Capitulo II
Meus pensamentos vagavam sem rumo enquanto tomava um café forte naquela manhã de terça-feira. O bistrô no qual estava, era um dos poucos que cultivava meu apreço. Seu delicioso café colombiano sendo a única coisa capaz de manter meu humor já que aguardava impacientemente pelo meu advogado, Thomas Sohan. O patife além de ser um dos melhores advogados da capital também era meu amigo, o que não me poupava de seus atrasos inoportunos. Havíamos marcado uma reunião para acertamos os trâmites jurídicos do acordo do projeto com a senhorita Zwane, e faziam 30 minutos que eu estava o esperando. Tinha quase certeza que Thomas fazia aquilo de propósito, me irritar com coisas tão bobas parecia ser seu passatempo favorito. O porque ainda mantinha aquela amizade pairava em minha cabeça enquanto praguejava até sua última geração.
Na segunda xícara do precioso café, o miserável apareceu com seu sorriso de garoto propaganda de pasta de dente, sua barba bem-feita lhe dava um charme perigoso. Seus olhos castanhos tinham um brilho de divertimento único, e a forte musculatura no tom chocolate evidenciava o quão atraente ele é. Thomas estava na minha vida a bastante tempo, o havia conhecido quando ele tinha cerca de 15 anos, e tentava ajudar a família a se reerguer após o falecimento do pai. Sendo o mais velho de 3 irmãos, cabia a ele ajudar a mãe a trazer dinheiro para casa, e em um belo dia nossos caminhos se cruzaram. Foi durante uma visita a ONG que os auxiliava, que acabei conhecendo e contratando sua mãe para ajudar no setor administrativo do museu, também o matriculei num curso de menor aprendiz. Seus irmãos, participavam integralmente dos projetos da ONG, permitindo-os trabalharem sem problemas. Hoje aos 35 anos, Thomas trabalhava como meu advogado e a vida de sua família havia melhorado, consideravelmente.
— Bom dia, Eva! – disse galante, sentando-se a minha frente com elegância ajeitando seu paletó azul marinho.
— Você está atrasado! – comentei com irritação fingida.
— E como sempre, você está espantosamente maravilhosa. – provocou. Claro que minha aparência imutável havia sido motivo de curiosidade, principalmente, depois de tantos anos ao meu lado. Ao contrário de sua mãe que deixou aquele detalhe de lado devido a gratidão que sentia, Sohan foi mais insistente, o que me fez ter de contar a verdade. Ele era a única pessoa em todos esses anos que de fato sabia quem eu era e foi estranhamente compreensivo com tudo. Provocações como aquela se tornaram seu meio de lidar com minha jovialidade peculiar.
— Thom, tudo certo com o advogado da senhorita Zwane? – desconversei, lhe dando um sorriso conspirador, iniciando o assunto que nos trouxera ali.
— Sim, senhora! – brincou, logo assumindo sua típica postura profissional. — Revisei o contrato e a proposta, apesar de alguns pontos de divergência, conseguimos finalizar tudo. Está faltando apenas a assinatura de vocês. Tomei a liberdade de alinhar com Sabrina uma reunião para amanhã à tarde. – completou, em seguida chamando o garçom com um gesto simples de sua mão.
— Perfeito! – assinto satisfeita.
— Preciso comentar … como aquela mulher é linda! – disse aleatoriamente. Sabia bem de quem ele estava falando. Seria impossível estar na presença daquela mulher sem notá-la.
— Ela participou dos trâmites junto com o advogado? – ignorei, deliberadamente, sua admiração descarada, focando minha atenção naquela revelação inusitada. O interesse de Adélia pelo projeto, mais uma vez me surpreendendo.
— Não só ela como o irmão, aliás ele é o advogado da instituição. – respondeu animado. Assenti com a cabeça e não rendendo mais aquele assunto, passando a perguntar sobre sua família. Adorava ver o entusiasmo que falava de seus irmãos e sua mãe. Tinha imenso carinho por aquela família que me acolheu sem qualquer reserva.
Não nos demoramos muito no café. Chegando ao MAC, orientei minha assistente que fizesse a reserva no meu restaurante favorito para a reunião com os irmãos Zwane no dia seguinte, e que também os comunicasse da alteração do local. Antes de me sentar na confortável cadeira de couro marrom da minha mesa de trabalho, a porta do meu escritório foi aberta abruptamente. Não perdi meu tempo olhando a pessoa responsável pela atitude inconveniente, já totalmente ciente de quem se tratava. Cassandra DuCaine.
Conheci Cassandra e Mathias DuCaine num dos eventos beneficentes realizados no museu. A construtora da qual o jovem casal eram donos, havia feito uma doação generosa naquela noite, portanto, como uma boa anfitriã era minha obrigação bajulá-los um pouquinho – um mal necessário para um bem maior. Apesar da ascendência indiana, Mathias tinha uma beleza padrão, cabelos e olhos castanho escuro, corpo atlético e sorriso brilhante. Em compensação Cassandra se destacava, facilmente. A mulher de pele pálida tinha longos cabelos pretos extremamente lisos, o rosto fino em conjunto com o sorriso afiado evidenciava sua essência libidinosa, seus astutos olhos negros estampavam um alerta constante de perigo – um que ignorei completamente e agora teria que lidar com as consequências.
— Sabrina, por favor, peça aos seguranças para que acompanhem a senhora DuCaine até a saída mais próxima! – interrompo suavemente, minha assistente que andava apressada atrás da mulher, tentando se desculpar por não conseguir impedi-la de invadir minha sala. Com um acenar mais que aliviado, a garota sai para cumprir meu pedido. A risada venenosa de Cassandra ecoou pela sala, entretanto, permaneci não lhe dando atenção ajeitando minha mesa ainda de pé.
— Até quando pretende manter esse desinteresse fingido, Eva? – a mulher inquiriu amarga, ao se aproximar colocando ambas as mãos com unhas bem-feitas pintadas na cor vinho, sobre a minha mesa. O gesto me fez olhá-la friamente em óbvia repreensão. Seu sorriso se tornou ainda mais largo por enfim ter conseguido minha atenção.
— Deixe-me ser mais clara do que já fui, acabou! Agora, saia da minha sala. – decreto firme, dando-lhe as costas indo até o aparador de vidro me servindo uma dose generosa de licor. Não era nem meio dia e já estava recorrendo ao alívio momentâneo do álcool. Pelos céus, a insistência daquele casal estava consumindo minha pouca paciência. Quando não era o marido era sua esposa, não sabia qual dos dois conseguia ser pior. Estava a um fio de tomar medidas mais drásticas, mesmo torcendo para que não precisasse chegar a isso.
— Meu bem, você sabe que as coisas não funcionam assim. – sua voz rouca soou, extremamente, perto do meu ouvido. O arrepio que cortou minha coluna não foi nenhum pouco agradável. Não fiquei surpresa em ver Cassandra tão perto de mim, quando me virei. Se eu tinha esperança de manter a calma, com sua aproximação indesejada, simplesmente tinha morrido.
— Não pense que as suas vontades tem algum poder sobre mim, Cassandra. Porque não tem! – sopro severa, dando um passo para trás. Todos os meus alertas estavam gritando para que me afastasse daquela mulher, mas não ouvi a tempo. Quando Cassandra ousou tocar meu rosto, minha mão envolveu seu pulso numa precaução involuntária, impedindo-a. Foi meu maior erro. Quase não senti a força com que apertava sua pele sob meus dedos. O sorriso malicioso e o brilho satisfeito nos olhos dela reviraram meu estômago, antes mesmo da forte sensação das emoções conflituosas invadirem todo o meu corpo. A maldição enfim propagava seus efeitos. Foram necessários alguns segundos de contato entre nossas peles para que o imenso desconforto da lembrança compartilhada vibrasse em meus músculos. Se antes eu não queria nenhum contato com aquela mulher, depois da amostra de um verdadeiro pesadelo, aquele sentimento só havia aumentado.
— Assim… é desse jeito que eu quero você! – alheia a minha agonia silenciosa, Cassandra aproximou o rosto do meu, soprando seu hálito quente e mentolado após sussurrar sua afirmação despudorada. Vê-la tão suscetível elevou minha irritação à níveis extremos. Soltei-a rudemente, como se sua pele pegasse fogo. Antes que eu pudesse dizer ou fazer qualquer outra coisa, os seguranças entraram pela porta. Com um último olhar indecoroso, a mulher seguiu o caminho ditado pelos dois funcionários, se retirando inabalável.
O resto daquele dia passou numa lentidão devastadora. As imagens e sentimentos trocados com Cassandra não saiam de forma alguma da minha cabeça, se repetindo num looping infinito. Uma lembrança jamais foi tão impactante e duradoura como aquela, o prazer doloroso de suas memórias era perturbador. Ter ciência daquilo me fez arrepender amargamente por ter permitido a presença do casal DuCaine na minha vida, mesmo que brevemente. Afundada na confortável hidromassagem no banheiro da minha cobertura, eu tentava acabar com qualquer vestígio da péssima experiência que tive naquela manhã.
Seria mais uma noite insone.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Marta Andrade dos Santos
Em: 19/02/2024
Misericórdia.
mtereza
Em: 02/02/2024
Fiquei um pouco confusa nesse final qual é a relação dela com esse casal obsessivo afinal ?
Maysink
Em: 04/02/2024
Autora da história
Hey hey,
Será explicado nos próximos capÃtulos!
Esses dois terão participação ativa ao longo da história.
Obrigada por estar aqui, e aproveite!!!
Abraços...
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