CAPITULO 22
CAPÍTULO VINTE E DOIS Nara shiva
Quando o som da moto de Darius desapareceu, Esther gargalhou. Ela ria alto, o que fez os bichinhos que se arrastavam no chão saírem disparados em busca de abrigo.
― Que orgulho estou de você, garota. Fez o dever de casa nas aulas de hipnose. Seu trabalho foi perfeito. O que disse a ela? ― Perguntou, admirada. Afinal, metade do prestígio cabia a ela, a professora.
Nalum parecia incomodada e não quis responder. Esther olhou para os lados, procurando o motivo do desconforto. Não estávamos todas em família? Exceto por Amkaly. Ela também parecia interessada em ouvir a explicação. Sabendo como as garotas a mantinham a uma certa distância, Esther tratou logo de dizer:
― Seja o que for, fez bem feito. Me deixou cheia de orgulho. Eu espero que todas vocês tenham aprendido como a Nalum.
As garotas assentiram e logo uma rodinha se formou ao redor da minha filha. Elas mudavam o olhar continuamente como se a comunicação estivesse sendo feita pelos olhos, achei estranho, todas as lobas podem ler mentes,conversar através da mente, mas nesse caso as mães por estar ligada geneticamente poder ouvir tudo, o que não era esse o caso as garotas estavam se comunicando entre elas deixando o restante da família longe de tudo.
― Nara, percebeu que a Amkaly parece muito interessada em saber o que a Nana fez com a beta? Fique de olho nela. Tenho a impressão de que está planejando algo. ― Nyxs falou, o corpo todo colado no meu.
― Também percebi. Mas mesmo que a lealdade dela não esteja com as guerreiras, continua sendo fiel a nossa reserva e alcateia.
― Aí é que se engana. A lealdade dela está com o propósito de conquistar você, de tê-la de volta entre as pernas dela, prova disso é que nem mesmo o Darius sabe que vocês não são mais um casal. vou erquer uma bolha isolando a vadia.
― Nana, pode falar agora filha.
Nalum olhou para Esther e começou a explicar.
― Quando a beta do Darius estiver bem, vai acreditar que somos lobas assexuais, que não temos interesse em sex* e matamos quem se aproxima com essa intenção.
— Ha! Essa é mesmo das minhas! — Esther exclamou.
— E a senhora ainda não ouviu a melhor parte. Conta o resto, Nana.
— Ela vai achar que no passado perdeu dois irmãos por tentarem trans*r com lobas da nossa raça e que seus dedos não estavam quebrados, ela tinha uma doença que fazia isso com suas mãos, e seu médico já tinha avisado sobre as dores. ― Quando ela concluiu, Nyxs desfez a barreira.
— Garota maldosa e cruel. Quero morrer sendo sua amiga. — Meus olhos encheram de lágrimas ao ver a maneira como ela beijava os cabelos de Nalum, cheia de orgulho. Ali, elas não eram professora e aluna, era somente uma avó carinhosa e sua neta.
Com sorrisos debochados, as gêmeas arrancaram Nalum dos braços da minha beta. As lobas encaravam sem entender nada.
― E ainda dizem que o dom de mexer com a mente tem a ver com DNA. Toma essa! A gatinha manhosa aqui não tem nosso sangue, mas é pior do que nós todas. ― Inaê gritou. Eu engasguei na hora. Esther fez cara de paisagem e Ameth examinava as unhas.
― Mãe, isso está certo? ou o fato da Nana ter nascido no multiverso a tornou mais poderosa?. ― Iara concordou.
― Nalum não tem nosso sangue , mas é tão boa daemati quanto nós. Como pode explicar isso, se nem mesmo Nara tem esse dom?
E pronto. A semente da desconfiança foi plantada, todas, que nunca fizeram perguntas, até mesmo Ananya, olhavam desconfiadas para Ameth, comparando a cor dos cabelos, o olhar, a feminilidade.
― Nalum veio ao mundo em outra dimensão, apadrinhada por um anjo. A mãe dela deve ser daemati, então é natural que ela também seja. ― Expliquei, torcendo para que isso fosse o suficiente. ― Outra coisa, eu não transei com a Ameth. Como todos sabem, eu sou tão intersex* quanto ela, portanto até o momento não podemos ficar gravidas, mesmo tendo vagin* não temos utero o que não impede de gerarmos em femeas os nossos descendentes. Como a maioria de vocês. Eu fui reivindicada pela mãe da Nalum. Quando isso acontece, até que se sacie o furor sexual, só se trans* com a fêmea a quem foi laçada.
Meu coração batia rápido. Jana abriu a boca para falar, ainda não satisfeita, mas Esther chamou sua atenção com um pigarro. Seguindo a direção de seu olhar, vi que alguém se aproximava.
O lobo, responsável por nos entregar as chaves, nos convidou para ir à casa sede, o que fizemos sem muita pressa. Essa reserva, de frente para o mar, era muito mais bonita que a nossa. As garotas estavam deslumbradas. Apesar disso, Salém conseguia ser muito mais selvagem e tinha um cheiro embriagador, o que não passou despercebido por Inaê.
― De que adianta esse mar todo? Se um desses lobos ficar doente, não tem planta para macerar. Cara, na boa, essas plantas aqui só servem para embelezar o local, nenhuma tem funcionalidade. ― Ela alisou a folha de uma planta, afastando os galhos para mostrar que não havia frutos.
― Sim, mas eles podem não ser adeptos de frutas e verduras. Talvez sejam unicamente carnívoros. ― Heloise comentou. ― Minha mãe conta que antigamente nosso povo era mais carnívoro.
― O que nos tornava selvagem por completo. Minha mãe é mais animal do que gente. ― Iara se intrometeu. Esther se virou bruscamente, mostrando os dentes.
― Obrigada pelo elogio, coisinha linda da mamãe.
― Nossas filhas estão certas, amor. Quando eu te vi pela primeira vez, achei que era um lobo lindo e louco, e me apaixonei de uma vez.
Assim, a conversa se voltou para seus relacionamentos. As lobas contavam como conheceram suas parceiras e quando se apaixonaram. Todas tinham sua vez, mas eu rezava para que me esquecessem. Se chegássemos à casa sede rápido o suficiente…
― E você, alfa, como foi sua primeira vez? ― Eu queria me enterrar na areia. Nem precisei olhar para saber que Nyxs sorria com malícia. Mantive a expressão neutra. Não ia demonstrar como ela me desestabilizava.
― Qual das primeiras vezes? Eu tive duas, a primeira quando minha loba escolheu e a segunda quando eu fiz a escolhi. Todos estão cansados de saber.
― Mas só sabemos o que as mães e tias dizem por aí, eu quero ouvir a versão original. ― Insistiu.
― Eu conto. ― Amkaly se voluntariou, entusiasmada. Eu não dei muita importância, só queria que acabasse logo. ― Eu tinha acabado de me acidentar. E ou...
― Eu não perguntei a sua primeira vez, Amkaly, perguntei à alfa. ― Nyxs interrompeu.
― Mesmo assim eu vou contar.
― Eu estava muito assustada e apareceu aquela lobinha, a coisa mais linda que já vi...
― Já começou a mentir. Minha mãe disse que quando chegou próximo a você estava como humana. ― Nalum contestou, sem um pingo de paciência. Esther também não estava gostando do rumo dessa conversa.
― Vocês perdem tanto tempo discutindo bobagens que nem perceberam que já chegamos. Acabou o assunto.
A sede administrativa da reserva era uma construção arejada de cores pastéis, as portas sem tranca que antes ficavam escancaradas sem medo agora estavam adornadas por cadeados. Tinha mudado muito.
Uma jovem loba exuberante de cabelos pretos ficou encarregada de entregar as chaves de cada chalé, chamando pelo nome da matriarca. Tudo ia perfeitamente bem até minha chave ser entregue nas mãos de Amkaly. Ela sorria diante dos olhares espantados das garotas.
― Espere. ― A loba chamou. ― Parece que houve uma troca, senhora Amkaly, entre a senhora e sua irmã Heloise. A senhora ficará no chalé 5, com a doutora Ananya e sua companheira Janaki. Alfa, a senhora ficará no chalé 23 com as adolescentes. Esther e Sandy, o chalé de vocês é o 26. E Lilith, o seu será o 6.
A distância entre os chalés era maior do que eu esperava, mas nada demais. O que me preocupava era que Amkaly se recusava a devolver a chave.
― Escuta, será que não pode fazer a troca com a minha irmã? ― Pediu.
― Não é possível, senhora. A ordem veio do meu alfa. Agora, se a senhora quiser contestar, fale com ele.
― Fui eu que pedi, Amkaly. Darius me ligou para perguntar se eu preferia ficar de frente para a praia ou mais distante. E também não acho correto dividir o chalé com você. Não somos amantes, namoradas ou parceiras. O certo é ficar com sua família. Se elas não estivessem presentes, talvez eu abrisse exceção.
Amkaly me fuzilava com os olhos, furiosa, e batia o pé no chão.
― Medrosa! Isso é medo de ficar no mesmo ambiente que eu e não resistir. ― Acusou. ― Eu sei como te incendiar, seu medo é de ter uma recaída. Ninguém aqui vai dizer nada se voltarmos. Aliás, elas ficariam contentes. Pergunte a qualquer uma.
Seu olhar me desafiava, pedia uma resposta que eu não daria. A mim pouco interessava quem torcia para que voltássemos. Só tinha uma opinião do meu interesse e essa eu já sabia qual era.
― Vem, filha, vamos procurar nosso chalé.
Dei as costas e continuei meu caminho.
― Nara, você é uma covarde e uma medrosa! ― Amkaly gritou.
Quando Nalum avançou, foi tão rápido que nem tive tempo de reagir. Em forma de loba, minha filha derrubou Amkaly no chão. A outra também se transformou e atacou de volta. As duas rolavam na terra, uma tentando dominar a outra, levantando poeira com cada golpe. Todos pareciam tão surpresos quanto eu.
― Nalum, pare com isso agora! ― Entrei na briga, tentando puxá-la de volta, mas ela não queria me ouvir. Tive que usar um pouco de força para arrastá-la. Nalum veio rosnando, a contragosto, e ambas retornaram à forma humana.
― Que essa seja a última vez que eu presencio uma briga entre vocês. Somos um povo forte porque somos unidas, lutar entre nós mesmas só nos enfraquece.
― A senhora não ouviu o que ela disse, mamãe? Os insultos que ela disse a respeito da minha outra mãe? ― Ela chorava de raiva, apontando para Amkaly agressivamente.
― Não dê ouvidos, Amkaly não sabe o que está dizendo. Vocês não podem ficar se atracando cada vez que tiverem uma opinião diferente, a gente tem que se respeitar.
Alisei os cabelos dela, limpando as folhas que tinham se emaranhado entre os fios. Amkaly devia ter dito coisas muito pesadas para fazê-la chorar assim. Nyxs e as guerreiras se aglomeraram ao redor de Nalum, falando baixinho para tentar acalmá-la.
― Todas nós ouvimos o que você disse. ― Inaê olhou Amkaly de cima a baixo com desgosto. ― Cuidado com sua vida, sua loba vagaba. De repente um maremoto apaga esse teu fogo e te afoga. ― Cuspiu aos pés de Amkaly e se juntou às outras.
A desgraça já estava se desenrolando. Eu não queria ter que expulsar Amkaly da reserva, Ananya não merecia isso, mas a filha dela me faltava com o devido respeito constantemente, mandava indiretas e se insinuava na frente de qualquer um. Eu precisava pôr um ponto final.
― Esther, por favor, crie uma bolha de isolamento. Não quero que as garotas, principalmente a Nyxs, escutem o que vou dizer.
Esther permaneceu calada durante o ocorrido, mas eu sabia que estava com o mesmo sentimento apertado no peito. De uma vez só, Amkaly tinha ofendido toda a sua linhagem. Jana se afastou da companheira para se juntar à filha.
― Nunca fui covarde como disse e tampouco medrosa. Eu detesto ter que usar da minha autoridade como alfa, acredito que líderes que impõem sua vontade não são líderes e sim ditadores, e não tem nada pior do que um ditador, mas eu sou a alfa dessa alcateia exijo que me respeite como tal.
― Mas eu te respeito…
― Eu ainda não terminei de falar. ― Interrompi. ― Nunca mais se dirija à filha da sua alfa com o intuito de ofender, como fez agora. Se um dia ela te desrespeitar, minha beta tem autorização para resolver. E se não for possível, eu mesma resolvo.
― Ela e a metida a gostosa da filha da Ameth vivem me dizendo coisas. Nyxs acha que vai te levar para a cama e sua filha também não é nenhuma santa, ela faz de tudo para que isso aconteça.
Um vento forte soprou, e como um furacão Lilith surgiu entre mim e Amkaly.
― Desde pequena Nyxs diz que é a mãe da Nalum, e ela diz para quem quiser ouvir que minha filha é a mãe dela. ― Falou, erguendo o tom de voz. ― Elas não fazem isso por maldade e, por favor, não compare minha filha com você.
― Calma… ― Pedi, antes que a discussão se agravasse. ― Amkaly, minha vida particular, quem eu levo ou deixo de levar para a cama, só diz respeito a mim, assim como a sua vida particular não me interessa. Como fêmea você não existe para mim. Eu não te desejo. Isso ficou no passado. Foi ótimo, mas acabou, e não é que você não tenha atrativos, você tem. Eu não te quero como fêmea porque sou alucinada pela mãe da minha filha, a mulher e a loba que deu a própria vida para salvar a minha. ― Amkaly me olhava como se eu fosse uma estranha. ― Eu sinto falta do cheiro dela, do sorriso, da voz, de como ela me abraçava, do sabor do seu beijo, de como ela se entregava toda e me tomava. Sinto sede do seu beijo vinte e quatro horas por dia. Ananya e Jana, suas mães, sabem como me sinto, pois já passaram pela mesma dor.
― As coisas mudam, Nara, a gente se sentia assim. Eu ainda sinto tudo isso por você.
― Não, você não sente. Somente as lobas laçadas que passaram por um ritual completo sentem o que sinto. O que você sente é um sentimento de posse, de não querer perder. O que eu, suas mães e minha companheira temos é diferente. Jana abriu mão do laço para permitir que Ananya continuasse viva e fosse feliz, mesmo longe dela, e para que a filha dela pudesse nascer. Por amor a você, que era filha do seu grande amor, Jana passou pelo inferno. Ananya ficou louca de solidão até aprender a viver sem sua companheira. E eu só não fiquei louca por que tenho minha filha, que é o melhor de nós duas, e por que sei que ela vai encontrar um jeito de voltar. Por isso eu não te vejo mais como fêmea. Pare de tentar me conquistar e pare de ofender minha filha. Deixe a Nyxs em paz, ela é a mãe da Nalum, goste você ou não. Amor a gente não escolhe, só sente. Podemos viver em paz, sem brigas.
O silêncio se estendeu até depois que Esther desfez a bolha. Ela e Ameth me encaravam, os olhos brilhando, mas foi Ananya quem falou primeiro.
― Jana, vai para o chalé com nossa filha. Vou andar com a alfa para colocar os assuntos em dia.
De certa forma, ouvir isso tirou um peso dos meus ombros. Eu tinha uma admiração imensurável pela doutora e não queria estragar nossa amizade.
― Consegue sentir o laço de vocês mesmo estando longe. ― Afirmou. Ela me encarava com aqueles olhos de pesquisadora, de quem quer entender.
― A cada segundo do dia e da noite.
― Eu sabia que tinha passado pelo ritual, mas eu não percebi que era tão sério assim. Por que não pede a Aldra para dar um jeito de trazer sua companheira do futuro?
― Porque minha companheira vive nesse mundo, mas ela ainda é muito nova. Quando chegar a idade em que ela se laçou, vai se lembrar de tudo e vem me procurar.
Ananya olhou para longe, para a direção onde Nyxs tinha ido, levando Nalum, e tenho certeza que ela entendeu tudo.
Fim do capítulo
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