A semana demorou muito para passar, mas as duas trocaram algumas mensagens praticamente todos os dias. Bruna gostava de enviar fotos dela mesma ou de coisas que estava fazendo. Alice foi perdendo a vergonha e enviando algumas também. Elas se viam todo dia na entrada, quando Alice levava os meninos e trocavam olhares que só elas pareciam entender.

Quando a quarta finalmente chegou, Alice nem conseguia acreditar e ela não sentiu insegurança para convidar Bruna para a sua casa. A menina também estava mais preparada com um uniforme extra para o dia seguinte e uma marmita com o seu almoço.

– O que você fez sem almoço semana passada? – questionou.

– Eu comprei uma quentinha lá perto – a menina explicou e Alice fez uma nota mental de ficar mais atenta à alimentação de Bruna que volta e meia parecia esquecer que tinha fome.

Dessa vez não teve reunião, nem interrupção de Gustavo e elas tiveram mais tempo, mas o restante da rotina foi bem parecida com a da semana anterior. Bruna preferiu tomar banho assim que chegou, vestindo a mesma roupa de Alice que havia escolhido previamente. Depois foi fazer o planejamento, enquanto Alice cozinhava a janta. Elas comeram juntas, conversando em um clima leve e depois foram para a cama.

Não foi tão difícil se despedir de Bruna naquela manhã, sabendo que sexta as duas iriam estar juntas.

– Você tem estado muito felizinha, o que está rolando? – Ana perguntou quando Alice passou em sua sala para atualizar sobre a obra.

Automaticamente ela sorriu ao pensar em Bruna. “O que está rolando é sex* com uma de suas professoras”, ela pensou.

– Nada está rolando – falou mesmo sabendo que a amiga não acreditaria.

– Está sim! Você está trans*ndo, não é?

Alice ficou vermelha na hora. Normalmente as duas conversavam abertamente sobre sex*, mesmo Alice sendo bem menos aberta para falar dessas coisas do que Ana, que narrava com detalhes suas experiências com o marido.

– Sabia! Um namorado novo?

– O Gustavo falou alguma coisa?

– Ele pode ter mencionado algo para o Pedro – ela admitiu.

Alice até queria poder falar com a sua amiga sobre Bruna. Ana era a única pessoa com quem ela se sentiria à vontade para isso, mas diante da circunstância, ela definitivamente não podia saber. Se Alice falasse alguma coisa, colocaria o trabalho de Bruna em risco.

– Eu não tenho namorado nenhum! – ela negou.

– Mas você está vendo alguém...

– É só algo casual... nada demais...

Era uma boa resposta. Era a verdade, mas sem detalhes.

– Me fala tudo!

Normalmente ela falaria, mas dessa vez o segredo não era apenas seu e ela não podia.

– Preciso ir trabalhar, não posso ficar aqui fofocando o dia todo – decidiu fugir do assunto enquanto podia.

– Que malvada! Quero detalhes! – insistiu.

– Tchau, Ana!

Ela estava ainda rindo da amiga quando saiu da sala e acabou esbarrando em alguém. Ela conseguiria reconhecer aquele cheiro em qualquer lugar. Era Bruna.

– Oi – a menina lhe sorriu de uma forma tão cheia de significado, que Alice sentiu-se arrepiar.

– Oi – ela falou sem conseguir tirar do rosto um sorriso idiota.

Bruna aproveitou a proximidade para disfarçadamente fazer uma carícia leve e rápida em sua mão. Elas trocaram um olhar intenso antes de se afastarem e o sorriso de Alice aumentou. Claro que ela estava feliz. A vida era boa!

=====

Depois de ter dormido mais tarde todos os dias daquela semana escrevendo relatórios, Bruna estava cansada. Aproveitando que a irmã iria para a casa do namorado, Alice buscou-a na escola e as duas jantaram juntas na sala, antes de subirem para o seu quarto. Depois de dois orgasmos intensos, seu corpo queria dormir, mas ela estava um pouco inquieta. As duas estavam deitadas na cama, uma de frente para a outra, com as pernas entrelaçadas e Bruna queria saber mais sobre Alice. Desde a primeira vez que fora em sua casa, as fotos que vira dela com Gustavo ficaram em sua cabeça. Em algumas delas eles eram tão novos.

– Por quanto tempo você e o Gustavo ficaram juntos? – Bruna perguntou por curiosidade. Não porque se importava.

– Fomos casados por seis anos.

– Mas por quanto tempo vocês ficaram juntos contando desde o inicio do relacionamento?

Alice fez uma feição pensativa antes de responder.

– É difícil dizer... A gente se conhece desde a adolescência e ficamos indo e voltando durante anos até nos casarmos.

– Por quê? – ela ficou chocada com a intensidade que queria saber a resposta – Terminavam e voltavam, quero dizer.

– Eu sei lá... Éramos crianças... As razões eram brigas estúpidas. Terminávamos, mas sempre fomos muito amigos e mantínhamos amizade mesmo quando não estávamos juntos. Aí acabava que sempre voltávamos e o ciclo recomeçava.

Sempre terminavam e voltavam. Aquilo ficou martelando na cabeça de Bruna. Será que voltariam agora? Será que o ciclo recomeçaria? Aquele pensamento fez Bruna sentir um aperto, mas recusou-se a pensar no assunto e no quanto aquilo lhe incomodava.

– Ele sabe que você é bi?

– Claro! Ele foi a primeira pessoa para que eu contei, na verdade – Alice falou sorrindo com a memória – Ele sempre aceitou isso muito bem e tirando a piada infeliz sobre ménage, ele foi muito bacana quando me assumi.

Aquele aperto de novo. Ela queria perguntar se eles ainda seriam amigos de novo, porque aquele grau de cumplicidade não desaparecia, mas ela tinha medo da resposta.

– Você é assumida? Porque eu tenho certeza que eu já saberia a fofoca se fosse conhecimento público – brincou tentando amenizar a confusão em seu coração.

– Claro que sou – ela falou como se fosse óbvio, mas de repente pausou pensativa – Bom... Quer dizer... Eu não falo disso abertamente até porque odeio ficar falando da minha vida para estranhos, mas eu não escondo. Meus pais sabem.

– Como eles reagiram?

Bruna não conseguia resistir. Ela queria saber mais de Alice e a mulher parecia querer lhe dizer.

– Eles odiaram! Meu pai quase me deserdou! Mas eu fiquei grávida do Gael logo em seguida, fiquei noiva do Gustavo e eles decidiram ignorar minha sexualidade.

Bruna pensou que Alice parecia ter ignorado também, pelo menos um pouco.

– Você vive uma vida bem hetero mesmo – não resistiu em dizer.

– Com licença? – ela falou injuriada, apontando elas duas nuas na cama. Bruna riu.

– Eu sei que você é bi, mas você passa por hetero com tranquilidade. Você foi casada com um homem por anos, tem filhos, é feminina, só tem amigo hetero top...

– Hetero top? – Alice riu do comentário – Não é para tanto!

– Seu ex-marido usa sapatênis e aposto que ele escuta sertanejo!

As duas gargalharam.

– Você tem amigos queer? – Bruna continuou questionando, querendo mostrar seu ponto.

– Não... mas eu não tenho nenhum amigo mesmo além da Ana – admitiu um pouco sem graça.

– Ela sabe que você é bi?

Aquilo claramente fez Alice ficar pensativa.

– É uma boa pergunta. Eu ia falar que sim, mas a verdade é que eu não tenho certeza. Eu não lembro de ter surgido em nenhuma conversa...

– E ela é sua melhor amiga! É o que estou falando! Mas eu não estou te julgando. Não é nenhum problema, só estava observando.

Não era um problema, mas era um privilegio, ela só não queria entrar naquela discussão com Alice aquela hora da noite.

Alice continuou pensativa.

– Você já ficou com uma mulher antes? – questionou novamente.

– Bruna, eu por acaso pareço uma amadora para você? – Alice provocou e levou um leve empurrão no braço.

– Claro que não – Bruna se justificou – O que eu quero dizer é se você já teve algum relacionamento com uma mulher porque você mesmo disse que ficou com o Gustavo por muito tempo.

– Teve uma época na faculdade que terminamos justamente porque eu descobri que era bi e queria explorar esse lado. Foi quando eu comecei a ficar com várias meninas, mas nada sério – Alice iniciou seu relato e pensou um pouco antes de continuar – Teve uma época que eu e Gustavo até voltamos de novo, mas terminamos um pouco antes de eu me formar e foi quando eu me apaixonei perdidamente por uma mulher.

– Como foi?

– Ficamos juntas por alguns anos e eu realmente achei que ela fosse o amor da minha vida.

Se o que ela havia sentido em relação ao Gustavo eram ciúmes, isso parecia pior. Ela precisava parar! Aquilo não era um relacionamento. Não era nada sério! Bruna não queria um relacionamento sério. Não depois do que passou com a sua ex, nem depois do que viu a sua irmã passar. Ela definitivamente não queria um relacionamento sério, principalmente não com Alice.

=====

Alice não sabia o que a Bruna tinha que a fazia se abrir daquela forma. Quando elas estavam juntas, parecia que Alice estava em uma bolha de proteção separada da realidade. Suas defesas caiam, ela se sentia vulnerável e passava a falar de coisas que nunca se permitia dizer em voz alta.

– Foi por causa dela que eu me assumi para os meus pais – admitiu.

– E o que aconteceu? – Bruna continuou a perguntar interessada.

– Ela me traiu. História da minha vida, realmente – riu de forma triste.

Ela poderia parar por ali, mas por algum motivo quis continuar.

– Eu tinha acabado de me assumir por ela.

Alice teria feito tudo por ela.

– Eu fiquei arrasada! – falou sentindo levemente as memórias do passado – E foi quando voltei com o Gustavo.

– Normal a gente tentar voltar a algo familiar quando estamos magoados.

Era verdade, mas não toda a verdade e Alice se pegou verbalizando a verdade inteira pela primeira vez, enquanto olhava para o teto, sem conseguir encarar o olhar de Bruna.

– Não foi só por isso. Ela morria de ciúmes do Gustavo e quando ela me traiu eu quis machucar ela. Eu fui dormir com ele por vingança. E então eu fiquei grávida. Com o Gael – ela falou nem acreditando que havia admitido aquilo em voz alta.

            A culpa a dominava.

– Eu concebi meu primeiro filho em um sex* de vingança... Comecei muito bem a maternidade – falou com uma ironia depreciativa.

Bruna segurou o seu braço com firmeza, obrigando-a a olhar em seus olhos.

– Ei, isso não tem absolutamente nada a ver com quem você é como mãe!

Como não?

– Você acha que minha mãe queria ficar grávida aos quarenta e dois? Ela pensou que estava entrando na menopausa quando descobriu que estava grávida de mim! – contou, falando bem sério – Ser mãe não tem nada a ver com a forma como você concebe seu filho. É o que você faz quando a criança nasce que importa! E nós já estabelecemos que o Gael é perfeito. Então você deve estar fazendo alguma coisa certa.

Aquilo aliviou o clima, mas os pensamentos de culpa continuaram no fundo de sua mente.

– Sua vez! Eu já falei muito de mim. Sua hora de compartilhar.

Alice precisava mudar o foco da conversa.

– O que você quer saber?

– Você já esteve em um relacionamento sério?

– Só um. Eu era meio esquisita na escola, só fiquei bonita na faculdade e aí eu passei por uma fase bem piranha – ela riu – Eventualmente eu acabei me apaixonando pela minha ex. Ficamos juntas por um ano, mas ela era muito possessiva. Tinha ciúmes até da sombra. Ficava querendo controlar para onde eu ia e com quem... – Bruna revirou os olhos – Eventualmente eu não aguentei mais e terminei com ela. Desde então descobri que não queria saber de relacionamento, quero ser livre!

Aquilo foi como um aviso lembrando que elas não tinham nada sério por mais que conversassem e passassem tempo juntas, além do sex*. Alice sentiu o aviso forte como um soco no estômago. Tentou disfarçar ao dizer:

– Você é bem jovem, tem que aproveitar...

– Esse é um daqueles discursos de gente velha? "Como tempo passa rápido", "Quando você percebe..." – Bruna riu.

– Eu não sou velha! – fingiu indignação e fez cosquinha em Bruna.

As duas gargalharam e voltaram a se beijar, mas Bruna parecia muito cansada para dar continuidade e Alice deitou de volta da cama, dando mais alguns beijos rápidos enquanto Bruna fechava os olhos e aos poucos entrava em um sono tranquilo.

Fim do capítulo