Capitulo III
Uma hora antes da reunião com os Zwane, repassei a Thomas os detalhes da catástrofe do dia anterior. Para minha infelicidade, o assédio constante do casal não era o suficiente para motivar uma ordem de restrição. Exceto a última cena protagonizada por Cassandra em meu escritório, todas as outras aproximações do casal haviam sido cordiais e inofensivas, portanto, ineficazes para alcançar meu objetivo. O que não me impediu de contratar um segurança particular. Apesar da insatisfação quanto à ineficácia das medidas protetivas jurídicas, recorrer ao guarda-costa pareceu uma solução razoável. Detestava profundamente a ideia de andar com uma sombra que não fosse a minha, mas as constantes aparições inconvenientes daqueles dois tinham me levado ao limite. Maldita hora que lhes dei atenção.
Depois de um breve sermão cuidadoso e preocupado, Thom apreciou minha precaução, pedindo-me que o mantivesse bem informado sobre o assunto. Depois disso, fomos para o bistrô Delgado onde seria o encontro com os irmãos Zwane. Estava bastante ansiosa para rever Adélia, não podia negar. Havia alguma coisa nela que prendia meu interesse, e não era somente por sua beleza imensurável. Tinha algo por trás de toda aquela amabilidade cativante, que arrancava sorrisos involuntários. Quase cedi a curiosidade de tocá-la, no fim de nosso primeiro encontro, apenas para quebrar seu encanto e desvendar seus segredos.
O prelúdio da minha ruína ficou bem claro quando Adélia prendeu sua atenção totalmente em mim, assim que passei pela porta do pequeno restaurante em que nos aguardava. Mesmo com toda aquela distância, sua presença formigava minha pele, me deixando inquieta. Contrário a sua postura polida, seu sorriso me devorava sem pressa. Não tinha como não ficar ansiosa para ser incinerada pela intensidade de sua presença. Eu o faria com verdadeiro deleite. O mais surpreendente era que nada daqueles sentimentos, convergia de maneira unicamente sexu*l*. Tinha uma atração inegável sim, mas Adélia prendia minha atenção como nada antes. Estar com ela era leve e agradável. Eu conhecia todos aqueles sentimentos de cor, mas meu corpo reagindo como se fosse a primeira vez, me fez praguejar por estar gostando tanto.
— Senhorita Graham, ainda não nos conhecemos! Sou Daniel Zwane. – a apresentação entusiasmada do homem ao lado de Adélia trouxe de volta minha razão, fazendo-me focar a atenção nele. Assim como a irmã, Daniel era uma visão e tanto. Alto, atlético, cabelo castanho cortado baixinho, cavanhaque bem aparado, lábios grossos. O conjunto destes atributos despertava admiração instantânea de qualquer um. O cintilar determinado de seus olhos castanhos demonstrava que ele sabia muito bem o impacto de sua aparência apreciável. Sua observação minuciosamente vagou por todo meu corpo tão rápido que se eu não tivesse o olhando diretamente, teria passado despercebido. Sua ousadia discreta, me divertiu. Não segurei o sorriso conspirador retribuindo seu cumprimento.
— Daniel! É um prazer revê-lo, meu amigo. – emendou Thom, igualmente animado, quando ignorei gentilmente a mão estendida em minha direção com um sorriso cordial. Thomas habituado aos meus costumes, estendeu a própria mão apertando a de Daniel, que pareceu não notar sua intenção de distraí-lo pela minha ausência de retribuição de cordialidade física.
Aproveitando o momento, Adélia também se levantou e nos cumprimentou. Mesmo estranhando inicialmente, ambos os irmãos não pareceram se importar com minha evidente reserva. Tomei o cuidado de não tocar nenhum deles, apenas acenando de maneira gentil e educada. Não queria passar por outra experiência desconfortável, os efeitos incômodos da última ainda rastejavam sob minha pele. Lidar com as emoções presas nos objetos era mais suportável. Na maioria das vezes se tratava de algo efêmero, e facilmente esquecível. Chegava a ser engraçado como as cargas emocionais se prendiam a um objeto específico, funcionando como um catalisador natural. Claro que o sentimento teria de ser forte o suficiente para isso acontecer, porém haviam exceções. Sempre havia. Uma faca usada para machucar alguém, com toda certeza seria algo à se manter longe.
— Eva, não irá pedir nada? – Thomas chama minha atenção delicadamente, vendo o quanto estava desatenta e alheia a conversa que iniciaram. Sorrio sem graça, me direcionando ao jovem garçom já tão familiarizado com minha presença naquele lugar.
Enquanto aguardávamos nossos pedidos, os dois jovens advogados debatiam sobre alguns casos jurídicos. Vendo a empolgação de ambos, viro meu rosto para a mulher ao meu lado. Adélia olhava-os com pouco interesse enquanto bebericava sua taça de vinho.
— Tomei a liberdade de fazer uma pequena lista com alguns nomes, que se enquadram no projeto. Gostaria que desse uma olhada. – comento, chamando-lhe a atenção. Adélia se ajeitou graciosamente na cadeira, voltando-se para mim.
— Claro! Também tenho alguns em mente, mas não fui tão organizada quanto você. – sorriu sem jeito.
— Não se preocupe, sou meio ansiosa com coisas de trabalho. – amenizo, sorrindo-lhe tranqüilizadora. — Se estiver disponível, podemos fazer isso depois que acabarmos aqui.
— Outra tour pelo museu? Não perderia por nada! – a sugestão despretensiosa me agradou tanto quanto seu tom animado.
O almoço transcorreu tranquilamente, bem como a assinatura do contrato. Após despedirmos dos meninos, Adélia se ofereceu para nos levar até o museu, o que aceitei prontamente. Não foi surpresa para mim, que o interior do luxuoso carro estivesse impregnado pela mistura única de cravo e morango. Assim como sua dona, a fragrância tinha notas doces e envolventes. Me perdia fácil no perfume tão tentador e gostoso. Estar imersa nos efeitos do cheiro não gostoso não nublou minha percepção de que estar em contato com algo pessoal da mulher ao meu lado, não resultou em alguma lembrança dolorosa, o que foi um alívio agradável.
— Não quero soar paranóica, mas acho que estamos sendo seguidas. – a voz baixa e temerosa me traz de volta ao presente. Com um rápido olhar para o carro preto atrás do nosso, confirmo minhas suspeitas.
– Ah, é meu segurança, não precisa se preocupar. – digo, lhe dando um sorriso leniente.
– Hum, ok. – responde, incerta. O brilho curioso de seus olhos me observando furtivamente, me arrancou uma risada divertida.
– O que? – questiono brincalhona, mas ela continua mantendo sua atenção no caminho à sua frente. O olhar insistente que mantenho em sua direção junto ao silêncio repentino, são o suficiente para que ela externalize as desconfianças que se passam em sua cabeça.
– Nada… é só um pouco incomum, alguém como você ter um segurança. Não que você seja comum… – diz meio afoita, se atrapalhando na explicação quando não seguro a risada espirituosa diante seu embaraço. – Ahrg você entendeu! – resmungou toda envergonha.
– Você se surpreenderia com os perigos que uma simples curadora de arte está à mercê. – justifico abusando da ironia. Minha explicação vaga parece satisfazê-la, pois não insiste no assunto.
A conversa que se seguiu, foi sobre temas mais leves, fazendo com que nos conhecêssemos melhor. Adélia era uma mulher apegada à família, não era atoa que os negócios tivessem o envolvimento direto de cada Zwane. Os pais eram grandes nomes na área da medicina, responsáveis por projetos de caridade a comunidades carentes voltados a saúde básica. Apesar do meu pouco conhecimento do meio, já havia escutado sobre os grandes feitos daquela família. O carinho e admiração nada contidos em seu discurso me fez ganhar uma simpatia considerável pelos parentes de Adélia, conseguia entender parte de seu altruísmo natural. O conceito de que a fruta não caía longe do pé, nunca havia soado tão apropriado enquanto a ouvia.
Depois de outro passeio pelo MAC, me despeço da encantadora mulher com a promessa de tomarmos um café no fim daquela semana para apresentarmos os detalhes finais do projeto. Durante nossa breve reunião, havíamos alinhado a maior parte de todo o processo, como datas e a divisão do que cada uma iria ficar responsável. Ficou acordado que cada uma iria escolher cinco artistas, e em nosso próximo encontro compartilharíamos o retorno de cada um quanto a proposta de participar do projeto. Adélia também ficaria com a incumbência de selecionar fornecedores, enquanto eu organizaria a estrutura dos eventos. Decidimos por dois grandes eventos, o inaugural onde iríamos apresentar o projeto e o nomes dos artistas, e um de encerramento no qual ocorreria o leilão das obras mais aclamadas. Tinha em mente uma galeria de arte parceira do museu, que sempre cedia o espaço quando se tratava de eventos maiores. As exposições aconteceriam na ala principal do MAC, para dar mais visibilidade.
Em minha sala, chamo Sabrina para repassar as informações para que pudesse me ajudar, além de orientá-la quanto ao meu novo protocolo de segurança. Havia deixado expressamente claro que o casal pesadelo não tinha qualquer permissão para adentrar nenhum espaço que envolvesse o museu. Aproveitando a deixa, apresentei-a ao jovem guarda-costa, Ian Delarios. Não me escapou o brilho interessado daqueles olhinhos inocentes da assistente. Ian tinha um ar sério e perigoso, contrastando totalmente com a áurea delicada e gentil de Sabrina. Conseguia prever o entretenimento que aqueles dois iriam me proporcionar. Interessante.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 19/02/2024
Tá complicado.
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