Capitulo 12
Por Helena:
Era minha primeira vez no Hospital de Vintervile como médica, e a sensação de estar ali era surreal. Passei a tarde toda imersa nos prontuários dos pacientes que aguardavam cirurgias nos próximos dias. Estava determinada a analisar todos os casos minuciosamente para evitar gastos desnecessários e cancelar ou adiar qualquer procedimento que parecesse suspeito. Após revisar parte da documentação, percebi que seria necessário discutir um caso clínico que estava sob os cuidados da Dra. Isabela. Cogitei adiar a conversa e falar com ela apenas no dia seguinte, porém percebi que a cirurgia estava agendada para o final da semana e, por mais que quisesse evitar qualquer embate com a médica, seria necessário conversarmos o quanto antes. Pedi à recepcionista que a chamasse para me encontrar na sala de exames assim que sua última consulta do dia acabasse.Quando Isabela entrou na sala, percebi em seu rosto que ela não parecia muito entusiasmada em interagir comigo. Seu cabelo estava preso de uma maneira diferente, com algumas mechas soltas que caíam graciosamente sobre seu pescoço. Não pude deixar de reparar como Isabela ficava linda com o jaleco.
Afastei os pensamentos intrusivos e olhei para ela de maneira mais séria, indo direto ao ponto:
— Isabela, você conhece este paciente? — perguntei, mostrando o prontuário em minhas mãos. Ela se aproximou para verificar de quem se tratava e respondeu:
— Sim, é meu paciente. Por quê?
Cruzei os braços e lancei um olhar crítico:
— Porque estou analisando todos os casos com cirurgias marcadas e me questionei sobre o motivo de você ter colocado um paciente com condições clínicas preocupantes e com a idade avançada como este na fila de cirurgias de urgência. Eu pretendo adiar o procedimento e analisar outras alternativas contigo.
Vi as bochechas de Isabela corarem de raiva. Pude notar que ela controlou seu nervosismo e, com determinação na voz, argumentou:
— Helena, este é um caso que exige uma abordagem cirúrgica. Você, como médica cardiologista, deveria saber disso.
— Isabela, entendo sua preocupação, mas penso que podemos explorar opções menos invasivas antes de considerar uma intervenção cirúrgica. Me pergunto o que há por trás da priorização desta cirurgia. — mantive minha postura firme.
— Helena, vou desconsiderar sua última fala e não estou pedindo para fazermos cirurgias desnecessárias, mas este é um caso urgente. Você deveria perceber. — disse Isabela, exasperada.
— Isabela, estou apenas enfatizando que a medicina deve ser baseada em evidências e diagnósticos precisos. — mantive meu tom calmo, mas firme.
— Você está me chamando de relapsa? — disse ela, sem esconder a raiva em seu olhar.
O confronto começava a atingir um ponto crítico. Dei um passo mais próximo de Isabela, deixando nossos rostos separados por uma distância mínima. Sentia a respiração quente de Isabela e seu perfume preenchendo o curto espaço entre nós.
— Eu apenas não considero prudente arriscar a vida de um homem idoso em uma cirurgia que pode ser desnecessária, Dra. Isabela.
— Os exames do Sr. Andrade mostram claramente uma obstrução significativa nas artérias coronárias. A cirurgia é a única opção viável para ele. Você pode verificar que eu realizei todo protocolo medicamentoso possível. — disse Isabela, entregando-me os papeis do exame.
Toquei levemente as mãos de Isabela ao pegar o documento e pude sentir meu corpo tremendo. Analisei novamente os exames e prontuário do paciente.
— Compreendo sua preocupação, Dra. Isabela, mas o Sr. Andrade é um paciente idoso e já possui várias condições de saúde subjacentes. Realizar uma cirurgia invasiva nesse momento pode ser arriscado demais para ele. Acredito que uma abordagem mais conservadora, com medicamentos e monitoramento atento, ainda pode ser a melhor opção.
— Dra. Miller, acompanho este paciente desde que iniciei neste hospital. Temos que considerar o bem-estar dele e tempo é essencial neste caso, então não podemos esperar. — Isabela franziu a testa e se afastou de mim, dando um passo para trás.
Sentia que a tensão aumentava à medida que debatíamos o caso. Eu me perguntava se Isabela estava envolvida nas questões políticas do noivo e do sogro, questionando em minha mente se ela estava seguindo alguma agenda para se beneficiar ao pressionar por procedimentos cirúrgicos. Isabela continuou argumentando:
— Helena, eu entendo suas preocupações, mas você precisa compreender a realidade aqui em Vintervile. O cirurgião cardíaco não está disponível todos os dias, nem toda a semana. Se adiarmos a cirurgia, o paciente terá que esperar até o final do mês seguinte, o que é extremamente arriscado.
— Entendo a situação, Dra, Isabela e penso que podemos chegar em um acordo. Vamos fazer assim, adiaremos a cirurgia marcada e conversarei com a família do Sr. Andrade sobre os riscos do procedimento. Se a família concordar, podemos reavaliar juntas a necessidade da cirurgia e se for o caso, realizaremos a operação ainda neste mês. Como cirurgiã cardiologista, posso desempenhar meu papel aqui e você poderia me acompanhar. O que acha? — suspirei, aguardando sua resposta.
Isabela concordou realizando um leve menear de cabeça e saiu da sala em silêncio, deixando claro que a tensão ainda estava presente entre nós.
*
Por Isabela:
A manhã se desdobrava sobre Vintervile, e os primeiros raios de sol pintavam a pequena cidade com tons dourados e suaves. A lembrança da conversa no final do dia anterior com Helena ainda me deixava tensa. Quem ela pensava que era? Mal chegou ao hospital e já vinha ditando regras. As atitudes dela só me faziam concordar com Lucas e Cássio. Ela não era confiável e teríamos que dar um jeito dela desistir do hospital. No hospital, enquanto eu passava pela recepção, fui abordada pela família do Sr. Andrade, que contou animadamente sobre a visita de Helena. Agradeci a informação e segui meu caminho pelos corredores do hospital. “Ela já está tomando frente de tudo, pensei.
Decidida a conferir como estava meu paciente, cheguei ao quarto do Sr. Pedro Andrade. Para minha surpresa, ao me aproximar, escutei a voz firme de Helena em uma aparente discussão com o ele. Controlando uma aparente irritação que estava prestes a surgir, decidi entrar no quarto e intervir na situação.
— Está tudo bem por aqui? — perguntei, pigarreando para chamar a atenção deles.
Helena olhou para mim com curiosidade, enquanto o Sr. Andrade, fazendo uma careta, disse em tom queixoso e brincalhão:
— Essa doutora fica me importunando.
Percebendo que a discussão era na verdade uma brincadeira, me desarmei e entrei na jogada com um sorriso. Helena também sorriu, de maneira espontânea, e ao me deparar com o sorriso dela pela primeira vez, algo dentro de mim pareceu dar um salto. Me vi capturada pela expressão calorosa e radiante que iluminava seu rosto. Deixei essa sensação de lado e continuei com a conversa de maneira menos formal:
— Ah, então ela importuna o senhor. Me conte como… — sorri para o paciente e joguei um olhar de canto para Helena.
O Sr. Andrade continuou reclamando, chamando nossa atenção:
— Imagine que ela implicou e pediu pra eu cortar um monte de coisa que gosto de comer. Se for adeus churrasco e cigarro, meu coração pifa de vez é de tristeza.
Nós duas rimos do comentário do paciente e, em tom mais sério, falei:
— Senhor Andrade, ela e eu vamos continuar sim implicando com o senhor. Se não mudar esses hábitos, a cirurgia não vai adiantar nada e vai acabar parando no hospital de novo. É isso que quer? — questionei. O paciente, fazendo um gesto dramático, disse:
— Mas é claro que não. Se dessa vez eu for pra faca mesmo, mudo tudo.
Após o Sr, Andrade confirmar que estava disposto a fazer a cirurgia e que entendia as mudanças que propusemos, Helena e eu deixamos o quarto, e a convidei para minha sala. Ao entrarmos, o aroma do seu perfume preencheu todo o espaço.
— Conversei com a família dele, — Helena disse, me encarando. Olhei para ela, aguardando por mais informações. — A família e o paciente estão cientes dos riscos, mas mesmo assim optaram pela cirurgia.
— Pude perceber que chegou cedo e se adiou em tudo hoje, mas então, qual foi a sua decisão? — perguntei. Helena me lançou um meio sorriso e revelou sua escolha:
— Apesar de ainda considerar arriscado, decidi que nós faremos a cirurgia e colocaremos o Sr. Andrade em um grupo de terapia após o procedimento. Só uma conversa não tem sido suficiente para ele modificar os hábitos prejudiciais. Conversei com a enfermeira Lilian e pensei em colocar ele e outros pacientes fumantes com alteração de colesterol e pressão arterial em grupos terapêuticos. O que acha?
A proposta me surpreendeu, mas perguntei de maneira séria:
— Você não considera importante comunicar os demais sócios desta ideia de grupos?
Helena sorriu de canto e, de forma provocativa, perguntou:
— Quando fala de demais sócios, se refere ao seu noivo e seu sogro? Tenho plena convicção de que logo eles saberão, não é mesmo?
Minhas bochechas ficaram vermelhas, mas antes que eu pudesse responder, Helena se aproximou.
— Se acalme, Dra. Isabela, — Helena elevou uma mão, tocando suavemente meu pulso como se estivesse conferindo meus batimentos cardíacos. — Se não se acalmar, teremos que colocar você no grupo junto com os pacientes.
Surpresa e levemente desconcertada, puxei meu pulso com força me desviando daquele toque e assisti Helena sair pela porta com um sorriso no rosto, deixando-me intrigada com a mistura de seriedade e ousadia. Antes de fechar a porta, ela disse:
— Na próxima reunião todos serão informados sobre os grupos terapêuticos e discutiremos a respeito da proposta.
Permanecei na sala por um breve momento após Helena sair, como se precisasse de um instante para processar o que acabara de acontecer. Meus pensamentos giravam em torno da presença marcante dela, e, especialmente, da sensação quente que Helena deixara ao tocar meu pulso. “O que essa mulher pretende com tudo isso?” me questionei.
Fim do capítulo
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