Havia terminado de tocar a música I Have Nothing na voz inconfundível de Whitney Houston quando Soraya fez sinal, de dentro da cabine acústica, indicando que já poderia rodar a vinheta do programa e colocar no ar.

-”Toda rosa é rosa porque assim ela é chamada. Toda bossa é nova e você não liga se é usada. Todo o carnaval tem seu fim” Olá,caros ouvintes! Com o 'trechinho' de Todo Carnaval Tem Seu Fim, Los Hermanos, iniciamos nossa noite de despedida dessa maravilhosa folia. Onde podemos vestir nossas fantasias e deixar a tristeza emburrada. Eu sou a Soraya Soares e serei sua companhia ao longo desta madrugada solitária para quem não foi brincar a última noite de carnaval na rua. Então prepare o seu café ou chá e sente-se de maneira confortável para apreciar mais uma carta contando História de Amor. 

Olá, Soraya e ouvintes da Melhor Rádio da cidade. 

Quando me mudei para a rua do sossego, não sabia o que me esperava. Me chamo Jandaíra e contarei sobre meu calvário. Nasci e me criei na capital. Fiz faculdade e comecei a trabalhar. Com certo esforço, adquiri uma casa modesta, mas era do jeito que eu queria. Em uma terça-feira de carnaval, há cinco anos atrás, no dia em que fiz a mudança, encontrei pela primeira vez minha vizinha de porta. Meu coração disparou, minhas mãos começaram a transpirar e eu perdi a dicção. 

Sim, fiquei muda diante de tamanha beleza. Logo eu que sou a pessoa extrovertida do meu círculo de amizade. Sabe aquela figura que tem sempre uma piadinha ou um causo para contar?! Essa sou eu. De alguma forma consegui me comunicar e nos apresentamos formalmente. Seu nome era Rosa, flor formosa que me encantou com seu perfume e trouxe sonhos de amor. 

Tentei me aproximar de forma quase sorrateira tal qual uma leoa faminta quando avista sua presa. Sempre que passava por ela cumprimentava, usava o auxílio das redes sociais para stalkear e descobrir mais coisas sobre essa formosa flor. Só tinha um pequeno detalhe: ela era casada. E a esposa percebeu que eu estava de olho comprido pra cima do jardim dela. Tive até que fingir ser minha irmã gêmea inexistente para não levar um enquadro da ‘jardineira’.

O problema maior se deu quando eu percebi que, o que estava acontecendo comigo era um dos piores males que poderiam se suceder. Eu estava irremediavelmente apaixonada por uma mulher casada e extremamente fiel. Calma! Não estava torcendo pela infidelidade como esses machos escrotos hetero top. Eu quis dizer que ela JAMAIS me daria um grama de ousadia. Nesse ínterim, eu havia feito concurso para trabalhar em uma cidade próxima e obtive êxito. Fui empossada e, como passei a sair cedo e chegar tarde, pouco a via. Mas o sentimento em meu peito ainda residia.

No recesso dos festejos de fim de ano, descobri que ela havia se separado. Queria a bateria da Beija-Flor ter o batuque tão compassado quanto meu coração estava ao receber aquela notícia. Por um momento, tive esperança e reiniciei os contatos via rede social. Fui mais ousada e enviei meu número para uma possível troca de mensagem no whatsapp. Deu certo! Porém ela deixou tão claro quanto o azeite de dendê que gostaria apenas de cultivar uma doce amizade. 

Eu não sabia se ria incrédula ou chorava devido aquele balde de água fria. Por coincidência ou não, uma música dos Gilsons que muito me lembrava nossa situação começou a tocar na rádio e eu só pude dançar com a vassoura, sonhando que,em um dia qualquer, eu dançasse essa mesma música e quem sabe até cantarolar baixinho só para ela saber o quão desejada és por mim.

Por gentileza, querida Soraya, permita-me escutar uma vez mais essa música em sua rádio.

-Um pedido feito de maneira tão distinta impede que eu decline. Para nossa querida ouvinte tocando Love Love dos Gilsons. 

Fim do capítulo