Nunca Te Amarei -- Capítulo 30

Kristen levantou da cadeira sorrindo.

-- Vou até a cozinha pedir mais café e ver como estão as coisas por aqui.

Luciana sentiu vontade de pedir para que ela ficasse, não queria ficar sozinha com Angélica, mas não deu tempo. Kristen se afastou rapidamente.

-- A Kristen também fala muito sobre você -- declarou Luciana, examinando a xícara de café e desviando lentamente o olhar para o interior do restaurante.

-- Kristen é uma pessoa especial. Durona, mas fiel e sincera. Ela não merece ser enganada.

Luciana arregalou os olhos, seu pulso começou a disparar por baixo da pele e instintivamente ela levou a mão à depressão da base de seu pescoço. 

-- De que você está falando?

-- Você não está dizendo a verdade -- ela retrucou, encarando-a com seus olhos azuis, exigindo a verdade. 

-- O que eu fiz para que você me acuse assim? Estou falando a verdade -- ao notar que Angélica não acreditava, ela insistiu: -- Então me diz, porque está me acusando?

Angélica ficou olhando para ela, fixamente.

-- Eu não sei ainda -- ela admitiu -- Sou médium sensitiva e o meu mentor espiritual foi quem me orientou -- ela hesitou e agitou a cabeça, arrependida do que estava fazendo -- Desculpa, estou assustando-a, mas eu confio nele e se ele diz eu acredito.

Luciana engoliu em seco e sem saber o que falar, abaixou os olhos para a xícara enquanto Angélica continuou a falar:  

-- Eu tenho um bar do outro lado da rua. Se chama Angels Bar, porque não aparece para conversar?

Luciana não notou quando Kristen se aproximou e tomou-a nos braços. Foi tudo muito rápido, mas ela não relutou. Na verdade, aceitou seus braços, fechou os olhos e sorriu aliviada.

-- A Lavínia já está trazendo mais café -- Kristen sentou-se ao lado de Luciana e segurou a sua mão por cima da mesa -- Você lembra, Angel, quando te falei dos meus sonhos recorrentes? Então, a Luciana acaba de me contar que também tinha esses sonhos.

-- O que posso dizer a você Luciana, é que, segundo o espiritismo, o sonho repetido pode indicar uma tendência do corpo a voltar à possíveis vidas passadas que o indivíduo possa ter tido, ou, apenas, o corpo tentando se conectar com suas origens, que vão desde as lembranças mais novas até dados genéticos. Ele acontece porque quando repousamos, o nosso corpo realmente "desliga", deixando liberta a nossa alma, que começa a se reconectar com fatos antigos ou de vidas passadas, no qual a mente é bombardeada com diversos sentimentos que possa ter envolvido o indivíduo em suas outras vidas.

-- Vidas passadas? -- Luciana demonstrou interesse.

Angélica balançou a cabeça positivamente.

-- Todos nós tivemos vidas passadas das quais simplesmente não lembramos ou lembramos parcialmente. Sonhos de vidas passadas são uma coisa muito comum, mas normalmente não nos damos conta de que sonhamos sobre uma vida passada. Existem diferenças entre sonhos de vidas passadas e sonhos desta vida. E você precisa saber diferenciá-los se quiser saber quais deles são os sonhos de vidas passadas e quais pertencem à vida atual que você está vivendo -- Angélica afastou-se um pouco da mesa para que a garçonete colocasse a xícara de café a sua frente -- Fale-me sobre o seu sonho recorrente.

-- Escuto o som de um tiro e uma pessoa caindo no chão da sala de uma casa que eu não conheço. Surda com o estampido e chocada demais para me mexer, eu só consigo ficar olhando para a pessoa no chão, caída sobre uma poça de sangue.

Kristen encostou-se na cadeira e olhou pensativa para Luciana. Em seus sonhos ela levava um tiro. Era uma coincidência incrível que deixaria Angélica entusiasmada em aprofundar os assuntos relacionados à desmaterialização dos corpos e ao percurso do espírito humano. Portanto, preferiu ficar calada. 

-- Como podemos descobrir se tivemos um sonho de vidas passadas? -- perguntou Kristen, a Angélica.

-- Olhamos para os sonhos de vidas passadas em detalhes, de modo que você saiba como diferenciar entre os dois. Memórias são parte substancial da sua vida. E elas podem surgir de qualquer forma. A maioria das pessoas experimentam lembrar destas memórias enquanto estão acordados. Mas você também pode testemunhá-las durante o sono; na forma de sonhos. Sonhos inacreditáveis estão, normalmente, relacionados com sua vida ou vidas, passadas.

-- Então, os meus sonhos são de vidas passadas -- concluiu Luciana -- Mas pra que?

-- Lembrar-se de vidas passadas através de sonhos é uma forma muito comum de tomar consciência do fato de que você teve uma vida passada -- disse Angélica, depois de tomar um gole do café -- Ao dormir, o seu subconsciente, ajuda você a lembrar-se de experiências vividas em sua vida passada, principalmente para guiar você. Ele age como um bom guia para a vida atual, uma vez que as experiências ajudam a aprender a não repetir os mesmos erros.

-- Quer dizer que essa cena pode vir acontecer?

-- Pode -- respondeu Angélica -- Então, você saberá como agir... ou não. Depende da sua aprendizagem.

Houve um silêncio prolongado, por um minuto ou mais, enquanto Luciana refletia a respeito. Achava tudo assustador. Kristen balançou a cabeça incrédula. A relação "amigo-invisível" lembra em muito os relatos infantis, quando a criança com seu amiguinho invisível, conversa, brinca, ri e divide seu lanche. Caiu a panela, foi espírito, o telefone tocou e parou, foi espírito, tinha uma manchinha na foto, era um espírito, briga na família, é espiritual, no trabalho, idem, sonhos, são vidas passadas. Parece mais uma viagem de Dorothy ou de Alice ao país das maravilhas espirituais.

-- Sua namorada, Angel? -- perguntou Kristen, mudando de assunto.

-- Ela voltou para o bar -- Angélica se levantou -- Eu já havia me esquecido dela.

-- Eita, Angel -- Kristian riu -- Louca por um papo.

-- Você sabe que sim -- ela também riu. Já ia se despedindo quando Luciana fez um pedido:

-- Gostaria muito de continuar a conversa.

Angélica olhou para Kristen, que deu de ombros.

-- Conquistou uma fã -- ela disse, sorrindo.

Angélica tocou no ombro de Luciana.

-- Pega o número com a Kris e me liga antes de vir ao bar. Vou ter um enorme prazer em te receber. 

-- Obrigada -- aquele sentimento inicial de temor havia se dissipado e Luciana sentiu que Angélica poderia ajudá-la de alguma forma.

-- Vamos embora? -- perguntou Kristen.

-- Vamos -- Luciana respondeu, sorrindo.

Kristen tomou-a pelo braço e deixaram o restaurante.

-- Vamos para o meu apartamento? -- perguntou, abrindo a porta do passageiro e ajudando Luciana a entrar. Dando a volta pelo carro.

-- Não sei -- Luciana fez charminho para provocar -- Estou tão cansada.

-- Se você quiser posso fazer uma massagem relaxante.

-- Hum, estou começando a gostar da ideia -- seus dedos emaranharam-se pelos cabelos encaracolados e loiros de Kristen e seu corpo inteiro estremeceu, quando a mão dela desceu de seu pescoço e seguiu para os seios. Ela sentiu Luciana estremecer, ouviu o desejo em seu tom de voz e quis tirar aquele vestido que a envolvia inteira e tomá-la para si, mas o soar ensurdecedor da sirene da polícia a fez recobrar os sentidos. Ergueram a cabeça simultaneamente e viram a viatura da polícia passar rapidamente. Luciana olhou para ela por um momento e então caiu na gargalhada. 

-- Desculpe, mas isso foi muito divertido -- afastou-se de Kristen e ajeitou-se no banco, ainda rindo -- Não faço isso no carro desde meus tempos de adolescência. 

-- Sério? -- Kristen a fitou, pasmado com a revelação -- Então, precisamos fazer qualquer dia desses. É pura adrenalina -- ela Enfiou a chave na ignição e deu a partida com destino ao seu apartamento. 

Nunca haveria outra mulher em sua vida. Nenhum momento seria mais precioso que aquele. Não era a paixão que compartilhavam, nem o desejo que lhe roubava o controle. Era ela. Luciana, que a tocava como nenhuma outra mulher. Ela a fez desejar ser uma pessoa melhor. A felicidade de Kristen expressava-se nos beijos, na vontade de dar a ela mais prazer. Ao fitá-la, Kristen refletia como Luciana a fazia sentir-se feliz, desde o dia em que a conheceu. Como lhe proporcionou, naquela noite, muito mais do que prazer físico. Muito mais. 

O dia nascia lá fora, enquanto elas se amavam. Fizeram amor várias vezes durante toda a longa e maravilhosa noite. 

Luciana mandou uma mensagem para Jaqueline avisando que chegaria na empresa no dia seguinte, às nove e meia da manhã. Para evitar comentários, pediu que Kristen a levasse em casa para trocar de roupa e pegar o carro.

-- Bom dia! -- disse Jaqueline, quase cantarolando -- Como passou a noite ao lado da chefinha?

Luciana franziu a testa, indignada.

-- Caramba, eu devo ter um rastreador implantado em meu corpo.  

-- Não há nada escondido que não venha a ser revelado, nem oculto que não venha a se tornar conhecido. Bíblia Sagrada. Mateus 10:26 -- disse Jaqueline, sorrindo.

-- Sua fofoqueira!

-- Hoje ninguém vai estragar meu dia, só vou gastar energia pra tomar cafezinho no refeitório.

-- Que papo é esse?

-- Esqueceu que a partir de amanhã estou de férias?

Luciana fez uma careta.

-- Ah, eu havia me esquecido.  

-- Ultimamente você anda com a cabeça nas nuvens.

Luciana balançou a cabeça e mudou de assunto.

-- Vou começar a abrir os olhos da Kristen para o que está acontecendo no setor financeiro.

-- Acha que consegue?

-- Acredito que sim. Vou fazer isso aos poucos, dia a dia, até que ela mesmo perceba.

-- Então, boa sorte. Essa garota só pensa em sex* e video game. 

-- Não é bem assim, ela mudou bastante.

Jaqueline bocejou antes de se levantar.

-- Vou tomar um café pra ver se afasto essa lombera que se apoderou do meu corpinho.

Depois que Jaqueline saiu, Luciana abriu a primeira gaveta do lado esquerdo de sua mesa e retirou um envelope.

-- Vamos ver por onde eu começo -- ela jogou sobre a mesa um espesso envelope de papel pardo -- Vai ser difícil, mas eu colocarei tudo em pratos limpos. Podem ter certeza!

No meio da manhã, um entregador chegou com uma bela caixa da floricultura para Luciana. Dentro, havia duas dúzias de rosas de cores mistas e um cartão no qual se lia simplesmente "Kristen". A imagem dela surgiu à frente: Às vezes poderosa e imponente, outras vezes delicada e meiga. Para Luciana, foi fácil se lembrar do que sentia quando Kristen a beijava, ou quando ela lhe passava a mão pelo corpo. A paixão profunda e arrebatadora que ela despertava sem esforço algum. 

Na hora do almoço, Luciana foi até o refeitório e preparou um sanduíche de peito de peru. Colocou uma fatia de queijo por cima e colocou dentro de um pacotinho. 

A ausência de Kristen deixava o seu local de trabalho uma chatice e ela decidiu quebrar a rotina, num esforço para se distrair. Foi para o jardim da empresa, sentou-se num banco e enquanto comia o seu sanduíche apreciava as flores e a natureza. 

Na segunda mordida em seu sanduíche, foi arrancada de seu isolamento. 

-- Posso me sentar ao seu lado, Luciana?

Era João Vitor que, sem esperar resposta, já se acomodava.

-- O que quer agora? -- perguntou, irritada -- Pensei que havia se esquecido da minha existência.

João riu e aquele som tinha um timbre que ela nunca tinha ouvido antes nele. Era difícil de definir, mas parecia soar como uma nota de triunfo.

-- Encontrei exatamente o que queria -- ele disse -- Ouvi o Jefferson falando com Laura. Aqueles cochichos todos me chamaram a atenção e você confirmou quando roubou cópias de documentos da minha sala. Daí você se escondeu na sala da Kristen para trabalhar sossegada. Não pode me censurar por ser tão esperto. Afinal, eu também tenho minhas ambições. Aqui dentro tem muitas ideias ainda não utilizadas.

-- Está bem contente consigo mesmo, não é? -- disse Luciana, cínica, cortante -- Onde está querendo chegar? 

-- No mundo em que vivemos as pessoas estão sempre negociando umas com as outras. E chegou a nossa vez de negociar.

-- Seja mais claro -- pediu com uma falsa tranquilidade.

-- Você tirou cópias dos relatórios para estudá-los mais tarde.

-- Sim, pensei que havia inconsistências, mas não encontrei nada de anormal.

-- Claro que não -- ele riu -- Não sou bobo Luciana e descobri que você também não. 

-- Tudo isso por causa de uns relatórios? Pois, pode levá-los, não estão me servindo para nada.

João Vitor balançou a cabeça de um lado para o outro, lentamente.

-- O que acha que aconteceria com você, se eu fosse lá e contasse toda a verdade para a senhorita Donati? 

-- Pare de me ameaçar, senhor João.

João deixou os ombros penderem, cabeça baixa.

-- Ameaçar? Acha que estou ameaçando-a? O que eu quero é defender o meu emprego aqui. 

-- Já percebi -- Luciana guardou o sanduíche dentro do pacote, perdeu a fome.

-- Nunca se esqueça, Luciana, tem momentos em nossas vidas, que o silêncio é a melhor resposta. 

João estava chantageando-a na cara dura e o pior é que não sabia o que fazer.

Créditos:

https://www.mensagens-dos-anjos.com/blog-dos-anjos/sonhos-de-vidas-passadas/

Fim do capítulo