Eu vejo você
Os pais de Cristiano tinham saído com ele para resolver algumas questões. Desde nossa breve conversa, Cristiano passava mais tempo fora de casa e, quando estava, não saía do quarto. Cíntia me tranquilizou dizendo que aquele era o habitual dele e não o que estava acostumada a ver.
Praticamente sozinha em casa, voltava da área da lavandeira quando vi a porta de Catarina aberta novamente. Olhei para dentro e ela estava de costas pra mim, analisando alguma coisa no computador.
— Estou te vendo – disse ela sem se virar, o que me fez desviar o olhar no mesmo instante, sem graça. A única coisa que ela fez foi rir – Já desocupou do que estava fazendo?
— Eu só tinha que estender umas roupas – apontei pro lado de fora – então, acho que sim.
— Então... – disse ela se levantando, passando ao meu lado – Vamos dar uma volta? Ninguém merece ficar em casa nesse calor.
— Por mim, está ótimo.
O sol estava implacável, de fato, e nisso tinha que concordar com ela. Prestei somente a segui-la enquanto saíamos pelo portão, seguindo para a rua central da cidade. Paramos embaixo de um banco na pequena praça arborizada que lembrava bem de ter passado assim que cheguei, só que agora, parecia completamente diferente do que lembrava.
Na verdade, pouco conhecia dali. Mal saía de casa, já que minha maior companhia era Cristiano, que agora estava completamente distante, e Catarina também não fazia o tipo de pessoa que quer estar com alguém do lado o tempo todo. Passava a maior parte do tempo em seu próprio mundo, no quarto, com suas anotações, livros e algumas reuniões remotas.
Ficamos em silêncio por um período. Sabia que estar na companhia de Catarina era saber lidar com a quietude por algum período, e não era como se não tivéssemos o que falar. Só não sabíamos como fazer isso. Normalmente, ela que conduzia como seria o assunto e quando seria.
— Como conheceu a pessoa com quem se relacionava, Teodora? – perguntou ela a esmo enquanto pegava um dos seus cigarros. Minhas bochechas coraram no mesmo instante.
— Bom... – engoli em seco – Nos apresentaram. Foi por um amigo em comum.
— Você que teve a atitude?
— Não mesmo – ri envergonhada – não levo jeito pra isso, não mesmo.
— Então, o que te fazia gostar desse relacionamento a ponto de ter te deixado tão mal e querer outra coisa pra sua vida?
Passei um tempo em silêncio. Antes, saberia dizer isso com exatidão, mas agora, tinha minhas dúvidas, como um sonho que se vai esquecendo aos poucos.
— Me sentia segura. Isso me fez pensar que seria pra sempre, mas... Aconteceu o que aconteceu.
— Só isso? – dizia ela com ironia – Segurança é o seu critério pra amar alguém?
— Claro que não – balançava a cabeça ainda envergonhada – a gente gosta da pessoa pelo que ela é na nossa vida. Eu gostava da presença, das conversas, de como me sentia ao seu lado, mas... Acho que aconteceu tanta coisa na minha vida de uns tempos pra cá que acabo esquecendo.
— Parabéns então – ela arqueou as sobrancelhas, dando uma tragada – superou um grande amor mais rápido do que muita gente que conheço.
— Sei que parece que foi fácil – sentia o amargor em minhas palavras lembrando do que aconteceu – mas eu demorei meses até consegui ficar com outra pessoa, e ainda assim... Me senti péssima.
— Eu demorei um ano e meio e pra superar meu último relacionamento – ela dizia em um riso contido, mas me prestei a olhar pra ela surpresa – O que foi? Me acha tão sem coração assim?
— Não, não é isso – disse balançando a cabeça – só me perguntei o que tinha acontecido.
— O que aconteceu – ela apontou com o cigarro e voltou a fumar – é que eu fui uma completa idiota em ignorar o que seria racional e me deixar levar pelo emocional, e no que deu? Meses de terapia e um coração partido.
Ficamos em silêncio por mais um tempo. As folhas batiam com o vento ameno, o mormaço que amornava a pele, a umidade que preenchia meus pulmões.
— Todos somos meio idiotas quando se trata de pessoas – dei com os ombros – até mesmo as mais inteligentes.
— Me encaixo nas pessoas inteligentes? – ela dizia com desdém, e dei com os ombros, rindo.
— Nossa, você não se acha? – a olhei de relance.
— Digamos que, em algumas coisas, eu me saio bem, já em outras...
— Modéstia não combina contigo – disse fazendo um bico com os lábios em seguida de uma careta negando, e ela riu.
— E você é uma ótima observadora – ela se voltou pra mim – o que diria mais sobre mim?
Encarei-a, e ela colocou a mão no queixo, esperando a resposta.
— Você sempre lê enrolando o indicador em uma mecha de cabelo sua – fazia o gesto – faz um bico está com dúvida de alguma coisa, e sempre coloca os talheres pro lado esquerdo antes de comer.
Ela me olha surpresa, e, pressionando os lábios, dá algumas palmas de leve para mim.
— E você, o que diria sobre mim?
— Ah... – ela fazia uma careta, pensativa – Forte apego emocional com a figura da mãe, problemas de estima causada por trauma passado e um possível grau de ansiedade, provavelmente por uma mãe controladora, o que te faz ser a figura passiva de uma relação por procurar nas pessoas que se relaciona o reflexo de sua mãe.
Olhei para ela sem reação, e ela deu uma sonora gargalhada com ainda não tinha visto. Foi algo tão espontâneo que me via rindo junto com ela.
— Sua cara foi ótima.
— Agora, não sei se estava brincando ou falando a verdade.
— Fica a dúvida – disse ela, que levou as mãos para o ar e depois as entrelaçou assim que as apoiou nos joelhos.
Seus olhos seguiram até sua frente, e segui seu olhar. Para minha surpresa, era Yasmin, que olhava curiosa pra nós. Logo me levantei, animada de vê-la.
— Yas! – a abracei, mas ela não dizia nada além de nos olhar – Que bom te ver!
— Só vim dar um oi e... – Sua voz era quase um sussurro – Não queria atrapalhar a conversa de vocês.
— Não está atrapalhando – gesticulei para que se juntasse a nós – não quer se sentar um pouco?
— Não, não – ela negava com as mãos – eu já tenho que ir. Foi bom te ver também, Téo.
Ela me abraçou e Catarina acenou com um tchau. Yasmin, que parecia estar sem graça com o ato, apenas retribuiu e saiu a largos passos.
Minha companhia olhou de um lado a outro e gesticulou para que andássemos um pouco antes de irmos pra casa.
— Acho que o papai e a mamãe já chegaram.
E, como esperado, questionaram o que fazíamos. Catarina respondeu que fomos só dar uma breve volta pra passar o tempo, no qual Cíntia retribuiu com um largo sorriso, provavelmente animada em ver nossa aproximação.
Já Cristiano, logo terminou o jantar, voltou para o quarto. Isso me incomodava, e ficava pior quando estávamos na presença um do outro. Porém, dizia a mim mesmo para respeitar o espaço dele e que tudo ia ficar bem.
Ajudei Alfredo a lavar a louça, e tanto ele quanto a esposa foram para o quarto. Ao passar pelo corredor, a porta de Catarina estava mais uma vez aberta. Ela assistia a um filme, séria, sentada na cama com os braços cruzados. Eu sabia que ela sabia que estava ali.
— Não quer vir aqui assistir?
— Se não estiver atrapalhando...
— Não – ela negou séria – claro que não.
Tirou o caderno e os livros que tinha ao lado, colocando-os do outro. Sentei-me ao seu lado, esticando as pernas como ela fazia, apoiando as costas na cabeceira de sua cama.
Senti que estava realmente próxima de Catarina porque nossos braços se encostavam, e não senti vontade de recuar. Na verdade, eu estava realmente gostando de estar ali.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 03/03/2024
Estranho Yas ficou com ciúmes das duas juntas.
É Téo tu está bem enrolada.
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