Capitulo II
Meus pensamentos vagavam sem rumo enquanto tomava o café forte, naquela manhã de terça-feira. O bistrô no qual eu estava, era um dos poucos que cultivava meu apreço. Seu delicioso café colombiano era a única coisa capaz de manter meu bom humor, enquanto aguardava impacientemente pelo meu advogado, Thomas Sohan. O patife além de ser um dos melhores advogados da capital também era meu amigo – fato que não me poupava de seus atrasos inoportunos. Tínhamos marcado uma reunião para acertamos os trâmites jurídicos do acordo do projeto com a senhorita Zwane, e faziam 30 minutos que eu estava o esperando. Tinha quase certeza que Thomas fazia aquilo de propósito. Me irritar com coisas tão bobas parecia ser seu passatempo favorito. O motivo de ainda manter aquela amizade pairava em minha cabeça, enquanto praguejava até sua última geração.
Na segunda xícara do precioso café, o miserável apareceu com seu sorriso de garoto propaganda, a barba bem-feita lhe dava um charme perigoso, muito bonito de se ver. Seus olhos castanhos tinham um brilho divertido, e a forte musculatura no tom chocolate evidenciava o quão atraente ele era. Thomas estava na minha vida a bastante tempo, o havia conhecido quando ele tinha cerca de 17 anos, e tentava ajudar a família a se reerguer após o falecimento do pai. Sendo o mais velho de 3 irmãos, cabia a ele ajudar a mãe a trazer dinheiro para casa. Foi durante uma visita a ONG que os auxiliava, que acabei conhecendo e contratando sua mãe para trabalhar no museu, também o matriculei num curso de menor aprendiz. Seus irmãos, participavam integralmente nos projetos da ONG, permitindo-os trabalharem sem problemas. Hoje aos 30 anos, Thomas trabalhava como meu advogado e a vida de sua família havia melhorado, consideravelmente.
— Bom dia, Eva! – disse galante, sentando-se a minha frente com elegância, ajeitando seu paletó azul marinho. Seus olhos brilhavam com um misto de carinho e respeito.
— Você está atrasado! – comentei com irritação fingida.
— E, como sempre, você está espantosamente maravilhosa. – provocou. Claro que minha aparência imutável havia sido motivo de curiosidade, principalmente, depois de tantos anos ao meu lado. Ao contrário de sua mãe que deixou o detalhe de lado devido a gratidão que sentia, Sohan foi mais insistente, o que me fez ter de contar a verdade. Ele era a única pessoa em todos aqueles anos que de fato sabia quem eu era e foi estranhamente compreensivo com tudo. Provocações sobre isso se tornaram seu meio de lidar com minha jovialidade peculiar.
— Thom, tudo certo com o advogado da senhorita Zwane? – desconversei, lhe dando um sorriso médio, iniciando o assunto que nos trouxera ali.
— Sim, senhora! – brincou, logo assumindo sua típica postura profissional. — Revisei o contrato e a proposta, e apesar de alguns pontos de divergência conseguimos finalizar tudo. Está faltando apenas a assinatura de vocês. Tomei a liberdade de alinhar com Sabrina uma reunião para amanhã à tarde. – completou, em seguida chamando o garçom com um gesto simples de sua mão.
— Perfeito! – assenti satisfeita, vendo o garçom se aproximar para tomar nossos pedidos.
— Preciso comentar … como aquela mulher é linda! – ele disse aleatoriamente, enquanto os pedidos eram anotados. Sabia bem de quem ele estava falando. Seria impossível estar na presença daquela mulher sem admirá-la.
— Ela participou dos trâmites junto com o advogado? – ignorei, deliberadamente, seu elogio descarado, focando minha atenção na revelação inusitada. O interesse de Adélia pelo projeto mais uma vez me surpreendeu.
— Não só ela como o irmão, aliás ele é o advogado da instituição. – respondeu animado. Assenti com a cabeça, não rendendo mais aquele assunto, perguntando em seguida sobre sua família. Adorava ver o entusiasmo com que ele falava de seus irmãos e mãe. Tinha imenso carinho por aquela família que me acolheu sem qualquer reserva.
Não nos demoramos muito no café. Chegando ao MAC, orientei minha assistente que fizesse a reserva no meu restaurante favorito para a reunião com os irmãos Zwane no dia seguinte, e que também os comunicasse sobre a alteração do local. Antes de me sentar na confortável cadeira de couro da minha mesa de trabalho, a porta do meu escritório foi aberta, abruptamente. Será que era pedir demais ao menos um dia de paz?, pensei soltando um suspiro cansado. Não perdi meu tempo olhando a pessoa responsável pela atitude inconveniente, já estava totalmente ciente de quem se tratava. Aquele cheiro enjoativo pertencia apenas a ela.
Cassandra DuCaine.
Conheci o casal DuCaine num dos eventos beneficentes realizados no museu. A construtora da qual eram donos, tinha feito uma doação generosa naquela noite, e como uma boa anfitriã era minha obrigação bajulá-los um pouquinho – um mal necessário em prol de um bem maior. Apesar da ascendência indiana, Mathias, o marido, tinha uma beleza padrão, cabelos e olhos castanho escuro, corpo atlético e sorriso brilhante. Em compensação, Cassandra se destacava facilmente. A mulher de pele pálida tinha longos cabelos pretos extremamente lisos e brilhosos, o rosto fino junto ao sorriso maldoso dava-lhe um aspecto amendrontador, seus astutos olhos negros estampavam um alerta constante de perigo – um que ignorei completamente e agora teria de lidar com as consequências.
— Sabrina, por favor, peça aos seguranças para que acompanhem a senhora DuCaine até a saída mais próxima! – pedi a minha assistente que andava apressada atrás daquela mulher, tentando se desculpar por não conseguir impedi-la de invadir minha sala. Com um acenar mais que aliviado, a garota saiu para cumprir meu pedido.
Quando estavamos sozinhas, a risada venenosa de Cassandra ecoou pela sala. Ignorei-a, deliberadamente. Permanecendo em total silêncio, enquanto continuava a ajeitar minha mesa, ainda de pé.
— Até quando pretende manter esse desinteresse fingido, Eva? – inquiriu amarga, depois de se aproximar colocando ambas as mãos, com unhas bem-feitas e pintadas na cor vinho, sobre a minha mesa. O gesto me fez olhá-la friamente, em repreensão. Seu sorriso se tornou ainda mais largo e ferino ao ter conseguido, enfim, minha atenção.
— Deixe-me ser mais clara do que já fui… acabou! Agora, saia da minha sala. – decretei firme.
Não demorei a dar-lhe as costas, indo até o aparador de vidro me servindo de uma generosa dose de tequila Don Julio Blanco. Não era nem meio dia, pelos céus!! A insistência daquele casal estava consumindo minha pouca paciência. Quando não era o marido era a esposa, eu não sabia qual dos dois conseguia ser pior. Estava a um fio de tomar medidas mais drásticas, mesmo torcendo para que não precisasse chegar a isso. Toda aquela situação estava se tornando cansativa demais para mim.
— Meu bem, você sabe que as coisas não funcionam assim. – sua voz rouca soou muito perto do meu ouvido. O arrepio que cortou minha coluna não foi nenhum pouco agradável. Não fiquei surpresa ao perceber que Cassandra estava praticamente colada em mim quando me virei de frente para ela. Se eu tinha esperança de manter a calma, com sua aproximação indesejada, a ideia simplesmente tinha morrido.
— Não pense que as suas vontades tem algum poder sobre mim, Cassandra. Porque não tem! – soprei severa, dando um passo para trás, com cautela. Minhas palavras cortantes pareciam satisfazê-la ainda mais, pois seu sorriso só aumentava.
Todos os meus alertas estavam gritando para que me afastasse, mas para minha infelicidade completa, não deu tempo. Quando Cassandra ousou tocar meu rosto, minha mão envolveu seu pulso numa precaução involuntária, impedindo-a. Foi meu maior erro. O sorriso malicioso e o brilho de deleite nos olhos dela reviraram meu estômago em agonia, antes mesmo da forte sensação das emoções dela invadirem todo o meu corpo. A maldição enfim propagava seus efeitos. Quase não senti a força com que apertava sua pele sob meus dedos. Foram necessários apenas alguns segundos de contato entre nossas peles para que o imenso desconforto da lembrança compartilhada vibrasse em meus músculos. Se antes, eu não queria nenhum contato com aquela mulher, depois da amostra de um verdadeiro pesadelo, o sentimento só havia aumentado.
— Assim… é desse jeito que eu quero você! – alheia a minha aflição, Cassandra aproximou o rosto do meu, soprando seu hálito quente e mentolado, sussurrando sua afirmação despudorada. Vê-la tão suscetível elevou minha irritação à níveis extremos. Soltei-a rudemente, como se sua pele pegasse fogo. Antes que uma de nós pudesse dizer ou fazer qualquer outra coisa, os seguranças entraram pela porta. Dando-me um último olhar indecoroso, a mulher seguiu o caminho ditado pelos dois funcionários, se retirando inabalável. Somente quando ela sumiu da minha frente, que, enfim, pude suspirar de alívio.
O resto daquele dia passou numa lentidão devastadora. As imagens e sentimentos compartilhados com Cassandra não saiam da minha cabeça, como um looping interminável. Fazia muito tempo, desde que uma lembrança havia sido tão impactante e duradoura a ponto de me tirar o sono. O prazer doloroso de suas memórias era perturbador. Ter ciência daquilo me fez lamentar amargamente a breve presença do casal DuCaine em minha vida.
Já em casa, afundada na confortável hidromassagem no banheiro da minha cobertura, eu tentava apagar qualquer vestígio da péssima experiência que tive naquela manhã.
Pelo visto, seria mais uma noite insone.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:

mtereza
Em: 02/02/2024
Fiquei um pouco confusa nesse final qual é a relação dela com esse casal obsessivo afinal ?

Maysink
Em: 04/02/2024
Autora da história
Hey hey,
Será explicado nos próximos capítulos!
Esses dois terão participação ativa ao longo da história.
Obrigada por estar aqui, e aproveite!!!
Abraços...
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