Capitulo IV
Nossa busca se mostrou cansativa e superficial. Tudo o que achamos refletia o que já sabíamos, ou seja, nada de novo. O lugar se tratava de uma propriedade antiga e pouco utilizada que pertencia a uma família abastada que vivia na capital. A falta de informações úteis vinha deixando Caleb ainda mais impaciente do que antes, fazendo-o fortalecer a ideia de irmos ao Château, me obrigando a ser mais criativa e usar dos melhores argumentos para impedi-lo de o fazer sozinho. Os pesadelos vinham piorando para nós dois, ambos estávamos aborrecidos e atordoados, à beira do limite. Principalmente, pelo adicional da rotina intensa em nossos trabalhos disputando espaço em nossas cabeças. As noites mal dormidas devido aos pesadelos também vinham cobrando o seu preço.
Madison havia questionado o porquê de minha insônia e péssimo humor, já que vinha ouvindo meus passos inquietos pelo loft durante a madrugada. Tentei ao máximo tranquilizá-la, não queria envolvê-la naquela confusão. A preocupação me tomava mais a cada dia, não sonhava mais com a garota desconhecida, somente com o Château e seu jardim de flores negras. Agora, eu podia ouvir os lamentos incessantes vindos do casarão pedindo para que me aproximasse, mas algo me prendia do lado de fora. Ao mesmo tempo, em que me encontrava tentada a seguir até a casa atendendo a seu chamado, o cheiro das flores rompia a influência que era exercida sob mim, me fazendo ficar perdida entre o jardim a frente do velho casarão, não lhe dando qualquer atenção. Em contrapartida, Cal não voltou a me contar seus sonhos, limitava-se a dizer que continuavam os mesmos. Algo me dizia que ele estava escondendo algo, fosse devido seus olhos enviesados ou suas poucas palavras ao me responder quando questionado sobre. Precisávamos de respostas o mais rápido possível, não sabia até quando conseguiria impedi-lo de seguir de vez até o casarão, muito menos até quando iríamos suportar toda aquela pressão.
Mais uma noite, nos encontrávamos trancados na cafeteria. Midd se tornou nosso ponto de encontro para debatermos sobre o que estava acontecendo, longe de ouvidos curiosos. Naquela noite, não foi diferente. Caleb tomava seu terceiro copo de café, rodando inquieto o relógio de bolso sob a mão direita, com os olhos perdidos no movimento da avenida através do vitral. Outra vez estávamos discutindo sobre irmos ou não ao Château.
— Podemos parar com isso, por favor! Havíamos concordado em esperar, Cal. – digo incisiva, arrancando um suspiro cansado dele.
— O problema é que já esperamos demais, Aly! Essa situação está extrapolando os limites, está afetando nossa vida, não percebe?! – rebateu, impaciente.
— Claro que percebo, também quero acabar com isso, mas não será indo até uma casa velha e abandonada!
—Não está abandonada! – confessou despretensiosamente dando outro gole na caneca fumegante.
— Como? – questionei-lhe surpresa. Ele havia ido até lá e não me contado? Minha mente trabalhava acusadoramente diante o seu silêncio. O fitei interrogativa, esperando que se desse conta que deveria se explicar. Mediante seu silêncio, parei sua mão que rodava o relógio ainda mais rápido, tomando todo cuidado para não tocar o objeto. Meu gesto enfim atraiu a atenção do garoto para mim.
— Hoje de manhã uma mulher acompanhada de uma garota, foi até a padaria e as escutei conversando com meu pai. Pelo que entendi, toda família veio passar um tempo no Château. Chegaram alguns dias atrás. – deu-se por vencido.
— Se identificaram? – perguntei curiosa.
— A garota se chama Olívia e a mulher é sua mãe, Alba Santiago.
— Não me lembro de já ter ouvido sobre esta família por aqui. – o sobrenome me soava pouco familiar. Vasculhei minha mente de ponta a ponta tentando lembrar se já o ouvira antes, mas a recente enxurrada de sentimentos e exaustão pareciam nublar meu raciocínio. Cal me olhava de esguelha mais uma vez tentando camuflar alguma coisa, entretanto, minha feição insatisfeita e impaciente o incentivou.
— Há algumas semanas ajudei o sr° Felipe com algumas coisas da construtora, eles foram contratados para ajustar a estrutura do casarão, pois os donos planejavam vir para cá. – comentou em voz baixa, meio a contra gosto.
— Ah! Agora entendo perfeitamente o porquê de tanta pressa de irmos lá. – disse irônica e acusadora. – Quando vai voltar a me contar as coisas Caleb?
— Ok, ok! Não pensei que seriam informações relevantes.
— Tem mais alguma coisa? – ele me olhou temeroso, parecia ponderar consigo mesmo se contava ou não mais alguma coisa, mas meu olhar severo não lhe deu trégua.
— Bem…Um dos funcionários da casa encontrou alguns pertences velhos que os moradores resolveram se desfazer e ... foi assim que consegui este relógio, pensei que você fosse gostar dele. – e eu havia gostado, o problema era o que aquele objeto causou. E se o tocasse de novo, o que aconteceria dessa vez? Minha mente sussurrou. Parecia sensato manter distância, principalmente após tudo o que vinha acontecendo.
— Curioso! – divaguei, ignorando sua fala culpada.
— Ayla? – chamou-me a atenção em clara dúvida.
— Talvez o relógio tenha ligação com isso tudo e não propriamente o Château. – continuei ignorando sua expressão confusa. – Pensando bem, faz completo sentido o relógio estar envolvido de alguma forma nessa situação, nós dois tivemos contato com ele.
— Olhando por esse lado… realmente faz sentido. Mas como podemos ter certeza?
— Não temos!
— Ou…podíamos dá-lo a outra pessoa e ver no que dá. – disse tentando soar despretensioso.
— E arrastar mais alguém para essa situação? Quanta consideração, Caleb! – revirei meus olhos para a ideia estúpida e egoísta.
— E se não? – o ignorei deliberadamente, não iria colocar uma pessoa em possível risco apenas para provar um ponto de vista. E com meu silêncio ele entendeu isso. – Arrrg… Voltamos à estaca zero! – bufou contrariado.
— Não voltamos, agora que resolveu me contar os pormenores, temos por onde de fato começar. Primeiramente, vamos deixar o relógio guardado, o mais longe possível de nós dois, até termos uma ideia melhor sobre o que está acontecendo. E você, tente parar de me esconder as coisas, sei que está sendo o mais afetado nessa história, mas impulsividade não nos levará a lugar algum. – redargui, rigorosamente.
Ambos nos calamos depois do meu sermão, perdidos em nossas próprias divagações. As pequenas informações reveladas davam um novo parâmetro aos acontecimentos, considera que o relógio estava ligado ao Château dos Santiago mostrava o quanto ainda tínhamos que descobrir para enfim resolvermos aquela situação.
— Aly, me desculpe, ok? Não lhe contei antes por mal, as coisas só estão confusas demais para mim. – cortando meus devaneios, senti as mãos calejadas do meu namorado sob as minhas por cima da mesa, afagando com a mesma dose de carinho contida em suas palavras, esse sentimento antes tão atípico vinha se tornando rotineiro entre nós dois em momentos de tensão.
— Tudo bem. Vamos conseguir resolver isso juntos! – sorri para ele, me aconchegando entre seus braços num abraço apertado.
Depois daquela noite, a névoa da dúvida aos poucos ia se desfazendo. Enquanto Cal mantinha-se ocupado com os afazeres da Monterraz Atelier, Olívia Santiago e sua irmã, Ella – que acabei por conhecer logo depois, começaram a frequentar a cafeteria dando-me a oportunidade perfeita de obter mais informações, despretensiosamente. Como a boa curiosa que sou, acabei descobrindo que os Santiago eram proprietários do Château há alguns anos e sempre vinham passar as férias, o que justificava de não serem tão conhecidos na cidade. Contaram ainda, sobre a outra irmã, Kiara, que devido à piora de sua saúde debilitada, resolveram residir o casarão por tempo indeterminado, pois buscavam a tranquilidade que apenas uma cidade acolhedora como a nossa poderia proporcionar.
Ella tinha 21 anos, longos cabelos castanhos quase negros e olhos igualmente escuros, a pele dourada brilhava como o próprio sol, seus lábios cheios denotavam o sorriso gentil evidenciando a personalidade graciosa. Trazia consigo traços amadurecidos nada condizentes com sua pouca idade. Por outro lado, Olivia transparecia a ousadia de seus recém completados 18 anos, os traços latinos se assemelhavam aos da irmã, diferenciando-se apenas pela cor dos olhos cinzentos.
A presença da família Santiago trouxe consigo o alvoroço da novidade aos moradores de São Valeriano. Não havia uma só pessoa que não estivesse comentando sobre nossos, relativamente, recém-chegados, fazendo jus à rapidez na circulação de informações que ocorria nas cidades pequenas. Logo o motivo da chegada de nossos vizinhos se tornou matéria de interesse público. Todos especulavam sobre qual poderia ser a debilidade que a primogênita dos Santiago sofria, entretanto, este detalhe não veio à tona facilmente como o esperado, por vezes pude perceber como o semblante das garotas Santiago mudava ao ter a irmã mais velha mencionada. A maneira sutil com que Ella desconversava era feito com tamanha desenvoltura que voltar a este assunto soava quase grosseiro, porém, Olívia era mais transparente, seu semblante tornava-se carregado e tenso, sempre acompanhado por um silêncio sepulcral como se estivéssemos falando profanidades, e não fossemos merecedores de resposta. A leveza de Ella contrastava com o comportamento soturno da mais nova, e por compartilhar dessa peculiaridade, sabia que tinha algo por trás daquelas nuances curiosas da garota de 18 anos. Não existia passionalidade imotivada. Minha curiosidade pôs-me em estado de urgência para descobrir mais partes daquela história tão mal contada. Aos poucos e cautelosamente fui me aproximando das irmãs, aproveitando para apresentá-las a Madison, que se tornou próxima de Ella devido aos gostos parecidos logo se entrosaram, tornando ainda mais fácil minha aproximação da mais nova.
— Nos próximos dois sábados teremos o festival de equinócio de primavera, meninas! Preparem-se! – cantarolou a ruiva animada.
— Mads! Seja menos delicada, por favor. – reclamei sarcástica com minha amiga enquanto entregava as bebidas delas. Como vinha sendo costumeiro, nós quatro nos encontrávamos no Middlem. Naquela noite sexta-feira, decidimos aproveitar minha folga para curtir a agitação do pub. Apesar das minhas pretensões iniciais, acabei me apegando rapidamente àquelas meninas, e mesmo não conhecendo Kiara — além do que as irmãs se permitiam contar, também nutria certa admiração pela garota. A filha mais velha dos Santiago em seu momento saudável, era audaciosa, alegre, carinhosa, altruísta e por vezes geniosa. E como eu, uma amante uma incurável de livros.
— Com certeza! Não aguento mais Dona Alba nos fazendo desempacotar a mudança. – desabafou Olivia, num tom falsamente dramático.
— Por Deus, nunca acaba! Qualquer oportunidade para fugir, também estou dentro. – Ella completou a fala exagerada da irmã mais nova.
— Se quiserem, eu e a bonitona aqui, ajudamos. Aliás, podemos recorrer aos serviços braçais do seu namorado, não é Aylinha? Garanto ser um espetáculo à parte! – disse enquanto batia nada delicadamente em minha cintura sorrindo dissimulada.
— Garota, você não me respeita mesmo! – todas rimos, quando, exagerada, me afastei de seu “doce” carinho, demonstrando minha exasperação fingida pelo descarado elogio a beleza do meu namorado. Às vezes a ideia de acabar com a minha pose pacífica com aquela garota que chamava de melhor amiga soava tentadora demais.
— Uma proposta dessas não dá para recusar. – implicou Olívia levantando ambas as sobrancelhas de forma sugestiva. Quanta audácia! Em resposta, joguei um guardanapo naquela garota tão cara de pau, provocando ainda mais risadas em todas nós.
Fim do capítulo
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