Capítulo 35
As horas viraram dias, os dias viraram semanas e as semanas viraram meses. Cada uma seguia sua rotina durante o dia, com a certeza em comum de que ficariam juntas à noite.
Apenas algumas semanas depois da primeira visita que as duas lhe fizeram, Clara conseguiu uma cama de casal, o que possibilitou que elas dormissem por lá vários dias na semana. Tudo estava indo às mil maravilhas, mas aqueles poucos meses foram suficientes para os comentários ganharem força na cidade:
— Alexandre ouviu alguns homens falando em alto e bom som sobre vocês lá no açougue...
Lena havia aproveitado que as duas ficaram a sós para alertar Clara:
— Eu fico muito preocupada com vocês... Sabe como é o pensamento das pessoas por aqui. Alexandre me disse que um dos comentários era que vocês não conheceram um homem de verdade.
Clara suspirou pesadamente. Naqueles últimos meses estava tão encantada com tudo que vinha acontecendo que se esqueceu que vivia no mundo real:
— Por que as pessoas não cuidam de suas próprias vidas?
Lena segurou em seus ombros e disse olhando-a nos olhos:
— Eu entendo a sua indignação. Também já passei por isso... E só me deixaram em paz quando me casei com Alexandre. No caso de vocês, ainda tem o fato de serem três...
Levou as mãos até o rosto de Clara:
— Morando naquela casa sozinha... Tenho medo de tentarem fazer algo contra você.
Clara também sentia um enorme pavor só de imaginar. O pânico que sentiu nas mãos de Nestor voltava a preenchê-la e ela precisava de toda sua força para se manter calma. Colocou as mãos sobre as de Lena e disse tentando também se convencer:
— Não vai me acontecer nada de ruim.
*****
No dia seguinte estava em casa, terminando de lavar as louças do jantar, quando ouviu o barulho do automóvel. Correu até a porta da frente e sorriu ao vê-las.
Marina olhou para trás várias vezes antes de finalmente entrar e fechar a porta:
— Lena me contou sobre os comentários na cidade.
Alice completou aflita:
— Não tem como você continuar aqui sozinha... É muito perigoso.
Clara já deveria imaginar que Lena compartilharia a preocupação com Marina:
— Está tudo bem...
Marina estava com um semblante assustado que nunca havia visto nela:
—Não, Clara... Não gosto nem de imaginar o que pode acontecer com você.
Não queria admitir para elas que, no fundo, também estava com medo. Mas o que poderia fazer? Tinha se mudado há poucos meses, estava começando a deixar a casa com sua cara, seus gostos... Não queria ter que sair dali agora. Por outro lado, estava completamente exposta morando sozinha, numa casa com muros baixos, que poderia ser facilmente invadida.
Suspirou pesarosa, com uma tristeza genuína ao ter que abrir mão de um sonho — que tinha acabado de realizar — por conta da estupidez de outras pessoas:
— Vocês têm razão... É melhor eu voltar para a hospedagem por um tempo, até as coisas se acalmarem.
Alice segurou o rosto dela entre as mãos:
— Se alguma coisa acontecesse com você... Eu nem sei...
A beijou levemente antes de completar:
— Nós gostaríamos que você ficasse conosco... Na fazenda.
Marina se aproximou e se uniu a elas em um abraço:
— Vou ficar mais tranquila se você estiver dormindo lá.
Clara hesitou. Não tinha pensado na possibilidade, não sabia se estava preparada para voltar para a fazenda. Apesar de gostar, o lugar trazia muitas lembranças:
— É melhor não... Como vamos explicar para os seus empregados?
Para Marina aquilo nem sequer era uma questão. Mas entendia a preocupação dela:
— Não se preocupe com isso. Nenhum dos peões vai questionar nada, você sabe que eles são discretos. E Marta, bem... Digamos que a ideia de mulheres se deitarem juntas nunca nem passou pela cabeça dela. Além do mais, ela vai ficar muito feliz em ter você por lá de novo.
*****
Clara colocava as roupas dentro da mala, enquanto tentava se lembrar quantas vezes já tinha feito aquilo na vida. Mais uma vez o destino decidiu por ela e agora teria que deixar sua própria casa. Por mais que não fosse definitivo, uma sensação de impotência a preencheu.
Fechou a porta com pesar e caminhou até o automóvel, onde Alice e Marina a aguardavam em pé do lado de fora. Marina colocou a mala no bagageiro e as três entraram no veículo. Chegaram à fazenda com o céu totalmente escuro. Clara se sentiu mal em ficar aliviada por todos já terem se recolhido, pois não queria conversar, nem explicar nada para ninguém, naquele momento.
Subiram para o quarto que agora era tanto de Alice quanto de Marina. Clara se deu conta de que era a primeira vez que entrava naquele cômodo para outra coisa que não fosse limpar ou trocar a roupa de cama usada. Marina pareceu perceber o embaraço dela, a pegou pela mão e a fez sentar-se na cama:
— Quero que fique à vontade aqui...
Mais tarde, com as três já vestidas para dormir, deitaram-se juntas. Clara no meio, com Alice abraçando suas costas e Marina acariciando seus cabelos. As duas sentindo que era o que ela precisava no momento.
Na manhã seguinte, Clara ficou agradecida pela praticidade de Marina, quando ela informou a todos:
— A casa de Clara está passando por reparos... Ela ficará dormindo no quarto de hóspedes até que esteja tudo pronto por lá.
E como ela já tinha dito, ninguém questionou nada.
A rotina das três continuou normalmente, a única diferença era que agora dormiam juntas na fazenda em vez da cidade. Clara aproveitou que ficaria fora por alguns dias e contratou trabalhadores para pintar a casa, por dentro e por fora, além de fazer alguns reparos no telhado.
Estava na calçada da hospedagem, aguardando João vir buscá-la, depois de pegar Alice no hospital. Se surpreendeu ao ver que era Marina quem estava ao volante. Assim que entrou no automóvel, ela reclamou:
— Uma de vocês duas vai ter que aprender a conduzir...
Alice logo se esquivou:
— Eu não tenho o perfil de quem sabe conduzir.
Sentada no banco do carona, Clara franziu o cenho e olhou para Alice no banco de trás:
— Qual seria o perfil de quem sabe conduzir?
Marina respondeu por ela, sem tirar os olhos da rua:
— Alice acha que isso é uma coisa... Como foi mesmo que você disse, meu amor? Ah, masculina demais...
Clara riu e perguntou:
— Onde está João? Achei que seria ele a vir nos buscar.
Alice explicou:
— A esposa dele está entrando na última semana de gestação... Hoje cedo ela se sentiu mal e foram chamá-lo na fazenda...
E Marina completou:
— Achei melhor dar folga pra ele até o bebê nascer e ficar tudo bem...
Clara olhou para ela surpresa, mas feliz. Definitivamente estava encantada com aquela Marina que passou a conhecer pouco a pouco. Uma onda de carinho a invadiu e transbordou, fazendo com que pousasse a mão esquerda na perna dela.
Assim que o automóvel chegou à estrada de terra que levava à fazenda, Marina o parou. Abriu a porta e disse para Clara, antes de descer:
— Parabéns... Hoje será sua primeira aula de condução.
Demoraram mais que o dobro do tempo para chegar à fazenda, pois Clara precisou dar a partida várias vezes quando deixava o motor desligar. Apesar disso, Marina se surpreendeu:
— Foi melhor do que eu esperava para sua primeira vez... Não vai demorar para que você passe a ir até a cidade conduzindo.
As aulas passaram a ser quase diárias, toda vez que voltavam da cidade. E pouco a pouco Clara foi se aperfeiçoando, apesar de ainda não estar segura para conduzir sozinha, por isso Marina ou algum dos peões continuavam levando e trazendo as duas da cidade.
Tinha acabado de entrar no escritório da hospedagem quando Lena entrou de repente, sem bater. Seu olhar era um misto de susto e tristeza:
— Aconteceu uma coisa...
Temendo que fosse algo com Marina ou Alice, se levantou assustada:
— O que foi?
— Alexandre passou agora em frente sua casa e... Escreveram uma coisa no muro...
Não esperou que Lena dissesse mais nada, nem parou quando ela a chamou várias vezes. Saiu porta à fora com pressa, quase correu até lá. Outras pessoas já estavam paradas na calçada olhando em direção à sua casa. Clara passou por elas e estancou, olhando para as letras enormes pintadas no muro que formavam a palavra “DESVIADA”.
*****
— Isso é um absurdo!
Marina andava de um lado para o outro dentro da delegacia. Foi direto para a cidade quando ficou sabendo do que tinha acontecido. Levou Clara até a delegacia para prestar queixa, mas o policial não pôde fazer muito para ajudar, além de parecer pouco disposto:
— É muito difícil de saber quem foi o responsável, dona Marina...
Ela estava possessa:
— Mas não é esse o trabalho de vocês? Investiguem até encontrar!
Clara já estava ficando envergonhada, puxou Marina gentilmente pelo braço e disse baixo para que só ela ouvisse:
— Ele tem razão, Marina... Não é assim tão simples. A queixa está feita. Vamos torcer pra que cheguem até o culpado.
Marina ainda ficou hesitante, gritou mais algumas palavras e Clara finalmente conseguiu levá-la de volta para a hospedagem.
Lena, Marina e Clara estavam sentadas em uma das mesas, enquanto o salão ainda estava fechado, quando Alice chegou:
— Só agora consegui sair do hospital...
Clara perguntou para ela:
— Já está sabendo?
— Não se fala de outra coisa...
Puxou uma cadeira e se sentou ao lado delas. Segurou a mão de Clara na sua ao perguntar:
— Como você está?
— Está tudo bem... Aposto que o que queriam com isso era me amedrontar... Mas não vou permitir.
Lena estava visivelmente preocupada. Olhou para Alice e Marina buscando apoio:
— Não é tão simples assim, Clara. Agora, mais do que nunca, vocês precisam tomar cuidado.
Alice logo a endossou:
— Lena está certa... Não tem por que tentarmos medir forças com essas pessoas.
O cansaço e a revolta de Clara transpareceram quando ela disse:
— Isso não é justo... Nós não estamos fazendo mal a ninguém! Por que tanto ódio assim?
Lena colocou a mão sobre o ombro dela:
— Eu também não sei... Mas o mundo é o que é... Quem sabe um dia as coisas não melhorem?
Os planos que tinha de voltar para casa em breve se esmoreceram dentro dela. Tapou o rosto com as mãos e apoiou os cotovelos na mesa, tentando aplacar a mistura de tristeza e indignação que formavam um pequeno redemoinho dentro de seu peito.
*****
O tempo — e seu poder de transformar qualquer coisa — foram os responsáveis por fazerem Clara, aos poucos, se conformar e entender que precisava priorizar sua segurança, e por isso não deveria voltar para casa sozinha.
Já estava há semanas dormindo na fazenda. Naquela manhã, tinha sido a primeira a acordar. Ficou olhando para o teto, o pensamento vagueando em busca de soluções, sem conseguir encontrá-las. Não podia voltar para casa sozinha e sabia que era impossível Marina sair daquela fazenda, pois além de tirar parte do seu sustento daquelas terras, não fazia sentido que ela, nem Alice, se mudassem para outro lugar. Em sua própria casa Clara não conseguiria oferecer nem metade do conforto que tinham ali. Além disso, as três irem morar juntas na cidade só pioraria as coisas.
Também precisava admitir que já não imaginava sua rotina sem as duas, sem vê-las todos os dias e, principalmente, sem passar as noites com elas. No fundo sabia que, voltar a morar definitivamente naquela fazenda, já era uma possibilidade que começava a ganhar força dentro de si. Não seria difícil se readaptar ali, pois sempre tinha gostado daquela atmosfera, dos bichos, da tranquilidade… E agora tudo estava ainda melhor, tendo as duas mulheres que amava.
Querendo parar de pensar tanto, virou o corpo e abraçou Alice por trás, aspirando o perfume dos cabelos dela. A apertou contra seu corpo, buscando o conforto que sempre encontrava quando estava com as duas, mesmo que o mundo estivesse desabando sobre sua cabeça.
Quando Alice se virou e a beijou, esqueceu de todo o resto. Enfiou a mão direita nos fios, agarrando a nuca dela com força. Alice despertou completamente na mesma hora. Puxou Clara pela cintura para que se posicionasse por cima. Beijaram-se sensualmente, até Clara descer a boca pelo pescoço dela devagar, chegando até os seios, onde se demorou por alguns minutos, depois desceu saboreando cada pedaço de pele, até finalmente chegar no ponto úmido entre as pernas. Beijou, lambeu, sugou, levando Alice a suspirar, gem*r e arquear o corpo, enquanto puxava Clara pelos cabelos para aumentar o contato da boca dela no seu sex*.
Marina despertou no momento em que Alice se virou ao seu lado. Ficou de olhos fechados a princípio, apenas ouvindo o barulho do encontro dos lábios e das respirações alteradas. Depois virou-se para elas e abriu os olhos. Uma cena que nunca cansaria de assistir. Ficou apenas parada, admirando as mulheres que amava, cada gesto, cada toque, cada sussurro... Fazendo com que sua própria excitação crescesse, ao ponto de tocar entre suas próprias pernas quase involuntariamente. Acompanhou o ritmo delas, aumentando a velocidade dos dedos à medida em que os gemidos de Alice aumentavam, até ver um primeiro espasmo tomar o corpo dela. Marina se entregou e deixou que os espasmos também tomassem seu corpo, acompanhando e transbordando junto com Alice, os gemidos das duas se misturando, formando uma sinfonia perfeita.
Assim que o corpo de Alice relaxou completamente, Clara levantou o rosto e olhou para elas sorrindo:
— Bom dia!
Marina riu, pois era a última coisa que esperava que ela dissesse depois daquilo. A chamou com um tom de voz rouco:
— Vem aqui… Agora é minha vez...
Continuou deitada e puxou Clara, fazendo com que ela se ajoelhasse com uma perna de cada lado de seu rosto, depois fez uma pequena pressão para que o sex* dela encontrasse sua boca.
A única coisa que Clara conseguiu fazer ao olhar para trás, e ver Alice se posicionando entre as pernas de Marina, foi segurar na cabeceira da cama e fechar os olhos.
*****
Quatro cachorros andavam atrás dela, enquanto Clara caminhava pelas estradas da fazenda. Como não trabalhava mais na hospedagem nos finais de semana, aproveitava o tempo para andar a cavalo, ver os bichos, e às vezes até ajudava os peões em alguma coisa. Apesar de Marina ter feito questão de deixar bem claro para todos que ela não havia voltado para trabalhar na fazenda, mas sim como uma hóspede, Clara não se sentia bem ficando ali sem fazer nada, enquanto os outros trabalhavam. Havia tentando falar sobre voltar para sua casa algumas vezes, mas em todas elas, Marina e Alice a fizeram mudar de ideia dizendo que era muito cedo, por mais que quase cinco meses já tivessem se passado. E o argumento final era sempre o que a convencia:
— Está sendo perfeito dormirmos juntas todas as noites...
Caminhou mais um pouco até parar na porteira do curral. Apoiou os braços na ripa de madeira, enquanto observava Marina, Saulo e Sebastião distribuírem o feno nos cochos. Quando eles terminaram, Marina andou em sua direção e, de costas para os homens, depositou um rápido beijo em seu braço — que ainda estava apoiado na cerca — seguido de uma piscadela que fez Clara sorrir disfarçadamente.
Voltaram juntas para casa, caminhando lado a lado. Quando saíram da vista de todos, Marina buscou e segurou sua mão. Continuaram assim por mais alguns metros, até chegarem próximas ao ambulatório. Marina virou-se para Clara, beijou-a no rosto e disse:
— Alice quer falar com você...
Depois seguiu sozinha na direção da cozinha.
Clara foi até a porta do ambulatório que estava fechada. Bateu rapidamente antes de abri-la. Não viu Alice de imediato, a primeira coisa que reparou foram as flores em cima da mesa. Só então virou-se e a viu com um sorriso que teve o poder de iluminar tudo ao redor.
— Marina disse que você queria falar comigo...
Alice se aproximou dela:
— Sim, uma coisa muito importante.
Clara apenas esperou que ela continuasse. Mas antes de falar, Alice a beijou suavemente e segurou a mão esquerda dela na sua:
— Na primeira vez que te vi, meu coração me alertou de que eu estava diante de uma pessoa muito especial. A princípio eu achei que era um carinho por uma menina encantadora... Mas depois que eu enxerguei a mulher, não tive a menor chance de não ficar perdidamente apaixonada por você. Eu tentei fugir dos meus sentimentos, você sabe que eu tentei...
Sorriu com a lembrança que a frase despertou:
— Mas para minha sorte, meus sentimentos eram correspondidos... E você é muito mais corajosa que eu, porque lutou pelo que nós duas queríamos.
Pegou o buquê em cima da mesa e o estendeu para Clara, que o segurou com os olhos arregalados, sem entender muito bem o que estava acontecendo.
A boca se abriu involuntariamente quando Alice se ajoelhou na frente dela, tirou uma pequena caixa de dentro do bolso e a abriu, revelando um colar dourado, com um pingente na forma da metade de um coração. Precisou de alguns segundos para processar a frase quando ela perguntou:
— Clara... Meu amor... Você aceita ser minha mulher?
Ainda completamente paralisada com a surpresa, ficou encarando Alice, que continuava de joelhos. Depois de abrir e fechar a boca algumas vezes, finalmente conseguiu emitir algum som:
— Eu... Isso é... O que eu estou pensando?
Alice riu antes de responder:
— Se o que você está pensando é que estou te propondo casamento... Sim, é o que você está pensando.
Colocou a mão direita sobre a boca, demorando alguns segundos para responder:
— Sim... Eu... Claro que eu aceito...
Alice se levantou e a beijou demoradamente, as duas sentindo as pulsações aceleradas uma da outra. As bocas se afastaram e riram juntas quando Clara mostrou para ela a mão que não parava de tremer.
Depois Alice pediu:
— Vira...
Quando Clara a atendeu, ficando de costas, gentilmente afastou os cabelos dela e colocou o colar em seu pescoço. Assim que o fechou, ela se virou novamente, com um sorriso que Alice achou encantador:
— Alice... Isso... Eu jamais imaginei...
Alice a abraçou, a beijou e com a testa encostada na dela, disse:
— Eu te amo, Clara. E quero dividir o resto da minha vida com você.
Respondeu com a mesma emoção, os olhos marejados:
— Eu também te amo, meu amor.
Assim que terminou de proferir a frase, ouviram alguém bater à porta e se afastaram. Alice a abriu e Marina estava do lado de fora. Foi para Clara que ela disse:
— Preciso da sua ajuda.
Clara percebeu que ela havia trocado as roupas por outras limpas:
— Agora?
Marina estava séria. Disse rápido antes de sair em direção ao curral:
— Sim, é uma emergência. Vou pegar o cavalo.
Clara olhou para Alice como se lamentasse, mas ela sorriu e disse:
— Vai... Na volta terminamos nossa...
Sorriu e piscou para ela ao completar:
— Conversa.
Quando chegou à porteira do curral, Marina já estava montada no cavalo. Estendeu a mão para ajudar Clara a montar na garupa.
— Algum animal fugiu? Não é melhor irmos em dois cavalos?
Marina respondeu rápido:
— Não temos tempo... Vem...
Cavalgaram até chegar no celeiro, onde Marina parou o animal. Clara desceu primeiro, seguida por ela. Depois de amarrarem a corda do cabresto em uma árvore, entraram. Marina parecia nervosa, o que fez Clara perguntar:
— O que aconteceu?
A resposta dela foi quase gaguejada, como Clara nunca havia visto:
— Eu... Esse lugar não é o mais apropriado... Quero dizer, nessas circunstâncias é... Mas... Talvez seja estranho...
Ela era tão segura e firme em tudo que fazia, que aquele comportamento estava deixando Clara preocupada:
— Por Deus, Marina... O que houve?
Ela caminhou até uma pilha de feno e tirou um buquê de flores de trás. Voltou até Clara e o estendeu. Depois respirou fundo, na tentativa de se acalmar:
— Eu quero dizer que esse lugar pode parecer estranho para o que eu vou te dizer... Mas eu achei o lugar ideal, pois foi aqui que tive você em meus braços pela primeira vez.
A confusão de Clara atingiu o ápice. Primeiro Alice, agora Marina dizendo aquelas coisas...
— Eu sei que naquele dia agi de forma desprezível... Mas foi porque fiquei assustada com o que estava sentindo por você, Clara. Felizmente o destino nos proporcionou outra chance, e dessa vez eu não vou desperdiçar...
Marina se ajoelhou na frente dela e, assim como Alice, tirou uma caixinha do bolso, antes de continuar:
— Meu amor, eu gostaria que você me desse a honra de ser minha mulher...
A cabeça de Clara rodou. Parecia que o mundo estava girando numa velocidade frenética. Absolutamente não esperava por nada nem parecido com aquilo. Piscou várias vezes antes de finalmente conseguir fixar os olhos em Marina. A única coisa que conseguiu dizer foi:
— Meu Deus...
Marina estava suando. Não se lembrava a última vez em que esteve tão nervosa:
— Isso é um não?
Clara riu da expressão dela. Mas Marina não a acompanhou, pois a tensão não permitia.
— Isso é um sim... Mil vezes sim!
Finalmente aliviada, Marina soltou o ar preso nos pulmões. Se levantou e só então Clara percebeu que, dentro da pequena caixa que ela segurava, havia a outra metade do coração dourado. Marina pediu licença antes de tirar o colar do pescoço dela, apenas para pendurar o pingente, antes de fechá-lo novamente.
Clara olhou para os pingentes no próprio peito que, com um imã, se juntaram e formaram um coração inteiro. Marina o virou e mostrou algo que até então também não tinha percebido: As iniciais “A” e “M” gravadas, uma em cada metade do coração.
— Isso é a coisa mais linda que já fizeram pra mim...
Marina sorriu e a abraçou pela cintura:
— Isso não chega nem aos pés do que você realmente merece, meu amor...
Clara passou os braços ao redor do pescoço dela e a beijou. Quando separaram as bocas, uma risada escapou dos seus lábios:
— Esse é o dia mais feliz da minha vida.
Marina acariciou o rosto dela e a olhou nos olhos, ciente de que era a primeira vez que falava aquilo para ela:
— Eu amo você, Clara.
A resposta foi igualmente tomada pela consciência e emoção de que, apesar de existir o sentimento, as duas nunca o tinham verbalizado:
— Eu amo você, Marina.
Voltaram para a fazenda com Clara abraçada as costas de Marina. Deixaram o cavalo com um dos peões e foram para casa. Assim que passaram pela cozinha, Marina segurou a mão de Clara e a levou até à porta do quarto delas. A abriu e deixou que ela entrasse primeiro. Alice as esperava sentada em uma das poltronas, com uma garrafa de espumante e três taças na mesa ao lado.
Clara olhou de uma para outra:
— Acho que só eu não sabia o que estava acontecendo...
Alice se levantou e caminhou até elas:
— Assim deixaria de ser surpresa.
Marina foi até a cômoda e abriu uma das gavetas, de onde tirou duas pequenas caixas. As abriu e mostrou os colares idênticos ao que Clara carregava no pescoço. As únicas diferenças eram as iniciais gravadas na parte de trás: No de Marina havia um “A” e um “C”, enquanto o de Alice continha um “C” e um “M”.
Clara esticou a mão e perguntou:
— Posso?
Colocou no pescoço de Marina e depois fez o mesmo no de Alice.
A garrafa fez um barulho quando Marina tirou a rolha, enchendo as taças em seguida. Brindaram antes do primeiro gole, depois Alice foi até a janela, apreciando a vista privilegiada do pôr do sol. Olhou para as palmeiras que ladeavam a estrada da entrada da fazenda e sorriu ao pensar que jamais poderia imaginar, quando as viu pela primeira vez, que aquele lugar seria seu lar, onde viveria ao lado das mulheres que amava.
Clara a abraçou por trás, admirando a mesma vista. Foi como se um filme passasse em sua cabeça ao se lembrar de que chegou ali movida unicamente por vingança e acabou encontrando o amor da forma mais inesperada possível, mas nem por isso de forma menos intensa.
Marina depositou a taça na mesa e uniu-se a elas no abraço, encostando o corpo nas costas de Clara e estendendo as mãos até encontrar os braços de Alice. Olhou para a paisagem que elas admiravam. Sempre a tinha achado espetacular, várias vezes havia parado por alguns minutos em frente àquela janela, sozinha. Mas agora aquela vista — assim como o resto do mundo — parecia muito mais encantadora. Apertou mais os braços ao redor das mulheres que amava, ciente de que aquela sensação de tudo estar mais bonito, mais vivo, mais pulsante... Devia-se ao amor que sentia e compartilhava com elas.
Fim do capítulo
Oi! Acabou mas não é o fim... Ainda tem o epílogo, onde deixo também meus agradecimentos.
Comentar este capítulo:
Marta Andrade dos Santos
Em: 01/09/2023
Foi tenso no início, agora elas estão juntos e unidas pelo amor.
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]