Capitulo 34
Capítulo 34 - Flávia
O resto do caminho foi pesado, o clima no carro estava bem incômodo. Um silêncio gélido, a Bruna mexendo no celular o tempo todo, eu tentando cantarolar a música que tocava no rádio. Pertinho da casa dela embiquei em um posto de combustível, encostei na bomba de gasolina, abri o vidro e com o rosto para fora, pedi para o frentista encher o tanque.
- Não precisa encher Flávia - falou desviando o rosto do celular.
- Precisa encher sim. Não vou deixar seu carro na pinguela.
- Você quem sabe - minha vontade era responder, jogar na cara dela que eu não gasto em chocolate, gasto em coisa útil. Mas não quero esse estresse, estou tão cansada.
Aproveitei que eu precisava pagar e entrei na conveniência, peguei uma água pra mim e outra para ela. Apesar de todo o estresse, eu gosto muito da Bruna e quero que essa discussão bobinha acabe. Voltei para o carro, entreguei uma garrafa pra ela, abri a minha e virei um grande gole de água com gás, sentindo as bolhas e o ardor.
- Quanto deu o combustível? - ela me perguntou, não com um tom ofensivo, mas que eu me senti ofendida.
- O mesmo valor de sempre amor. Não importa quanto é.
- Vou te fazer um pix.
- Bruna, não faz isso - falei dirigindo o carro e saindo do posto de gasolina. Ela continuou mexendo no celular dela, juro que espero não receber esse dinheiro de volta. Estou cansada desse tipo de situação constrangedora que ela me faz passar. O posto é muito próximo a mansão Cantareira, prédio onde ela mora. Embiquei o carro no portão lateral, da garagem, e em silêncio esperamos abrir.
- Em qual vaga quer que eu estacione?
- Na de sempre - falou direta e grossa. Respirei fundo e virei o carro, posicionando na vaga que habitualmente o carro dela fica estacionado. Desci e fui abrindo o porta malas, tirando minha mochila, que já coloquei nas costas e a dela de rodinhas.
- Sua bolsa Bruna e a chave do carro - estiquei a mão entregando pra ela, enquanto apertei o alarme.
- Pego lá em cima.
- Eu não vou subir, já vou embora - falei segurando a mochila.
- Não, você sobe um pouco - retornou com uma expressão de incrédula - Porque não quer subir?
- Eu estou cansada.
- Normal, sobe e descansa lá em cima - ainda usando um tom inadequado
- Eu não quero subir, quero ir pra casa. Amanha eu tenho aula, tenho que arrumar minhas coisas.
- ah, pára Flávia. Você vai subir e ponto - manteve o tom agressivo e segurou no meu braço.
- Tá louca Bruna?- puxei meu braço, fazendo a mao dela se soltar - Eu não vou subir, não quero subir. Por hoje já foi mais que o suficiente.
- O que foi Flávia? Qual é?
- Não tem qual é nenhuma. Eu não quero subir, minha vontade, simples assim.
- Ah é?! Beleza. Se você não subir para conversarmos, não precisa mais voltar.
- Bru, você não tá facilitando as coisas. Olha o final de semana gostoso que tivemos, só estou cansada e quero ir embora. Na leve.
- Pode ir Flávia, não vou te obrigar a ficar aqui comigo. Só que se for não precisa mais voltar.
- Aí Bruna, facilita vai!
- Essa é a minha palavra Flávia, você faz sua escolha - pegou a mala de rodinhas e começou a puxar em direção a porta que separava a garagem do hall. Continuei parada no mesmo lugar, completamente incrédula, completamente perdida com o que aconteceu aqui. Saímos de um final de semana juntas num resort para um término? É isso? Não estou acreditando nisso produção.
Eu continuei na garagem parada, apenas olhando ela andar em direção a porta. Ela abriu e entrou no hall, sem olhar para trás, sem titubear ou quer conversar novamente. Não acredito nisso. Pois acho que tudo na vida tem limite, andei em direção ao estacionamento de motos e dei a partida na minha. Peguei a chave da garagem do meu apartamento e coloquei no bolso da calça, para facilitar quando eu chegasse. Com cuidado manobrei a moto dando ré e subi na velhinha, em direção a região da República, no centro de São Paulo, para minha casa.
Meu estômago fica sensível nos momentos de estresse. Eu em cima da moto e com o café da manhã do resort querendo ser ejetado. A cada lombada uma pontada, a cada buraco de São paulo um sacolejo. Não consegui segurar mais e precisei parar a moto. Encostei em um posto de gasolina e vomitei em jato, duas, três vezes. Um mal estar tão incômodo, a pele gelada, arrepiada. Cheguei a ficar com a visão escurecida. Encostei em uma parede, dando um tempo pro meu corpo tentar encontrar novamente a homeostasia. Quando deu uma aliviada o enjoo montei novamente na moto e segui viagem.
Cheguei em casa cansada, mais mental que fisicamente. Minha única vontade era um banho e me abostar na cama, quietinha. Encostei a moto no estacionamento e chamei o elevador. Estava frio. Entrei na caixinha de metal e fui até o 20o. andar, apenas querendo tirar o sapato e deitar quieta. Eu percebi que tinha alguma coisa estranha assim que eu abri a porta de casa. Coloquei a cabeça para dentro e a Bia tomou um susto monumental, quase que doentio.
Olhei para ela tentando me desculpar ao máximo, não queria causar isso, claro. Ela sentou no sofá com a mão no peito. Tentando se acalmar e nitidamente com vergonha do susto que tomou. Reparei que seus olhos estavam inchados, as olheiras eram mais intensas, como se sua noite tivesse sido um misto de choro e falta de sono. Soltei rapidamente minha mochila e fechei a porta. Agachei em frente a Bia e tentei segurar suas mãos, consegui só a esquerda. Estava gelada, fria, branca. O brilho no seu olhar estava ausente e seus olhos estavam opacos e fundos, dava para sentir sua dor.
- Puxa o ar Bia, vamos - ela puxou fundo e soltou, algumas vezes, até que conseguiu falar.
- Tá passando, foi só … o…. susto.
- Que susto pesado hein? - levantei do agachamento e fui pegar minha mochila - até parece que viu um fantasma.
- Não, claro que não - olhou para o lado, desconversando. Já conheço a Bia bem o suficiente para saber quando ela está mentindo - Como foi lá na viagem com a Bruna?
- Foi boa, nos divertimos bastante. O lugar é lindo.
- Que bom que você aproveitou. Porque amanhã voltam às suas aulas e pelo menos volta descansada. A Bruna não quis te segurar mais lá com ela?
- Não, na verdade eu acho que ela terminou comigo - falei indo em direção a cozinha.
- Oi?! Como assim? - a Bia foi atrás, levantando do sofá e me acompanhando - Ela terminou com você e você não entendeu? Me perdi.
- Vou fazer um café pra mim, você quer?
- Ai Fla, tá quente pra um café. Queria mesmo era uma cerveja.
- Quer ir ao bar?
- Ah, eu quero. Preciso dar uma distraída, pode ser?
- Tá bom. Então espera eu jogar uma água no corpo. Vomitei no caminho, to nojenta - Falei apoiando tudo de volta na pia.
- Você não comeu nada né?! - ela me perguntou sentando na cadeira da cozinha
- Eu até comi, mas depois da briga com a Bruna o estômago ficou doendo, ardendo. Acabei vomitando no caminho. Dez minutinhos eu vou estar pronta.
- Te espero, ai almoço com você. Vai lá, se ajeita - passei pela Bia e fiz um carinho no cabelo dela, do jeito que sempre faço, bagunçando. Ela sempre fica puta comigo quando eu faço isso. Tomei um banho rapido, voltei pro quarto, bermuda, camiseta, tenis. Peguei o celular de cima do sofá, olhei rapidamente, nada da Bruna, não se deu nem ao trabalho de perguntar se cheguei em casa.
- Partiu? - perguntei pra Bia, que estava sentada na cozinha.
- Vamos - falou com a voz pra dentro, mantendo sua quietude pessoal. Esperei ela já com a porta da sala aberta, assim que ela passou por mim, reparei que ela mancou a perna direita, mas quase que imediato voltou a andar normal, tentando disfarçar seu machucado. Esperei ela passar, não fiz nenhum comentário e tranquei a porta atrás dela. Seguimos pelo corredor, elevador, outro corredor e a rua. Fomos sem muito papo, quase que quietas - Pode ser no da esquina de cima, gosto mais de lá.
- Pode ser, o PF deles é bom também - fomos andando, fui reparando que as vezes a perna dela travava ou ela mudava a expressão por conta da dor. Não quero parecer agressiva perguntando, mas nitidamente está machucada emocional e fisicamente e tentando esconder de mim. Chegamos ao bar, escolhemos uma das mesinhas amarelas e nos sentamos.
Sentamos e ela ficou quieta longe. Antes mesmo de eu chamar o atendente já veio nos trazer o cardápio. Eu realmente estava com fome, pedi um PF. Como aqui a porção é grande, um só é suficiente para ambas. Ela pediu uma cerveja gelada.
- Pega um suco pra você. Já que você não bebe.
- Pode ser, vê um suco de laranja, por favor. Você vai beber cerveja né?! - perguntei pra ela.
- Sim, acho que hoje preciso e posso me dar ao direito de beber.
- Depois que você beber vai me contar porque está mancando? - perguntei direta, ela ficou mais branca do que já é e com as bochechas bem avermelhadas.
- Eu não estou mancando.
- Claro que não Bia, só está arrastando a perna. O que aconteceu?
- nada Flávia. Olha que cerveja bonita, quase nevada.
- Você sabe que sou investigadora né?! Sei que você está mentindo, Bia.
- Será que seu suco vai vir tão geladinho quanto minha cerveja - ela falou virando o primeiro copo, num gole, num tapa só. Eu não bebo, mas senti meu estômago doer só da velocidade como ela virou o copo. Não sei se ela estava com sede mesmo ou se estava tentando apagar algo ou alguem com a cerveja - Ahhhh, no ponto. Então, não entendi essa historia que voces terminaram. Foram passar um final de semana de namoradas, viajando juntas - mais um gole grande, que levou meio copo.
- Exatamente, foi de zero a 100 em milésimos. Passamos um final de semana maravilhoso. O lugar realmente é muito bonito, claro que a cara dela.
- Loiro e aguado?
- Aí Bia, ela não é assim. E nem é loira, tem uma mechas só.
- Ah, acho ela meio louca, sabe disso.
- Não é, é gente boa. Talvez um pouco mimada demais pra mim, mas achei que eu fosse dar conta.
- Você tem cara de quem dá conta - a Bia fazendo um comentário de cunho sexual? Nunca imaginei. Ela virou mais um copo, sem nem termos ideia do efeito inicial do copo.
- Não é do ponto de vista sexual Bia. O que me incomoda na Bruna é ela sempre me tratar como a pobre, pé rapado. Eu só não tenho o mesmo dinheiro e vivências que ela e eu gosto muito mais de um bom boteco assim do que das lanchonetes caras dela. É foda porque eu sempre vivi com pouco, do pouco, sempre trabalhando bem, trabalhando muito, crescendo pouco a pouco. Ela sempre teve tudo.
- Talvez ela nunca tenha tido alguém como você na verdade. E aí não sabe lidar.
- Mas em que sentido Bia?
- Alguém que mete bronca, que se coloca a frente. Você cuida muito bem de todos, mas uma coisa que admiro muito em você é como você consegue se proteger. Como você é importante para si mesma. Não sei se tô explicando direito.
- Ah, é que sei lá, se eu tirar do meu para dar ao próximo, o que sobra de mim? Pra mim?
- Exatamente, acho isso admirável. Você é muito madura com essas atitudes.
- 32 anos na coluna né?! Já dói um pouco as hérnias.
- você está inteirona pra 32.
- Ah, que conversa.
- Tá vendo, esse tipo de coisa que gosto em você. Toda cheia de marra, firme e fica toda sem graça com um elogio, um cafuné a mais. Mas volta, porque ela ficou brava com você e terminou?
- Ah, acabamos começando o dia discutindo. Fui correr para espairecer, na volta discutimos mais. No caminho eu queria um doce, ela me deu um chocolate gostoso lá, aí perguntei que chocolate era. Acredita que ela me deu um chocolate que a Mayra comprou pra ela?
- Como assim? Ela te deu um chocolate da ex? E a ex anda dando chocolate para ela?
- Exatamente. Ela me deu um chocolate, falou que era um chocolate belga que a ex tinha comprado naquele shopping caro da zona sul. Acredita?
- Não creio. Mas porque ela aceitou o chocolate da ex? E pq a ex foi lá nesse shopping pra comprar chocolate pra ela?
- A Bruna parece não saber falar não pra ela. Falou que a menina foi no shopping resolver alguma coisa e lembrou dela. Vê se pode. Eu fiquei chateada.
- E você está errada nessa história?
- Aparentemente sim, eu fiquei incomodada. Não tenho sangue de barata também. Eu fiquei super incomodada na verdade.
- Claro que ficaria - mais um copo pra dentro, virou um e já encheu o próximo - você não imagina que está namorando com alguém e ter que ficar se impondo, marcando território.
- Nem tenho mais saco pra isso, pra ser bem sincera.
- Acho que eu também não teria.
- E você e o Gabriel como estão? - ela fechou o olho, respirou fundo, virou mais um copo.
- Ele é um anjo, ele não merece uma idiota como eu. Ele tem que arrumar uma mulher boa pra ele. Igual você, não merece gente idiota, precisa de uma mulher boa.
- Vamos parar de beber Bia. Acho que já deu.
- Não, eu vou beber, vou encher a cara - esticou a mão e chamou o garçom. O cara apareceu tão tão, mas tão rápido, que não deu tempo de cortar ele - quero uma maracujá com vodka. A Double.
- Bia, pega leve.
- Sabe Flávia, eu sou tão idiota, tão idiota, que se eu pelo menos encher a cara, eu durmo e não faço merd* - falou como se explodisse.
- Bi, porque você está falando isso? O Gabriel gosta tanto de você! Não estou entendendo - joguei um verde, já temendo a realidade. Ela está muito tensa, realmente precisando desabafar.
- Sabe, o Gabriel é um fofo, delicado. Eu não mereço ele.
- Será que isso não cabe a ele decidir? Porque você está mancando? E não adianta falar que não está, pois já vi.
- Eu sou muito idiota Flávia, cai lá na cozinha de casa - Ela falou virando os olhos, mesmo se estivesse sobria, eu saberia que estava mentindo.
- Você sabe que eu sinto cheiro de mentira ne?!
- Claro que eu sei.
- Então porque está mentindo pra mim?
- Não estou, cai na cozinha - virou mais um bom gole da cerveja que ainda estava na mesa.
- Você já contou para Gabriel do seu ex namorado te perseguindo? - ela olhou pra mim com uma cara de horror, medo, uma intensidade que doeu em mim. O choro que de alguma forma ela estava segurando começou a sair pela lateral dos olhos, primeiro uma gota silenciosa, depois algumas muitas outras.
- Não - tentou secar algumas lágrimas, a voz estava nitidamente embriagada - Não quero o Gabriel envolvido com os meus problemas.
- Ele é seu namorado, não deveria saber?
- Se ele souber do Ricardo, dele todo dia na porta do prédio, o Gabriel vai matar ele.
- E seu medo é do que? Do Gabriel matar o Ricardo ou do Ricardo morrer? Porque são coisas muito diferentes?
- Não quero que o Gabriel estrague a vida dele por minha causa.
- Então vou te dizer uma coisa, que você não vai esquecer, nem bêbada como está. O Cantão não machuca uma mosca. Ele vai cuidar de você, te proteger, mas não vai atrás de ninguém - segurei a mão dela, passei minha mão no queixo da Bia, fazendo nossos olhares se encaixarem - Mas eu vou! Eu acho o Ricardo, crio uma emboscada, quebro ele na porr*da e sumo com o corpo.
A Bia respirou fundo, talvez assustada com o modo real que eu falei, do modo verdadeiro. Puxei a minha cadeira para um pouco mais perto que a dela, sem soltar sua mão, sem desviar olhar, apenas estando ali, mostrando que estou com ela. Respirei com calma, peguei um dos copos de caipirinha que ela estava tomando, aproximei mais dela, oferecendo. Depois que ela tomou mais um gole e alinhou a respiração, voltei.
- Ele entrou lá em casa? - ela não conseguia olhar pra mim, apenas sacudiu o rosto para cima e para baixo - Ele invadiu ou você permitiu a entrada dele?
- Permiti - falou baixinho, para dentro, carregada de vergonha.
- Quer me contar o que aconteceu? - ela sacudiu a cabeça para os lados, negando, mas ao mesmo tempo respirou o ar do álcool, bebeu mais um gole e começou.
- Ele queria conversar. Eu deixei ele entrar, convidei ele para subir - negou novamente com a cabeça - Toda vez eu que deixo ele se aproximar, dou liberdade. Eu errei de novo, sou muito idiota.
- Bia, isso faz parte do ciclo de violência. Podemos sair dessa juntas.
- Não tem sair dessa Flávia. Ele me espancou de novo. E eu convidei ele, deixei ele entrar em casa. Sabe, eu posso mudar de casa, eu posso mudar de delegacia, eu posso tudo, mas eu sempre deixo ele entrar - a dor dela era palpável, dava quase que para pegar com as mãos.
- Fisicamente, você está como? Foi no pronto socorro? Quando foi isso?
- Foi na sexta feira.
- Porque você não me ligou?
- Claro que não, você estava com a Bruna.
- Eu voltava para te socorrer.
- Socorrer de quem? De eu mesma? Não. Mereço isso. Deixei ele entrar.
- Você só está mancando? - Ela bebeu mais um gole gigante da caipirinha.
- Estou toda roxa. Ele me chutou quando eu caí.
- Quer me contar? - falei com bastante calma, olhando pra ela, atenciosa.
- Ele queria conversar comigo. Me abordou na porta do prédio. Ofereci pra ele subir - apoiou o rosto em suas mãos, tentando se esconder, com vergonha de seu ato - Quando subiu, eu perguntei o que ele queria. Falei que não tinha mais nada pra falar com ele, que não queria mais ver ele. Ele começou calmo a falar e isso foi me irritando, quando vi eu já estava gritando com ele. Ele deitou no sofá e falou que ia ficar ali até eu parar de ser histérica - a voz da Beatriz voltou a tremer, a soluçar.
- Bi, no seu tempo e se quiser. Não se esforça para nada - ela tentou se recompor. A respiração exalava a dor dela, o incômodo.
- Eu ataquei ele, fui puxar ele do sofá. Nessa, ele soltou o peso, não sei oque aconteceu - respirou fundo, respirou novamente com dor - eu caí pra trás. Só tive tempo de conseguir tampar meu rosto, de me curvar.
Ela voltou a chorar, copiosamente, mantendo a dor dela. Eu que estava próxima, tive a rápida reação de puxar ela, trouxe ela para um abraço. A Bia encostou a cabeça no meu peito e soluçou mais e mais. Fiquei com ela no meu peito sem saber quanto tempo. Minhas costas doeram, meus braços formigaram, mas eu não sai de perto dela. Não soltei ela, nem deixei que se soltasse. O garçom estava olhando pra gente, prestando atenção se precisávamos de algo. Sei que ela já estava bem bêbada, mas apontei pra ele pedindo mais 2 caipirinhas da mesma que ela tinha pedido. Nem sei porque eu fiz isso, não bebo, não sei o efeito psicológico do álcool, mas pensei que se ela está bebendo e falando, é melhor beber mais.
A Bia não se soltou, não pediu para sair do abraço, não se afastou. Apenas ficou, se manteve no meu peito, chorando, as vezes soluçando, às vezes apenas estando lá protegida, escondida. Dei o tempo que ela precisou. Quando a Beatriz levantou o rosto, os olhos estavam vermelhos e inchados, não sei se mais pelo álcool ou se pelo choro.
- Pedi uma saideira pra você. Vou pedir a conta e vamos.
- Porque você cuida de mim assim? - a fala já estava bem arrastada, mas conseguindo virar mais um bom gole da caipirinha.
- Porque você é minha amiga, gente boa.
Ela ficou em silêncio, secando os olhos, pensando e virando goles de caipirinha. Eu olhei rapidamente para o garçom e pedi a conta. Se eu contar, acho que ela bebeu umas 4 garrafas de cerveja e 4 caipirinhas, senhor amado, isso deve dar uma ressaca. Nem tenho experiência sobre ressaca pra ajudar ela.
Quando a conta chegou ela mal conseguia abrir os olhos. Tentou falar alguma coisa, não sei se sobre pagar ou não, mas mal conseguia ficar com a cabeça alinhada. PAguei a conta e pedi um chocolate, lembrei que a Fabi sempre comia um chocolate quando bebia um pouquinho a mais.
- Bia, abre a boca. Olha, um chocolate - ela abriu a boca levemente, mas deu para conseguir colocar um pedacinho - Mastiga - ela seguiu meu comando, mastigou bem mal mastigado e engoliu. O garçom veio com um copo de água, achei estranho
- É água com bastante açúcar. Vai ajudar ela.
- Obrigada - sacodi o copo, diluindo um pouco o açúcar que estava no fundo - Bia, um pouco de açúcar, vem, abre a boca - mais uma vez, abriu a boca levemente, sem abrir os olhos. Conseguiu engolir um pouquinho de líquido com a minha ajuda - Bia, mais um pouco - tentei virar mais um gole na boca dela - Consegue levantar? - ela sacudiu a cabeça com um não, mas eu quis tentar, mal consegui colocar ela em pe e quase caímos. Que dificuldade.
Apesar de morarmos a menos de 5 minutos andando, não conseguirei levar ela para cá. Puxei o celular e chamei um uber, enquanto esperávamos, eu fui dando mais açúcar pra ela, comprei também duas paçoquinhas. Taca-le. Quando o carro chegou ela conseguia ficar em pé comigo apoiando ela. Claro que a viagem foi super curta, quando paramos na frente do prédio ela continuava com bastante dificuldade, mas ficava em pé se arrastando e se apoiando. Por meu azar, meu apartamento é no segundo bloco e no último andar, que trabalho me deu.
Abri a porta de casa e carreguei ela até o sofá, logo à frente. Juro que tentei fazer ela sentar da forma menos traumática, mas ela praticamente desabou no nosso sofazinho velho, quase cai em cima da Bia. Corri e peguei alguns travesseiros para deixar ela com as costas mais elevadas, não quero ela vomitando e respirando o vômito.
- Bia, olha pra mim, abre o olho. Volta! - deu zero resposta, no máximo um Hum. Fui para a cozinha e passei um café bem forte. Não costumamos adoçar nossos cafés, mas dessa vez eu meti bastante açúcar. Fiz um pouquinho de café, mas bem doce. Não tenho condições nem de colocar ela num chuveiro para um banho quente - Bia, levanta o rosto, vem. Fiz um café pra você.
Ela conseguiu abrir os olhos e sentar mais retinho no sofá. Coloquei a caneca na mão dela, mas quase caiu. Então preferi dar na boca dela. Um golinho. Ela fez uma cara de “que merd* é essa?”
- Vai Beatriz. Engole. É pra passar essa brisa.
- Que café horrível - eu consegui entender isso, mas até que está mais ativa, acordada.
- Tá horrível mesmo. É pra você acordar - me aproximei, encostei mais perto dela - To, mais um gole - A Bia segurou a minha mão puxando a caneca pra ela. Ajudei e levei a caneca na boca dela, mais um golinho do café. Outra careta. Em tres ou quatro goles ela concluiu a missão de tomar todo o horrível café. Seus olhos já conseguiam ficar abertos por mais tempo
Em uma linguagem sem som, ela soltou um “obrigada por cuidar de mim” e puxou novamente a caneca, procurando mais café - Quer mais café Bi? - Não Fla, quero você! - Sem eu nem entender a frase, a Bia puxou mais um pouco a minha mão, me puxando e trazendo mais seu corpo em minha direção. Quando entendi o que aconteceu, nossas bocas já estavam coladas. Não! Não!
- Beatriz - abruptamente afastei meu rosto do dela, a expressão era de vazio, zero expressão. Eu estava estarrecida, o álcool estava muito alto na Bia mesmo. Sou amiga dela. Da mesma forma impulsiva como ela tentou me beijar, ela virou pro lado e fechou os olhos.
Saí do quarto dela, mas deixei a porta aberta. Se acontecer alguma coisa eu consigo ouvir. Deixei a porta do meu aberta também. Tirei meu tênis e deitei na minha cama, meus ombros doeram com a pressão, com o cansaço físico e emocional, com tudo, tanta coisa junto.
Eu realmente tenho pouco ou nenhuma experiência com excesso de álcool. A Fabi até bebia, mas ela tinha um limite muito fino, o máximo que vi foi ela alegre. A Bruna, prioritariamente bebe vinho, mas também só vi alegre. E diga-se de passagem o que aconteceu entre eu e a Bruna? Ela não mandou mensagem perguntando se cheguei em casa, será que realmente terminamos? Eu não vou mandar mensagem pra ela, nem ir atrás. Não vou me dar esse disparate. A Bruna é linda, inteligente, tem um potencial gigante, mas a própria soberba quebra ela. É palpável o quanto o medo dela de mudar, de arriscar impede ela de seguir em frente, de explodir tudo.
E essa da Bia tentar me beijar? Sei que ela está machucada física e emocionalmente, deve estar super querendo carinho, companhia. Mas tentar me beijar foi estranho. A Bia é uma amiga, divido a casa com ela, tenho um carinho enorme por ela. Sem contar que ela namora meu amigo e meu chefe.
Em relação ao Ricardo, o ex imbecil dela, eu não sei o que fazer. Eu não posso denunciar o cara por ela. Posso acompanhar ela na delegacia, orientar, tudo. Mas não posso fazer por ela. Não posso sair por aí e meter um tiro na cara dele. O imbecil trabalha na corregedoria, é o lugar onde a gente espera que as pessoas sejam mais corretas. Sem contar que deixar ele entrar em casa foi um péssimo erro da Beatriz, entendo a questão da lábia dele, do ciclo da violência, mas Caracas, chamar ele para entrar em casa chegou a ser infantil.
No relógio já estava batendo 19h e nos meus olhos um cansaço absurdo. Coloquei o celular para despertar, olhei o whatsapp novamente. Nada da Bruna. Senti um aperto no peito, um mal estar, acho que terminamos mesmo. Joguei o celular pro lado e deixei o sono, que já estava gritando, entrar, tomar lugar e se apropriar de mim.
Um peso gostoso em cima de mim, confortável, quentinho. Eu estava naquele limbo nem acordada, nem sonhando. Quando algo encostou na minha boca, acordei, assustada. Olhos abertos. O que é isso? Quem é? Os cabelos médios e castanhos da Beatriz estavam caídos sobre nossos rostos em uma cabaninha. Ela parou com a boca colada na minha, seus olhos estavam fechados, pude ver mesmo com a proximidade. Será que ela é sonâmbula? Apertou seus lábios contra o meu um tempo, se afastou, saiu de cima de mim e seguiu pelo corredor. Sem nenhuma palavra, sem expressão, sem outros movimentos, absolutamente mecânica. Sem consciência, completamente sonâmbula. Segui ela, para ver o que iria fazer. Mas ela seguiu direto para o quarto dela, deitou novamente, puxou a coberta e virou o corpo, mantendo o mesmo sono que deveria estar antes. Sem resposta, sem movimentos e a pergunta que me faço, sem memória?
Acordei com o toque do despertador. Totalmente sem vontade e sem desejo, mas levantei. Passei pelo quarto da Bia, que a porta se mantinha aberta, ela estava deitada na mesma posição, roncando e imagino que com uma ressaca monstruosa. Não bebo, mas se eu estivesse na alcoolemia dela, também estaria de ressaca. Me arrumei e segui minha rotina, deixando ela em casa, com o despertador agendado para o horário que ela sempre.
Por volta das 9h30 eu estava colocando minha mochila sobre minha mesa no DP, sentindo aquele cheiro de mofo com suor de detento. O cheiro de caos que toda e qualquer delegacia tem, parece ser um aroma engarrafado. Coloquei meu computador para ligar enquanto fui atrás de uma xícara de café, que tenho certeza que já está frio. Meu treino matinal foi muito bom, sempre saio renovada da academia. Antes de entrar na copa, esbarrei no olhar da Isa, mesmo após ter fugido dela um bom tempo, parece que ela faz questão de esbarrarmos.
- Não foge Flávia. Já sei… você está namorando - fez uma careta - não vou te incomodar. Queria ver com você como está o caso dos corpos do matão.
- Não precisa desse showzinho Isa. Não tem problema a gente conversar. O caso está meio parado. Conseguimos identificar alguns suspeitos, mas sem muita correlação entre eles. Está difícil montar uma peça de acusação, as coisas não se conectam.
- Então, queria ver com você. Estou trabalhando no desaparecimento de um jornalista, não sei, mas talvez encaixe com o seu caso. Queria bater algumas ideias. Pode ser? Só trabalho mesmo, prometo. Sua namorada não tem o que se preocupar.
- Aff Isa, sem esses joguinhos, na boa. Vou pegar um café e vou na sua sala, pode ser?
- Tá certo. Te espero lá em cima - Deu uma mexidinha na cabeça, soltando o charme que só ela sabe. O cabelo de cachinhos, soltos, sacudindo logo acima dos ombros. E ela claro que com a cara de sacana que sempre teve, de quem é uma ótima profissional, mas que também sabe brincar em outros campos. Esperei ela ir embora e não pude deixar de dar uma olhadinha. A Isa é linda e faz bem o meu tipo, o problema é a cola que ela passa, grudenta que só e o simples fato de eu não sentir nada por ela. Mas talvez eu deva pensar que esse fim com a Bruna seja um recado dos astros para eu dedicar meu tempo ao estudo, ao concurso e não a namoro e diversão. Uma segunda chance de brigar pelo meu futuro.
Fim do capítulo
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jake
Em: 23/12/2023
Olá autora felicidades que bom que você nos presenteou com mais um cap,Bruna já deu né, mto mimada querendo valer só a opinião dela.Bia o álcool entra e a vdd sai...rsrsr.Bom autora agora só falta a Fla passar no concurso ser delegada o Carlão terminar com a Bia e viajar pra longe e esse corregedor ir pro espaço podia morrer pq a Bia não deve ser a única vítima dele e aí é só felicidades pra nossas meninas. Feliz Natal cheio de muita saúde paz sorte e sucesso sempre.
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Marta Andrade dos Santos
Em: 22/12/2023
Aí por isso a Bruna acha a Bia uma sonsa e não gosta dela.
Acho que elas vai voltar.
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tainateixeira
Em: 22/12/2023
Sinceramente escritora? Espero que tenha acabado, não estava mais aguentando a Bruna, ela não tem similaridade com a Flávia. É um personagem difícil de se criar algum sentimento, empatia.
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