Capitulo 22 - Hey irmã, laços familiares são maiores do que qualquer outro
Luiza resmungou, tentou recusar, mas Ana Beatriz foi enfática. Após ameaçar jogar um balde de água, Anabê conseguiu convencer a irmã a tomar um rápido banho, trocar-se e entrar no carro.
- Se você me levar para casa da mãe, eu não falo com você nunca mais. – Ameaçou a caçula.
- Não vamos para lá.
- Vai me levar para alguma clínica? Quer me internar?
- Também não.
- Então para onde vamos?
- Você já vai saber.
- Eu odeio surpresas, Anabê. Fala logo.
- Escolhe a música para tocar.
- Ana Beatriz, que saco, fala para onde estamos indo!
- Vou por minha playlist, pode ser?
- Você não vai me levar para o aeroporto, né? Não quero ir para lugar nenhum, nem invente de me levar para Boston onde você andou aprontando depois de terminar com o Dennis.
- Primeiro que não tinha sido término, era só um tempo, término foi quando eu o bloquei e o tirei completamente da minha vida. Segundo, quem te contou o que eu fiz em Boston?
- Tenho as minhas fontes. – Luiza então olhou pela janela do carro e reconheceu uma placa. – Estamos indo na direção da casa da mãe?
- Quase. Você vai saber quando chegar. Enquanto isso me diga, como está o relacionamento com a Daniela?
- Não sei te responder.
- Vocês terminaram?
- Não, mas faz uns dois dias que não a respondo.
- Vocês brigaram?
- Não. Eu só não tive vontade de responder.
- E ela não tentou te ligar?
- Tentou, várias vezes. Foi em casa, inclusive. Eu só não estava em um bom momento. Aliás, não estou em um bom momento ainda.
- Eu vou te passar o telefone da minha terapeuta, depois. Se ela não puder te atender, ela te passa para algum colega.
- Vou pensar.
- Não tem o que pensar. Você está passando provavelmente por um episódio depressivo e precisa de ajuda psicológica, ou até mesmo psiquiátrica.
- Não preciso não.
- Precisa sim.
- Preciso não.
- Precisa sim.
- Você sabe que posso continuar repetindo que não preciso o dia inteiro né?
- Eu também posso.
- Aumenta o volume da música, por favor. Vamos ouvindo, melhor.
As duas continuaram em silêncio pelo resto do trajeto, até Anabê estacionar na frente de um prédio abandonado.
- Você lembra desse lugar? – Perguntou Ana Beatriz.
- Sei lá, era um hospital, não era?
- Sim. Você tinha uns cinco anos de idade, eu já tinha doze. Você teve pneumonia, ficou internada, bem mal. O intensivista da UTI pediátrica quase perdeu as esperanças. Nunca tinha visto nossas mães chorarem tanto. Ali foi a primeira vez que pensei em medicina. Porque eu queria te salvar, mas não conseguia, pois não passava de uma criança. Foi essa vontade que me fez seguir essa carreira.
- Você fez esse curso por minha causa, então?
- Pode-se dizer que sim.
- E o que aconteceu com o hospital?
- Bem, ele era de alto nível, mas começou a perder pacientes para a concorrência, o hospital que eu trabalhava enquanto fazia o fellowship de coloproctologia. Nossas mães queriam compra-lo, mas como era um hospital conservador, eles mesmos recusaram o dinheiro. Pelo visto foi uma péssima escolha.
- Então para você me mostrar uma lição sobre o quanto eu sou especial no momento em que me sinto mal, você me trouxe para um lugar que faliu, justo quando eu praticamente quebrei uma empresa?
Ana Beatriz ficou estática por um segundo. E logo em seguida, começou a rir. Luiza não se aguentou e acabou rindo também. As duas gargalharam por um bom tempo, como há muito não faziam, caçoando da ironia da situação.
- Ai sério, desculpa. – Anabê falou, ainda chorando de rir. – Você quer ir para o clube? Faz tempo que não jogamos tênis. Podemos almoçar por lá mesmo, se quiser.
- Pode ser. Estou com saudade de dar uma surra em você no raquetebol. – Luiza respondeu, um pouco mais animada.
- Já faz anos e você ainda lembra? Não vale, eu estava com o braço lesionado!
- Você dormiu de mal jeito e usou essa desculpa, não vem que não tem.
Com o humor mais leve, ambas foram para o clube cujas mães eram sócias e acionistas há décadas. Lá, passaram o dia praticando esportes, comendo no restaurante interno, relembrando dos tempos que iam lá pelo menos uma vez por mês com Cecília, Magdalena ou ambas. Era o momento família recheado de lembranças que as inundou de nostalgia.
Ao final do dia, quando Anabê levava de volta a irmã caçula para casa, recebeu uma ligação de uma de suas mães.
- Alô, mamãe?
- Anabê, você está de folga essa noite?
- Estou sim, inclusive estou com a Lu no carro, acabamos de voltar do clube, por quê?
- Lu? – Magdalena redirecionou a conversa. – Filha, como você está? Estamos preocupadas!
- Estou bem, mamãe. Passei o dia com a AB, foi muito bom.
- Fico tão feliz! Feliz e aliviada. Isso mesmo, nessas horas precisamos de uma irmã. E aproveitando o assunto, vocês duas conseguem vir para o Rio Agora? A tia de vocês acabou de chegar.
- A tia Giugiu está aqui no Brasil?
- Sim, desembarcou agora. O motorista foi busca-la. Cecília está falando com o Lô nesse momento para ele vir também.
Giulietta, popularmente conhecida como tia Giugiu, era a irmã mais nova de Magdalena. Morava na Itália há anos, e raramente visitava. Era endocrinologista em uma clínica particular em Roma, e, após anos sendo workaholic, tirou alguns dias de férias para visitar o Brasil.
Os três filhos do casal Gutierrez, obedecendo as mães, dirigiram-se para o Rio a tempo de jantarem em família. Cecília e Magdalena ficaram extremamente felizes em finalmente verem Luiza, que ainda estava um pouco acanhada por ter falhado quanto às expectativas de sua mãe, apesar de perdoada.
Com todos reunidos a mesa, Magdalena e Giulietta partilhavam histórias de infância no mesmo tom de nostalgia visto em Anabê e Luiza horas antes.
- Magdalena sempre teve esse dom para moda. Quando era criança, tentava dar dicas para os coleguinhas sobre o que vestir, quais acessórios combinavam, e ainda era mandona! Se alguém desobedecesse a dica dela, ela reclamava e ainda criticava! – Giulietta ria enquanto recordava.
Magdalena também riu. Mas notava-se algo diferente em seu riso, como se estivesse escondendo algo. Ao final do jantar, Giulietta e Magdalena se entreolharam, foi quando a irmã caçula começou:
- Bem, meus queridos. Eu vim aqui a pedido da mãe de vocês, ou mamãe, como vocês a chamam. Vim porque ela não teve coragem de conversar com vocês sobre o assunto, e eu não gostaria de uma conversa dessas por áudio ou videochamada, que foi, inclusive, a maneira que Magdalena me contou-
- Contou o quê? – Interrompeu Cecília, estranhando a conversa.
- Como eu estava dizendo, minha irmã não tinha coragem de contar a vocês, por isso estou aqui. Magdalena, semana passada, foi diagnosticada com câncer de pâncreas. Está em estágio inicial, o que pode ser bem favorável. Eu já conversei com a equipe médica aqui do Rio de Janeiro e vamos iniciar a quimioterapia o quanto antes e-
- Espera. Espera lá. – Cecília, completamente atônita tal qual seus filhos, parecia não compreender. – Do que você está falando?!
- Mamãe, você está com câncer? Como assim? Por que não me falou nada?! – Ana Beatriz também reagiu de forma assustada, enquanto Luiza e Lorenzo simplesmente ficaram quietos e boquiabertos, tentando absorver a notícia.
- Sim, eu... – Magdalena tentava engolir o choro. – Comecei a perder um pouco de peso mesmo não tendo alterado minha dieta, comecei a sentir algumas dores na barriga, fui ao hospital e fizeram alguns exames. Quando solicitaram a biópsia, eu liguei para a Giulietta e pedi ajuda dela.
- Eu te vi perdendo peso, mas achei que tivesse iniciado algum treino diferente, como eu não percebi isso? – Ana Beatriz estava inconformada. – Por que você não me ligou?! Por que não fez os exames em São Paulo?
- Eu não queria te assustar caso não fosse nada.
- Mas... mas... – Luiza interferiu. – Tem tratamento? É curável?
- Como eu estava dizendo, Magdalena vai iniciar a quimioterapia e tenho esperanças de que vai dar certo. Vamos diminuir o tumor com a quimio e tentar uma cirurgia o mais breve possível. – Explicou Giulietta.
- Ramón! – Lorenzo exclamou, de repente. – Digo, o Ramón é cirurgião oncologista. Ele pode acompanhar o caso, não pode?
- Isso! Dr. Ramón é um dos cirurgiões mais prestigiados do país. – Complementou Ana Beatriz. – O Lô pode falar com ele para assumir seu caso, mamãe.
- Não quero meu próprio genro envolvido. Prefiro não envolver família.
- Mas você envolveu sua irmã. – Cecília falou, de maneira ríspida. – Envolveu sua irmã e nem ao menos me contou. Após tudo o que nós passamos, você nem ao menos me contou.
- Perdão, meu amor. – Magdalena respondeu, em tom sincero. – Eu envolvi minha irmã porque ela foi a única pessoa que acompanhou, comigo, a morte de nossa avó, que sofreu da mesma doença. Éramos as únicas netas dela, não tínhamos primos e nossos pais estavam ocupados demais lidando com o velório e inventário para partilhar o luto conosco.
- Desculpe-me. – Cecília racionalizou. – Eu já te perdi uma vez quando nos separamos, e agora que voltamos, não quero perdê-la novamente.
- Você não vai me perder. Não quero envolve-los na parte técnica do tratamento, mas preciso de toda força e boas energias de vocês para me apoiarem nessa luta.
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Um pouco desnorteada, ao retornar para São Paulo, Luiza chamou seu motorista e, ao invés de voltar para casa, fez um trajeto diferente, encaminhando-se ao apartamento de Dani.
Um pouco relutante, a gerente da sede da Travel-Tier acabou atendendo. Ao ver Luiza parada na porta, na frente de seu apartamento, seu coração disparou como na primeira vez que ficaram. Dani sentia muito a falta de Luiza, e saber que a caçula Gutierrez não estava bem, cortava-lhe o coração.
Luiza a abraçou com força, e Dani supôs que tivesse algo a ver com a empresa. Quando Luiza desatou a chorar, Dani a segurou bem forte.
- Calma, vai ficar tudo bem. Sua mãe, Cecília, entrou com uma ação para anular os empréstimos feitos por Joel, ela não te falou?
- Não é por isso que estou assim. Mamãe... mamãe está com câncer.
- Magdalena? Cecília?
- Magdalena. – Foi então que Luiza desabou por completo.
Dani não sabia o que dizer para consolá-la. Tudo o que poderia oferecer era um abraço.
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Pela manhã, Luiza abriu os olhos e se viu deitada na cama de Dani, encostada em seu ombro. Quando a lembrança da doença de sua mãe bateu, seu coração apertou e veio a vontade de chorar. Uma sensação ruim lhe bateu, uma angústia que lhe corroía, de maneira muito mais intensa do que nos dias em que estava enclausurada em seu próprio quarto após o golpe da empresa.
- Eu preciso ir. – Disse Luiza, com pressa.
- Vai aonde? Eu esqueci de te dizer... aliás, até te disse por mensagem, mas acredito que você não tenha lido. Eu conversei com a coordenadora e ela deixa você fazer as provas finais em janeiro, assim você não perde o semestre.
- Tanto faz. Tenho que ver mamãe hoje.
- Você não jantou com ela ontem?
- Sim, mas preciso vê-la novamente. Até amanhã. – Com um beijo na testa, Luiza se despediu.
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Retornando ao Rio de Janeiro, Luiza foi até o apartamento de Magdalena, onde também se encontrava Giuletta e Cecília.
- Está tudo bem, filha? – Perguntou Cecília, já de saída para voltar a São Paulo. – Você parece agitada.
- Estou sim, a mamãe está em casa?
- Está sim, na sala de refeições, tomando café com Giulietta.
- Ah, mãe, esqueci de agradecer por ter salvado a minha pele e a de todos lá na Travel-Tier.
- Mãe é para isso, minha querida.
Luiza, em um gesto surpreendente, abraçou a mãe.
- Sério, obrigada.
Após se despedir, Luiza foi até Magdalena e Giulietta.
- Bom dia. Mamãe, preciso falar contigo.
- Pode falar, filha, sua tia pode ouvir?
- Pode sim. Mamãe, eu quero me mudar para cá. Morar aqui com você e te acompanhar nas consultas.
- Mas filha, você tem faculdade, tem sua vida lá em São Paulo, não pode abandonar assim.
- Eu tranco a faculdade. E meu emprego na Travel-Tier não deu certo. Eu sempre fui uma filha relapsa e rebele. Deixe-me ser útil ao menos uma vez na vida.
O olhar de Luiza suplicando por ser uma filha presente comoveu Magdalena. Talvez fosse hora de mudança.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Marta Andrade dos Santos
Em: 22/11/2023
Chegou chegando em kkkkk ansiosa pelos próximos capítulos.
Bom retorno.
Resposta do autor:
O retorno finalmente é oficial hahahaha espero que você goste dos novos acontecimentos nessa linda história!
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