ontem ela se declarando pra mim? Eu já estava vendo a Bia com outros olhos desde que a Isa me deu um toque, mas ela namorar o Gabriel, era claro um problema. E vou dizer que eu não imaginei nunca a Bia assim direta, determinada. Ela sempre é mais recatada, perdida, aquela pessoa que parece que tem uma história maravilhosa pra contar, mas trava, sabe?

Talvez estejam se perguntando o que aconteceu ontem, mas posso dizer nada. Apesar de tudo e qualquer coisa que a Bruna seja ou faça, eu não sou uma namorada que trai, muito menos que termina por telefone ou algo assim, que troca algo bonito por uma noite. Eu não sou assim. Apesar que traição pode ter vários significados e  eu me assustei e me encantei pela Beatriz ontem, como eu desejei estar solteira, como eu queria ali mesmo beijar ela, amar ela. Sem contar que a Bia é linda, falando de corpo. Ela tem umas gordurinhas que devem encher as mãos, de dar gosto de apertar. 

Depois que jantamos a pizza e ela falou tudo aquilo, jogou no meu colo a bomba de estar solteira e estar gostando de mim, tentei não fazer um clima estranho. E não ficou. Terminamos de jantar na sacada do quarto e depois entramos. Eu fui tomar um banho, sozinha claro, enquanto ela ficou escolhendo um filme, ela sabe meus gostos de filmes.

Quando voltei, ficamos assistindo ao filme juntas. Isso é uma coisa que sempre fazemos, ela deita com a cabeça nas minhas pernas e ficamos vendo o filme, enquanto ela ganha cafuné no cabelo. Esse foi um carinho que fomos criando, desenvolvendo e pro meu desligamento, achava que era um carinho de amigas. Mas dessa vez foi um pouco diferente, eu estava tensa, sem contar no tesão louco que eu estava sentindo em só fazer carinho nela. É estranho porque mesmo com a Bruna, eu não senti essa sinergia que aconteceu ontem com a Bia. Parecia que o cabelo dela estava me dando choque, eu estava arrepiada em fazer um cafuné, molhada por ter ela deitada no meu colo. 

Ficamos nessa por umas 2 horas, o filme todo na verdade. A Bia não olhou nenhuma vez pra mim, só ficou lá deitadinha, recebendo meu carinho. Ela não dormiu no meu colo porque dava para sentir sua tensão muscular. Deu pra ver os pelos arrepiando quando fiz um cafuné na nuca, e um gemido quando dei um cheiro no pé do ouvido dela. Eu me julgo muito e talvez eu tenha perdido uma oportunidade de ficar com ela, uma oportunidade que talvez eu não tenha mais. 

Essa foi só uma parte da tortura, quando o filme acabou, fomos dormir. E como sabem, na mesma cama, já que a bonita só reservou um quarto e só com uma cama. Eu parecia uma adolescente reta na ponta da cama, quase sem me mexer. Mas a Bia, sagaz, sagaz, tirou a blusa do pijama e ficou só com a bermuda, pequena, e o top de alcinha, decotado. Deitou calmamente com os glúteos virados pra mim, de conchinha nela mesmo. Eu me contive, me contive, idiotamente, até ela perguntar se o cafuné tinha acabado ou só poderia ganhar mais. 

E é claro que eu fui. Passei meu braço por baixo do pescoço dela, estreitando o corpo, com a outra mão fui no cabelo solto dela, fiquei ali fazendo cafuné, sentindo o cheiro dela, sentindo a pele da Bia esquentar. Eu praticamente não dormi, fiquei naquela posição a noite toda, com meu nariz apoiado em seu pescoço, minha mão na cintura, encostada na pele quente. Se eu fosse um poço menos calculista, tinha descido a mão ali pela bermuda dela e tínhamos nos tocado. 

Eu vivi ali um embate desconfortável comigo, lembrava da Bruna, minha namorada, posso falar que até com certa raiva. Raiva da Bruna por que eu tenho a sensação que com ela eu só apenas um momento, que ela não vai nunca deixar de ser requintada pra ser simples, mas amada. Estou com raiva de mim de não ter aproveitado esse momento com a Bia, de não dar uma chance pra ela. Uma chance efetiva, porque a maneira como eu fiquei molhada, a forma como eu estava desejando a Bia, mostra que o meu corpo já deu uma chance. Ah, e tem o desconforto que eu estou em olhar pro Cantão, o cara é meu amigo, como explico pra ele que sou a causadora do fim do namoro? Apesar que o namoro deles já vinha tropicando a um bom tempo, sem interferência alguma minha. 

          Quando ela acordou hoje, com um sorriso gigante, virou de um jeito tão lindo pra mim. Vi seus olhos castanhos brilhosos e me derreti mais um pouco. Me senti mal em seguida, eu não deveria sentir isso pela Bia, afinal namoro a Bruna não?! Enfim… a Bia se ofereceu para me acompanhar no presídio, mas não havia necessidade. Eu consegui poupar ela desse desconforto, deixei ela seguir na vigia da ex esposa, isso me ajudou a não pensar tanto nela, porque pensar eu pensei. 

Eu cheguei agora na pousada, desejando encontrar ela, mas ao mesmo tempo desejando que ela não esteja no quarto, que por sorte não está mesmo. Tirei meu sapato  e deitei na cama, meu corpo doeu com a pressão das costas. Tentei esticar a coluna rolando para o lado, mas acabei esbarrando no travesseiro que ela dormiu, e como uma adolescente boba cheirei o travesseiro dela.  Que coisa infantil Flávia! Peguei no sono, ali mesmo, abraçada ao travesseiro que ela dormiu. 



- Flavinha… Ei, acorda - um cafuné gostoso no meu cabelo, seguido de um cheiro na orelha, me deixou arrepiada. Sem abrir os olhos soltei o ar, procurando forças para abrir os olhos. Estou exausta. Abri os olhos e sentei na cama - Oiii!

- Oiii linda - segurei a mão da Bia, que sentava na cama ao meu lado - Como foi lá?

- Humm, como o esperado. A mulher segue do trabalho pra casa e de casa pro trabalho, boa índole, dedicada aos paciente, nada novo. Só dez horas de tocaia e fotos de muitos cafés. E você?

- Consegui bastante coisa, talvez uma localização mais exata do hospital. O cara mencionou um agiota que faz o aliciamento de pessoas para vender os órgãos no pagamento de suas dívidas, ele também faz o aliciamento dos cirurgiões, equipe, essa parte.  Eu já estava com uma tese direcionada para esse caminho. 

- Hum, por isso estava investigando a Mayra, ex namorada da Bruna?

- Oi - sentei assustada na cama - do que está falando? 

- Desculpa, isso nem é assunto meu. É que esses dias você me emprestou seu computador, lembra? Acabei vendo que você estava levantando alguns dados da Mayra, receita federal, passagens aéreas. 

- Bia, isso é uma coisa por baixo dos panos, nem tenho permissão pra fazer isso - falei assustada e até um pouco irritada.

- Fla, calma, eu sei. Esquece isso, não tenho nada a ver com isso. Só não quero que se prejudique por uma rixa, um desafeto. Só cuidado com o que você faz, tá? - Passou o dorso da mão no meu queixo, me fazendo um carinho, um sinal de companheirismo, parceria. Acabei soltando meu rosto na mão dela, sentindo um carinho gostoso, um cuidado de final de dia. Algo que eu tive com a Fabi e sinto falta todos os dias - Tá muito cansada?

- Depende. 

- Como já vamos embora amanhã, ia te propor ir a um barzinho aqui perto. Jantamos lá, batemos um papo, coisa rápida. O que acha?

- Pode ser. Só preciso tomar um banho antes. Eu cheguei, só tirei o sapato e apaguei. Não dormi nada a noite. 

- Eu te atrapalhei? - ela ficou vermelha, com vergonha de ter incomodado ou algo assim. 

- Claro que não Bi. Foi uma delícia ficar abraçada com você - a Bia ficou mais vermelha ainda, sem graça e eu acho que fiquei também quando percebi o que eu falei - Humm, é… vai tomar banho antes de irmos? Pode ir lá, vou quando você terminar - falei tentando quebrar o clima constrangedor, mas não deu muito certo. 

- Humm, é… tá bom. Coisa rápida. 

- No seu tempos - frase automática, mas com relevante significado. Eu estava no mínimo constrangida, sai para ficar um pouco na sacada. Não tenho a intenção de ver ela se arrumando, saindo do banho ou qualquer coisa do tipo. Estou incomodada com essa situação, não por ela e sim pelo meu desejo, minha vontade. Na sacada sentei no banquinho, mesmo que jantamos ontem e fiquei olhando o entardecer, o cair da noite. Até ser assustada pelo celular tocando, me trazendo a um problema ou solução, não decidi ainda. 

- Pronto. 

- Oi né amor?! Sumiu hoje! Tá tudo bem? 

- Desculpa Bru. Eu passei praticamente o dia todo no presídio, que não dá pra mexer no celular, sai de lá e fui almoçar. Cheguei no hotel e apaguei, acordei agora. 

- Verdade, você iria no presídio hoje. Tudo bem lá?

- Ah, aquele lugar é nojento, fétido. Consegui algumas informações importantes, que vão me ajudar no caso, mas eu não gosto de presídio. Por mim nunca mais entrava em nenhum, o que eu duvido acontecer. Como foi seu dia? 

- Está complicado aqui. Fica bem desconfortável a situação quando o Antônio está fora, eu acabo assumindo mais obrigações que o habitual - ela começou a falar sobre o caos do jornal, como fica sobrecarregada, como isso, como aquilo, o mesmo calvário pessoal que passa todo dia. Eu escuto, acolho, mas é uma situação que está me incomodando, saturando. Se não te faz bem, te incomoda, sai, segue em frente. Sei e entendo que não seja tão fácil assim, mas são evoluções pessoais. Não é que queira trocar algo incerto por outro incerto, não é isso, mas eu não vou me submeter a um relacionamento que está começando a serendo de alguma forma forçado. Um namoro gostoso é pra ter companheirismo, vontade de se ver, fogo, alguma coisa que conecte os dois lados e eu não sinto mais isso pela Bru, às vezes me sinto mais aliviada por ela estar ocupada com o jornal e não poder me ver. 

Isso é foda na minha cabeça, parece até desonesto com ela, mas não pode ser desonesto comigo. A Bruna foi a primeira pessoa que eu consegui me soltar, me sentir bem junto depois da Fabi, depois do luto antecipado que eu vivi. Não é fácil seguir em frente e não afundar com quem está partindo, foi muito difícil, mas eu me coloco a pensar se a Bruna não foi uma ponte que eu precisava passar ou um momento específico que eu precisava viver? Não tira minha vivência, não tira o que sentimos e vivemos, jamais, mas será que não “foi”? Do outro lado eu pergunto, ela esqueceu a Mayra em algum momento? Superou ela? Seguiu em frente? A cada dia mais eu acho que não, acho que eu sou um interposto entre elas, e eu não quero seguir em frente com ninguém sendo um desvio, um peso, uma barreira pro verdadeiro desejo dela. 

Ah, sem contar a questão do padrinho e das minhas suspeitas. Eu estou em off, bem em off investigando a Mayra e o Antonio. Isso a Bruna não pode nunca sonhar. A Mayra tem um estilo de vida diferente do que o salário dela proporciona, nada declarado na receita federal. Até aí seria “apenas” sonegação de imposto, mas tem uma questão que me chama muito a atenção, diversas viagens internacionais rápidas. Uma empresa não paga uma viagem internacional de bate volta assim, simplesmente “ah, vai hoje”. Isso é estranho, no mínimo suspeito. Aí juntando várias viagens internacionais rápidas com aumento da renda não declarada, inconsistência de humor, que pode estar relacionada a estresse intenso. O padrinho dela aquele dia gritando que a culpa era minha, que a Bruna colocou uma policial no meio deles. Não sei ainda o que é, mas meus anos de investigadora me diz que algo é. 


Depois que ouvi as lamúrias da Bruna e consegui me despedir dela, desligando o celular, passei mais uns 5 ou 10 minutos, olhando para o céu, respirando aquele vento quente do interior e admirando o cair da noite. Eu sei que estou indo com a Bia só comer alguma coisa, ela beber alguma cerveja, mas confesso que estou nervosa. A Bia não está brincando, está decidida, firme e dedicada ao jogo. E confesso que erroneamente, eu não sei mais se quero fugir ou se o que está apertando meu peito, me deixando ansiosa é a  resposta do quero, aceito. 

Entrei no quarto e ela estava terminando de colocar o brinco, acho que instintivamente sequei ela, olhei dos pés a cabeça, estava com um vestido verde, de alcinha, até o meio das pernas, jovial, delicado, vivo. Um tênis branco, provavelmente bem confortável, aparentava pelo menos, o cabelo curto nos ombros, solto, diferente do habitualmente preso para o trabalho. Eu devo ter petrificado na porta do quarto pois a Bia soltou um “Tudo bem Fla?”, mas estava tudo bem, com meu coração batendo com força, acelerado, explosivo, quase gritando o quanto  ela estava linda e eu caidinha.


Fim do capítulo


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Comentários para 44 - Capitulo 44:
jake
jake

Em: 09/04/2024

Gosto da Bia.Acredito q Mayara tá envolvida com sujeira tipo e Bruna não vai perdoar se a Flávia enquadrar Mayara e o Antônio a morte do  jornalista pode fazer parte de tdo isso ....Flávia não aceitaria nada que fosse ilegal mesmo sendo padrinho da Bru.Por essas e outras que  não vai dar certo. Parabéns Autora Volga logo rsrsrs. 

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polenazareth
polenazareth

Em: 07/04/2024

Gostei que ela se mostrou confusa, mas acho que ela conversando com uma psicóloga agora seria interessante para ela ter um ponto de vista sobre essa confusão. Seria interessante escutar uma consulta com ela. Não gostava quando a Bruna dava patada nela, mas confesso que eu gosto dela com a Bruna, mesmo achando essa confusão normal, a questão que abordaram sobre ela querer sempre ter uma donzela para salvar acho interessante também. Enfim, se ela continuar com a Bruna acho justo ela ser sincera sobre o que aconteceu até agora, pois mesmo não sendo até agora algo consumado houve de certa forma já uma traição, ela pode falar que tá confusa e tudo mais, mas primeiro de tudo ela tem que entender o que tá sentindo.

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mtereza
mtereza

Em: 06/04/2024

Nossa que reviravolta a relação dela e da Bruna já tinha passado por tanta coisa achei que estava se fortalecendo aí aparece a Bia , estou achando  que a Flávia tem necessidade de ter mulheres que dependam dela totalmente para ela ajudar salvar já que não pode fazer isso com a esposa 

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edjane04
edjane04

Em: 30/03/2024

Eita Bia!! 

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Mmila
Mmila

Em: 30/03/2024

A Flávia desengatou a trava.

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DR3
DR3

Em: 29/03/2024

bom, pelos dois coments aqui embaixo, a história tá indo pra um lado bosta mesmo. então, removendo da minha biblioteca pra não ver mais atualização de coisa nd a ver ¬¬
foi-se o tempo em que era boa..

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Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 29/03/2024

Oxente, que viravolta de Bruna pra Bianca tu tá pegando tudo em Flávia não perdoa.

Aí tem coisa viu.

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Socorro
Socorro

Em: 29/03/2024

Nada haver esse possível "casal"

agora a Bruna virou a pior namorada no mundo, né dona Bia!?? 

triste !!!

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