CAPÍTULO TRINTA E CINCO

Quando saí do banheiro, ainda amarrando o roupão, ouvi uma das gêmeas dispensando o lobinho de mais ou menos uns vinte anos, que olhava encantado para as lobas que estavam jogadas pelo chão lendo ou mexendo em jogos de guerra no tablet, pelo visto elas estavam em guerra entre elas mesmas, dada a concentração do grupo.

Para desgosto de Inaê, que tinha largado o jogo, o garoto permanecia parado sem sair do lugar, enquanto o empurrava com violência para longe, segurando a porta impedindo a visão do que estava acontecendo na sala.

— Darius mandou avisar que tão logo que a sua alfa esteja disponível, ele vai estar esperando para conversar próximo às piscinas formadas nas pedras, quando a maré está baixa, ele também falou que ela sabe onde fica. — O lobo ficava na ponta do pé para driblar a bruxa, que o impedia de ver alguém dentro da sala.

— Já deu o recado agora se manda, por acaso é cego? Não vê que está atrapalhando nosso jogo? Seu otário! — Falava e empurrava o lobo, que não saía do local, meu receio era de ele não sair da minha porta com suas próprias patas e ainda por cima ter o focinho quebrado.

— Tenho que falar com a alfa e não com você. — O lobo sorria sem parecer incomodado com a grosseria da loba.

— Eu vou dar o recado. Fora daqui, ou eu mesmo vou te levar em casa puxando por suas orelhas. — Inaê empurrava a porta e o lobo segurava com o pé, deixando-a mais zangada ainda.

As meninas continuavam alheias ao que acontecia na porta, ou se perceberam, não deram importância, o jogo parecia mais interessante.

— Se fosse aquela lobinha deusa grega dos cabelos grisalhos, ela eu deixaria colocar uma coleira em mim com o nome dela. Como é mesmo seu nome?

Ao ouvirem esse comentário acabou a concentração no local, foi então que resolvi aparecer evitando que uma luta começasse ali mesmo no meio da sala, Nyxs esticou o pescoço com cara de poucos amigos quando ouviu a quem o garoto se referia e Nalum segurou a mão dela mostrando sabe-se lá o que no tablet, para tirar sua atenção do “Dom Juan” de araque lá fora.

No momento em que cheguei na porta Inaê mostrou os dentes ao jovem que ao notar minha presença baixou um pouco a cabeça em sinal de respeito, que não durou muito tempo, pois logo se ergueu sorrindo, ele era uma bela espécime de lobo macho, marombado, queimado de sol, olhos pretos, cabelos chegando na altura da cintura, amarrado em um rabo de cavalo no 

alto da cabeça, com uma tatuagem imensa que começava no ombro direito e ia descendo por seu abdômen cheio de gume e entrava no calção surfista parando sabe-se onde, mas toda aquela aberração estava de olho esticado, com desejos de passar as patas enormes na minha 1lha, no meu girassol, o que não daria certo, Nalum, graças a Deusa, nem pensava nesse tipo de coisa.

—Senhora, meu alfa pretende conversar com a senhora.

—Eu ouvi e já entendi, avise que passo por lá logo mais, e mais uma coisa, se eu te pegar de olho comprido ou cheio de gracinhas para cima da minha filha, eu arranco essa coisinha insignificante, que você tem entre as pernas e enfio no seu rabo.

O lobo se afastou rápido, andando de costa sempre olhando para mim, segurando as partes íntimas como se já sentisse a dor, andou tão rápido que por pouco não caiu. Mesmo assustado com o que falei, olhou abusadamente para as gêmeas que o desafiaram com o olhar, mas ao perceber que uma das lobas pretendia cumprir a promessa, quando ela deu um passo à frente, o lobinho saiu em disparada.

Esther chegou com aquele sorriso diabólico, seguida de Manon, com ares de quem acabara de assustar um lobo.

As garotas se estiraram todas olhando para porta, enquanto Esther e Manon entravam passando de lobas a humana, todas procuraram um melhor lugar, no chão ou nas cadeiras, para ouvir o que Esther e Manon tinham para contar, as duas tinham saído, mais cedo, antes do pôr do sol, para examinar o local onde avistaram um corpo recentemente, com esse, era o quarto corpo  em menos de um ano.

— Encontramos um lobo quase se cagando de medo no caminho, quando já estávamos chegando, no momento em que ele nos viu parecia ter visto seu maior pesadelo. — Manon com aqueles olhos únicos, amendoados e monólitos parecidos com o da mãe a aldrava já que da outra mãe a Morgana não tinha nada nem mesmo a arrogância, seus olhos eram quase fechados, tinham uma cor extraordinária de amarelo-ouro.  Manom explicava enquanto se vestia, e minha Beta terminando de fazer o mesmo, empurrava com o pé a filha que estava deitada toda esticada no sofá mexendo no tablet.

— Afasta para lá Inaê.

— Caralh*, mãe pedindo assim tão carinhosa que filha não atende.— A loba cheia de ironias afastou sentando próximo a Heloise queria disfarçadamente.

— Da próxima vez serei mais carinhosa, vou te dar uma voadora garota abusada. Pode falar Nara sou toda ouvidos.— Esther sorria mostrando todos os dentes para as garotas que pararam com as gracinhas.

 — Ele veio dar um recado de Darius e ficou com gracinhas aqui na porta, todo cheio de galanteios com minha filha, eu lhe disse umas verdades e pus ele para correr antes que a Nyxs levantasse para colocar ela mesma. Conseguiram encontrar alguma pista do que está acontecendo?

      — Anael fez uma varredura nas informações das pessoas que vieram para esta ilha de férias, e somente três deles ainda não retornaram, ele procurou o padrão que os tornava semelhantes, e o que os torna muito parecidos, é o fato de serem ricos, homens trans, e sem parentes com DNA comprovado, ou seja, todos foram adotados ou foram abandonados pela família. — Esther tirou uma folha de papel do bolso do sobretudo que ultimamente vinha usando, como uma capa ou segunda pele, tudo era tirado de dentro, não sei como pode guardar tanta coisa em tão pouco espaço, eu peguei o papel amassado, que estirou em minha direção, olhando a relação e as observações ao lado de cada nome.

— Anael quando faz uma pesquisa vai até a quarta geração do indivíduo. — Minha voz com tom de ironia não passou despercebida, a resposta veio na gargalhada geral, menos minha irmã, que parecia muito apreensiva com o que poderia estar escrito naquele papel.

— O que o tio escreveu aí nesse papel. — Foi minha irmã falando e todo mundo se virando olhando, acompanhei a maneira como Iara observava minha irmã, que revirou os olhos com indiferença.

— Os nomes das pessoas que viajaram recentemente e ainda não voltaram. Como o papai tem sociedade com os resorts e pousadas daqui, vou dar uma olhada nas fotos e fichas, para saber quem morreu ou quem continua hospedado.

— Essa parte eu faço, como sua beta, tenho total liberdade para resolver as partes burocráticas em seu lugar, faz parte dos deveres de beta.

— E como vão saber quem morreu? — Novamente aquele olhar desconfiado da minha irmã.

— Calíope, eu não tenho muita paciência, qual o seu interesse? Ou melhor, o que você não está dizendo minha irmã. — Falei baixo para não a deixar desconfortável, mas tenho certeza que a veia do meu pescoço está perto de explodir de tão grossa com a vontade de gritar, Nyxs me olhava com aquele marzão prateado, que eram seus olhos, sentindo meu descontrole.

“— Calma lobo mau, assim assusta mais ainda sua irmã, ela se retrai e não fala nada até porque estamos todas juntas.” — Nyxs não tirava os olhos de mim, achei engraçado a maneira como ela me chamava, só então percebi que sua intenção ao falar comigo usando nossa ligação, era de me acalmar, mais relaxada caminhei até minha irmã aproveitei que Heloise sentou no colo da Inaê, ocupei a vaga passando o braço por cima dos ombros da minha irmã puxando para mais perto, beijando sua cabeça.

— Desculpe, a maioria das vezes eu sou essa besta sem pai nem mãe e grito sem motivos, mas não é nada com você, se quiser falar ótimo, se não quiser é um direito seu.

        — Minha irmã olhou para todos parando em mim, e sem baixar a cabeça ou tirar os olhos de mim, começou a falar o que ela não estava querendo revelar.

— A Camille tinha uma casa de show na França próximo ao “arrondissement”, onde ficava meu apartamento e da Cassandra.

— Diga tudo de uma vez. — O pedido veio da Iara, sentada ao seu lado, achei até que ela foi carinhosa, ao contrário da Calíope que revirava os olhos com indiferença demonstrando certo aborrecimento.

— Sandra, a tal da beta interina do Darius, e Camille têm um lance, conheci elas através da Amkaly, que já conhecia a Sandra.

—Espera! — Esther não me deixou falar e perguntou primeiro. — Está dizendo que quando chegamos, e fomos apresentadas, vocês já conheciam a Sandra e fingiram não conhecer? — Esther batia o pé levemente no piso achando que ninguém percebia seu desapontamento, se tem uma coisa que a tira do sério é sentir que foi enganada.

—Eu não reconheci na hora, ela está diferente de quando foi nos visitar, além disso, sempre que íamos à casa de show, ela não estava, ela vivia saindo sempre saindo com seus filhos, Esther, por isso não pode reconhecer, assim que a vi. Eu perguntei a Amkaly por que ela fingiu não reconhecer a loba e ela falou que se a Nara soubesse, estragaria seus planos de conquistar ela outra vez.

Nyxs se remexeu na cadeira disfarçadamente, incomodada com o que ouvia sobre os planos mirabolantes da Amkaly, meu peito estufou e por pouco eu não me entreguei, ao ver minha companheira com ciúmes infundados, tratei de examinar meus escudos, para que ela não soubesse o que eu estava sentindo ou pensando, somente o nosso canal da conversa ficou livre, me concentrei no que minha irmã contava tranquilamente.

As palavras de Calíope não tinham remorso, dor ou mágoas, também não era a voz de uma fêmea apaixonada ou sofrendo, era normal, se um dia ela e Amkaly tiveram algo ficou no passado, pelo menos era assim que eu estava sentindo as emoções vindas dela.

—Por isso não gostamos daquela mulher e ficamos em alerta. — Inaê falava e eu concordava com a cabeça.

—Não se preocupe com o que Amkaly espera, já fui bem clara, que não tenho sentimentos amorosos por ela, estou em outra sintonia, o meu tempo e o dela já passou, foi incrível, mas ficou no passado. — Fiz um esforço tremendo para não olhar na direção da Nyxs e nem de ninguém. — Continue o que dizia. — Dei tapinhas em sua mão incentivando, e fiz bem, ela sorriu mais receptiva, sem receios do que falar.

  —Sempre íamos às festas, que aconteciam na boate das duas, foi o Scire quem desconfiou quando a primeira morte aconteceu. O rapaz que morreu era um homem trans, que estava querendo engravidar, Scire era amante dele e da esposa dele, isso aconteceu no último semestre, que eles foram nos visitar, outra morte tinha acontecido, muito semelhante, os jornais da época associaram os dois a uma morte macabra, igual essas daqui. Depois nós viemos embora e não dei muita importância, humanos morrem por besteira.

             Iara sorria admirando minha irmã, sorriso aberto franco de alguém que enxerga só coisas boas em você. Calíope se retraiu encolhendo as pernas e abraçando os joelhos sem olhar para seu lado, mas tenho certeza que ela sabia estar sendo observada.

—As coisas agora mudaram de rumo, onde está Amkaly que não veio para a reunião, ela sabia o horário? — Perguntei para ninguém em especial.

—Deve estar dormindo, como sempre, mas ela sabia do horário, sim, minha irmã fez questão de avisar mais cedo. — Iara falava com desdém.

—Não vamos deixar de fazer o que deve ser feito, só porque ela está dormindo. Esther comece as buscas a partir das informações da minha irmã e descubra tudo que puder sobre a Camille e sua namorada. Eu tenho a impressão que Darius está atolado até os cabelos da bunda em dívidas, e já deve ter vendido metade da ilha. — Isso me preocupava, meu pai tinha investido muito dinheiro na construção dos chalés e marketing. As lojas de conveniências eram da minha família. Alguém estava me roubando.

—Vou me encontrar à noite com o Darius, para sondar o que de fato ele sabe sobre essas garotas e suas atividades econômicas.

Fim do capítulo