Capitulo 2 - Amanda
Eu era a "louca" da família, refletia sobre isso enquanto aguardava Pedro terminar de se arrumar, observando a fotografia que eu e minha cunhada havíamos tirado. Nossas canecas cheias de cappuccino italiano, mais uma das muitas coisas que tínhamos em comum, e a montagem que muito lembrava uma floresta de pinheiros ao fundo. Cada detalhe da imagem trazia à tona as lembranças de uma conexão especial, uma espécie de vínculo que só quem se aventura na "loucura" verdadeira da vida pode entender.
Ah, sim, eu era a louca da família. Porque é assim que as pessoas costumam denominar, principalmente, as mulheres que são independentes, que não aceitam serem subjugadas, que pensam por conta própria. Mulheres emocionalmente inteligentes! Fui a "louca" da família por muitos anos, mas depois que conheci o Pedro, acabei adquirindo um pouco da serenidade dele; agora, sou alguém que pondera. E, para ser sincera, isso foi algo bom para mim, porque muitas vezes acabei tendo que pagar um preço altíssimo como consequência dos meus atos.
Atualmente, a "louca" da família é a tia Martha, que deu fim no casamento, arranjou um novinho e está viajando com ele pelo mundo. Quando falam para ela que o garoto só está naquela relação pelo dinheiro e as oportunidades, ela responde que não vê problema, que pelo menos o sex* e a companhia valem a pena. Me tornei uma grande fã da tia Martha. E era para as coisas continuarem assim. Mas, por quê? Por que tinha que mudar?
Há dois meses, fui com minha cunhada para um Simpósio de Proteção aos Direitos das Mulheres, uma das vantagens de termos a mesma profissão. Sempre nos ajudávamos mutuamente e ainda nutríamos o desejo de nos tornarmos sócias e abrir uma firma de advocacia juntas. Porém, aquela viagem se transformou em um daqueles episódios em que tudo parece dar errado. O transporte atrasou, perdemos a abertura do evento, e o hotel que reservamos fez confusão, nos alojando em um quarto de casal.
Decidimos então resgatar os velhos tempos de faculdade e compramos quatro garrafas de vinho – acredite, isso não era nada para nós. Foi na varanda daquele quarto de hotel que, entre risadas e histórias compartilhadas, senti como se tivessem me chacoalhado e abri meus olhos para o que sempre esteve ali, bem na minha frente.
Conversávamos sobre épocas distintas de nossas vidas enquanto bebíamos e fumávamos, discutimos teorias reais e imaginárias, criamos as nossas próprias teorias. Era fácil falar sobre qualquer coisa com ela. E lá pelas tantas da noite, mais do que sentir o efeito do álcool, eu tomava consciência do quanto amava aquela mulher.
Amanda sempre foi muito reservada, sempre pensando demais nas consequências e muitas vezes deixando de fazer aquilo que realmente desejava. No entanto, sempre que estávamos juntas, ela tornava-se livre, até se esquecia da costumeira timidez. Seu sorriso e suas ações eram algo tão lindo de se ver e admirar, mas confesso que aquele par de olhos betumes brilhando para mim provocou-me um arrepio e a desesperada vontade de beijá-la.
Naquela noite, ela dormiu ao meu colo, ainda conversávamos e ela simplesmente apagou. E eu não pude evitar, tive que fazer minhas constatações; os cabelos dela caíam sobre minhas pernas, parecendo uma cascata de águas negras. Sua boca formava um biquinho lindo e infantil, e a mão que antes segurava a taça de vinho ou gesticulava fervorosamente enquanto defendia alguma opinião, estava caída sobre minha coxa. Fechei meus olhos com tanta força para aplacar o desejo que estava sentindo naquele instante. Ela se mexeu e acomodou-se ainda mais em mim, sua respiração quente batia contra a minha pele que reagia.
Quando ela me perguntou na manhã seguinte se eu lembrava o que houve, disse-lhe que caímos no sono depois de tanta bebida, mas a verdade é que passei a noite em claro. E mesmo após ter voltado para minha rotina, quase sempre o pensamento de como teria sido se ela tivesse acordado, me olhado daquele jeito que apenas ela sabe, e nos deixássemos levar pelo momento, me toma de assalto. Como pude cometer a insensatez de me apaixonar logo pela minha cunhada?
Sempre achei a Amanda uma pessoa fácil de ler, não por me sentir esperta demais ou por ela ser previsível, longe disso. Mas, pela sua sinceridade no sentir, pela transparência de sua alma. Quer saber, não deveria me sentir culpada por estar apaixonada, afinal, qualquer pessoa que conseguir enxergá-la além daqueles murinhos que ela ergue para se proteger acabaria se apaixonando.
Durante o Simpósio, dediquei-me a prestar ainda mais atenção nela, e, para minha surpresa, o olhar que ela me dedicava não era apenas de amizade ou simples admiração. Havia desejo ali, talvez nem ela tivesse percebido ainda. Ou talvez, eu estivesse ficando louca, a queria tanto ao ponto de pensar que era recíproco. Foram dois meses de dúvidas, de autoanálise, de ponderações. Dois meses aceitando que eu e o Pedro havíamos nos tornado dois estranhos dividindo o mesmo espaço.
No encontro daquela noite, eu entendi que não podia continuar naquele mar de questionamentos. Pedro contava sobre a briga com o vizinho. Eu sorria tentando mostrar algum interesse, quando, na verdade, me perguntava como ele conseguia pensar que brigar devido à porcaria de um galho de árvore era um assunto interessante. Gargalhei dos meus pensamentos. Voltei-me para Amanda. Eu daria tudo para saber o que ela estava pensando enquanto me olhava daquele jeito. Acabei mordendo meu lábio de forma involuntária, ela se levantou da mesa e saiu em direção ao banheiro.
— O que deu nela?
— Não sei, Pedro. Vou lá verificar se está tudo bem. Eu já volto.
— Certo, amor.
Estava pronta para confrontá-la, mas me deparar com a Amanda resmungando e jogando tanta água no rosto como se quisesse apagar um incêndio ou se afogar dentro daquela pia minúscula me fez rir. Acabei me aproximando e comecei uma conversa amena. Meu intuito era chegar na parte em que perguntaria se ela também sentia algo por mim, mas como eu disse, Amanda era alguém fácil de ler. A forma como estava nervosa e gaguejava me fez querer abraçá-la ainda mais. E abraçando-a, senti um desejo crescente de beijá-la. E eu a beijei.
Foi a primeira vez que beijei alguém daquela forma. E como eu queria ter continuado… desejava mesmo é que não ficássemos apenas em um beijo trocado no banheiro de um bar. Foi só então que lembrei do Pedro me esperando; tinha que voltar para a mesa. Porém, dúvidas, eu não mais as tinha. Não com a forma que ela se entregou ao beijo. Voltei para a mesa, mas meu coração ficou com ela.
Fim do capítulo
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