A locutora ajeitava sua postura na cadeira enquanto lia a última página do relato que apresentaria aos ouvintes. Algumas músicas combinavam com aquela surpreendente história o que dificultava seu trabalho.O sonoplasta a chamou pelo auto falante da sala anunciando que já entrariam no ar. Assim que a luz vermelha piscou,ela iniciou seu turno.

-Olá,queridos ouvintes! Eu sou a Soraya Soares e serei sua companhia ao longo desta madrugada solitária e fria. Então prepare o seu café ou chá e sente-se de maneira confortável para apreciar mais uma carta contando uma História de Amor.

Olá, Soraya e ouvintes da Melhor Rádio da cidade. 

Me chamo Madalena e lhes contarei a minha história até este momento.

Sou do interior do estado, a filha do meio, de beleza mediana e muitos dizem que sou um pouco careta por gostar das coisas feitas de maneira correta e justa. Quando tinha meus quatorze anos conheci um rapaz,o Pedro, que era alguns anos mais velho do que eu. Ele era respeitador, simpático e me conquistou. Iniciamos o namoro e alguns meses depois, nos casamos e passamos a morar em um casebre no terreno da casa dos meus pais. No começo da vida conjugal, era tudo lindo. Mesmo casada, eu queria completar meus estudos e ter um trabalho onde pudesse auxiliar meu esposo com as questões de casa. Ele não se importou e até me incentivou.

Os anos se passaram sem que percebêssemos e sete anos depois,a relação já não era mais a mesma. Pedro se mostrou um homem rude e um pouco ciumento. Queria filhos a todo custo e a maioria das nossas brigas eram por esse motivo. Eu achava que ainda era cedo para ter filhos. Nas noites em que brigávamos, ele saia e se dirigia para um bordel famoso na cidade. Todos comentavam,mas eu não queria enxergar que a relação já estava fadada ao seu fim.

Numa noite, Pedro chegou acompanhado de Maria Rita, sua prima, que estava de mudança para a parte urbana da nossa cidade com seu esposo e o filho de poucos meses de vida. Não sei explicar o que me aconteceu, mas assim que pus meus olhos no olhar dela senti como se estivéssemos nós duas naquele ambiente. Sentia borboletas revoar em meu estômago e o coração disparado em ritmo acelerado tanto quanto as baterias das escolas de samba que vemos passar na tv, no carnaval. 

Durante o mês que ela passou conosco,trocamos alguns olhares e toques sutis. Passávamos horas intermináveis em meio a tantos assuntos que eu nem sabia possuir. Pedro se agradava da nossa amizade e eu percebia que,no fundo, a situação se encaminhava para outros caminhos. Em uma tarde, durante meu trabalho na secretaria de uma escola particular, liguei para alguém que,certamente, poderia ser meu norte. Lembra que eu disse que sou a filha do meio? Pois então, liguei para minha irmã mais velha, Luana. Ela não morava em nossa cidade natal há muitos anos.Havia sido expulsa por nosso pai de casa após ter sido flagrada trocando carinhos com uma amiga da época. Cidade extremamente conservadora tem dessas coisas.

A questionei sobre em qual momento ela havia percebido que gostava de mulheres. Antes de me responder,fui obrigada a explicar o que vinha acontecendo e elameconvidou para visitá-la. Pedro não gostava da “vida que Lua levava” e não quis ir comigo. O que foi ótimo. Por outro lado, fui obrigada a me afastar de Maria Rita por alguns dias que me pareceram meses. Durante o tempo em que passei na capital, nos falávamos todas as noites. Pedro me ligava vez ou outra dizendo sentir minha falta, mas sempre discutiamos no fim da ligação. Se minha irmã percebia algo, nada ou muito pouco me dizia.

Na noite em que voltei para casa, Pedro se portava como o jovem com quem me casei. Foi romântico, doce e soube me conduzir ao nosso leito. Tivemos uma noite de amor que para ele foi perfeita e para mim… Bom, em algum momento, desejei que fossem outras mãos tocando meu corpo em forma de carícias, outros lábios beijando-me e outra voz dizendo-me coisas sussurradas ao ouvido. O controle havia me escapado por completo. 

Semanas depois, decidi visitá-la em sua residência. Todas aquelas sensações juvenis de adolescente com seu primeiro amor ressurgiram com força. O pequeno Bento dormia no berço enquanto conversávamos na cozinha. Ela estava na geladeira pegando alguns ingredientes, me aproximei sem fazer muito barulho e quando ela fechou a porta e se virou, nossos rostos ficaram a centímetros um do outro. Nossos olhares transitavam entre olhos e boca, os corpos foram se aproximando, os olhos se fechando e um doce e inebriante beijo aconteceu.

Meu Deus! Me senti andando nas nuvens. Era como se a vida toda eu procurasse por algo e esse algo havia se revelado ali, naquele beijo. Cessamos por falta de fôlego e só então me dei conta de toda a nossa situação. Saí de lá desnorteada, liguei para Luana e, aos prantos, lhe contei o que aconteceu. A partir dali não tinha mais como tentar remendar as rachaduras matrimoniais em nome da moral e dos bons costumes. Ainda fiquei algumas semanas com Pedro,mas cada momento de distração era a lembrança de um carinho,do beijo ou dos muitos sonhos íntimos que passei a ter com ela. 

Luana foi a primeira a saber da minha resolução. Iria me separar de Pedro. Mesmo que Maria Rita não deixasse seu esposo e não me quisesse, EU não poderia mais viver uma relação de mentira. Comuniquei a Pedro, o outro interessado,sobre minha partida e sai. Fui para um pequeno pensionato e, depois,encontrei um kitnet modesto e confortável para alugar. Só depois desses passos que conversei com Maria Rita e abri todo o jogo. Fiquei surpresa ao saber que todo meu sentimento era recíproco e imensamente feliz ao saber que ela também estava em processo de divorciopelo mesmo motivo. 

Na cidade não havia outro assunto,mas a essa altura,o que eu desejava era ser feliz ao lado dela, pelo tempo que durasse. Dessa forma foi construída minha história de amor. Por favor, coloque uma música que acredito ter muito a ver com esse momento atual.

-Especialmente para nossa ouvinte especial, Que Seja Eterno Enquanto Dure Esse Amor na voz do cantor Netinho de Paula e banda Negritude Junior.

Fim do capítulo