Capitulo 30
Capítulo 30 - Flávia
Se tem um lugar que não gosto de ir, esse é o IML. Só de passar na frente já me dá uma repulsa, o cheiro de cloro misturado com o formol, mais o cheiro de corpo velho mesmo. Acho que a repulsa é uma defesa do corpo quanto a algo estragado, velho. Mas faz parte do meu trabalho e eu sou ótima no que eu faço, com uma certa modéstia também.
Por sorte dessa vez não precisei entrar na parte dos corpos, consegui conversar com o legista na sala dele. Nem preciso falar o alívio que foi. O legista, barbudo, barrigudo e de cabelo branco conseguiu identificar 3 dos 7 corpos do matão. Ele também mantém a hipótese inicial de tráfico de órgãos. O corpo que foge ao padrão, que foi desovado com coração e rins, ainda não foi identificado, não sei dizer se por não estar no sistema ou se alguém o apagou do sistema, que são coisas completamente diferentes.
Os três corpos identificados já foram entregues à família agora cedo, não cheguei a tempo de abordá-los aqui. Mas vou precisar ir ao sepultamento, quero vê-lo em loco. Peguei o endereço das três vítimas, quando bati o olho, não me surpreendi. Os três endereços são da favela de Heliópolis, que dá de fundo pro Matão, onde encontramos eles. A princípio não quero abordar as famílias agora, quero observar, ver o que vai acontecer.
Para uma atividade dessa magnitude eu não posso ir sozinha, me enfiar em uma comunidade, ao lado do ponto inicial de desova, sozinha…. jamais. De bate pronto peguei meu celular e liguei pro Cantão, afinal ele é o delegado dessa investigação.
- Não me fala que você bateu minha viatura?
- As vezes eu não tenho nem vontade de te comunicar das coisas.
- O que aconteceu?
- O legista identificou tres corpos e como era esperado são lá de Heliopolis.
- Tá, avança.
- Preciso de alguem para ir comigo la.
- Leva a Bia.
- Não Cantão. Não vou levar a Bia - falei firme.
- Porque não?
- Cara, estou me enfiando em uma comunidade, em uma ação investigativa. Quero alguem apto a me cobrir se precisar. Ela é ótima, adoro ela, mas é perito, fotografa.
- Achei que você estava curtindo trabalhar com ela.
- Ai Cantão, você é foda. Claro que eu gosto de trabalhar com ela, mas não dá pra esquecer a formação e meter ela numa zona morna sem preparo adequado. É irresponsabilidade. Eu tenho que ir com alguém que me cubra. Chama o Alves ou o Tarso. Eles estão livres?
- Humm, deixa eu pensar. Ah, tem o Souza. Pode ser?
- Pode. Está ótimo. Acho que não vai dar novidade, mas na pior.
- Passa que horas pra pegar ele?
- Agora, já estou dentro do carro.
- Tá dirigindo e falando?
- Não boco, quem faz isso é você bonitão - terminamos a ligação rapidamente, sem grandes conversas. Eu entrei de volta na viatura, em uns 15 minutos, até menos eu já estava na porta do DP. Liguei no celular do Souza, que de péssima vontade apareceu e entrou na viatura.
O Souza até é bom no trabalho, mas gosta mais dos papéis e do serviço interno, então sempre que é forçado a ir para a rua, vai de contragosto. Até aí eu não estou aqui para agradar as pessoas. Me faz lembrar da Fabi, que nem precisava ser chamada, ela própria já se oferecia para as missões de campo. Eu e ela perdíamos a linha nas coisas arriscadas que fazíamos, mas cara, era tão gostoso, eu me sentia tão viva nessa época, tão feliz. Não sei se os anos me deixaram mais cabreira, mais meticulosa, ou se a falta dela me deixou arredia.
O caminho entre o DP e a comunidade de Heliópolis é meio longe, como não estávamos em nada emergencial, eu fui dirigindo com calma, segurança e parcimônia. Fui o caminho todo resumindo o caso ao Souza, expondo os achados até o momento. Contei pra ele que precisamos ficar atentos a uma gestante, de nome Yasmin. Se ela aparecer por algum motivo, precisamos ter uma imagem de quem é. Quando capturamos dois meliantes num carro, fugindo com dois corpos, no depoimento de um deles eu tirei essa informação: “Quem manda esconder os corpos é o Grilo, que é homem da Yasmim, que está prenha”.
Os membros da quadrilha devem estar em alerta para a presença de policiais e a investigação, ainda mais com as vítimas sendo da mesma comunidade onde achamos os corpos. O trabalho de tocaia ao dono da clínica de hemodiálise ajudou bastante, me deu o rosto de um médico, mas até aí eu não tenho nada contra ele, muito menos o nome dele. Esse caso é um novelo tão grande, tão robusto.
Eu e o Souza fomos conversando, discutindo o caso até próximo a entrada da comunidade. A princípio viemos com uma viatura formal, caracterizada como polícia civil. Não sei exatamente se foi a melhor opção. Peguei o endereço que a equipe do IML me passou. Na verdade me deram o endereço da família das três vítimas, eu escolhi o primeiro da lista e segui em direção. O Souza já estava ligado, com a pistola na perna, pronta para ser empunhada se necessário. É incrível como ligamos a chavinha de segurança quando o campo começa.
Essa não é minha primeira e imagino não ser a última ação em Heliópolis. Não sou uma grande conhecidora da comunidade, mas tenho uma noção geral do caminho. Fui com a viatura entrando nas ruas, e quanto mais dentro iamos indo, mais dificil ficava de passar com a viatura. Heliopolis é uma comunidade baixa, diferente das favelas do Rio que é ncessario subir escadas e morros, em São Paulo a maior parte é composta por sobrados, barracos e na maior parte plana. O endereço que iamos, não existia no GPS. Peguei uma ideia com um colega do DP, mais ou menos sobre como chegar e fui indo com a viatura. Praticamente atravessamos a comunidade até chegar em uma area mais descampada, de terrenos, barracos de madeira, cachorros latindo e um barraco mais afastado, aparentemente é aqui.
Descemos da viatura, com a pistola fora do coldre, mas baixa, pronta para ser utilizada se necessário. Segui em direção ao barraco, externamente eram 4 paredes, de tijolo, sem reboque, telhas brasilit em cima. Não havia quintal ou um espaço que separava a casa da rua. Uma porta velha protegia a casa. Coloquei a arma no coldre, o Souza ficou um pouco atras, em alerta e eu bati na porta. Sem sucesso, sem resposta. Bati palma, uma, duas, tres vezes, sem sucessso. Gritei o nome da mae da vitima, as vezes dava certo, sem sucesso. Até que vi na porta da rua um rosto fora da janela, me olhando. Ah, é la que eu vou.
Assim que a mulher percebeu que eu havia notado ela entrou pra casa o mais rápido possivel. Mas eu não estou nem aí, vou lá sim. Sem correr, mas em passos vivos, fui até o outro barraco, este de madeira, com um cheiro de umidade intenso. Bati palma, nada. Ooo de casa, nada. Até que eu soltei um: Vai atender ou vou ter que quebrar e invadir? Como um passe de mágica a porta se abriu e a mesma mulher colocou a cara para fora.
- Boa tarde senhora. Sou investigadora da Policia Civil, posso falar com a senhora? - sim, fui educada depois de ameaçar invadir a casa dela, sou bem cara de pau.
- Não tenho nada a ver com eles, nem tenho nada pra falar - Dei uns passos a frente, ficando mais perto da porta dela, sem entrar. O cheiro de umidade transpassa qualquer barreira.
- Sabe me dizer onde eles estão? Eu estou procurando a dona Neuci.
- Ela está no velório. Você sabe disso. Vocês não dão nem o tempo da dor de uma mãe. Se fosse no Morumbi, ninguém tava batendo na porta de ninguém.
- Onde é o velório? Me responde isso que paro de incomodar a senhora - tentei não dar corda a reclamação apesar de ser bem real.
- Pelo que soube é lá na igreja.
- E onde é a igreja?
- Segue essa rua aqui - ela apontou a rua - até o fim e vira a direita. Tem uma venda de esquina.
- Muito obrigada senhora. Não devo te incomodar mais - segui em direção a viatura, mas ela gritou de novo da casa.
- Ei, volta aqui - acelerei meu passo, voltando para o barraco, atenta a informação que a senhora poderia me passar, ela esperou eu chegar pertinho da casa, bem perto mesmo e falou - Isso é coisa do Grilo. Quem se mete com ele, fica devendo ou brinca com a cara dele, sempre aparece sem nada por aí, morto.
- Onde eu acho o grilo? - a senhora fechou a porta na minha cara. Chamei 2, 3, 5 vezes, sem sucesso. Voltei para a viatura trotando, meu peito acelerou de um jeito forte, tem mesmo chance de ser da quadrilha de tráfico de órgãos, e mais um ponto pra confirmar que o chefe é o Grilo.
- Descobriu alguma coisa? - O Souza me perguntou enquanto entrávamos na viatura
- Eles estão no velório, que é perto daqui. A mulher falou que quem deve ou se mete com o Grilo, aparece sem nada, morto.
- Grilo é o companheiro da grávida não é?
- Isso, é o companheiro da grávida e quem manda desaparecer com os corpos e até que se prove o contrário é o chefe da quadrilha - fui falando e ligando a viatura. As ruelas da favela estreitas, dificultava eu passar com a viatura em direção ao velório. Mais uma vez senti que não deveria ter vindo com essa viatura, tinha que ter vindo descaracterizada.
Quando virei a rua já deu para ver uma movimentação a mais. Fui me aproximando com cautela, o Souza com a arma na perna. De fora deu para identificar uma igreja evangélica, simples. Havia algumas pessoas na calçada e muitas outras dentro do salão. Me faz pensar que o cara era muito popular, porque tem mais pessoas que o esperado para um velorio.
Descemos da viatura em alerta, mas mantendo um respeito importante a situação, aos familiares e as vítimas. Só da viatura aparecer, já haviamos nos tornado o centro das atenções. Atravessamos a rua sem asfalto, observados por olhos atentos. Quando cheguei mais perto enteendi a quantidade de pessoas, dentro da igreja haviam tres sepultamentos ocorrendo ao mesmo tempo. Haviam tres caixoes, um ao lado do outro, todos fechados. Muito provavelmente sao as tres vitimas identificadas. O clima era bem pesado, funebre. No caixao do meio, uma senhora já idosa, de cabelos esbranquiçados, estava debrucada, chorando copiosamente.
Eu e o Souza não entramos mais que da porta não, ficamos por ali, com uma area de segurança boa, observando. Olhando a situação, quase que velando os corpos juntos. Estava quente aquele salão, cheio de pessoas juntas, uma amontoada na outra. O cheiro das flores estava me revirando o estomago. As pessoas nos olhavam com uma cara bem feia, desconfiados, deixando bem claro que nossa presença não era bem quista.
Estavamos há quase tres horas lá, sem nenhum sucesso, já desistindo e querendo ir embora, com fome, sede e cansaço, até uma senhora negra entrou na igreja, acompanhada de uma jovem de seus 17 ou 18 anos, não mais que isso, gestante. A barriga não estava tão grande, mas dava para ser notada. Quando percebi, puxei o Souza para mais perto, entrando na igreja, tentando nos camuflar naquela multidão. Tudo bem que todos ali já sabiam que eramos policiais, mas vale a tentativa. NEm a menina, nem a mae prestaram atenção na gente, elas foram direto na senhora que chorava sob o segundo caixão.
Ficamos observando a conversa com uma certa distancia. As duas mais velhas deram um abraço longo, demorado, de comadres, amigas ou pelo menos conhecidas no compartilhamento da dor. A menina ficou ao lado, quieta, acompanhando a mais velha. “Vem Yaya, vamos na dona Vera. Ela está la fora”. Quando ouvi essa frase acho que meu olho brilhou, esse é o momento que eu queria que a Bia estivesse aqui, com as cameras dela, ela iria pegar uma foto dela facil. Sem eu nem me preocupar.
Fingi estar conversando com o Souza, mais de canto, observaando a menina. Chuto uns 4-5 meses de gestaçaõ, idade de 17-18 anos, estava com uma bermudinha curta, branca e uma blusinha com decote, mas parecia uma menina simples, não muito do furdunço, mais quieta. Apesar que estou vendo ela na situação de um velorio, situação que exige uma calma e parcimonia a mais. Ela continuou sem reparar em nós dois e seguiu com a mulher mais velha cumprimentando as pessoas mais exaltadas daquele cenario, que imagino ser as maes ou esposas das vitimas.
- Flávia, você já viu quem é a menina, vamos embora. To com uma sensaçaõ estranha.
- Também estou Souza, mas segura um pouco, podemos pegar mais alguma coisa. Fica mais aqui de canto, não se expõe tanto. Vamos ficar aqui conversando, num canto, de bate papo.
- Flávia, fica em alerta, daqui a pouco isso aqui vai dar merd*.
- Tem risco Souza, segura mais um pouco - ele me olhou com uma cara de que não concordava, mas aceitava.
Nos mantivemos naquele contexto mais uns 10 ou 15 minutos sem nenhuma novidade. Estavamos no cantinho, mais escondidos, quando um homem pardo, nos seus 40 anos apareceu, cabelos aparados, barba ornada com o cavanhaque, uma camisa verde aberta ate o peito e uma corrente com pingente de cruz no peito. Quando ele chegou na igreja, houve um silêncio por completo, eu soube na hora, sem precisar de identificação, era o Grilo. O Souza olhou pra mim e eu pensei a mesma coisa, vamos sair desse lugar agora. Somos 2 no espaço dele, na area dele, sem reforço. Não tem porque nos expor mais.
Ele seguiu em direçaõ a primeira mulher chorando sob o caixão, ah, minha contade era meter o dedo na cara dele e falar: “ce é louco? Mata os filhos delas e ainda vem pro velorio?” Eu queria muito falar isso, mas o senso de autopreservação falou bem mais alto. Ele seguiu para o segundo caixao e eu e o Souza seguimos para a viatura. Não fomos correndo para chamar atençaõ, mas fomos rapido, enquanto eu ligava a viaatura e colocava o cinto, tive tempo de ver um cara falando como Grilo e ele olhando pro nosso carro. Caralh*, meu corpo gelou de uma forma que poucas vezes eu senti, acelerei, mas não so suficiente para fugir das muniçoes que ele disparou contra a viatura.
- Acelera Flávia, acelera!
- Porr*, to indo, to indo. Cuidado que tem civil, cuidado. Pede reforço, pede reforço Souza.
- PC 013, PC 013, solicito reforço, PC 013, solicito reforço. Sob fogo na comunidade de heliópolis - Ele começou a gritar para o radio, a frente dele, pedindo ajuda. Meu coração estava acelerado, pulando pela boca. Detesto escritorio, mas me ver em situações de risco desse tipo não é tão gostoso assim
- Conseguiu contar quantos disparos?
- Bem mais que seis. 12 na minha contagem.
- Merda. Contei 12 tambem.
- Flávia, acelera essa merd* aí - Eu continuei concentrada, seguindo o caminho que eu conhecia, mas a rua de heliópolis são bem dificeis de desviar e de andar sem carro no meio do caminho. Fui entrando direita, esquerda, por onde eu conseguia. O Souza estava em alerta, com a pistola na posição, esperando um ataque a qualquer momento - Vai Flavia, sai dessa porr* de lugar.
- To indo, to acelerada Souza. Você tem mais quanto de munição?
- Mais dois carregadores. E você?
- O mesmo - continuei dirigindo, do pouco que conheço a comunidade, estavamos quase na saideira, perto da rua principal de acesso, se eu chegar lá, estaremos em segurança. So falta mais 2 ou tres quarteirões - Se abaixa Souza!
Não tive tempo para falar nada alem disso, quando virei na penultima esquina, havia um carro parado no meio da rua, bloqueando a passagem e acho que dois ou tres moleques armados parados atras do carro. Tive a reação de tentar virar o carro, mas os disparos começaram. Freei como pude, tentando jogar contra o carro que bloqueava a rua, mas não houve sucesso algum. Tanto eu como o Souza abrimos a porta, tentando usar ela como proteção e começamos a revidar os disparos. Nosso poder de fogo é expressivamente menor que o deles. Na minha cabeça passava que fiz muito bem em não ter trazido a Bia, jamais me perdoaria se acontecesse algo com ela, perder outra pessoa importante em ação, eu não sei se suporto.
- Qual essa rua? Qual essa rua?
- Não sei, não tem como saber.
- PC 013 sob fogo, preciso de reforço. Três homens armados com pistolas a frente - Quando esse tipo de coisa acontece, não podemos nos desesperar, temos que manter o mínimo possível de calma e me concentrar em todo o conhecimento e experiência que eu tenho. A teoria é linda, mas quando sua vida esta em risco, você só quer se salvar. E preciso resolver essa situação rapido, antes que eles recebam reforço e aí eu e o Souza não teremos, mesmo, nenhuma chance.
O Souza estava tremendo, nitidamente acelerado e desnorteado, soltou o radio e começou a revidar os disparos, errando todos e perdendo um carregador de munição.
- Souza, para de disparar. Segura. Espera o momento - gritei enquanto eu me protegia atras da porta da viatura, sob disparos dos tres elementos.
-Segura o caralh*. Eu vou abrir.
- Não abre porr*! Não abre! - em um milésimo de segundo consegui ver toda a cena, o Souza deu mais uns passos para o lado, saindo de trás da porta, para ter uma maior área de visão, mas menor área de proteção. Isso é algo que fazemos quando o fogo reduz, em uma falha do inimigo, quando um carregador acaba, em momentos pontuais e não sob fogo continuo. O imbecil abriu no momento errado, sem segurança e claro que ia dar merd*.
- Merda! Caralh*! - quando olhei ele já estava no chão, jogado, com o sangue escorrendo de uma das pernas.
- Tá bem? Foi atingido?
- Tiro na coxa, pegou na coxa - levantei o rosto, mantendo minha proteção atrás da porta, esperando o momento. O atirador que estava mais à esquerda, abaixou a pistola, acho que municiar novamente, agora. Respirei fundo, postura adequada, alça e massa alinhadas, dedo no gatilho rápido e continuo. Gol! O tiro pegou no ombro do cara. Pistola semiautomática, carregou novamente, dedo novamente no gatilho, o segundo tiro pegou no peito, lado esquerdo dele. Foi ao chão, 01 fora, faltam 2. Os outros elemento não pararam o fogo ativo não, pelo contrário, agora tenho certeza que vão querer me matar.
- Mete um torniquete na coxa. Eu vou ai. Mantém fogo. Mantém fogo. - levantei os olhos novamente em direção aos dois caras que sobraram, um deles estava de tempos em tempos olhando para o que caiu, mostra que está vivo. Houve uma redução dos disparos. Fui andando com a silhueta abaixada, em direção ao Souza, que estava do outro lado do carro. Quando comecei a andar, um dos disparos passou perto, senti o vento quente. Souza estava consciente, mas caído no chao, sentado, com a perna direita esticada, vazando sangue, já tinha uma poça de sangue no chao, embaixo da perna dele. - Mete o torniquete idiota!
Ele estava em pânico, choque, não sei o nome para isso. Não responde aos meus comandos, mas estava acordado, com os olhos abertos, respirando. Pulei por cima dele, sob fogo, pegando o rádio da viatura - PC 13, sob fogo em Heliópolis, policial ferido. Repito, policial ferido - levantei a cabeça para olhar a situação, o cara do outro lado, atento, disparou em direçaõ ao vidro da viatura que estilhacou todo, em cima de mim. Senti o rosto e os braços arderem, varios vidrinhos devem ter pego em mim. Sacodi rapido e voltei pra lateral do carro, atras do Souza, jogado, sem reação. Peguei meu cinto, da minha calça, puxei tirando ele. Passei o cinto pela perna dele, bem alto, quase na virilha, afivelei e puxei, forte. Ele só gem*u quando apertei. Preciso tirar ele daqui. Abri um pouco minha visão para a lateral do carro, um disparo, dois, tres, em direção ao atirador mais a direita, preciso focar em um. Cada vez que puxo para o lado para revidar, tambem me exponho.
O vidro desse lado do carro já estava estilhaçado, levantei o rosto tentando ver a situação. Os dois que sobraram estão também atrás do carro, levantando as vezes para disparar. Eu já perdi a conta do cálculo de munições que eles dispararam, também nem sei quantos carregadores eles tem. Eu só tenho mais 15 munições ou seja, só mais um carregador, ou resolvo agora ou eles resolvem por mim. Estiquei o corpo para a lateral da porta, na intenção de disparar. Merda, só senti o queimado no meu braço e a ardência extrema. Olhei minha camisa e o sangue já estava sendo absorvido por ela. Como a dor é forte mas não é intensa, deve ter sido raspão. Sem cuidado algum, continuei o combate. Disparei em direção ao cara da direita, três, quatro, cinco. Ele agachou para se proteger, quando o da esquerda levantou para revidar, respiração lentificada, olhos estalados, falange distal no gatilho rápido e contínuo. Ele caiu na mesma hora, não sei onde pegou, onde atingiu, só sei que é menos um tentando me matar.
O terceiro e último, não retornou os disparos. Esse é o tempo que eu tenho. O Souza continuava em choque, mas não estava tão ruim fisicamente. O torniquete segurou bem a necessidade. Subi no banco do carro e tentei puxar ele, sem sucesso. É só ele ajudar com a outra perna. O esforço fez meu braço queimar mais um pouco. Pulei de volta pra o chão e olhei direto no olho dele, falando: " Preciso que você me ajude! Se você quiser morrer aqui, tudo bem, mas se não quiser me ajuda com essa merd* de perna boa". Tive que dar um sacolejo nele ainda, para ver se ele pegava no tranco, acordava desse transe dele. Ele sacudiu a cabeça, como se tivesse voltado ao corpo dele. Pulei de novo no carro, na hora meu joelho ardeu, algum pedaço de vidro deve ter entrado no meu joelho. Passei meu braço por baixo das axilas dele e pedi pro Souza ajudar. Conforme eu fazia força, o corte do braço ardia mais e o vidro do joelho encravada mais fundo. Consegui puxar ele até o banco da viatura.
O barulho das sirenes veio ao fundo como uma prece e um suspiro de alívio. Sem essa ajuda eu não sairia viva daqui, muito menos o Souza. Quanto levantei o rosto, do outro lado veio umas 4 viaturas, tinha ambulância, tinha mais gente. Todas as dores do meu corpo parece que sumiram, só valeu o alívio, a respiracao funda e o corpo relaxando, soltando. Tudo ficou embaçado e gelado, os olhos fecharam por um segundo.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 29/10/2023
Eita porra quase vai Flávia.
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