No fim de tarde
O almoço não demorou a ser servido, e cheirava maravilhosamente bem. Catarina, envolta em sua toalha, sentou-se ao meu lado e se serviu, assim como de mais vinho. Terminamos de comer e foi servida a sobremesa relacionado a frutas regionais da época. Era ainda mais delicioso aquela mistura cremosa com castanhas, e dava um frescor por conta do clima quente.
O calor era tanto que o pouco tempo que Catarina ficou em sol exposto, já era notado as suas bochechas levemente rosadas abaixo de seus olhos. Ela, ao notar que eu a olhava, retribuiu o olhar e eu desviei, tentando me concentrar exclusivamente no doce em minhas mãos.
A família andava juntas pelos arredores da fazenda, e ajudei Tadeu na limpeza da mesa. Era o mínimo que podia fazer, e seguimos até a espaçosa cozinha da casa, que era tão grande quanto parecia ser.
— Você mora sozinho aqui?
— Basicamente – ele pegava os pratos que eu dava – quando não estou, fica alguém reparando.
— Mas é uma casa bem grande pra só você morar aqui, não?
— Realmente – ele puxava os outros itens para a pia da cozinha – mas antes tinha mais gente, como meus pais, minhas irmãs, alguns parentes que passavam a temporada...
— E onde eles estão?
— Meu pai já é falecido, minha mãe mora com minha irmã do meio – ele despejava detergente na esponja, começando a esfregar um dos copos. Sua taça de vinho estava ao lado – mas faz tempo que não falo com ela.
— Não se dão bem?
— Não muito – ele deu com os ombros – mas com essa minha irmã, sim. É uma pessoa muito boa.
Deu um gole na taça parcialmente morna, e continuou a lavar a louça enquanto a enxugava.
— E você, tem irmãos de algum outro relacionamento ou...
— Não – neguei com a cabeça – sempre fomos só nós.
— Não – dizia séria – ela arranjou uns namorados, mas nada sério – e olhei para ele – e você?
— Sou divorciado – ele voltou a lavar a louça – já faz um tempo. Sem filhos, quer dizer – e pigarreou de leve – até agora.
— Não quis ter filhos?
— Na verdade, achei que não podia ter – ele entregou outro copo molhado em minhas mãos – minha ex esposa e eu tentamos, mas não deu certo. Talvez tivesse que ser assim.
— Entendo... – Dei com os ombros, e continuei o serviço repetitivo que fazíamos.
— Tentei falar com sua mãe sobre... – ele engoliu em seco antes de continuar – Mas ela é enfática em me xingar e falar que não quer saber. Queria ao menos saber como foi que você soube de mim, já que ela não me fala...
— Foi algo bem inesperado, na verdade – colocava as louças na mesa – estava arrumando umas coisas em casa com minha tia, encontrei as cartas que falei, então... – e cerrei os olhos – Só fiz perguntar pra minha mãe quem era, ela se alterou, discutimos e ela acabou falando de quem se tratava. Nada demais.
— E você veio como? Ela te deu a passagem ou...
— Como eu só sabia seu primeiro nome, ficou impossível encontrar o senhor de outros jeitos. Dona Elisa realmente não quis ajudar – dei um riso contido – e disse que se eu quisesse, eu ia atrás e dava meu jeito. Foi o que fiz, mas, no caso, minha tia me ajudou.
Ele levantou as sobrancelhas, surpreso, mas logo as cerrou, sério.
— Então tua mãe preferiu te mandar pro meio do mundo sem nada só pra não ter que falar de mim? É isso?
— Ela não é conhecida por ser a pessoa mais flexível do mundo – me virei pra ele – e também ela pensou que eu fosse desistir.
— Bom, ainda bem que não adiantou de nada – ele continuava falando sério – e que você veio. Agora ela vai ter que me engolir.
— Vocês nunca discutiram e nem nada pra ela agir assim?
— Se você reparar nas cartas que trocávamos, vai ver pela data que a última que enviou fui eu.
Cerrei os olhos, confusa, e o encarei.
— Sério? – e ele concordou, enfático.
— Sei disso porquê passei um bom tempo me perguntando o que tinha acontecido – ele deu com os ombros, se voltando ao que estava fazendo – mas, depois conclui que nosso tempo tinha passado e as coisas são assim mesmo.
O telefone de Tadeu tocou, e ele, pedindo licença, foi atender em um lugar mais afastado.
Olhava para a frente, onde Alfredo mostrava uma flor para Cíntia, apontando para o seu caule, provavelmente explicando o que ela deveria fazer de mais. Não vi Catarina e, enquanto meus olhos a procuravam, a vi lendo novamente seu livro, com as pernas apoiadas na mesa de centro onde era recebido os convidados, o rosto compenetrado, séria. Usava o mesmo vestido de antes, e quando notou que eu a olhava, desviei o olhar. Sentia-me mal por olhá-la, e pior de pensar que ela poderia ter uma ideia errada de mim por vez ou outra me deparar em estar a olhando.
Tadeu voltou até mim, com a feição irritada.
— Peço mil e uma desculpas, Teodora, mas terei que resolver uma situação urgente – ele gesticulou para o casal do lado de fora – e eu ainda pedi pra que ninguém entrasse em contato comigo...
— Tá tudo bem, sem problemas.
Nos despedimos da mesma forma que nos cumprimentamos. Sentei ao lado de Catarina na volta. Ela cheirava a piscina e protetor solar, deixando para trás o aroma amadeirado que tanto era característico seu.
— Então, Téo, gostou do dia? – me perguntava sua mãe.
— Foi bem legal...
— Não disse que ele é um homem bom?
— Só é muito na dele, mas sempre foi assim – Alfredo intervia – Ele deve estar chateado de não poder ficar aqui e ter que ficar resolvendo essas coisas...
— É, não é como se ele sonhasse com isso, mas né – Cíntia deu com os braços, como se nada pudesse ser feito – acontece.
— Como assim? – cerrei os olhos, me questionando daquela colocação.
— Como uma pessoa sensata – dessa vez era Catarina que dizia, sem tirar os olhos das páginas do livros – ele queria viver longe daqui, mas, como um Monteiro, foi contemplado com obrigações, responsabilidade e nenhum tipo de livre-arbítrio.
E se virou pra mim, com um sorriso cínico.
— Vai se acostumando que a próxima será você.
— Catarina – Alfredo voltava a dizer – sem comentários grosseiros. Temos muito respeito a eles, e ele gosta muito de ti.
— Todos gostam até dar de cara com aquela canalha que você vai chamar de avó.
— Catarina! – dessa vez era Cíntia que falava, séria, e me virei pra ela.
— Ela é uma pessoa ruim? – perguntava curiosa.
— Dizer que ela é ruim ainda é ser gentil – Catarina dizia entre os lábios carregados de sarcasmo.
— Ela só diz isso porque, no passado, elas tiveram um desentendimento... – Cíntia tentava contornar – Mas, ficou lá atrás, não é mesmo, Catarina?
— É claro, mãe – ela arqueou as sobrancelhas novamente, pressionando os lábios – isso já foi superado.
Não precisava a conhecer muito bem pra saber que não. Assim que chegamos em casa, Cristiano já não estava, e tinha deixado o recado que estava na casa de um amigo.
Cíntia e Alfredo foram arrumar o café da tarde, e liguei para minha mãe.
— Alô, oi, mãe. Como a senhora está? Bem, estou bem, que bom que está tudo bem. Fui almoçar com o Tadeu. Sim, foi todo mundo. Não, ele foi legal, conversamos um pouco. Ele quer que eu passe uns dias com ele. Sim, é sério. Olha, mãe, sabe que eu acredito muito na senhora, mais do que qualquer pessoa, e preciso perguntar uma coisa. Sim, mãe, agora, está ocupada? O quê, ela está aí? Não, não tem problema, tem a ver com ela também. Não, não se preocupe, só quero saber o que realmente aconteceu entre você e meu pai. Tem alguma coisa que a senhora não queira me dizer? Não, não vou ficar chateada, eu realmente quero saber.
Ouvi tudo o que ela disse com atenção. Ela falou por um longo tempo.
— Não, eu acho que não... Não, mãe, claro que não, nunca, eu acredito na senhora, é só que...Mãe, me escute, por favor. Não, eu não acho isso e... Tá, mãe, depois a gente conversa, a senhora está muito... Não precisa falar assim comigo!
Ela desligou o telefone, e, balancei a cabeça, chateada. Joguei-o na cama e me joguei em seguida, colocando as mãos contra meu rosto.
— Mas que merd*...
Alguém bateu em minha porta. Não atendi, mas ela abriu ainda assim.
— Dá pra ouvir suas reclamações do meu quarto – disse Catarina, que já tinha tomado banho e mudado de roupa.
— Desculpe, não queria atrapalhar – dizia com uma voz pouco animada – só estava tentando conversar com minha mãe.
— Não sou o Cristiano, mas... – ela foi andando até mim, sentando na ponta da cama – Quer conversar sobre?
— É que não dá pra falar com minha mãe nada relacionado a isso sem que ela se altere, brigue comigo ou me deixe falando sozinha...
— E o que aconteceu?
— Ela diz que ele é um covarde mentiroso, que fica inventando história e que ele simplesmente sumiu, mas... – cerrei os olhos, a encarando de relance – Ele me disse bem sério que não foi isso. Foi ela que não quis mais contato com ele.
Catarina mordeu os lábios, e me encarou.
— Já parou pra pensar que talvez os dois estejam falando a verdade?
— Como?
— Teodora – ela se aproximou, cruzando os braços – sua família paterna consegue a proeza de serem as pessoas mais desprezíveis que conheci. Não duvido nada que alguém deve ter se metido nisso.
Encarei o teto, e dei um risinho.
— Igual aos filmes? Acho difícil...
— Por que não? – Catarina riu – Vir atrás de um pai desconhecido no meio do nada não parece algo cinematográfico pra ti?
— Ou uma atitude impensada sem juízo algum – ria no mesmo tom, lembrando das palavras da minha mãe antes que eu viesse.
— Pelo menos deu certo.
Me prestei a olhá-la de relance. Estava próxima a mim, mas logo se afastou, caminhando até a porta, e olhou para trás em minha direção.
— Então, vamos tomar café?
Concordei e a segui. Sentada na mesa, com ela à minha frente, os demais riam e falavam assuntos entre si, Catarina envolta em seus próprios pensamentos. Não tinha receio daquilo. Parecia que ela já sabia de mim o suficiente, mesmo sem bem saber, para que eu não a tratasse como uma completa estranha naquela casa.
Terminamos o café, e Catarina voltou pro mesmo lugar que antes. Sai do banheiro e fui me arrumar no quarto, e quando saí ela estava na mesma pose de ler seu livro, deitada na espreguiçadeira, o cheiro de ervas no ar, o fim do dia de fundo no belo jardim que seus pais cuidavam.
Parei e encarei a cena. Seu rosto recém queimado do sol escaldante do dia, seus ombros à mostra e suas sardas que pareciam ter se destacado por conta do sol que pegou, os óculos que caíam levemente em seu rosto, os lábios pressionados entre uma página e outra, sua feição que parecia acompanhar o que acontecia em sua leitura. As pernas, uma delas flexionadas e a outra reta, a ponta dos dedos dos pés que se mexiam devagar.
O vento que batia em seu cabelo, que o jogava para frente e ela logo o jogava em um movimento para o lado. Ela virou o pescoço devagar, e me viu ali, olhando para sua direção, e deu um sorriso.
— O que foi? – perguntou ela para mim.
— Nada, só estou te olhando.
— Então vou te olhar de volta.
Assim que seus olhos pousaram nos meus, senti minhas bochechas queimarem. Desviei o olhar, rindo envergonhada, e ela balançou a cabeça, pressionando os lábios, retomando sua leitura. Já eu voltei ao que tinha que fazer pelo resto do dia.
Fim do capítulo
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Sem cadastro
Em: 03/03/2024
Será que foi obra da jararaca, que fdp!!! Se bobear a derradeira carta de Tadeu nunca chegou
E esse flerte fofinho entre as duas?
Essa história tem um grande problema...
ELA ACABA!
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edjane04
Em: 02/03/2024
Será que foi obra da jararaca, que fdp!!! Se bobear a derradeira carta de Tadeu nunca chegou
E esse flerte fofinho entre as duas?
Essa história tem um grande problema...
ELA ACABA!
shoegazer
Em: 03/03/2024
Autora da história
Ainda tem muita coisa pra se desenrolar dessa família que até agora não deu as caras, mas, quando der... Até eu fico curiosa pra saber o que realmente aconteceu no meio de tudo isso.
A propósito, fica a dúvida: é um flerte mesmo ou só estão sendo compassivas uma com a outra? rs
shoegazer
Em: 03/03/2024
Autora da história
e o único ponto "ruim" (que pode ser até bom) é que estou dando uma adiantada nos capítulos agora no final de semana e pode ser que acabe mais rápido, mas, pra quem está lendo e quer saber logo o que acontece, é bom kk
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