Capitulo 35
Capítulo 35 - Flávia
Com a caneca na mão entrei na copa da delegacia, atrás do café fresco e quente do começo do expediente. Sei que esse horário a copa é cheia de investigador, delegado, todos e qualquer um, é quase um point. Entrei com a educação que sempre tive, falando um bom dia o mais rápido possível. Enchi a caneca de café quente e sai rapidamente, evitando comentários, pessoas. Na saída da copa quase derrubei o café no colo da Beatriz, que entrou na copa sem avisar, balizar ou alertar.
- Nossa Bia, por pouco não derrubo em você. Está tudo bem? - falei em consideração ao jeito abrupto que ela entrou. A Bia levantou o rosto e eu consegui ver as olheiras dela e a expressão perdida, o que é até esperado em decorrência do porre. Sem contar que não faço ideia se ela lembra de ter tentado me beijar ou não.
- Eu “to” na merd*. Um enjoo, uma dor de cabeça. O que aconteceu ontem?
- Não quer ir ali no vestiário, a gente senta um pouquinho e conversa? Acho que devo ter um dipirona na bolsa. - ela aceitou sacudindo a cabeça, sem palavras. Seguimos até o final do corredor, onde ficava o vestiário. Rezei mentalmente para não ter ninguém lá. O mundo da polícia civil é muito pequeno, contar alguma coisa perto de alguém é o mesmo que confete no ventilador, vai espalhar tudo. A Bia sentou no banco do vestiário, estava na merd* mesmo. Abri meu armário e peguei a dipirona, ofereci a ela que aceitou de bate pronto.
- Ah, detesto remédio. O que aconteceu ontem Flávia? - ela falou olhando para o chão, como sempre com vergonha do seu próprio olhar, da sua própria emoção.
- Você lembra de alguma coisa Bi? - falei fechando meu armário e seguindo em direção ao banco, para conversar próximo a ela.
- Nossa, quase nada - esticou a mão, colocando sob os olhos, nitidamente incomodada pela luz - lembro de você chegando, fomos almoçar. Você estava chateada que a Bruna terminou com você - apertou os olhos, tentando lembrar de algo - eu lembro de ter pedido uma cerveja, lembro de uma caipirinha chegando - respirou fundo - ahhhhh, ai depois esquece.
Eu não sei exatamente se quero ou não que a Bia lembre que tentou me beijar. Ela estava bêbada, ou seja, zero sentido. Mas tenho medo que isso estrague nossa amizade. Vai que ela lembra depois e me culpa por ter escondido e vai que lembra agora e tudo fica estranho. Ela nitidamente estava incomodada por não lembrar de quase nada.
- Você lembra que me contou do Ricardo? Seu ex? - ela abriu o olhão, arregalado, nitidamente assustada - Bia, vamos fazer um BO contra ele. Eu acompanho você! Fico ao seu lado. Não podemos deixar isso em aberto. Olha o seu estado físico e vc mental, isso não pode sair em branco.
- Hum, hum - balbuciou
- Bi, não é hum hum não. É tomar atitude, ir pra cima dele. Eu te vi ontem, mancando, com medo, assustada. Cara, você namora um delegado, divide a casa com uma investigadora. Vamos pra cima dele - falei um pouco mais agitada, querendo mostrar o quanto estou com ela. A Bia não olhou mais pra mim, abaixou a cabeça novamente e começou a chorar, copiosamente. Me aproximei dela, me arrastando pelo banco e passei meu braço por cima de seus ombros, trazendo ela para mais perto de mim, para mim. A dor dela é palpável, o incômodo é absurdo. Consigo sentir o quanto esse cara machucou ela na alma, no espírito. Ficamos ali no vestiário um tempo, não sei determinar quanto, mas só nos soltamos quando meu celular tocou, com a Isabelle perguntando onde eu estava, só aí lembrei que ela estava me esperando. Quando o assunto é proteger a Bia, não sei explicar, parece que faria de tudo. Quero esbarrar novamente com o Ricardo e o mini cooper dele, dessa vez não serei tão delicada como da última,
- Que café demorado Flávia. Não era só pegar uma xícara? - foi a primeira coisa que a Isa falou quando apareci na frente da sala dela.
- Ah dra. Sabe né?! Um café aqui, um beijinho ali, nunca em uma função só - falei rindo e entrei na sala dela. Eu e ela tivemos um relacionamento, nem isso na verdade, nós ficamos algumas duas ou três vezes, a Isa que achou que poderia ter algo mais sério comigo.
- Sempre galante né Flávia. Vem senta aí. Quero te passar um caso - entrei na sala dela, respirando um cheiro delicioso, fresco, de natureza, me levando a um ambiente completamente diferente de uma delegacia
- Eu adoro o cheiro da sua sala, esse cheirinho é de que? Lavanda? - falei sentando na mesa.
- É de capim limão. Detesto esse cheiro de delegacia, suor velho, preso fedido, papel vencido.
- Delegacia tem um futum natural né?!
- Esquece o cheiro, deixa eu te passar esse caso. Talvez você me ajude - a Isa e seus cachinhos abriram uma gaveta, tirando uma pasta. Ela pegou uma foto e colocou em cima da mesa. Era uma foto de um rapaz, uns 30 anos, bem vestido, bem afeiçoado, sorridente - Esse é o Marcius Evangelista, 32 anos, jornalista, está desaparecido há mais ou menos 2 meses.
- Hum, provavelmente homicídio com ocultação?
- Acredito que sim. A mãe falou que era jornalista investigativo, que ela sempre teve medo disso. A namorada já abriu um pouco mais. Falou que ele estava em uma investigação que não contou pra ela, mas estava agitado, recebendo muitas ligações estranhas, escondendo papéis, com medo de ficar sozinho.
- Alguém do trabalho dele sabe de algo? Ele trabalhava onde?
- Aí que você entra.
- Quer que eu investigue o sumiço dele?
- Quero que me ajude.
- Humm, como?
- Ouvi pelos corredores - ela fez um sorrisinho sacana - que sua namoradinha é do Doi Notícia.
- Aff Isa, não creio que você me chamou aqui pra isso - eu queria levantar e ir embora.
- Pera Flávia, preciso mesmo da sua ajuda. As duas últimas matérias dele foram publicadas lá. Eu entrei em contato, tentei falar com alguém de lá, mas não tive sucesso pelos meios fáceis. A namorada dele conseguiu que um amigo de um amigo liberasse a entrada dela. Ela queria acessar o armário dele que fica na redação, que estava intacto e trancado. No dia que ela entrou ele foi arrombado e todas as anotações dele, inclusive o computador foram roubados. Esse amigo entregou a ela um pen drive, que a informática está abrindo e explorando.
- O que tem no pen drive? Já levantaram?
- Diversos documentos e laudos de pacientes que fizeram transplante no último ano. Inclusive vários atestados de óbito e BO de desaparecimento - A expressão da Isa era de soberba, de consegui, de estou acima.
- Esse cara estava investigando tráfico de órgãos?
- Aparentemente sim. Talvez tenha mergulhado em algo crítico, tenha apertado alguém do jornal. Os documentos que estavam lá sumiram, acredito que não foi ele a mexer lá.
- Claro que não. Alguém pegou os documentos para abafar o caso, atrapalhar. E a morte dele, possível morte na verdade, aponta que alguém no jornal sabe alguma coisa. A namorada já foi ouvida Isa?
- Formalmente ainda não, está bem abalada. Está com medo de contar alguma coisa e sumir também.
- Hummm, entendível. E o que você quer exatamente de mim?
- Ah, sei lá. Você tem esse talento todo, um faro infalível. Fica de olho em alguma coisa, tenta ver algum suspeito, alguém estranho. Não sei, visita sua namoradinha no emprego dela.
- Você não tem que ficar falando assim comigo, irônica. Chega Isa.
- Você me deve isso Flavinha, me deve mesmo. Não te pediria ajuda se eu não precisasse. Não sei mais por onde mexer, as vias comuns estão se esgotando e não acho esse cara, muito menos um culpado. Você me deve esse favor.
- Isa, nunca fui de negar trabalho, muito menos ajuda a ninguém. Vou te ajudar com isso. Só não entendi porque te devo e desde quando estou te devendo - perguntei me inclinando para me aproximar da mesa.
- Me deve essa ajuda, esse apoio.
- Isso eu entendi. Mas porque eu te devo algo? - Essa foi a vez dela se aproximar de mim, com os cachinhos sacolejando lado a lado.
- Posso jogar aberto, limpo?
- Deve Isabelle.
- Só eu sei o esforço que tive investindo em você. Um lenga lenga, papinho aqui, papinho ali, um esforço gigante para esbarrar com você. Levei meses para conseguir um beijo. E depois você vai, conhece uma garota aleatória e começa a namorar com ela. Achei no mínimo desapego seu.
Acho que eu fiquei com cara de tacho, nunca percebi ou reparei nesse esforço da Isa, pra mim, na minha cabeça, só ficamos, coisa simples, eventos isolados
- Enfim, sei que não tenho direito a nada, só fico chateada sabe? Então sim, você me deve nem que seja me ajudar no processo.
- Isa.. é…
- Não precisa falar nada Flávia, eu que passei dos limites. Estava com isso entalado. Me irrita muito isso em você. Você é tão doce que não percebe nem quando alguém gosta muito de você. Você nem percebe o quanto foda você é, inteligente, atenciosa, carinhosa e o quanto as pessoas gostam de você - tentei argumentar, mas ela continuou - e te digo mais, abre seu olho que tem mais gente assim, babando por você, que os olhos brilham ao discutir um caso, a pedir uma ajuda.
- Isa, eu nem sei o que falar. Na verdade, que tapa.
- Não tem o que falar Flávia, só me ajuda nesse caso, você me deve isso. E deve muito.
- Eu vou te ajudar no que eu puder, mas eu não posso me enfiar no jornal, assim.
- Aff Flávia, usa do seu charme, vai dar um beijinho nela. Não é difícil - eu fiquei bem sem graça, acho que acabei olhando para o chão, com certa vergonha, claro que isso não fugiu ao olhar apurado de uma delegada titular - A não ser que não tenha mais namoradinha.
- Chega Isa, vou te ajudar como eu puder. Lá dentro eu não posso - eu virei um gole de café amargo e frio da copa, mas foi uma bomba na minha mente, como se os céus se abrissem - Isa, alguém colheu já o DNA da família?
- Não, não tive um motivo ainda pra isso.
- Eu tenho um corpo sem identificação, encontrado no matão do fundo, jovem, por volta de 30 anos, homem e foge totalmente do padrão dos outros corpos - dei um tapa na mesa - É isso. Pode ser esse desaparecido.
- Flávia, não posso dar esperança para família.
- Isa, o corpo está irreconhecível, então será por dna mesmo. Nem arcada sobrou, porque arrancaram todos os dentes. Mas é uma possibilidade.
- Porque é diferente dos outros corpos?
- Cara, todos estavam vazios, sem nada por dentro, com a barriga fechada por um esparadrapo, uma silver tape. A maior parte 40, 50 anos, alguns jovens, todos com tom de pele negra,, expressão com rugas. Mas esse - respirei fundo - esse que foge, deixou o coração e os pulmões. Tem terra e pele sobre as unhas, ele brigou, tentou se proteger, é branco, é jovem, deve ter uns 30 dias. Há uma proposta, linha de investigação que esse corpo não seja vendedor de órgão, nem um paciente, comprador que deu errado. É uma proposta que foi queima de arquivo, limpeza de HD. Pode ser o seu cara, pode não ser o seu cara. Mas não dá para desconectar as coincidências, precisamos testar. Pode ser a solução ou pode ser uma frustração.. Mas é o risco.
- Cara, se for o meu desaparecido, você é rabuda demais.
- Ai Isa, sabe o que me fode nesse caso?
- O que?
- Eu ainda não sou delegada. Esse é um caso que te joga pra cima, te dá um pé na bunda tão grande que você voa para as cabeças.
- Eu vejo pelo contrário Flavinha. Se você fosse delegada, estaria com tantas responsabilidades administrativas que poderia nem estar no caso. Sem contar que você já é uma delegada pronta, você só precisa meramente do concurso, ah e de terminar a faculdade. Esse caso é o que vai te colocar dentro, te dar história, te dar repertório, te dar nome. Cada coisa acontece pra gente na hora certa. Se caiu pra você agora, é porque é pra ser seu.
Sacodi minha cabeça, como se entendesse e aceitasse o conselho e o toque da Isabelle. E esses cachinhos dela são de hipnotizar qualquer um. Ela não encostou na minha mão, não tentou abraçar, beijar, nada. Totalmente profissional, bem diferente da passional das últimas semanas. Ela levantou da mesa dela, batendo os papéis na madeira, depois foi até a porta e abriu. Fui seguindo ela com os olhos, ela parou na porta e sacudiu a cabeça para o lado, mostrando-me a saída.
- Vai avisar a família? - falei em pé, na frente dela com a porta aberta.
- Infelizmente é a melhor chance que tive até agora.
- Me avisa se houver identificação ou não - passei por ela e pela porta - E Isa, eu vou ficar de olho no jornal. Não posso estar lá dentro em si, mas vou ligar meu faro.
- Eu sei, na verdade te conhecendo como conheço, você já tem até alguém na mira de suspeitos - dei risada e sacodi a cabeça me despedindo carinhosamente da Isa. Acho que de alguma forma a conversa com ela foi na sutileza específica da Isa, ou seja, um beijo e três tapas. Já no segundo andar da delegacia, segui para minha sala onde coloquei meu computador movido a lenha para funcionar. Olhei rapidamente meu celular, continuava sem nenhuma mensagem ou sinal da Bruna, nadinha, nem uma foto, uma figurinha, um bom dia, absolutamente nada. Confesso que isso me deixava bem frustrada, sem graça, com raiva dela. Mas quer saber, eu sou responsável por minhas emoções e meu futuro. Antes de eu conseguir sentar na minha cadeira, meu telefone de mesa tocou. Só um idoso é capaz de me ligar no telefone de mesa, o Cantão. Ele estava pedindo para eu ir até a sala dele, mas confesso que eu gelei de cima a baixo. Não dá pra esquecer que a Bia, namorada dele, tentou me beijar. Ah, mas ela tava bêbada, ah, mas ela tava sonâmbula, ah mas… isso acho que é ainda pior, mostra o quanto ela queria fazer isso sóbria. Foda. Nem ela mesma lembra, graças a Deus, mas que situação chata.
- Você está melhor? - Essa foi a primeira pergunta dele, assim que eu passei pela porta.
- Melhor do que? - do que ele está falando?
- Dos dois tiros que você tomou sapatão.
- Ah, foi tranquilo. Foi de raspão essa porcaria. Os pontos da perna estouraram no final de semana, tive que fechar com uns pontos falsos.
- Humm, final de semana quente assim? A ponto de estourar os pontos?
- Nem te conto.
- Como estourou?
- Correndo. Fui dar uma distraída trotando e acabei arrancando os pontos. Mas fala, porque me chamou?
- Como estão as investigações?
- A princípio não tenho nada novo para te entregar. Vou sentar ali agora e voltar a analisar as imagens, tentar achar mais alguma coisa.
- Não achou nada nesses dias que estava afastada?
- Po Cantão, eu estava afastada. Fui viajar. Não fiquei pensando no caso não.
- Hummm, bom! Nunca ouvi uma resposta dessa de você. Qualquer afastamento ou folga sempre significou trabalhar mais, só que de casa.
- Eu venho mudando bonitão. Um ser humano precisa evoluir as vezes.
- Eu fico feliz por isso sapatão. Sempre te falo que você precisa seguir em frente. Sempre.
- Humm, quem sabe não comecei a te ouvir um pouco. Mas o que é essa cara enrugada sua? Preocupado com o que?
- Você viu como a Bia está? - acho que devo ter me contraido toda, travado - Ela esta com cara de ressaca, ela não é de beber tanto, nem bebe quase.
- Humm - falei querendo disfarçar
- Eu não sei como ajudar ela, as vezes eu acho que ela nem quer ajuda. Você sabe o que está acontecendo! E não me fala.
- cara, não posso contar as coisas dela. O que eu posso falar é que sim, algo está acontecendo e ela precisa de ajuda. Ela não te conta porque tem vergonha do que está acontecendo, mesmo sem ter culpa alguma.
- Mas é o que, alguma doença?
- Cantão, conversa com ela. Insiste um pouco, ela precisa do seu apoio, do seu carinho. Insiste, coloca contra a parede. Se não tiver seu apoio ou perder você, ela vai pirar.
- Tá tão ruim assim?
- Cara, ontem ela bebeu que eu precisei levar ela pra casa.
- Ufa, eu tava com medo dela ter bebido sozinha, pesado a mão sem supervisão.
- Eu estava junto. Quando cheguei em casa, estava chateada e com fome. Fomos almoçar, ela acabou pedindo uma cerveja, uma levou a outra, quando ela percebeu já estava fora de contexto.
- Mas nisso tudo ela te contou o que está acontecendo Flávia?
- Bonitão, eu sei o que está acontecendo. A questão é que não tenho direito de contar nada dela. Quem deve contar o que está acontecendo é ela própria. Por exemplo, você queria contar pra Bruna sobre a Fabi, mas não contou porque isso é algo meu, eu devo contar. Mesma situação.
- Tá bom Flávia, essa lealdade feminina. Entendo - Levantei da cadeira, na intenção de ir embora, mas não pude deixar de remendar o comentário.
- Não é lealdade feminina, é lealdade só. Teria isso com você, com ela, com qualquer pessoa.
- Errada você não está - sacodi a cabeça confirmando - Flávia.
- Oi bonitão - falei em deboche, já de fora da sala.
- Cuida dela pra mim, mesmo que ela não confie em mim para saber do que está acontecendo. Quero ela bem.
- Claro que cuido, ela é minha amiga também - sai morrendo de medo de ter transparecido alguma coisa. A Bia não lembra do que aconteceu, não sou eu que vou ficar lembrando. O que menos preciso é a namorada do meu brother querendo se descobrir comigo. Peguei meu celular na esperança de uma mensagem da Bru, nada! Ela realmente está firme nessa palhaçadinha dela. Nem sei se devo me importar, ficar mal ou me sentir aliviada. Não sei.
A minha semana passou voando, voltar para a faculdade é um misto de paz e de inferno. Paz por que é o último semestre, está finalmente acabando, mas inferno pelo cansaço e tudo mais. Uma das coisas boas é que nesse semestre é só fazer o tcc, acompanhar os laboratórios de prática jurídica e sobreviver. Nada muito complicado.
Como passei o tempo todo ocupada, a Bia eu só esbarrava com ela na delegacia, então quase não tocamos mais no assunto dela fazer uma queixa contra o Ricardo, nem mesmo sei se ela contou para o Cantão. Pra ser bem sincera, eu não quero me enfiar mais nessa história, me envolver com algo que só vai me dar trabalho.
Toda sexta feira toda e qualquer faculdade tem bar, e não seria diferente hoje. Eu não bebo, mas sempre vou como um evento social, um momento de conversa. Nem sei se vocês lembram, mas meu primeiro beijo com a Bruna foi aqui, na lateral de um bar. Ah, Bruna! Sinto falta dela, de conversar, só não sinto falta daquela soberba chata dela, de se achar rica e de que eu não tenho cultura. Isso me incomoda muito.
- Vamos para o bar hoje né?! - primeira coisa que a Ana lu me perguntou assim que a aula acabou.
- Sério? Você quer ir? - eu joguei a brincadeira, eu já sabia que iria. Mas queria brincar com ela. Que saudade eu estava da minha amiga.
- Claro, começo de semestre. Calouros de todos os cursos. Quem sabe eu desencalho, já que seu amigo delegado não me dá bola.
- Esquece o delegado. Ele está com a Bia.
- Ah, sabe que ele é meu amorzinho. Vamos?
- não já estamos indo bonita? - a Ana lu fez uma cara impagável. Fomos jogando papo fora até chegar no bar. Nós sentamos na mesma mesa de sempre, no bar do Sr. Olímpio. Assim que o "veio" vou a gente, abriu um sorriso.
- Como vocês fazem falta hein?! Pra menina - olhou pra Ana Lu - uma spaten geladinha? - ela confirmou com um aceno - e pra você… hummmm. Abacaxi com hortelã geladinho?!
Respondi com uma risadinha, mas posso dizer que adoro esse cuidado do Sr. Olímpio. Eu já cheguei aqui tarde da noite ou dia nada a ver e o cara foi na cozinha, desenrolou um PF e me alimentou. Isso é o tipo de coisa que vc não acha em nenhum lugar chique da Bruna.
- "Mar" fala aí Flavinha, como você está com essa questão de terem terminado?
- ah Ana lu, tá estranho sabe? Acabei conseguindo me abrir um pouco, me deixei levar. Me sinto um pouco mal porque eu tava me soltando, é como se fosse um recado que eu deveria esperar mais ou aceitar que já tive um amor e não preciso de outro.
- Para com isso Fla. Olha sua idade. Tá super nova. Você não precisa se perder com ela. Cara, tem um economista novo lá no escritório. Um português, foda o cara. A esposa dele é terapeuta, atendê aqui na Paulista. Quer que eu pegue o contato dela? É aqui perto. Aproveita que você se soltou um pouco por conta da Bruna e continua. Trabalha esse seu luto Flávia. Não precisa morrer com ela - ela virou um copo gelado quando chegou a cerveja. Deve ser bom, porque ela reviveu - Puta merd*! Como precisava disso
- Eu quero o contato. Você consegue pra mim? - falei acho que sem esperar que eu mesmo falasse isso - será que o meu caso qualquer terapia funciona? Ou tem que ser uma coisa única? Específica pra mim?
- Ah Flavinha, não sei cara. Mas de todo modo ela pode te orientar, te dar um caminho. Mas gostei da sua resposta. Nunca se propôs a tentar.
- foi bom eu ter conhecido a Bru, saído do casulo. Mas o casulo é mais conhecido, mais comum.
- mas como você está com esse término?
- ah, é estranho Ana lu. Estava começando a me acostumar com mandar mensagem, me preocupar com alguém.
- Ser cuidada, mimada.
- Ah, também! É gostoso ter alguém com você, te provocando, te olhando, te desejando. Se sentir viva.
- Você mudou bastante depois que conheceu ela. Ficou mais viva. Desde o acidente da Fabi você tinha se perdido - bebeu mais um copo de cerveja - Não deixe de viver porque a Bruna não encaixou bem com você.
- Ela encaixou, esse é o que me quebra. Nos encaixamos muito bem. Eu ainda nem entendi esse término, passei a semana esperando ela me mandar mensagem
- Por hoje, só por hoje, esquece ela. Olha aquela caloura te olhando! Duvido você chegar nela.
- Hahahha, Ana lu, cadê a vergonha na cara, hein?!
- Ah vai Flavinha, você nunca foi de deixar ninguém passar. Ainda mais uma caloura, vai dar boas vindas pra ela.
- Acho que hoje não Lu. Mas isso não te impede. Tem um bonitão barbudo ali, do outro lado. Já olhou algumas vezes pra cá - ela discretamente, sem nenhuma discrição, olhou pra ele. Claro que se encantou. Ela adora uma barba grande.
- Aí Flávia, que gostoso! - soltou uma gargalhada gostosa, olhou direto pra ele e levantou o copo com cerveja, como se oferecesse.
- Ana Lu, você é muito cara de pau.
- cara de pau nada, eu que não vou perder um boy bonitão assim. Você que é boba, daqui a pouco eu vou convido essa caloura pra uma cerveja.
Estiquei minha mao chamando o Sr olimpio e pedindo uma água com gás. Não demorou muito para a Ana Lu ser abordada pelo barbudo e se perder entre os universitários. Eu fiquei batendo papo com varios colegas de faculdade, mas conforme as pessoas iam bebendo e se soltando, o clima ia ficando mais e mais incômodo para mim. Por volta das 23 horas a Ana Lu voltou para a mesa desesperada.
- Miga, perdi a hora! Não chego na freguesia se não sair agora. - começou a mexer na mala, procurando o cartão de onibus.
- Ana Lu, se quiser dorme ai na minha casa. Amanha cedo vou visitar minha avó e te dou carona.
- Não Flavinha, não quero te incomodar.
- Amiga, você quem sabe. Posso te oferecer café, chuveiro e sofá - ela deu risada da minha proposta e sacudiu o rosto aceitando. Pegou o celular e falou que iria avisar a mãe dela. Fiquei de olho nela, por segurança - Vamos? - Ela acenou concordando. Levantei da mesa e fui no Caixa pagar meu consumo. A Ana Lu já tinha quitado sua conta e estava me esperando ao lado da mesa. Pegou sua mochila. Ela olhou rapidamente na mesa, tinha uma folha de sulfite dobrada em cima.
- Sua essa folha Fla?
- Vixe, não. Deixa eu ver - peguei a folha dobrada em quatro de cima da mesa. Desdobrei e quase cai pra trás. Dobrei a folha rapidamente e coloquei no bolso.
- Tudo bem Flavinha? Ficou branca.
- Cansaço dona Ana Lu, cansaço - dei uma de perdida e falei isso, mas eu realmente devo estar pálida. A folha que estava em cima da mesa era uma folha de sulfite, limpa, com uma letra bem escrita, quase desenhada, com um endereço da favela de heliópolis, o desejo de uns corredores, quase como um mapa e escrito embaixo “ Endereço do Grilo, ele que matou o jornalista Marcius Evangelista”. Caralh*, alguém me deu uma das coisas que eu mais precisava, o endereço do Grilo. Tem idéia de como a favela de Heliópolis é grande? Como é difícil rastrear cada cômodo? Só de enfiar a cara, eu e o Souza quase morremos com os tiros. Ter um mapa da localização do chefe da possível quadrilha de tráfico de órgãos vai me ajudar muuuuito. Claro que fiquei pálida de dar de cara com essa informação. E quem deixou esse papel na minha mesa? Alguém ficou olhando para saber se chegou em mia m, tenho certeza. Voltei a conversar com ela para enrolar - E o boy? Deu um perdido?
- Ah, nem dei corda não. Beijo ruim, pegajoso e chato.
- Simples assim?
- Ah, chato. Conversa heterotop sabe? Dispensei.
- Acho um barato essas suas buscas pelo barbudo certo - o bar e a rua da minha casa é muito perto liberalmente moro na rua de baixo ao bar. Viramos a esquina e continuamos andando. Como já é uma rua mais deserta eu fico bem mais alerta, eu evito andar armada o tempo todo, não gosto, mas pelo menos um canivete no bolso eu sempre sempre tenho. Continuamos andando, com a Ana Lu saltitando e vendo borboletas, sem prestar atenção em nada. Quando prestei atenção, o carro do Ricardo, ex namorado da Bia estava na porta do prédio. Será que ela está bem? Que cara infernal e a Bi tem tanto medo dele que não consegue ter nenhuma reação.
Sem a Ana Lu perceber o que estava acontecendo, troquei de lado com ela, deixando ela mais próximo ao portão e a parede, longe da rua. Quando chegamos em frente ao portão do meu prédio, olhei para ela rapidamente, encostei o sensor no portão, abri e falei - Entra, por favor - sutil e levemente conversando. Quando ela acessou o corredor de entrada, fechei o portão. Ela não entendeu. Dei três ou quatro passos até o mini cooper azul que estava na frente, exatamente na frente do prédio, com o boné no painel. O imbecil do Ricardo não estava no carro, acho que pelo bem dele foi bom isso, porque se estivesse lá eu bateria nele. Pensei rápido, puxei o canivete que levo no bolso e pneu direito de trás, tac! Direito da frente, tac e zas! Esquerdo tac e zas! Esquerdo atrás, tac e zas! Eu consegui ouvir o barulho do ar saindo do pneu enquanto o carro ia afundando, descendo em direção ao asfalto. Dobrei meu canivete calmamente, coloquei no bolso, dei novamente três ou quatro passos até o portão. Sensor na fechadura. Abri e entrei, calmamente.
Flávia! Você é louca! Porque fez isso? De quem é aquele carro?
Vamos subir Ana Lu, só sobe - falei suavemente - Está tudo sob controle.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
polenazareth
Em: 10/01/2024
Bom dia,
Autora, por favor volta logo!
Amo sua história e acompanho desde 2020. Inclusive penso em ler novamente a história antes dessa porque acho que a Flávia aperece na história. Assim é capaz de diminuir a ansiedade rs
tainateixeira
Em: 02/01/2024
Escritora volta logo, e dá um rumo bom para Bia, por favor!!
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tainateixeira
Em: 02/01/2024
Não senti falta da Bruna, tava de saco cheio dela e da sua arrogância. Ela e a ex-escrota se merecem. Inclusive, não duvido que nos próximos capítulos a gente saiba que ela dormiu com a Mayra nos dias que estava afastada da Flavia. Torço para que a Fabi acorde, e ela e Flávia consigam se entender!
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Marta Andrade dos Santos
Em: 31/12/2023
Aí Flavinha eu faria o mesmo kkkk.
Acho que a Bruna está querendo mesmo um desculpa pra terminar com a Flávia e retornar pra aquela sem sal da ex. Tem pessoas que gosta de ser maltrata viu.
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jake
Em: 31/12/2023
A Bia tem medo por ele ser corregedor e persegui lá sabemos q a polícia encobre essa violência por isso Bia n denúncia. Bom autora já passou da hora desse perseguidor da Bia ser vítima do tráfico de órgãos pelo amor né. Feliz 2024 com soluções pelo menos um fim nesse imberbe do Ricardo .aqui eu acho que o tio da Bruna escondeu as provas ele nunca aceitou a Bru sair com uma investigadora
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mtereza
Em: 30/12/2023
Como assim a amiga está sendo vítima de violência e ninguém prestas queixa ninguém conhece a lei Maria da Penha aí que perigo que a Bia está passando do maluco fazer algo mais sério contra ela não é mais o caso de ser um assunto só dela a partir do momento que a mesma foi agredida . E a mimada da Bruna sumiu mesmo mesmo Deus é mais kkkk
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