Na segunda acordei atrasada. Em dez minutos estava pedindo um Uber, já que a essa hora não ia conseguir vaga para estacionar lá por perto. Mais dez minutos e estava entrando na faculdade igual à uma doida. Meu celular apitava com uma mensagem da Nanda que não deu tempo de ler na correria para chegar à sala. Olhei no relógio, cinco minutos atrasada. Estava rezando para que o professor não fosse pontual, mas estavam todos sentados quando olhei pelo vidro da porta. Respirei fundo e abri a porta devagar olhando para a frente da sala para pedir licença caso o professor me olhasse entrando atrasada. O professor estava sentado na mesa, de forma que só dava para vê-lo quando entrasse completamente na sala de aula. Terminei de abrir a porta olhando para a mesa e me deparei com ninguém mais ninguém menos que a professora Márcia. Congelei na hora. Fiquei na dúvida se estava na sala correta, mas então vi as meninas logo ao lado com uma cadeira vaga entre elas. Não me mexi até que Nanda me puxou pela camisa, me fazendo sair do transe.

Márcia estava divina com um conjunto cinza de um blazer cinturado e uma calça justa. Usava um salto médio e uma blusa rosa clara com um decote discreto. Quando entrei Márcia apenas fez uma pausa na chamada e continuou como se nada houvesse acontecido. Ela já estava na letra P, então depois teria que me aproximar de sua mesa para pedir presença. Ou seja, estava frita.

Fiquei tentando entender por que ela estava ali, já que não era seu nome que estava no horário, e sim do professor João Marques. Mal tive tempo de criar hipóteses quando ela começou a falar.

-Bom dia a todos.

-Bom dia. -Alguns alunos responderam.

-Meu nome é Márcia Freitas e vou substituir o professor Marques nessa disciplina por quanto tempo for necessário. Infelizmente o professor Marques sofreu um acidente e ainda não sabemos quando ele poderá retornar à universidade. Não tenho nenhum detalhe do acidente e nem do seu estado de saúde. Só sei que foi um acidente de carro, conforme sua esposa repassou para a coordenação. Podem ficar tranquilos que vocês não terão nenhuma perda com relação ao conteúdo, pois ministro essa mesma disciplina em outro curso, apenas com uma ênfase diferente. Alguma dúvida? -O silêncio reinou na sala. Márcia tinha um ar muito sério na sala de aula e em nada se parecia com a pessoa que eu conheci. Claro que aquela era sua persona profissional, mesmo assim era estranho de ver essa diferença. -Se ninguém tem nenhuma dúvida vou dar alguns recados. Primeiro de todos, não gosto de atrasos. -Ela disse e me olhou nos olhos. Quase morri ali mesmo. Não sabia se aquele olhar me fazia arrepios de medo ou de tesão -Segundo, não aceito que usem o telefone na sala de aula, terceiro, não tolero conversa paralela e quarto, não me incomodo que respondam presença e saiam da sala. Na verdade, prefiro isso à conversa paralela. Somos todos adultos aqui e temos plena consciência das consequências dos nossos atos. E caso cheguem atrasados venham me procurar no fim da aula para pedir presença. Mais de dez minutos de atraso nem precisa pedir, pois não acho justo receberem. Alguma dúvida?

Novamente o silêncio reinava. Era impossível não babar no poder que emanava dela naquele momento. Ela dominava a sala de aula de uma forma que não sabia que era possível de alguém fazer. Os minutos seguintes foram gastos com ela explicando como funcionaria a disciplina enquanto ela estivesse no lugar do professor Marques. Logo em seguida ela começou um resumo de toda a matéria que estudaríamos durante o semestre e nos passou a leitura de um capítulo para fazer um resumo para a aula de quarta-feira. Com isso ela dispensou a turma faltando dez minutos para acabar a aula.

Os comentários estavam entre indignados por ela mandar um capítulo de 50 páginas para ler e resumir em dois dias, em como ela era bonita e que ela explicava muito bem a matéria. Alguns alunos se juntaram na frente da sala para conversar com Márcia e eu fiquei esperando minha vez para lhe pedir presença por ter chegado atrasada. Nanda havia convencido Jú a acompanhá-la até a lanchonete enquanto eu esperava para falar com a Márcia. Esperei que os alunos ao menos começassem a se dirigir para os fundos da sala para então falar com ela.

-Oi, professora, vim pedir presença. Cheguei após a chamada. -Disse observando o último aluno sair da sala.

-Oi, Mariana. -Ela respondeu finalmente me olhando.

-Por que você não me contou que iria dar aula pra minha turma? -Perguntei um tanto indignada.

-Eu tentei. -Ela respondeu séria, ainda com a máscara de professora no lugar.

-Quando? -Aquela seriedade dela estava me tirando do sério, afinal não tinha mais nenhum aluno na sala.

-Na sexta-feira.

-A. -Respondi me lembrando que havia dado um fora nela.

-Eu disse que era importante. -Seu tom não se alterava e em nada ela lembrava a pessoa que eu tinha dividido momentos.

-Você pode, por favor, falar direito comigo? -Falei frustrada com sua indiferença.

-Eu estou falando direito, Mariana.

-Não tá não. Tá parecendo uma... uma...

-Uma professora? -Ela me zombou.

-Você nunca me tratou assim antes. -Respondi quase ofendida.

-Você nunca foi minha aluna antes. -Ela rebateu.

-Mas eu já fui outra coisa.

-Você mesma disse que não queria aquele tipo de relação mais. 

-Mas precisa me tratar com tamanho desprezo?

-Não é desprezo, Mariana. É profissionalismo. Quer que eu te chame de Mari na frente de todos os alunos? Quer me chamar de Ma na frente deles? É isso que você quer?

-Você não me tratou dessa forma na frente do professor Jonas. 

-Mariana, vamos parar essa conversa por aqui, pode ser? Se quiser podemos conversar na minha sala, mas em suas próprias palavras, “nunca é só uma conversa com a gente”. -Ela disse e saiu com suas coisas nas mãos.

Quase saí gritando de lá, tamanha era minha frustração. Eu estava excitada, com ódio e vontade de agarrar aquela mulher. Ela ia me deixar louca dando aula para mim. Não sei se seria pior ou melhor se estivéssemos tendo alguma coisa. Precisava jogar essa frustração para fora ou eu ia explodir. Não tinha ideia do que fazer para conseguir prestar atenção na aula dela. Hoje tinha sido apenas uma apresentação e eu estava daquela forma. Cheguei à lanchonete exalando fogo pelo nariz.

-Mari? Tá tudo bem? -Ana perguntou estranhando minhas feições.

-Tá sim, Ana. Só estresse. Acordei tarde e cheguei atrasada na primeira aula de uma professora. -Respondi puxando uma cadeira e me sentando.

-Não de qualquer professora. Da professora que é tia da amiga de infância dela. -Júlia completou.

-Ela brigou com você? -Ana perguntou.

-Mais ou menos. Ela me tratou meio fria.

-Mas era de se esperar, não? -Nanda disse. -Ali ela estava como professora.

-Mas ela me tratou assim mesmo depois que todos os alunos saíram da sala.

-Talvez ela fez isso para não ter perigo de você confundir as coisas. -Ana sugeriu. Ela não sabia o quão certa ela estava.

-Pode ser. -Eu concordei sem muito acreditar nisso. Ela estava era dando o troco por eu ter terminado o nosso caso.

-Toma, Mari, come isso. Nem café você tomou. -Disse Nanda me entregando um café e um pão de queijo que ela tinha acabado de comprar para mim.

-Amiga, eu poderia até te beijar por isso, mas prefiro só comer mesmo. -Nós quatro rimos e meu humor foi melhorando conforme fui enchendo o estômago.

Fim do capítulo