CAPITULO XXXVII
CAPÍTULO TRINTA E SETE
O vento trouxe o som da voz animada e sorridente da Iara, invadindo a sala onde ainda estávamos reunidas, assustando a todas nós que nunca vimos ou ouvimos ela demonstrar tal sentimento, era uma garota sempre calada e observadora ao contrário da sua gêmea, que esbanjava alegria e confusão.
— Entenderam alguma coisa? Porque eu estou anestesiada com o comportamento dessas duas, principalmente com a Iara, que sempre foi calada. — As meninas negaram com gestos de cabeça, enquanto Esther continuava olhando para a filha e minha irmã, que sumiram da vista próximo ao mar caminhando lado a lado.
— Tem coisas que não dá para analisar, só aceitar, essas duas ainda vão brigar muito até aceitar e entender que uma completa a outra, o que falta em uma tem de sobra na outra.
— Esther, você está dizendo que elas são companheiras de alma? Porque se for isso, é melhor dar um jeito de quebrar a ligação, minha irmã falou que ela gosta de trans*r com tudo que tem vida, independente do sex*, ou raça, ela é pansexual, segundo ela. — Expliquei. Esther deu um daqueles sorrisos enigmáticos, aqueles que botam para correr os desavisados e faz os avisados enfiarem a língua no cu, eu que sempre temi minha madrinha e beta, não era louca de perguntar mais nada, fui logo mudando o rumo da conversa. — Então tá! Elas que se entendam, já eu vou falar com o Darius, tentem descobrir qualquer coisa sobre as pessoas desaparecidas.
Nyxs enquanto isso, procure um bom lugar para acender uma fogueira, vamos comemorar a vida junto a lua cheia, do nosso jeito em volta do fogo com muita carne e música. — Ordenei. Nyxs sorriu concordando, logo olhou de uma forma cúmplice para Heloise, como se as duas soubessem de algo só delas, haja visto a cara debochada da Inaê, esse trio estava aprontando algo.
— “O que estão aprontando, princesa prateada?” — Perguntei por nossa ligação, e na mesma hora Inaê pulou na cadeira.
— Explica essa, “princesa prateada.” — ela frisou bem o apelido, que sempre uso com a Nyxs, quando estamos numa conversa agradável.
— Vai se fuder Inaê, e não é nada demais, “Lobo mau”. — Ela respondeu também rindo, mas uma coisa me dizia que elas estavam aprontando.
— Vamos embora Nara, quando elas começam não param mais, chega de tentar resolver os problemas dos outros por enquanto, está na hora de resolver os nossos. E o que estava acontecendo na nossa alcateia.
— Nara quem vai avisar da reunião de logo mais a Amkaly? — Helô perguntou.
— Você e a Inaê, não comentem sobre nosso encontro agora, vou aguardar para ver o que ela vai fazer, se vai ficar com a família ou com a farra.
Sinceramente, não gostaria de ser eu quem iria colocar juízo na cabeça de vento da Amkaly, mas, no fundo, esperava que ela tivesse o bom senso de separar as coisas, ou pedisse para ser desligada da alcateia, seria bem mais cômodo para ela, ninguém deve ser obrigado a nada, até porque, ela não foi criada e educada como fomos, é a crença em que nós acreditamos, assim como os humanos têm as religiões deles, que são várias, e tentam viver dentro do que acreditam, nós temos a nossa e vivemos muito bem, sem dramas ou dúvidas, por isso Amkaly e Jana, sua mãe, não são obrigadas a crer, assim como minha mãe, que já foi humana, ela não crê em tudo, mas respeita e me criou dentro das crenças do meu povo.
Se Amkaly não mudasse sua maneira de agir, eu teria uma conversa séria com ela e com suas duas mães, para aparar as arestas.
Encontrei Darius do lado de fora da casa, que estava muito diferente do que eu me lembrava da última vez que estive aqui, parece que os lobos estavam se modernizando, as casas se pareciam com as da metrópole.
Darius me olhou e entendi que nossa conversa não seria ali, o acompanhei em silêncio, caminhamos um pouco pela praia, quando chegamos próximo às
piscinas formadas pelo recuo da maré, que deixa água o suficiente nos buracos para formar pequenas lindas lagoas, sentamos na maior pedra colocando os pés na água morna, alguns pequenos peixes ainda habitam essas lagoas. Mais distante, não muito longe, caminhando nas pedras, alguns caranguejos andavam de lado e se escondiam nas locas feitas de pequenos buracos nas beiras das piscinas, com medo da nossa presença. O local era lindo para ser visto por casais enamorados ou pessoas solitárias em busca de calmaria, a brisa do mar passava deixando uma saudade de tempos bons.
— Você está muito diferente da Nara que veio aqui no passado. — Darius me olhava examinando cada pedacinho do meu corpo. — E não estou falando só do corpo, que está bem maior que o da maioria dos lobos adultos daqui da reserva, estou falando
desse ar de calma estampado em seu semblante ao mesmo tempo que esse olhar de desconfiança, como se buscasse um inimigo invisível. — Explicou. Eu sorri concordando.
— Muita coisa mudou mesmo, acredito ter amadurecido antes do tempo. — Fugi da insinuação que ele fez dando uma resposta simples.
— Acho que a maternidade só te fez bem. Aliás, tua filha é linda, vocês são muito parecidas, se bem que ela me lembra uma pessoa e não consigo me lembrar quem, talvez seja aquele cabelo diferente de tudo que já vi, ela puxou a quem, ao pai? Ele é da reserva do seu pai? — A inocência estampada no semblante do meu amigo, me comoveu, era raro encontrar seres independente da que raça pertençam, que não tragam malícia ou maldade entranhado no DNA, Darius não, ele era como uma criança, por isso contei uma parte da verdade.
— Eu sou homem trans.
— Está me dizendo que nasceu com os dois sex*s, de homem e mulher? — Achei que os olhos dele iam sair do local, por tamanha surpresa.
— Estou dizendo que nasci com o sex* feminino e, com o tempo, o órgão masculino se desenvolveu. — Verdades e mentiras.
— Espera, deixa ver se entendi, aquela garota linda com o sorriso do meu amigo Ziam, foi você quem gerou? Que o macho na relação foi essa loba incrível e gostosa à minha frente, a quem eu pegaria qualquer hora?
Olhei sério com a resposta na ponta da língua, mesmo sabendo que não era um comentário machista, nós lobos, somos diferentes dos humanos nisso também, não existe o que manda e o que obedece, existe o que quer dar prazer, e aquele que no momento quer receber, mais a troca de quem vai ficar por cima ou por baixo depende da química do casal.
Relaxei a tensão, meu amigo estava além de espantado, fazendo uma piada com intenção de uma cantada barata, talvez por isso contei.
— Amkaly e eu, nunca completamos o laço, ela não queria se prender assim, e certa vez, quando em uma luta fui ferida e estava morrendo, outra loba me reivindicou da forma antiga, como nossos antepassados faziam, essa loba sempre soube que era minha parceira de alma, mas como eu vivia com outra loba, ela ficou à margem, observando, e quando eu estava morrendo, ela me trouxe de volta a vida pelo nosso laço de parceria. — Resumo o acontecido. Darius ficou em choque, não falava nada, esperei um tempo para que ele absorvesse as informações, quando ele revirou os olhos sorrindo, soube que tinha entendido tudo e de forma simples, como tudo na vida dele, disse:
— Que história linda, comigo essas coisas não acontecem. E a mãe, por que não está aqui contigo? Se não quiser falar vou entender. — Se remexeu procurando uma posição melhor escorando o queixo nos joelhos presos nas laterais com suas mãos grandes.
— Ela tinha outros assuntos para resolver, mas veio em espírito, isso é que conta, não é? — Mentira e verdade foi dita.
— Quando a Amkaly pediu o quarto só para vocês, eu achei normal, afinal sempre soube que eram um casal. Nunca me passou pela cabeça que ela não fosse a outra mãe, pensando bem, agora as coisas começaram a fazer mais sentido, me desculpe pelo equívoco.
— Não se preocupe, Amkaly gosta de pensar que ainda somos um casal, ela não consegue aceitar muito bem nossas leis e tradições, ela pensa como humana, coisa que nunca foi. Mas não acredito que me chamou aqui para saber da minha vida particular, o que está te preocupando?
Darius me olhou meio desconfiado e cheio de incertezas, sem ter muita confiança em querer contar, mas certo de que não havia outro jeito.
— Há um tempo, eu pedi para o meu beta fazer um levantamento de todo o patrimônio que herdei da minha família e investi nessa ilha. — Darius se calou, olhando para o horizonte até onde a vista alcançava dentro do mar escuro àquela hora da noite, senti que ele estava arrependido e cheio de culpa, dei a ele tempo para continuar o que dizia. — Como sabe, venho de uma linhagem onde bens materiais nunca foi nosso problema, afinal somos primos, distantes, mas temos um parentesco. — Darius sorriu mostrando seus caninos longos, brancos e afiados. Verdade, meu pai e a família de Darius eram parentes de segundo grau, e quando fugiram para o Brasil, por diversas razões, se espalharam para lugares esquecidos pelos humanos, como ilhas habitadas apenas por cobras ou sertões secos, onde não chove e não nasce uma planta, esses locais eram comprados pelos alfas. Para não levantar suspeitas. — Descobri que estava quase falido, entrei em contato com seu pai e seu tio. Ziam arrendou 50 por cento da ilha e me deixou administrar, quando eu estiver pronto e com o dinheiro que foi empregado, posso comprar novamente. — Seu olhar era de um lobo confiante, gostei disso, admiro pessoas que não se entregam diante dos obstáculos, mas tinha uma coisa me incomodando.
— Onde entram Camille e a namorada nessa história?
— Como eu disse, a Sandra é filha do meu beta, uma garota que viveu muito tempo na França, em uma das minhas viagens com o pai dela, eu conheci
Camille, que me convidou para uma festa em uma de suas casas de shows, lá encontrei sua irmã, Amkaly e os filhos da sua beta.
Fiquei me orientando na época a qual ele falava, os filhos da Esther estudavam na França e moravam em região perto de onde as gêmeas residiam, nessa época, Amkaly passava seis meses lá e seis aqui, houve épocas em que ela só vinha passar férias, justo na época em que eu viajava pelo mundo com minha beta aprendendo magia.
— Foram épocas complicadas, eu tinha que aprender um monte de coisa e viajava muito com minha beta.
— Amkaly me falou quando perguntei por você, como estava dizendo; o modo como o sex* era apresentado na boate, para uma plateia seleta assistir, e pagavam bem pelo espetáculo, me interessou. Eu quis trazer a diversão aqui para ilha, quando contei do meu interesse, Amkaly foi uma das mais entusiasmadas, ela sempre aparece por aqui, logo no começo sempre acompanhada da sua irmã, cheguei a pensar que vocês eram um trisal.
—Minha irmã tinha sentimentos pela Amkaly, e acredito que ela também tinha. — Não dei explicação do que realmente aconteceu, procurei voltar ao assunto que interessava. — Você vai com frequência às festas? Já experimentou o Bloody Mary oferecido como cortesia para alguns clientes?
Darius parecia surpreso com minha pergunta, a impressão que eu tinha era de que ele nunca ouviu falar do tal drink.
— Não, nunca bebi, só na barraca “Dente de lobo”, por que o que tem demais nessa bebida?
— Ainda não tenho certeza, mas acredito que estão adulterando a fórmula, colocando algum alucinógeno que está matando os humanos que tomam.
— Você acha que as mortes têm relação com a casa de shows? — Bem se antes ele estava assustado, agora estava apavorado, a alcateia de Joinville sempre foi; sex*, drogas e rock roll, mas nunca se envolveram com assassinatos. Se tinha uma reserva metida a hippies, a do Darius era essa reserva, tanto que eles não ligavam para o fato de que estavam falidos.
— Acredito que sim, todas as pessoas que morreram, passaram por lá e participaram como Dom em uma cena.
Três delas eram homens trans, ricos e sem herdeiros, o outro ainda não achamos, mas estamos procurando.
— Isso é muito grave, não quero a morte de ninguém nas minhas costas, eu só aluguei o espaço, não tenho acesso a informações de como é administrado o local.
— Isso é simples de resolver, eu mesma vou participar de uma festa dessas com minha beta.
— Não pode, uma das exigências da casa, é que só pode entrar casal, e tem que assinar um termo de confidencialidade, nada do que é visto ou praticado deve ser contado para alguém, e só entra com um convite do dono da casa.
— Arranje um convite, que a companhia eu arrumo.
E com essa certeza, nos despedimos cada um seguindo um caminho diferente e com mil pensamentos atormentando o juízo, eu principalmente, pois já sabia quem levar, não sei se teria era coragem de convidar.
Fim do capítulo
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