Capítulo 28
Clara não andou muito, até estagnar de repente ao ver Marina e Alice em uma das mesas, olhando para ela. Acenou discretamente de onde estava, deu meia volta e sentou em uma mesa vaga no outro canto do recinto. Apesar de afastada, ainda conseguia vê-las no meio das pessoas que enchiam o ambiente.
Não demorou para que Lena se aproximasse da mesa delas. Clara viu enquanto se cumprimentavam, depois Lena olhou em volta, como se procurasse algo ou alguém. Ao encontrar Clara com os olhos, fez sinal para que fosse até elas. Apenas levantou o próprio copo, e gesticulou que faria isso mais tarde.
*****
Marina percebeu, e entendeu, que Clara não se sentiria à vontade para sentar na mesa com elas. Depois de tudo, ela própria ficaria, no mínimo, desconfortável. Aproveitou para mudar de assunto:
— Lena, você não conhece ninguém que tenha disponibilidade para trabalhar na fazenda, ajudando Marta? Agora ela está sozinha pra fazer todas as tarefas da casa...
Lena finalmente puxou uma cadeira e sentou-se ao lado delas:
— Algumas moças vieram procurar emprego de garçonete, mas nós já estamos cheios... Posso procurá-las para saber se têm interesse...
Marina deu um gole na bebida, antes de agradecer:
— Você me ajudaria imensamente.
Lena virou-se para Alice como se tivesse se lembrado de algo:
— Falando em trabalho... Estão precisando de médico no hospital da cidade. Parece que está bem difícil de convencer alguém a vir morar neste fim de mundo.
Alice riu com ela, depois respondeu:
— Eu posso tentar contato com algum médico que conheço... Mas não garanto nada.
Lena disse a olhando:
— Acho difícil alguém da capital querer vir pra cá... Estava pensando em alguém que já esteja aqui...
Alice a olhou por alguns segundos, finalmente compreendendo:
— Eu?
Depois olhou para Marina:
— Mas eu já tenho meu trabalho na fazenda.
Marina interferiu na conversa, deixando claro que não havia gostado da ideia:
— Não vejo como Alice poderia trabalhar nos dois lugares.
Lena não pareceu convencida:
— Bom, essa conversa teria que ser com o diretor do hospital, mas acho que o trabalho seria só em determinados dias da semana.
Marina disse prontamente, querendo finalizar o assunto:
— Alice é a médica da fazenda.
Lena baixou a voz para que só elas escutassem, antes de provocar em um tom bem-humorado:
— Eu sei que você não quer ficar longe da sua doutora, mas tenho certeza que ela não tem tanto trabalho assim por lá.
Marina ia responder, mas Lena não permitiu. Foi para Alice que disse:
— Pense nisso... E se te interessar, eu mesma te apresento ao diretor.
*****
Durante o trajeto do automóvel de volta para a fazenda, Alice ficou muda. Estava perdida nos seus próprios pensamentos. A proposta de Lena havia mexido com sua cabeça. Era uma possibilidade que até então não havia cogitado, mas não podia negar que sentia falta do dia a dia em um hospital de verdade. Na fazenda tinha mais tempo ocioso do que trabalhando. Tentava aproveitar esse tempo estudando, mas nenhum livro de medicina seria igual à uma situação prática, dentro de um hospital.
Marina percebeu que Alice estava distante. Na verdade, havia percebido que ela estava pensativa desde o momento em que Lena havia contado da vaga no hospital da cidade. Sabia que era uma escolha que cabia somente a ela, não deveria interferir. Mas a possibilidade não a agradava muito. Gostava de ter Alice na fazenda, saber que ela estaria sempre por perto. Não se permitiu aprofundar naquele pensamento, deixaria isso para caso Alice resolvesse aceitar o cargo.
Chegaram na fazenda sentindo o cheiro inconfundível do café de Marta. Se serviram no escritório, como tinha se tornado hábito, mas não tocaram no assunto, conversaram apenas amenidades. Marina esperando a decisão de Alice e a médica ainda ponderando os prós e contras.
*****
Clara sentou-se no banco de madeira que ornamentava a praça da cidade vizinha à sua. Havia estado outra cidade além daquela, naquele mesmo dia, atrás de trabalho, mas não conseguiu nem mesmo uma entrevista. Assim que lhe perguntavam se ela tinha experiência e sua resposta era que havia trabalhado apenas em fazendas, arrumavam uma desculpa e a dispensavam. Nem mesmo o fato de ter os estudos completos a ajudaram. Dizer que tinha disposição para aprender qualquer ofício também não estava ajudando em nada.
Sentindo-se derrotada, entrou na condução que a levaria de volta. Foi embalada por uma sensação de derrota a viagem inteira. Sequer tentou disfarçar o desânimo ao entrar na hospedagem. Lena sorriu ao caminhar em sua direção, mas mudou a expressão assim que viu sua feição:
— Tão ruim assim?
Suspirou pesadamente antes de responder:
— Acho que vai ser impossível conseguir um emprego na cidade. O que eu posso fazer em uma loja se só tenho experiência com animais?
Com o otimismo de sempre, Lena não permitiu que ela se martirizasse tanto:
— Vem, vamos tomar um café. Amanhã será outro dia…
Para o total desapontamento de Clara, foi outro dia de decepções. Assim como os outros três que se seguiram. Visitou várias cidades nos arredores, mas mesmo nas lojas em que estavam contratando empregadas, não teve chance.
No sábado o desânimo não permitiu que saísse novamente em busca de trabalho. Ficou quase o dia inteiro dentro do quarto, só descendo no meio da tarde. O movimento, como era comum nos fins de semana, estava alto. Teriam música naquele dia e as pessoas chegavam cedo para conseguir bons lugares.
Percebeu que Lena e Alexandre estavam perdidos em meio a papéis, perto da recepção, enquanto precisavam atender os clientes e ajudar as garçonetes. Querendo se sentir útil de novo, se aproximou deles:
— Precisam de ajuda com alguma coisa?
Lena a olhou, depois olhou para o salão movimentado:
— Bem… Precisamos sim…
Olhou novamente para Clara, depois continuou:
— Não me leve a mal, mas você precisa concordar comigo que não é muito… Habilidosa na cozinha…
Rindo, concordou com ela:
— Estava pensando em algo menos complicado, como esses papéis…
Lena bateu palmas duas vezes e disse - parecendo animada em se livrar daquela burocracia:
— Ótimo! Ajude Alexandre enquanto eu vou ver as meninas na cozinha.
Estava, já havia algumas horas, entretida com uma infinidade de papéis e contas que precisavam ser fechadas. Alexandre havia agradecido pela ajuda pelo menos umas seis vezes até aquele momento. Quando ele precisou resolver algum problema em um chuveiro de um dos hóspedes, ficou sozinha, tão concentrada nos números e letras que não viu a aproximação. Quase saltou ao ouvir a voz perto dela:
— Queria saber o que é isso que prende tanto a sua atenção…
Clara olhou para a mulher em sua frente. Não sabia o nome dela, mas já a havia visto algumas vezes. Se a memória não estivesse ruim, ela era casada com o dono da única padaria da cidade.
— Estou ajudando Lena e Alexandre com os papéis…
A mulher sorriu:
— Você não é a moça que trabalha na fazenda de Marina?
Não entendendo o motivo daquela conversa, Clara foi lacônica:
— Trabalhava.
A moça fingiu uma cara de surpresa:
— Oh, eu não sabia que tinha saído de lá…
Depois, em uma cena que Clara achou bastante teatral, colocou a mão direita sobre o peito e disse:
— Por Deus, que falta de educação a minha… Meu nome é Catarina.
Estendeu a mão, que Clara apertou achando que a mulher havia prolongado demais o contato:
— Prazer. Clara.
A outra a olhou por alguns segundos, sorrindo, antes de dizer e finalmente voltar para a mesa em que o marido a esperava:
— Espero te ver mais vezes pela cidade. Apareça na padaria para provar uns quitutes…
Clara ainda estava tentando entender aquela conversa, quando Isabel, uma das garçonetes se aproximou:
— Ela te convidou pra ir até a padaria?
A olhou com surpresa. A garçonete riu e explicou:
— É assim que ela começa a conversa com qualquer pessoa que desperte seu interesse.
*****
No fim de semana seguinte, como se fosse um déjà vu, Clara estava novamente com toda sua atenção nos papéis quando a voz, que agora já conhecia, a assustou novamente:
— Você não apareceu na padaria…
Catarina estava ainda mais perto dessa vez, sorrindo para ela.
— Eu não tive tempo.
A moça não aceitou a desculpa:
— Mas você disse que não trabalha mais na fazenda…
Tentando acabar com aquele diálogo o mais rápido possível - Catarina parecia interessada demais nela e o marido a esperava em uma mesa próxima - Clara suplicou a ajuda de Isabel apenas com o olhar, enquanto dizia:
— Tenho ajudado Lena e Alexandre por aqui.
Para sua sorte, o pedido de ajuda foi recebido e acatado por Isabel que veio em seu socorro:
— Desculpe interrompê-las…
Olhou para Clara e completou da maneira mais dissimulada possível:
— Lena está precisando de você na cozinha.
Clara praticamente correu depois de dizer um afobado:
— Com licença.
Mais tarde naquela noite, enquanto enxugava as louças que Isabel lavava, agradeceu genuinamente:
— Obrigada por ter me salvado mais cedo.
Isabel riu:
— Não precisa agradecer. Também passei pela mesma coisa… Entendo o seu desespero.
Clara perguntou em tom de implicância:
— E você foi provar os… Quitutes?
A resposta de Isabel foi dada junto com um tapinha no ombro de Clara:
— Claro que não! Ela me assusta um pouco, tem um olhar estranho, você não acha?
Clara concordou enquanto colocava mais um prato seco na prateleira:
— Um olhar um tanto… Perturbador…
Isabel parou o que estava fazendo e a olhou:
— Se não fosse isso… Você iria?
Entendeu perfeitamente aquela pergunta velada. Sabia o que Isabel queria saber, e respondeu também a olhando:
— Talvez… Se ela não fosse casada.
Isabel riu, depois falou como se estivesse explicando uma coisa óbvia:
— Clara… Pessoas assim… Como nós… Precisam levar uma vida diferente. Ela cumpriu o papel que todos esperavam: se casou, formou uma família… Agora, essa outra… Parte… Da vida dela, precisa acontecer por debaixo dos panos.
Estava ciente daquilo. Jamais teria uma vida pública se estivesse se relacionado com uma outra mulher. Para a sociedade seriam, no máximo, grandes amigas. Não julgava Catarina. Mas não se via em um casamento com um homem só para agradar os padrões sociais.
— Eu sei… Mas não me sentiria confortável com isso.
Isabel pareceu pensar se falava ou não o que tinha em mente. Depois de alguns segundos de hesitação, disse:
— Eu sei de uma pessoa que foi provar os quitutes dela…
A olhou curiosa. Isabel sorriu um pouco e disse, observando a reação dela:
— Marina… Sua ex-patroa.
Fim do capítulo
Oii! Não consigo responder os comentários feitos pelo facebook, mas estou lendo todos. Obrigada a quem está acompanhando a história. Espero que estejam gostando :)
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Raf31a
Em: 14/08/2023
Essa ideia da Lena vai mexer com a cabeça da Dra...
Se aceitar a proposta ela ficará se dividindo entre a fazenda com Marina e a cidade com Clara.
AlphaCancri
Em: 16/08/2023
Autora da história
Como será que vai ser isso, hein? hahah
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Raf31a
Em: 14/08/2023
Tão aguardado quanto a entrevista da Larissa Manoela... finalmente um capítulo novo. Obrigada! Hahaha
AlphaCancri
Em: 16/08/2023
Autora da história
Meu Deus kkkk
Estou tentando postar dois capítulos por semana, mas nem sempre consigo :
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Marta Andrade dos Santos
Em: 13/08/2023
Marina já foi em todas kkkk, Clara cai fora dessa maluca é chave de cadeia.
AlphaCancri
Em: 16/08/2023
Autora da história
Marina não perde uma oportunidade kkkk
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AlphaCancri Em: 02/09/2023 Autora da história
Ela só arruma problema, ne? kkkkk