Capitulo 42
Cap 42 - Bruna
Nos fomos juntas, no meu carro, até o pub que a Isabelle indicou. A Flavinha foi dirigindo, os outros três patetas foram no carro do Cantão, a frente. A Flávia estava leve, nitidamente havia se divertido no clube de tiro, ela gosta dessas atividades. Quem não gostou exatamente foi eu, talvez mais por ciúmes que por falta de sincronia com a prática de tiro.
Eu aceito a Beatriz até que de certa forma, ela é namorada do Bibo, divide a casa com a Flavinha. Mas qual foi a necessidade do Gabriel convidar a tal da Isabelle? Não acreditei quando eu a vi no clube de tiro. Ela me tira do sério, dá em cima da Flávia na cara de pau e a Flávia deixa. Apesar que eu posso dizer que a Flávia é tão cheia de princípios, um ser humano tão específico que talvez eu esteja viajando, acreditando em algo inventado por mim.
Nós chegamos na rua do pub e como sempre, a Flávia estacionou facilmente meu carro. Eu ficaria rodando quarteirão atrás de quarteirão ou entregaria na mão do valet, mas minha scania de estimação claro que estacionou sem nenhuma dificuldade. A Flávia sempre cuidadosa e romântica me deu um beijão antes de descermos do carro e perguntou se tudo bem irmos ao pub, se eu me sentia à vontade. Concordei que sim, melhoramos muito de bar de faculdade para um pub, então não posso reclamar muito.
Eu conheço esse bar, vinha muito aqui com a Paula, uma ex-namorada minha da época da faculdade de jornalismo, então há um certo tempo. Enfim, já deve fazer uns 7 ou 8 anos que não venho aqui, a entrada ainda é a mesma, com o mesmo letreiro. Passamos pelo guichê da entrada, para provarmos que somos maiores de idade e pegar a comanda. Assim que subimos a escada de madeira, já vimos o hall do bar em si. Lindo e arrumado como sempre. O Bibo mal chegou no hall e já saiu fugido para o banheiro e me deixando ali com a Beatriz e a Isabelle.
A Flávia tomou a frente e pediu uma mesa para cinco pessoas, preferencialmente próximo ao telão. O lugar não estava muito cheio não, então tivemos facilidade de sentar onde ela queria. Ela é muito fofa, isso eu não posso negar nela, puxou a cadeira pra mim, perguntou se eu já queria pedir uma cerveja, se eu queria alguma coisa específica.
- Humm, já me vê um chopp escuro. Bem gelado.
- Isa e Bia, já vão pedir alguma coisa?
- Eu quero uma Weinbier preta, por favor - o rapaz questionou se era lata ou o copo, a bonita pediu uma lata - Vai tomar uma cerveja comigo hoje? - A sem noção da Isabelle perguntou pra a Flávia, eu vou perder minha paciência com ela, estou tentando não perder minha classe.
- Jamais, sou uma vida sem álcool - olhou pra mim e falou - Bru, pega uma água com gás, gelo e limão pra mim - posicionou a mão em cima da minha, deixando sutilmente claro que estava comigo. A Flavinha foi bem leve, já puxando papo com a Beatriz. O Cantão retornou em pouco tempo depois.
- Excelente, pegaram de frente pro telão. Hoje tem champions sapatão?
- Po bonitão, claro né? Real x PSG - Flavinha conversando com o Bibo. Eu nem sabia que ela gostava de futebol assim, sempre achei que ela fosse desprendida, sei lá, só gostasse de rugby.
- Carai, é hoje? Nem me liguei que era hoje as quartas de final hoje - a Isabelle entrou no bate papo entre a Flavinha e o Bibo.
- Velho, vamos vir aqui na final. Deve ser bonzão aqui no dia da final - os três emendar em um papo sobre bar e assistir jogo. Só pararam momentaneamente com a chegada do garçom com as bebidas.
Eu estava incomodada, mas pra mim, a Bia estava incomodada também, mas claro que eu não vou puxar essa pergunta pra ela. Será que ela tem ciúmes da Isabelle com o Gabriel? Ele nem gosta desse padrão de mulher, ela deveria saber qual o padrão que ele gosta. A Isabelle tem um cabelo cacheado castanho, um pouquinho mais baixa que a Flávia e nitidamente “o sapate que habita em mim, saúda o sapate que habita em você”. Pra mim não desce, me dá ranço ver ela ali no bate papo continuo com a Flavinha.
- Amor, vamos pedir uma comidinha? - A Flávia soltou quando eu pedi o terceiro chopp.
- Humm, aqui tem um fish and chips maravilhoso.
- Já veio aqui? - A Flávia perguntou diretamente.
- Uns 6 ou 7 anos atrás, faz tempo - tentei desbaratinar - se for bom como naquela época, é certeiro.
- Humm - levantou o braço para o garçom - então pede esse negócio aí, deve ser bom. Eu quero uma batata frita com cheddar. Vão pedir alguma coisa para comer? Melhor hein. Futebol e chopp, dá ruim no final.
- Ah, a investigadora vai levantar até quantos copos de chopp você tomou na vida passada - A Isabelle falou.
- E quem limpou seu vômito - o Bibo sem noção completou.
- Fazer o que, sou boa no meu trabalho - a Flavinha falou, em um tom de brincadeira, concordando com eles. Quando o garçom chegou, eu fiz o pedido do Fish and chips, da batata da Flávia e os demais da mesa pediram mais algumas coisas. No intervalo do jogo, houve uma música ambiente gostosa, um indie rock leve ao fundo. A Flávia todo o tempo estava carinhosa comigo, como ela sempre é. Mão na perna, beijinhos às vezes, puxando papo comigo, me inserindo na conversa de futebol.
O que eu reparei do outro lado foi o Bibo um pouco longe da Beatriz, longe no sentido de não estar carinhoso com ela, ficou mais conversando com as duas sapatoes que com a propria namorada. E a cara da Bia estava cada vez pior, desde o clube de tiro ela está com uma expressão desconfortável. Será que puxo papo com ela? Eu não!
Quando a comida chegou a Flavinha me perguntou sobre o fish and chips. Expliquei que era um prato tradicional da culinária britânica, original da época vitoriana, quando os britânicos viviam próximo ao mar.
- Acho lindo isso em você. Sua inteligência, sabe de tudo um pouquinho. Isso me encanta em você - completou com um selinho. Eu fiquei vermelha, claro, encantada com esse cuidado que ela tem por mim. Isso é uma das coisas que eu senti mais falta, o cuidado gostoso da Flávia, ela se preocupa com pequenos detalhes, é uma pessoa parceira, de vamos juntos, isso me encanta nela.
- Prova o peixe com esse molho aqui. É um molho tartaro. Esse é um molho criado por chefs franceses para os peixes e comidas dos Czares russos.
- Hummm, mozão é cultura também! - Eu achei lindo ela falando isso, sem contar que comer bem, em um lugar limpo e decente é bem encantador, muito melhor que aqueles botecos de faculdade que ela gosta de ir e de me levar. O jogo foi chegando mais ao fim, a mesa estava um bate papo legal sobre futebol e comida, na verdade um bate papo legal entre os três, eu tentando me inserir e a Bia bem deslocada. Por um certo momentos eu fiquei com dó ou incomodada com a Bia, ela estava bem deslocada.
- Eu vou ao toalete, vamos comigo Bia?
- Eu?
- To vendo que somos as únicas que não estão de olho no jogo. Vem comigo - ela levantou e veio para perto de mim, seguimos para o banheiro. Eu usei rapidamente, ela nem usou, ficou me aguardando do lado de fora da cabine. Sai, lavei as mãos e ofertei - Vamos pegar um chopp? Tem um segundo bar aqui nesse espaço - seguimos para o segundo bar, em um espaço bem mais vazio, mais claro e ventilado. Pedi dois chopps na minha comanda e sentamos em uma cadeira proxima ao balcão - Eu reparei que você está mais quietinha, na sua. Está tudo bem?
- Hum Hum, tá sim.
- Mesmo? Você divide o apê com a Flavinha, ela adora você. Fico preocupada com você pra baixo - não deixa de ser verdade
- Não, tudo bem mesmo. Não pensei que fossemos vir pro bar, só estou cansada.
- Acabamos vindo né?! Até me assustei quando a Flávia fez o convite, ela quase nunca vem pra esse tipo de lugar.
- Ah, quem fez o convite foi a Isabelle, né?!
- Foi? Achei que tinha sido ideia da Flavinha.
- A Flávia detesta lugar escuro, duvido que ela gastaria o sábado dela em um bar.
- Achei estranho, mas como nós ficamos longe um tempinho, estamos nos adaptando…
- É coisa da Isabelle, eu acho ela tão desagradavel. Eu não gosto dela, suporto só. Desde quando você e a Flávia deram um tempo, ela colou tão intenso na flávia. E sabe o pior, a Flávia é tão educada, tão princesa que não dá um corte nela.
- Achei que estava incomodada com a Isabelle toda hora puxando papo com o Bibo.
- Isso também, mas meu incômodo é a Isabelle por si própria. Desde que vocês deram esse tempo, ela vira e mexe está lá em casa, elas ficam conversando horas. Acho chato só isso. Ai desculpa, nem temos essa intimidade pra eu falar assim com você.
- Acho que temos nossas diferenças, Bia, mas estamos juntas no mesmo ciclo. Não gosto de ver ninguém incomodada.
- Sim, eu estou incomodada com tanta coisa que transcende o bar, esse grupinho.
- Alguma coisa que posso te ajudar?
- Por enquanto não, mas talvez daqui uns meses eu vá pedir sua ajuda como jornalista, em relação a publicação de imagens. Que conversamos um tempo atrás.
- Sim, claro. Tendo uma imagem boa ou algum projeto, me dá um toque que eu vejo no grupo. O principal é o jornal, mas temos vários outros meios de divulgação. Enfim, quando quiser podemos ter essa conversa - meio que nossa conversa acabou aqui. Terminamos nosso chopp neste segundo espaço, mas quase que sem conversar. Tentei puxar um ou outro assunto, mas a resposta foi sempre monossilábica. Quando terminamos o chopp, retornamos para o outro espaço, junto com os três patetas e seu jogo de futebol que finalmente havia terminado.
Assim que sentei na mesa, a Flávia sempre cuidadosa já me olhou e perguntou se estava tudo bem. Eu confirmando que sim, passou o braço sobre meu ombro, me aproximando dela, cuidando. Eu falei pra ela pedir mais um chopp pra mim e que eu precisava ir embora para trabalhar. Esticou o braço chamando o garçom que ao chegar recebeu o pedido de mais um chopp e mais uma água com gás. Ela já anunciou na mesa - Pessoal, nos precisamos ir, já vamos pedir uma saideira. Querem alguma coisa? - os outros 3 também pediram mais um chopp. A conversa fluiu tranquilamente até a chegada da saideira, que tomamos todos ali batendo papo.
- Vamos indo pessoal? Nós duas precisamos na verdade, não sei se vocês vão ficar por aí mais um pouco.
- Negativo, eu vou também - a Isabelle ranço começou a falar - era só o tiro, agora já ficou bar, daqui a pouco já estou na balada. Não tenho mais idade pra isso não.
- Falou a idosa, mas eu não tenho mais gas pra balada há um tempo. Enfim, partiu, que a bonita aqui precisa trabalhar - me puxou para mais perto dela. Pouco tempo depois descemos as mesmas escadas de quando chegamos, passamos no mesmo guichê, agora para acertar a conta. Eu logo peguei o meu cartão e paguei a minha. A Flávia não se opôs e ficou com o cartão dela, pagando a dela. Isso é uma coisa que aprendi nesse segundo momento com a Flávia, que é melhor cada um pagar a sua. Se eu pago tudo, ela se incomoda com ser “paga” e se deixo a minha com ela, falta dinheiro no final do mês pra ela. Então criamos essa técnica de cada um pagar a sua, é melhor, menos estresse.
Esperamos do lado de fora todos pagarem a conta, naquele momento de termina, não termina a conversa. Aquele vai não vai. A Isabelle continuou falando sobre armas e infiltração, algo que eu nem estava entendendo, me desliguei, nem participando da conversa, mas a seguinte frase me levantou os ouvidos: certa é a Flávia, vai meter uma viagem de trabalho uns dias.
- Que viagem ? - a Flávia perguntou pra ranço.
- Como que viagem Flávia? Lá pra votuporanga, pra interrogar o - aí o Bibo cortou ela, deve estar naquelas coisas sigilosas dela.
- Eu iria conversar com você na segunda-feira feira, com calma. Você vai para Votuporanga pegar o depoimento, a Bia vai junto, vocês estão nesse caso quase como parceiras - a expressão da Flavinha era de surpresa mesmo, e vou dizer que de surpresa ruim, do tipo “cacete, que merd*”.
-Tá, só notícia boa né Cantão. Segunda acerto com você os detalhes, só notícia boa. Vamos indo Bru? - eu concordei, nós decidimos de todos, inclusive da ranço. Entramos no carro, a Flavinha ligou o gps, mas dava para ver ela visivelmente irritada, incomodada. Ligou O som do carro, em uma música baixinha, mas não ficou puxado assunto comigo como sempre faz. Coloquei a mão na perna dela, dando carinho, preocupada. Ela ficou quietinha por um tempo até que soltou - Cara, o Cantão é foda. Que raiva dele.
- o que aconteceu amor?
- Ah cara, dei a ideia desse interrogatório, mas não queria ir. Caraca, eu tenho faculdade, estou no final do curso, tcc, o caramba a quatro. Tem mil investigadores lá no DP e sempre vou eu. Não, sem contar que eu soube pela Isa. Ela nem está nesse caso, ela é um acessório, um bispo pra nos ajudar.
- Um bispo?
- Uma peça no xadrez, é bom ter uma peça que vai e volta, faz tudo, mas quem ganha o jogo é o rei ficar vivo. O Cantão esquece isso, que nosso foco é esse. Não era nem pra ter chamado ela pro tiro.
- Achei que você fosse amiguinha dela - só percebi que o comentário estava errado quando vi a cara dela.
- Amiguinha Bru? Amiguinha? - a Flávia falou em um tom tão desconfortável, que eu não tive jeito para responder, fiquei sem resposta. Ela diretamente aumentou o som da música e dirigiu em silêncio até o meu apartamento - Está entregue amor.
- Você fica tão sexy dirigindo, mas dirigindo brava, caramba! - ela acabou dando risada, soltando um pouquinho .
- Ah, o Cantão às vezes faz umas coisas que me incomoda muito. Me irrita.
- Ele e a Bia estão bem? Achei eles meio afastamos, sei lá, cada um na sua.
- Ah Bru, eu não sei cara. As vezes eu não sei se eles estão super juntos, sei que estão tentando e tentando bem. Mas eu parei de me preocupar com eles sabe?! Eu dou uns toques na Bia, uns toques neles, mas ao mesmo tempo que vejo eles desenrolando, eles travam. Aí eu não sei como estão - o elevador abriu no 20 andar, o barulho do latido do Mike já ecoava pelo hall - olha aí o seu carentao, já está arranhando a porta.
Entramos no meu apartamento,a Flávia fez todo o ritual de esvaziamento da bexiga do Mike, acho fofo a forma como ela entendeu essa regra e consegue cumprir, cumpre rindo. Ela perguntou se poderia usar meu banheiro, claro que autorizei e ainda completei que não precisa pedir licença nem permissão ou coisa assim, mas sei que é o jeito educado e recatado da Flavinha. Enquanto ela ia ao banheiro, eu fui até a cozinha, peguei uma água com gás pra mim é uma água saborizada pra ela. Quando voltou do banheiro, eu já estava atrás da mesa do computador, correndo atrás das minhas três horas de descanso em um sábado.
A Flavinha foi até minha área de trabalho, ficou atrás de mim e com firmeza apertou meus ombros, rígidos e tensos, apertou e apertou algumas vezes, até que relaxasse um pouco essa musculatura. Completou o carinho com um beijo no pescoço e me perguntou se eu achava ruim ela deitar um pouquinho no sofá e cochilar, relatou que estava com dor de cabeça, que só era questão de deitar um pouco. Claro que de modo algum negaria a ela esse carinho e cuidado para ela. Ofereci para dormir no meu quarto para ela descansar, mas ela preferiu o sofá, falou que era coisa rápida e assim ficava pertinho de mim. A cada minuto que estou com a Flávia, me pergunto como não conheci essa mulher linda antes?
- Não faz sentido você ir para Londres agora! Não tem 2 semanas que você foi! - meu nível de paciência estava se esgotando e eu estava quase gritando com a Mayra pelo celular.
- Eu tenho que resolver uma coisa lá, coisa minha. E não grita comigo.
- Não estou gritando, só não estou entendendo qual o contexto. O jornal paga pra você ir a Londres ser editora da revista e do jornal, ser madrinha deles, aprender com eles. Você já foi esse mês. Qual a necessidade de ir de novo?
- Você está preocupada porque Bruna? Sei… vai ficar com saudade de mim, já cansou daquela policial, eu sei, estou esperando esse dia.
- Vai achando… ou melhor vai esperando esse dia. Eu só não estou entendendo porque você vai de novo pra lá.
- Isso aí minha querida, é guerra minha. O Antônio liberou, o dinheiro não é seu, muito menos do jornal, então, não surta comigo. Eu estou te comunicando por educação, te avisando que vai trabalhar sozinha essa semana e talvez na próxima.
- Nossa, eu deveria ficar agradecida pelo seu recado, pela sua consideração?
- Sim gata, eu poderia simplesmente ter sumido e te deixado na mão arrumando edição em cima da hora. Na próxima faço isso, prefere?
- Você consegue ser sem noção né Mayra. Faz merd* e ainda acha que está certa. Nossa, tão preocupada comigo que chego a ficar emocionada.
- Gata, já fiz minha parte, te avisei que estou indo para Londres essa semana. Daí, se você vai surtar ou se acalmar, esse problema é seu.
- Grossa.
- Quando cansar sabe onde me achar. Te amo - ela desligou o telefone, e eu com tanta raiva quase joguei ele na parede. Acho que se fosse um celular um pouco mais barato eu teria jogado. Só então percebi que eu estava gritando e que mesmo na sacada do apartamento, eu acordei a Flávia e ela deve ter ouvido toda a discussão.
- Tudo bem Bru? - estava com o rosto amassado, uma expressão de dor, de susto - Conversa pesada?
- Me desculpa, te acordei. Mais problemas no jornal, só isso. Problemas, problemas, estou só cansada deles.
- Sao problemas ou um problema só, de sempre.
- Foi uma conversa profissional amor. Ela está se afastando do jornal mais uma semana. E…
- Eu não quero saber o conteúdo da sua conversa Bruna, nem quero justificativas sua. Você sabe o que faz. Só lembra que nós duas temos um contrato.
- Juro que era uma conversa profissional - tentei me justificar de algo que acredito que não seja justificável - Vou ficar de segunda editora essa semana, vai ficar mais corrido. Só isso.
- Tá bom Bru - ela falou usando no rosto a expressão de pouco caso que ela tem, que eu não suporto, ela foi até a cozinha, só ouvi o barulho da geladeira, voltou tomando uma água com gás - tem algo que eu possa te ajudar?
- Não meu amor - me estiquei perto dela, pedindo abraço, prontamente respondido com o tronco aberto e depois a proximidade dos corpos - só continuar sendo essa namorada maravilhosa que você é . Me dando apoio, carinho, sex* gostoso e muita paciência,
- eu estou aqui Bru, entre nós duas tem que ser legal, divertido. Se fosse pra ser chato chamava jornal, delegacia. E já te falei, só vou embora se você me pedir isso, no mais, sou bem resiliente.
- eu sei amor, e agradeço muito pelo seu carinho, pela calma que tem comigo, a forma como cuida de mim. Eu me encanto cada dia mais por você e pela gente.
- Você sabe que pode sair do jornal né?! Que pode ser jornalista ou editora em outro lugar, até mesmo em outro país no seu caso.
- Eu sei amor - me afastei dela para poder ver melhor seus olhos - mas é que…
- Eu sei que você foi criada lá, aprendeu a escrever, isso, aquilo, no dói notícia. Mas cara, olha como você fica depois de uma ligação dessa. Olha como você estava no dia em que te conheci. A vida é pra ser legal, ser leve. Não é pra ser pesada.
- Eu sei Flavinha. Aquele jornal é minha vida, sabe?! Eu chego lá pela manhã, lembro porque escolhi isso. Lembro sempre da primeira vez que entrei no jornal. Tanta coisa boa que fiz lá, tantas histórias, emoções. Infelizmente o que eu gosto é de ser jornalista, não gestora de RH, chefe de nada, não gosto de ser a herdeira do trabalho do Antônio. Gosto de sair sem rumo atrás de matéria, me enfiar em buraco.
- Deixou de fazer isso porque Bruna? Volta a viver meu anjo! Enquanto você não se posicionar, saber falar não, colocar suas vontades antes dos outros, aprender a se priorizar. Isso vale para amigos, chefes, ex namoradas, namorada atual, todos.
- Eu queria ter um pouquinho da sua maturidade Flavinha. Me sinto tão infantil as vezes, inocente.
- Linda, não acho que seja inocência, talvez seja falta de calejo. Já ouviu que gato escaldado tem medo de água fria? Talvez você ainda não tenha tomado tanta água fria assim. E a idade, a vivência trás isso. Já fui muito mais imatura que hoje, mas isso a gente vai ganhando, aprendendo.
- Peeeeeeeeeeeeeeeeee - a campainha gritou, seguida por latidos do Mike. Muitos latidos. Eu conheço a minha campainha e ainda mais o toque, sem contar que a portaria não ligou nem nada, sei que é o Antônio, meu padrinho.
- Esta esperando alguém Bru?
- Esperando não amor, mas deve ser meu padrinho - o rosto da Flavinha ficou branco.
- Tem a ver com essa ligação? - me perguntou
- Eu não duvido, mas não sei - peeeeeeeeeeee, uma nova campainha. Me afastei da Flávia e segui em direção a porta, - peeeeeeeeeeeeee, uma nova campainha tocou. Me afastei da Flávia e segui em direção a porta. Olhei rapidamente pelo olho mágico e vi sim, o Antônio com sua barba branca muito bem feita, com cara de bravo atrás da porta. Abri a porta um espacinho, me posicionando atrás dele, não dando acesso a ele - Oi, tá tudo bem?
- A Mayra te ligou?
- Ligou, falou que iria pra Londres. Até briguei com ela, não faz sentido.
- Posso entrar? Ou vamos conversar aqui na porta mesmo? - falou com o tom grosseiro e não sublime que ele sempre usa.
- Hoje não é legal você entrar - eu já percebi o quanto a Flávia estava incomodada, e se eu tenho que aprender a dizer não, vamos começar.
- Não? Porque não? - antes mesmo dele responder - Ah não Bruna, você tá com a policial? Que caralh* Bruna. Não tinha se livrado dessa menina? - eu não sabia onde enfiar minha cara, ele falou quase que gritando, com certeza a Flávia ouviu isso.
- Padrinho!!! Que comentário chato - ele forçou a porta para entrar e eu consegui ver a Flávia na sala, em pé, com uma expressão de raiva ou desconfortável, não sei ao certo. Ela não falou nada, talvez esteja sem reação.
- Caralh* Bruna! Caralh*! Quantas vezes te falei que ia dar merd*. Qual o problema com a Mayra? Não tava suficiente não? - ele praticamente gritou comigo.
- Opa, o senhor abaixe o tom de voz para falar com ela - a Flávia entrou no meio.
- Ah filha, cala a boca e não se mete. Você já fez merd* o suficiente - falou gritando comigo.
- O senhor abaixe o tom para falar comigo também. Eu não faltei com respeito ao senhor em nenhum momento. Eu nunca nem vi o senhor na verdade.
- Menina, chega. Foi só você chegar que deu merd* atrás de merd*. E você Bruna, não sabe escutar nada - eviscerou comigo.
- Chega senhor. Não vou permitir você tratar a gente dessa forma - eu vi ela com uma expressão de raiva que eu nunca tinha visto, talvez só no dia que ela atacou a irmã dela. Não posso deixar a Flávia perder o limite dela. Olhei para ela pedindo calma, de um modo bem incisivo - Faz o seguinte Bruna, eu vou comprar uma dose de veneno pra mim lá na rua. Quando você quiser me avisa que eu volto - ela saiu muito contrariada do apartamento. Da porta parou e olhou para tras, meio que vendo como eu estava, confirmeei com o rosto - Qualquer coisa me liga, estou com o celular.
- Pronto Bruna, somos nós dois agora.
- O senhor não pode tratar ela desse jeito padrinho. Olha como o senhor falou com ela.
- Ah Bruna, você é inocente demais, leviana demais. Não percebeu que desde que essa garota chegou na nossa vida tudo começou a dar errado? O evangelista sumiu? Não consegue criar o laço temporal disso?
- Não tem nada a ver. Conheci a Flávia no elevador, em um dia qualquer.
- ah Bruna, como você é inocente. O evangelista tava fudido até o último fio de cabelo dele, ele quebrado e incrível coincidência que ela apareceu. Você é trouxa demais.
- Não faz sentido!
- Ai Bruna, seu faro jornalista já foi melhor. Eu to saindo de viagem, vou pegar o voo amanha cedo.
- Ah não, a Mayra saiu e você vai sair? Eu vou fazer o editorial sozinha?
- Porr*, se tem alguem que eu confio pra deixar o jornal é você.
- Pra onde você vai? Po, vocês dois já saíram juntos quando começou a investigação da morte do Evangelista. O que vocês estão me escondendo?
- Eu e a Mayra temos umas coisas pra resolver. É isso.
- Você vai pra Londres também?
- Não, eu tô saindo pra São Francisco. Ela vai para Londres.
- Padrinho, o que está acontecendo? Eu quero a verdade. Porque daqui a pouco chega a polícia lá, pede depoimento e o caramba e eu não sei o que falar.
- Exatamente, não tem o que falar, se você não sabe, não fala? Se envolve mais com policial, vai lá, arruma mais duas! Cara, a Mayra não tava bom pra você? Treinei ela, deixei ela prontinha pra você.
- Como assim?
- Ah Bruna, Ah Bruna. Caramba filha! Abre o olho, eu não vou estar aqui pra sempre. Eu nem sei se vou estar aqui amanhã. Eu te protejo tanto Bruna que esse é meu erro filha! Meu erro é te proteger tanto.
- Tá me protegendo do que? De quem? Fala!
- Você acha que dinheiro vem da onde Bruna? Você acha que nunca passamos por crise nenhuma? Olha em volta, hoje qualquer imbecil é jornalista, qualquer moleque com uma camera consegue uma materia!
- Mas um jornalista sério, responsavel não é qualquer um.
- Tá, mas patrocinador nenhum quer saber disso. Tem ideia de como é dificil conseguir dinheiro?
- Bancos? propaganda?
- Ah Filha, ah Filha! Tem jeito mais simpless.
- E ilicito!
- Tem coisa, tem hora que o simples não é tão simples.
- O senhor vai pra onde? Pede pra agiota?
- Chega dessa conversa Bruna, chega, não quero você sabendo de nada. Eu estou indo viajar, vou ficar alguns dias em off.
- Eu não vou conseguir puxar o jornal sozinha, ainda nãõ estou pronta desse jeito.
- Filha, eu estou te preparando para assumir o jornal. Para levar ele para a frente, para voar! Deixar tudo pra você! Você vai dar seu jeito!
- Eu só quero ser jornalista. Eu não quero ser herdeira. Eu nem sou sua filha pra isso.
- Puta que pariu Bruna! Você não consegue ver nada além do nada? Eu sou seu pai menina! Eu sou seu pai cacete! - o rosto dele estava vermelho, a barba parecia que estava eriçada. Meu padrinho gritou isso de um jeito tão visceral, tão íntimo, tão real que eu caí no sofá, sentada, sem ar. Parecia um peso caindo de um prédio de 20 andares, pontiagudo no meu tórax. Ele veio rapido para perto dde mim, agachou na minha frente, tentando se aproximar de mim.
- Não encosta, não encosta em mim seu mentiroso!
- Não estou mentindo filha, você só nunca ligou os pontos - falou suave, macio.
- Você é mentiroso porque não me contou isso até hoje. Sabe o quanto eu sofri quando o Aurélio me expulsou de casa!
- E eu de imediato assumi cuidar de você. Nunca te deixaria sem suporte, sem teto.
- Sai daqui. Sai dessa casa. Sai! Saaaaaiiii!
- Não filha, por favor. Não sabe a quanto tempo eu queria te contar isso, a quanto tempo me doi te esconder isso!
- Sai daqui! Sai daqui - levantei do sofá e fui em direção a porta - Sai daqui! Sai daqui agoraaaaaa!
- Filha…
- Agora! Sai daqui! Vai se esconder, vai lá, some onde ninguém te ache! onde nem eu te ache! Sai daqui! - gritei isso com a porta aberta, esticado o braço para simplesmente ver ele indo embora, com cara de choro, com os olhos vermelhos, acelerado, perdido. Simplesmente perdido, enquanto meus medos e traumas de toda uma vida começaram a se encaixar, como um grande quebra cabeça em que várias peças estavam perdidas.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 12/03/2024
E isso aí Flávia coloca a Bruna pra pensar e sair fora desse jornaleco.
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