CAPITULO 30
CAPÍTULO TRINTA
NARA
Como lobas nascidas na grande noite, onde o tempo se fundiu em um só, ou as que nasceram em outro mundo, como era o meu caso e da minha filha, que passou para a mãe esses dons, todas nós tínhamos em nosso sangue, uma gota de magia diferente das demais lobas. Magia que controlava os cinco elementos, umas tinham gotas a mais, outras a menos, mas naquele momento todas podiam sentir as correntes marítimas aumentando a intensidade da correnteza, como também podíamos nos transformar usando a magia herdada em animais, aves, insetos, qualquer ser que habitasse no planeta, feitos com o nosso elemento. Nyxs e Nalum criavam pássaros de fogo e gelo, que voavam e desapareciam no ar, criavam pequenos lobos que corriam ao seu lado, as gêmeas criavam cobras de gelo, e assim por diante.
Nenhuma das garotas ousou fazer qualquer tipo de pergunta, dava para sentir a mudança gradual na temperatura da água, enquanto nossas pernas estavam imersas. Devido à oscilação constante, a água estava inapropriada para o banho ou até mesmo para a prática de qualquer esporte aquático, devido ao risco de acidentes.
Ouvimos o pulsar dos corações grandes e pesados cada vez mais próximos, não foi preciso dizer o que eram aquilo que vinham nadando desesperados para a parte mais rasa do mar.
No alto, o vento parou seu assobio majestoso ficando à espreita do que poderia se erguer dessas águas, antes tranquilas e agora ondulantes em várias direções da superfície. Os pássaros, com o instinto de autopreservação sumiram numa revoada, quem sabe com medo até de cair ou ser arrastado para dentro daquelas bocas famintas que poderiam aparecer no oceano.
Passando das ondas, que quebram no meio do mar, devido à variação dos ventos fortes e já bem próximos de nós, um cardume com cinco tubarões, que não dava para ver a espécie – se eram tubarões-brancos ou não –, eu não tinha tempo de analisar, já que eles vinham deslizando rápido, aproveitando uma corrente marinha bem abaixo do local onde estávamos, nadavam sem gastar muita energia, sem muito esforço, guardando energia para o banquete que os esperavam, vinham rápido em busca de uma boa refeição.
Em rápidas braçadas bem atrás de nós, formaram uma barreira com três lobas. Heloise, Manon e Ingrid. E na frente delas, Calíope e Nalum, atrás de todas fazendo a retaguarda, a dupla da morte.
— Nadem o mais rápido que puderem, não olhem para trás e não usem magia. — Nara falava baixinho olhando para o lado, onde um grupo de surfistas habitantes da região já estavam chegando na areia e correndo.
Tudo com que a natureza nos presenteou ao longo dos séculos foi usado. Força, velocidade e instinto de sobrevivência, em questão de segundos chegamos à praia e só então podemos ver na água cinco tubarões, três adultos e dois 1lhotes, que permaneceram rodando e circulando dentro da água como se estivessem nos chamando, o que estava longe de obedecermos.
Já em terra firme. Para qualquer lado que se olhava tinha loba sorrindo, tudo resultado da adrenalina da fuga e luta pela sobrevivência, os lobos do Darius estavam na areia antes de nós, eles também estavam bem, ninguém tinha se machucado, as pranchas estavam deitadas na areia branca, mostrando claramente o receio dos lobos em entrar no mar outra vez.
NARA
— Que doideira, galera! — Inaê sacudia os cabelos para os lados, espalhando pingos de água para todo lado, sem importar em quem pegava.
— A pessoa que estava mandando sinais para sairmos do mar, antes estava cavando a areia. — Ficamos andando próximo a Manon, que afastava a areia com o pé, descobrindo um caminho vermelho, feito da mistura de sangue e areia molhada, o caminho parou onde a terra estava revirada, entre folhas e galhos de plantas notava-se uma quantidade exagerada de sangue.
— Consegue ver o que aconteceu, Manon? — Todas ali sabiam do dom que a garota herdou.
— Não. A terra foi muito lavada pela água do mar, apagando os vestígios, essa cor vermelha de sangue se misturou com a vida marinha e mudou a essência, não tem como saber se é sangue humano ou de um animal marinho de grande porte, que encalhou na areia ferido.
— Se estiver certa, aquela pessoa que estava na praia cavando, poderia estar atrás de ovos, ou procurando animais feridos. — Nyxs procurava com os olhos, algo invisível na areia enquanto falava.
— Se eu imaginasse, que ao me juntar a vocês, significaria viver com o cu na mão a todo instante, eu nunca teria atravessado aquele rio infernal. — Calíope falou olhando direto para Nalum que também sorria, mas foi Heloise quem respondeu.
— Isso meu bem, foi só o cartão de visitas para fazer parte do exército das nove.
— Exército das nove, o que é isso? — Seu semblante não acompanhava o espanto na voz. Iara mais distante do grupo e sem olhar para Calíope, respondeu, mesmo ela fingindo que não ouvia ou que não interessava.
— O exército das nove, foi o nome que escolhemos para o grupo de guerreiras geradas na mesma noite. — Iara soltou a prancha na areia de qualquer jeito, vindo para junto da turma, olhando-a com um certo interesse.
— Mas Nyxs…— Ela retrucou, ignorando Iara e tudo que ela falou, todas perceberam como Calíope não olhou a loba, que sorria com desdém do outro lado.
— Está errado a contagem, pelo que me disseram. Naquela noite foram geradas. Manon, Inaê e sua gêmea, Heloise, Ingrid, Angel, Zenom, Ramiel, o que dá oito e os garotos não estão incluídos. Logo o exército das nove já começou errado.
As garotas se olharam e dessa vez foi Inaê que tomou a frente cheia de si e dona da verdade.
— Na hora em que estavam sendo escolhidas as duplas, esse nome foi soprado nos meus ouvidos, o vento trouxe até mim, e eu aceitei. Os meninos não estão mesmo incluídos, somos uma legião formada só de fêmeas, a Nalum mesmo sendo mais nova, entra porque foi gerada em outro mundo. Ao todo somos sete, mas o nome é nove, e você vai fazer parte por que parece que sua magia é a outra ponta da magia da minha irmã, contando oito, ainda falta uma que vai chegar, só não sei dizer quando. — Inaê exibia aquele sorriso feral, o mesmo que desafiava qualquer um ali a contradizer seus argumentos, e para seu crédito, Calíope só olhou com desprezo para a bruxa e deu as costas, voltando a conversar com Nyxs.
Ao notar que os lobos nativos vinham em nossa direção, ficamos em silêncio, os rapazes largaram as pranchas lá mesmo no local onde estavam, e correram para acompanhar as meninas, que já vinham caminhando lentamente, para juntas irmos embora.
— Vocês viram quantos tubarões? Nunca nossa praia ficou tão lotada assim do nada.
O garoto falava direto para minha irmã, que não teve tempo de responder, pois Iara tomou a frente empurrando Calíope para trás, que a olhava surpresa com sua arrogância.
— Isso para todas aqui — Iara girava a mão para dar ênfase a suas palavras —, foi uma puta novidade, assim como a covardia de vocês, seus bundões. — As gêmeas da Esther riam desafiando os lobos.
— Ei gatinha também não precisa ofender, somos lobos e nosso instinto de sobrevivência fala mais alto e também sabíamos que vocês iam ficar numa boa. — O rapaz falava olhando de lado para ver somente Calíope, que parecia não estar muito à vontade com a presença deles, e não disfarçava o incômodo.
— Pois o que vimos ali, foi um monte de covardes correndo feito umas donzelinhas, e nem se importaram em dar o alerta. — Iara tomava a frente tirando a visão do lobo.
— Garotas vamos embora, ainda temos muita coisa a fazer. — Falei mais para evitar que as gêmeas dessem início a uma briga na praia com os lobos.
— Ei, Calíope? Estou te esperando no “Lobos Bar” para continuar “aquilo” ainda faltam nós quatro e já pagamos.
Um deles, não sei dizer o nome, conseguiu chegar até minha irmã e falar com uma certa autoridade bem baixinho para não chamar muita atenção, mas o que ele não sabe é que podemos ler a mente dos lobos e ouvir o que uma loba guerreira está escutando, essa última parte acho que nem minha irmã sabe, mas o certo é que, esse convite a incomodou e notei ela querendo fugir do assunto, mas outro lobo se aproximou todo sorridente como a coisa mais natural do mundo.
— Quando sairmos do “Lobos Bar” a gente vem direto para o luau, vai ter fogueira, música, comidas e bebidas, tenho certeza que vai gostar, a outra loba falou que vai ser oito hoje, vê se não dá para trás, eu já paguei e não vou perder meu dinheiro. — Minha irmã ficou realmente incomodada com o convite, confesso que fiquei com pena deles, quando Iara olhou, contando quantos rapazes tinham ao lado do galanteador e com uma voz que saiu do outro mundo, ela mesma respondeu.
— Ela não vai!
E foi só o que ela disse, quando procuramos os garotos ele já estava bem distante e o galanteador fazendo gesto com a mão reafirmando o convite. Iara se virou para minha irmã, a olhou de cima a baixo, com cara de quem estava com nojo e não procurou disfarçar, deu as costas caminhando para a cabana sendo seguidas pela família, só minha irmã e eu permanecemos na praia.
— Ela pensa que é quem, para mandar em mim? — Não respondi nada e deixei que ela mesma encontrasse a resposta. — Eu tenho boca, posso responder por mim mesma, vou logo avisando, isso não vai dar certo, se toda vez que um macho se aproximar de mim, ela der um chilique desses, eu vou acabar ficando nervosa.
Me lembrou minha mãe com raiva, talvez por isso eu a tenha abraçado, apertado e beijado seus cabelos enquanto a puxava para voltarmos juntas.
— Não leve tudo a ferro e fogo, converse com ela, mostre seu ponto de vista, diga quando ela invadir sua privacidade, peça para que ela recue, elas são assim mesmo, superprotetoras umas com as outras, a Iara raramente demonstra afeto, tudo para ela é resolvido no braço, mas de todas as filhas da Esther, ela é que tem o maior coração e deixou que você entrasse, vai lutar com todas as forças para não perder você.
— Vou tentar, mas se eu quiser ir para a festa, eu vou e ela não impede. — Não senti muita convicção em suas palavras, ela realmente não queria ir ao tal bar, mas também não queria que outra pessoa decidisse por ela.
— Ficou chateada por que a Iara disse que não você iria ou por que achou que ela estava mandando em você? Se foi por isso, esquece é o jeito dela falar com todo mundo, mas é uma boa garota só está preocupada com você.
Minha irmã continuou caminhando em silêncio, quando estávamos próximos do chalé voltou a falar.
— Estou aberta a tudo que envolva consentimento, desde que todos sejam conscientes do que fazem, concordo em experimentar com qualquer adulto que queira me dar e receber prazer, não me identifico como fêmea ou macho e nem preciso que meu parceiro ou parceira se identifique como menino ou menina. Para mim não faz diferença.
— Está querendo dizer que você é pansexual? — De tudo que podia escutar da minha irmã, essa era com certeza a notícia que me deixava mais aliviada.
— Totalmente, tive um relacionamento de quase duas décadas, com uma loba quando estava em Paris, esse lance foi lindo, eu tinha certeza que ela dizia a verdade, quando me afirmava que também era pansexual e que sua parceira não se importava que ela tivesse amantes, como não era nada sério, não me preocupei em verificar a verdade.
Ela ficou em silêncio decidindo se continuava ou não, e eu aguardei, me sentando numa pedra próximo ao chalé. Aproveitei para pedir em pensamentos:
— “Nyxs pode erguer uma bolha sobre minha irmã e eu?”
— “Posso. Algum problema sério?”
— “Não, ela está me falando coisas dela, gostaria que ficasse só entre nós duas.”
— “Considere feito, erga suas barreiras, para nem mesmo a Nalum ou eu, possamos sentir suas emoções.”
— “Obrigada, princesa prateada.” — Falei com um sorriso de canto quando ouvi ela respondendo, o sorriso se abriu.
— “Por nada meu lobo mau.”
— Está falando com quem para estar com essa cara de felicidade? — Senti pancadinhas discretas em meus braços, minha irmã me olhava com curiosidade.
— Com a Nyxs, estava pedindo para erguer uma bolha entre nós, o que você disser, só eu vou ouvir.
— Convivendo com vocês, a gente percebe o quanto vocês duas se parecem com um casal, e quando minha sobrinha está junto, é uma família completa. Era isso que Amkaly não aceitava, essa coisa de ser o certo.
Não sei por que mais achei minha irmã triste ou decepcionada quando falou na Amkaly. O que será que ela não estava me dizendo.
— Mas estávamos falando de você e não de mim.
— Eu amava essa loba, no começo era só sex*, mas com o tempo, eu passei a contar os dias que faltavam para estarmos juntas, ela era engraçada, carinhosa, e uma devassa na cama, Cassandra não concordava e nem gostava do meu romance, pelo fato da loba ser comprometida, mas não se intrometia, aos poucos fui deixando minha amante me dominar, fazer escolhas por mim, muitas vezes era ela quem escolhia os parceiros, a coisa deixou de ser prazerosa, e eu estava nessa só porque estava apaixonada, uma paixão doentia, aceitava ver a loba com muitos machos na noite, só para ter o prazer de dormir com ela no fim da noite. — Calíope continuava de cabeça baixa com vergonha do que dizia, eu sabia que era isso que ela sentia.
— Por que não me procurou minha irmã? Eu teria abandonado tudo para ir até onde estava, e por que Amkaly nunca me contava nada? Quando visitava vocês, nem mesmo os filhos da Esther.
— Eu vivia tão obcecada por essa loba, que não escutava mais ninguém, me afastei de todos e comecei a me encontrar escondido, como uma criminosa. Aí o papai mandou nos buscar.
— Pelo menos te afastou dessa loba. — Fiquei observando as feições da minha irmã, tinha muita coisa que ela ainda escondia, que não estava pronta para me contar, e eu ia esperar o tempo dela.
— Em seguida, tivemos que ir para o barco, mas foi quando eu entrei no rio que tudo mudou, foi como se meus olhos que antes eram cegos, passassem a enxergar. Não gosto que tomem decisões no meu lugar, quero ter o controle do que estou selecionando para um relacionamento, por isso fiquei putassa com a Iara.
— Vou falar com a Iara, mas eu sei que ela só está preocupada com você. É como se de um jeito ou de outro, ela soubesse o que você viveu, e quisesse arrancar essa Calíope aqui — toquei carinhosamente em seu peito para demonstrar o que dizia —, debaixo dos escombros que o passado soterrou, trazendo a luz do sol em forma de vida.
Minha irmã ficou calada como se quisesse dizer mais coisas, olhando para mim e acabou por ficar em silêncio, por mais que eu quisesse perguntar, esperei que ela quisesse conversar como fez agora. Estiquei minha mão em sua direção e quando levantei passei meu braço em seu ombro e entramos no chalé ainda conversando.
Fim do capítulo
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