Diversos convidados célebres compareceram no iate para o aniversário do deputado Lorenzo Gutierrez. O majestoso barco partiria para uma pequena distância saindo do porto de Santos para o meio do mar por algumas horas. Dentre todos da lista, apenas duas pessoas faltavam: Cecília e Magdalena.

 

- Eu fiz toda essa festa para juntar as duas e agora elas me fazem isso. – Reclamou o aniversariante.

 

- Calma Lô, as vezes aconteceu algo e a mamãe não pôde vir. A mãe disse que iria busca-la no aeroporto para virem juntas. – Luiza explicou.

 

- Eu estou ligando para a mamãe e ninguém atende. Vou falar com o chefe de segurança. – Alertou Anabê.

 

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Enquanto os filhos, preocupados, faziam diversas ligações, Cecília e Magdalena se encontravam em um quarto de hotel resort na baixada santista. Cecília tomava um copo de água para retomar o fôlego, enquanto Magdalena, coberta até o busto com um cobertor de cetim, observava a ex esposa.

 

- Eu acho que deveríamos ir, Cecília, o Lô vai ficar preocupado.

 

- Dez chamadas perdidas no meu celular. E o chefe de segurança me mandou mensagem perguntando se pode falar para a Ana Beatriz sobre nosso paradeiro.

 

- Fala para ele não dizer nada! Os meninos não podem saber que estamos juntas.

 

- Estamos juntas então?

 

- Você me entendeu. Juntas, aqui, no mesmo local. Eu ainda não te perdoei.

 

- Pois parece que me perdoou sim, mais de uma vez, inclusive.

 

- Cecília, pare de agir como se tivesse a idade da Luiza.

 

- Eu já te expliquei tantas vezes que não significou nada, e foi há tanto tempo! Ela nem está mais em nossas vidas!

 

- Como não?! Ela é professora da Lu! Todos esses anos todo mundo sabia, menos eu.

 

- Magdalena, eu e você fomos feitas uma para outra. Você sabe disso. Um erro do passado não pode ser o ponto final da nossa história. Eu te amo!

 

Magdalena suspirou.

 

- Você sabe que eu também te amo, nunca deixei de te amar. Mas não quero voltar assim, publicamente. Se nossos filhos souberem, vão criar expectativas, e tudo ainda é muito incerto. Diga ao chefe de segurança para avisar que meu voo atrasou e você ficou me aguardando no heliporto.

 

- Tudo bem. – Cecília se deu por vencida, ao final.

 

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Ao chegarem no iate, o plano dos filhos logo se deu por iniciado. Lorenzo pediu para Cecília aguardá-la em um dos quartos para que pudessem conversar com mais privacidade sobre Ramon, e Anabê fez a mesma coisa com Magdalena. No primeiro momento em que Cecília e Magdalena se viram no mesmo quarto, já perceberam a trama dos filhos. Ao tentarem sair, perceberam que a porta do corredor que levava ao quarto de luxo estava trancada.

 

- Espertos, eles nos trancaram aqui dentro para nos forçarem a conversar.

 

- Parecem até que sabem.

 

- São crianças no corpo de adultos. – Cecília riu. – O mínimo que poderíamos fazer seria conversar, já que eles querem tanto, não é mesmo?

 

- E você quer conversar sobre o quê?

 

- Poderíamos continuar a conversa que iniciamos lá no quarto do resort.

 

- Achei que já tínhamos nos entendido sobre esse assunto.

 

- Você sabe que não. E você sabe que vou insistir até você voltar para casa.

 

- Cecília... não complica as coisas.

 

- Não estou complicando! Pelo contrário, estou descomplicando! Você resolveu se divorciar por um caso que eu tive e se encerrou anos atrás! Eu ofereci para fazermos terapia de casal, mas não!

 

- Não foi só sobre a traição, que aliás, se eu não tivesse descoberto, passariam-se mais quantos anos com esse segredo? Não, não me responda, foi uma pergunta retórica. E como eu estava dizendo, não foi só sobre a traição. Você tem um jeito de manipular as pessoas a fazer exatamente o que você quer, e você consegue tudo! Absolutamente tudo! Perdi as contas de quantas vezes eu me vi cedendo para você fazer suas vontades.

 

- Como o que, por exemplo?

 

- Como quando você nem me perguntou e já colocou o seu sobrenome nos nossos filhos, tive que esperar anos para colocar o Mancini.

 

- Mas achei que estivéssemos de comum acordo! Você sabe que não podíamos colocar os dois sobrenomes na época.

 

- E você ficou, no papel, como única mãe deles durante anos.

 

- Porque era assim que a lei funcionava!

 

- Você nem me perguntou se eu queria que fosse o meu nome!

 

- Porque o juiz era amigo da minha família! Seria bem mais aceito se colocássemos primeiro Gutierrez. E por que você não falou nada? Por que esperou todos esses anos para me jogar na cara assim? Nossos filhos hoje têm nossos dois sobrenomes, o problema foi resolvido, não foi?

 

- Foi, mas esse foi só um exemplo dentre tantos!

 

- Está bem então, se você voltar para casa, podemos conversar a respeito, acertar nossas diferenças.

 

- Está vendo? Você está me manipulando novamente a voltar para casa!

 

- Eu só estou pedindo para o amor da minha vida voltar para mim! Isso é pedir muito?!

 

- Sobre a terapia de casal, eu sei que você queria fazer e na época eu estava muito magoada. Mas aceito, desde que seja um terapeuta da minha escolha, no meu horário, no Rio de Janeiro.

 

- Tudo bem. Eu topo. Faço o que você quiser.

 

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Enquanto isso, no deck do iate, Daniela avistava o barco se afastando do porto.

 

- Eu sei que você quer. – Comentou Luiza, chegando por trás.

 

- Quero o quê?

 

- Imitar a Rose e o Jack de Titanic.

 

- Boba, não quero não. Já nem tenho idade para ficar imitando cena de filme.

 

- Quer sim. – Luiza, ternamente, pegou os braços de Dani e começou a ergue-los lateralmente. – You’re....heeeere.... there’s nothing I fear.....

 

- And I knoooow that my heart will go on... – Dani cedeu ao momento, fechou seus olhos e sentiu o vento em sua direção.

 

Um pouco mais distante, Camélia e Anabê observavam o casal cinematográfico.

 

- Nossa, faz tanto tempo que não assisto ao Titanic. – Comentou Camélia.

 

- Eu também não. Aliás, acho o final bem estúpido.

 

- Como assim?

 

- Com certeza tanto o Jack quanto a Rose cabiam naquela porta flutuando. Ele morreu à toa. – Anabê argumentava com seriedade.

 

- Se bem que tem uma teoria de que Jack era uma ilusão da cabeça da Rose.

 

- Ah é?

 

- Sim, o fato de não ter o nome dele na lista dos passageiros embarcantes, o fato de não ter nenhuma prova que ele estava lá, e a própria Rose, já idosa, disse que agora ele estaria só na memória dela.

 

- Estaria na memória dela porque morreu, não?

 

- O filme deu a entender que sim, mas acho que ele foi só uma fuga da mente dela. A própria tábua de madeira é uma prova de que ele não existiu, porque se fosse real, ele tentaria subir e ambos caberiam.

 

- Por que eu tenho a impressão de que você gastou um bom tempo da sua vida pesquisando essa teoria?

 

- Não dê risada, mas eu sempre adorei uma teoria conspiratória de filmes.

 

Camélia queria rir com a confissão de Ana Beatriz, mas achou tão fofo o empenho da cirurgiã que fez o máximo para ficar séria.

 

 

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Após Lorenzo liberar as mães, alegando, com a maior cara de pau, que havia tido um problema e a porta fechara sozinha, percebeu que elas estavam ligeiramente diferentes. Como não podia perguntar nada, confiou no seu instinto de que algo poderia ter mudado ali. Ao sair, tomou um susto ao deparar-se com Ramón.

 

- Desculpa! Eu estava procurando o banheiro.

 

- Tem um ali à direita.

 

- Ok, confesso, não estava procurando o banheiro. Estava te procurando.

 

- Procurando a mim? Por quê?

 

Sem hesitar, Ramón puxou-o pela nuca e deu-lhe um beijo.

 

- Para lhe desejar os parabéns. – O cirurgião completou.

 

- Você é bem direto, né? – Lorenzo sorriu.

 

- Quando estou atrás do que eu quero, sou sim.

 

- E é só isso que você tem para o meu aniversário? – Lorenzo provocou.

 

- Depende, aquele quarto está vago?

 

- Está sim. – Lorenzo então abriu a porta e a segurou para Ramón. – Depois de você.

 

- Com todo o prazer.

 

Ramón, ainda provocativo, entrou no quarto, para assim poder “comemorar” o aniversário do deputado...

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De madrugada, Cecília pediu para o capitão do barco atracá-lo no porto. Por mais que os mais jovens quisessem continuar a festa, ela queria voltar para casa, dormir e aguardar o próximo sinal de Magdalena para iniciarem a terapia na semana seguinte.

Os demais convidados permaneceram mais algumas horas, exceto por Camélia e Anabê, que iriam para o hospital da zona norte logo pela manhã. Ana Beatriz se prontificara a oferecer seus serviços até que a situação financeira do hospital se resolvesse.

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Já era de manhã, e Anabê, enquanto aguardava alguma emergência cirúrgica, recebeu uma ligação de Dennis. Resolveu ignorá-lo, mesmo sabendo que ele ainda era seu chefe do fellowship, foi quando recebeu a seguinte mensagem:

“Ana, preciso que você cubra meio turno para mim hoje à tarde.”

“Pede para a Paloma, ou algum residente.”

“Você ainda faz fellowship aqui? Se sim, preciso que você cubra o turno. Já perguntei para os outros, ninguém está disponível.”

“Faço sim. Mas eu tenho os meus horários pré determinados por uma escala, inclusive é a escala que você mesmo fez. Tenho outros compromissos, também.”

“Tudo bem. Se quiser agir assim, por mim não tem problema. Também sei agir de acordo.”

“Do que você está falando?”

“Dessa sua atitude. Nunca vi você assim antes.”

“Quer dizer então que você preferia quando eu era sua subalterna e fazia todas as suas vontades?”

“Não foi isso que eu quis dizer. E como foi a festa do Lorenzo ontem?”

“Foi boa.”

“Espero que as próximas festas não atrapalhem cronogramas futuros.”

“Oi?”

“Seu nome estava no cronograma ontem e você não apareceu. Agora peço por uma troca de turno, e você não pode também.”

“Não apareci porque troquei um plantão noturno com a Paloma. E não posso pegar meio turno hoje à tarde porque estou ajudando em um hospital de caridade.”

“Sua responsabilidade é com o fellowship ou com trabalho voluntário? Como você quer se tornar uma cirurgiã coloproctologista assim?”

“Quer saber de uma coisa? Eu me demito. Desisto desse fellow. Não aguento mais surtar pela sua síndrome de pequeno poder. Tchau.”

Em um impulso, Anabê bloqueou Dennis. Ficou estática, atônita, com os olhos arregalados olhando para o nada.

- Anabe, você está bem? – Perguntou Camélia, vendo o rosto da cirurgiã.

- Hã? Estou sim... acho. Não sei. – Ana Beatriz engoliu a seco. – Acho que acabei de desistir da minha sub especialidade.

- Oi?

- Não sei. Tive uma briga via texto com o Dennis, acabei de bloqueá-lo, e eu pedi minha demissão.

- Mas você pode se demitir? Digo, perdoe a ignorância no assunto, mas você meio que é dona daquele hospital.

- Eu desisti do fellowship. Quer dizer, nem sei se desisti. Mandei mensagem para ele falando que não queria mais. Não sei. Minha mente está a mil quilômetros por segundo.

- Calma. Você não pode tomar uma decisão assim no impulso. Tem certeza que quer isso mesmo?

- Não sei! Sinceramente, não faço ideia. Eu amo a área que estou, mas o Dennis tem sido um birrento desde que pedi um tempo para ele.

- Você não consegue pedir transferência para terminar o fellow em outro hospital?

- Até consigo, mas ultimamente não sei se é isso que eu quero. Já não sei de mais nada.

- O que você precisa agora é se acalmar. Pode conversar comigo, com a sua terapeuta. Se for isso mesmo que você quer, se você quiser desistir dessa sub especialidade, eu estarei aqui por você. Estarei aqui independente da sua decisão. Estou contigo, ok? – Camélia apertou a mão de Anabê com carinho, tentando lhe passar confiança, o que surpreendentemente funcionou.

 

Fim do capítulo