Dia seguinte Alice acordou com sons de gemidos, mas não do de tipo bom. Eram gemidos de dor.

– Bruna, você está bem? – perguntou acordando no susto e sentindo a ansiedade subir e o coração apertar ao ver sangue na mão da menina.

– Merda! – ela falou irritada antes de levantar correndo da cama para o chuveiro quente.

Por ainda estar acordando demorou alguns segundos até Alice conseguir compreender o que estava acontecendo e caminhou até o banheiro ainda preocupada.

– O que aconteceu? Você está bem?

Bruna estava debaixo do chuveiro, com uma aparência de dor que fazia com que Alice continuasse tensa.

– Cólicas absurdas! – falou entre um gemido e outro – Minha menstruação desceu.

Alice conseguiu sentir imediatamente o alívio vindo forte e precisou de alguns segundos para respirar mais fundo para seu coração voltar a bater normal. Era sangue de menstruação, óbvio.

– Posso ajudar com alguma coisa? – ofereceu já sentindo-se totalmente desperta diante do susto.

– Preciso tomar remédio.

Bruna indicou uma gaveta em seu quarto, mas Alice não encontrou nenhuma medicação para cólica lá.

– Merda! Acho que acabou – Bruna falou com certo desespero.

– Não se preocupa, eu peço para entregarem.

Ela foi até o quarto enquanto Bruna continuava no chuveiro e vestiu uma roupa mais confortável que havia levado antes de pegar seu celular e abrir um aplicativo de entrega, mas teve uma surpresa ao ver que não funcionava.

– Não funciona aqui? – perguntou horrorizada para Bruna que já estava saindo do banho.

– Não... só outros aplicativos de comida, mas farmácia só uma do bairro. Tem o número na geladeira lá em baixo.

Alice rapidamente ligou e pediu o remédio de preferência de Bruna antes de voltar para o quarto e encontrá-la na cama já vestida, em posição fetal, gem*ndo de dor. Aquela visão não foi nada agradável para Alice, que se sentou na cama ao seu lado.

– Isso é sua culpa! – Bruna falou entre um gemido e outro, puxando Alice pela camisa, forçando-a a deitar ao seu lado.

– Como isso é minha culpa? – perguntou desacreditada.

Mesmo sabendo que Bruna falava em um tom de brincadeira, Alice não conseguiu deixar de sentir uma leve culpa tomar conta.

– Por que você me comeu muito – falou sem nenhum pudor.

– Eu não lembro de te ouvir reclamando ontem – provocou.

– Porque foi muito gostoso! – falou de uma forma sensual que fez Alice sentir um pinçada em sua espinha – Mas eu estou reclamando agora!

– Você devia ter me avisado que a sua menstruação estava para vir.

– Eu não sabia!

– Você não anota o seu ciclo?

– Não! Eu sou lésbica, por que me preocuparia com isso?

– Não se mantém controle do ciclo menstrual só por medo de gravidez – falou desacreditada – É uma questão de saúde. Você nunca foi em um médico ou fez um exame e te perguntaram a data da sua última menstruação?

– Sim, várias vezes. Eu sempre digo que não sei e nunca foi um problema.

– Achou um problema agora! – apontou para a sua barriga indicando a cólica – Eu já pedi o remédio, mas é bom você comer. Posso preparar alguma coisa?

– Uma bolsa de água quente.

– Eu posso fazer isso também, mas você precisa comer! A gente não comeu nada ontem à noite, gastamos muita energia e eu estou varada de fome!

– Tudo bem... fica à vontade na cozinha para pegar o que quiser, mas está bem vazia.

Realmente não tinha muita coisa além de algumas bananas, ovo e pão. Alice preparou rapidamente pão com ovo para as duas e café. Claro que não tinha chá. Bruna desceu e ficou sentada no sofá enquanto ela terminava de preparar tudo. A bolsa quente chegou primeiro e ela viu o alívio de Bruna, apesar da dor ainda parecer forte.

As duas comeram lado a lado no sofá com Alice praticamente tendo que obrigar Bruna a terminar. O remédio chegou logo em seguida e ela tomou rezando para ele fazer efeito logo.

– Quer assistir alguma coisa para tentar se distrair da dor? – Alice sugeriu.

– Você não precisa ficar – Bruna falou de forma hesitante.

– Eu não quero deixar você sozinha com dor. E não é como se eu tivesse algo para fazer hoje. Posso ficar e te convencer que “How I Met Your Mother” é a melhor série de comédia já feita!

Bruna riu.

– Eu não quero discutir com você hoje enquanto estou com cólica, então que tal assistirmos uma série neutra?

– Combinado!

Depois de alguns minutos olhando as opções, finalmente decidiram em “Modern Family”. Alice ia colocar legendado, mas Bruna logo reclamou pedindo que assistissem com dublagem. Ela se segurou para não reclamar ou revirar os olhos porque Bruna não estava se sentindo bem. Conforme os episódios iam passando, elas iam rindo e comentando. Aos poucos foram se ajustando no sofá e depois de Alice requentar a bolsa, Bruna deitou a cabeça em seu colo, enquanto encolhia-se no sofá, se cobrindo.

– Vou pedir alguma coisa para gente almoçar – Alice falou depois de um tempo de série e abriu o único aplicativo de entrega que Bruna disse funcionar em sua casa.

– Nossa, você mora mesmo no meio do mato! Quase não chega nada aqui!

– Pois é... até nos meus pais tem mais opção.

– Achei um bom! – Alice mostrou o celular para Bruna que fez uma careta.

– Não mesmo... muito caro e eu não recebi ainda.

– Não se preocupa – Alice falou automaticamente.

– Eu não quero você pagando as coisas para mim – Bruna falou na defensiva.

– Eu estou com fome e você está cheia de dor e não pode me alimentar.

– Vamos pedir de um lugar mais em conta – sugeriu – Tem um ótimo frango assado há algumas ruas daqui que é uma delicia.

Alice fez uma cara de nojo para deixar claro para Bruna que aquilo não era uma opção.

– Nem pensar que eu vou comer comida de rua ou de algum lugar aleatório que pareça anti-higiênico.

– Meu Deus! Você é tão esnobe! – Bruna falou desacreditada.

– Achei que você tivesse dito que não queria discutir comigo hoje então aceita que eu vou cuidar de você e só escolhe logo o que vai querer comer – falou em um tom que deixava claro que o assunto estava encerrado e entregou-lhe o celular com o cardápio do restaurante que gostava aberto.

– Sim, senhora – Bruna sorriu e obedeceu.

Alice reparou que ela tentou escolher um prato mais em conta e para compensar pediu uma grande sobremesa com muito chocolate. Sempre uma boa pedida durante a menstruação.

=====

Quando chegou o almoço Bruna já se sentia um pouco melhor e estava dando graças a Deus. A última coisa que ela queria era ter que ir para emergência naquele sábado. Ela estava curtindo a presença de Alice, apesar de ser estranho ser cuidada por ela.

Elas sentaram na mesa da sala para comer e Bruna reparou que o celular de Alice não parava de tocar.

– Tudo bem? – perguntou porque era uma pessoa curiosa. Não porque se importava.

– Tudo. É só o meu ex-marido me enchendo! Ele acabou de se mudar para um novo apartamento e fica me perguntando um monte de coisa. É a primeira vez que vai morar sozinho em anos e ele não é muito independente... – explicou.

– Vocês não estão separados há meses?

– Sim, mas quando ele saiu de casa foi morar com a mãe. Ele já havia comprado esse apartamento há um tempo, mas precisava de reforma que obviamente foi minha empresa que fez e eu enrolei o máximo de tempo possível porque eu sei que morar com a mãe deixa ele maluco e eu sou uma pessoa vingativa!

O sorriso levado de Alice em sua confissão fez Bruna gargalhar.

– Me lembre de nunca brigar com você de novo! – brincou.

– Não se preocupe, eu já excedi minha conta de ódio depois do último ano.

Ela olhou novamente uma mensagem no celular e ficou irritada.

– Ele nem sabe o tipo de mamadeira que o Enzo usa! Vou mandar ele perguntar para a mãe dele porque não vou passar o sábado ensinando para ele como ser adulto.

– Essa mudança vai ser boa para ele. Vai precisar aprender tudo na marra!

– É... acho que sim. Vai ser bom ele ter o espaço dele e as crianças terem uma segunda casa. É também um bom sinal que ele realmente entendeu que não tem volta – Alice falou com uma certa melancolia que fez com que Bruna sentisse algo estranho que não conseguia nomear.

– Você sente falta dele? – perguntou curiosa novamente, não porque se importava.

– Eu ainda estou com muita raiva dele para isso. Honestamente, as crianças tem me cansado tanto que eu estou é com mais saudades da babá – brincou.

Bruna gargalhou.

– Tudo bem, eu admito. Você é engraçada.

– A pior parte é que eu estava falando um pouco sério.

– Tenho uma confissão a fazer – Bruna falou fazendo mistério antes de completar – Eu sempre odiei a sua babá.

– Por quê? – perguntou com curiosidade.

– Eu morria de ciúmes dela com o Gael! Tinha uma época que ele vivia falando Tia Gi pra cá Tia Gi pra lá... – terminou com uma careta.

Alice riu.

– Eu fiquei feliz quando ela foi demitida e ela mereceu totalmente!

Bruna não gostava da ideia daquela mulher machucar Alice.

– Então você é uma pessoa ciumenta!

– Muito! – disse, mas Alice não mais comentou e as duas continuaram a almoçar em um clima leve.

– Tanto chocolate! É o paraíso! – Bruna brincou ao ver a sobremesa e viu o sorriso de Alice abrir enquanto as duas dividiam o doce.

Depois do almoço retornaram para o sofá para continuarem a maratonar a série e Bruna relaxou, apesar de ainda sentir dor. Alice requentava a bolsa de tempos em tempos, fazendo com que ela se sentisse melhor. No meio da tarde, acabou pegando no sono e quando acordou já era quase noite. Alice finalmente foi para casa, deixando Bruna com um sentimento que não sabia definir.

Fim do capítulo