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ACONTECIMENTOS PREMEDITADOS por Nathy_milk

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Palavras: 5836
Acessos: 897   |  Postado em: 07/08/2023

Capitulo 24

Capítulo 24 - Bruna


       Quando nos despedimos da tia dela, ganhei mais um abraço com sensação de aconchego, família. Uma sensação bem diferente. Seguimos pelo mesmo corredor cimentado, mas assim que passei pelo portão, puxei um ar limpo. Claro que em São Paulo não tem ar limpo, mas respirei um ar sem fungo, cigarro ou abafado. Entrei novamente no meu carro, eu no passageiro e a Flavinha dirigindo. Ela estava uma vírgula mais leve, olhou pra mim antes de sairmos. Passou a mão por trás do pescoço e me puxou, dando um beijo rápido. 

         - Vamos? Partiu? 

         - Para onde vamos? - perguntei. 

         - Para a minha vó agora. Para a festa mesmo. 

         - Sua tia não precisa de carona Flávia?

         - Não meu amor, meu primo já está voltando pra buscar ela. 

   - Então tudo bem meu anjo. Partiu. - ela se acertou no banco, deu partida no carro e continuou seguindo por dentro da comunidade. Eu já tinha ouvido sobre as casas da favela, sobre as pessoas, mas eu nunca entrei em uma favela. O máximo que eu fiz foi passar na frente, ir em uma quadra na base da comunidade ver projetos sociais, nunca entrei em uma. A Flávia estava em casa, não estava tensa ou com medo. Foi passando pela rua com o meu pajero, quase raspando nos carros que estão dos lados da rua. As casas se mantiveram nesse padrão de pequenas portinhas seguidas de corredor, em geral cimentadas ou de bloco puro. Alguns botecos já estavam abrindo as portas, prontos para as doses diárias de cachaça dos estilistas. Seguimos mais alguns minutos nesse parâmetro, com cachorros caramelos, parecia que ela estava se enfiando mais e mais na comunidade, até que saímos em uma avenida, de casas normais. Acho que eu devo até ter ficado mais leve quando saímos da comunidade, senti o ar entrando em meus pulmões novamente. Da Flávia, não houve nenhuma reação diferente, esse é o mundo dela, seja de história, seja de trabalho. 

- Flávia, posso te fazer uma pergunta? 

- Claro - falou dirigindo levemente

- Porque sua tia estava usando o copo de milho para beber café?

- Ah, normal, a embalagem do milho é um copo, então usa como copo. - não entendi ainda

- Mas é uma embalagem, quando se compra milho, você usa o milho e coloca o copo no lixo ou para reciclar, como quiser.

- Habitualmente sim, mas quando não se tem copo, você pode usar o copo de milho. 

- Mas não faz sentido Flávia. - Ela aproveitou que estava parada no farol e olhou pra mim, com toda a calma e a paciência que só a Flavinha tem.

- O que não faz sentido?

- Se você não tem copo, não é mais fácil comprar uma dúzia de copos ao invés de fazer um jogo com os copos de milho?

- Bru, nem sempre se tem dinheiro para comprar uma dúzia de copos. Quando o dinheiro é pouco, a prioridade é a alimentação. E aí é mais vantajoso eu comprar um milho, molho de tomate ou qualquer outra coisa, que venha em uma embalagem de copo. Aí eu uso o copo e o produto. É a mesma coisa que se faz com o copo do requeijão ou com outras embalagens - Eu concordei, mas na minha cabeça ainda não faz sentido - Você nunca fez isso Bruna?

- Acho que não, ainda não entendi o sentido. 

- É a mesma coisa de quando você compra uma balinha diferente, que vem em uma embalagem metálica elegante. Você usa a embalagem para guardar dinheiro, por exemplo. É meio que é uma reciclagem isso. Chegamos.

O bairro era melhor que o da primeira casa, isso era nítido. Mas ainda sim era um bairro pobre. As casas são maiores, alguns sobrados, mas mantendo o cimento ou uma pintura menos rebuscada. A casa da Vó da Flávia ficava em uma travessa de uma avenida, ainda na região da Brasilândia, em São Paulo. Mais uma vez ela manobrou o carro com maestria, deixando na frente da casa. 

- Vamos, descer, vem - dessa vez não houve beijo, apenas peguei minha bolsa e desci do carro, enquanto ela fazia o mesmo do lado do motorista. Eu estava tensa mais uma vez, seria oficialmente apresentada a família dela, mesmo sem sermos namoradas ou termos qualquer outro título. A Flávia sempre falou que só decidiríamos isso se eu aguentasse a festa da avó dela, mas aí fica a dúvida, o que vou encontrar atrás desse portãozinho. 

Ela segurou minha mão, como namoradas, firme, como se não tivesse absolutamente nenhuma dúvida, de nada, nunca. Sério, essa menina me encanta nessa maturidade dela, nessa firmeza e intensidade. Atravessamos a rua e ela empurrou o portãozinho de ferro da casa. Passamos por um pequeno corredor, chegando à parte de trás, um quintal. O espaço era amplo, com uma casa ao fundo e uma à frente. As paredes do quintal eram pintadas, mas nitidamente uma pintura antiga, que precisava ser retocada e de um material bem barato. Haviam várias mesinhas e cadeiras de plástico espalhadas pelo espaço. Uma mesa ao fundo, mas ainda sem nada em cima. Uma casa humilde, mas arrumadinha. 

Assim que entramos nesse recinto as pessoas nos olharam diretamente. Haviam três senhoras, de uns 50 a 60 anos arrumando as mesas, elas pararam na hora e nos olharam. Uma delas largou o que estava fazendo e saiu do quintal, entrando na casa, sem nos acenar ou receber. Por um segundo eu olhei para  a Flávia, ela puxou o ar bem fundo e fechou os olhos apertando-os, como se não quisesse ver aquela senhora sumindo para dentro da casa. Continuou de mãos dadas comigo e me puxou até onde sobrou as duas senhoras. 

- Achei que vinha mais tarde Flávia - falou uma das senhoras, vindo abraçá-la.

- Eu vim para ajudar a tia Ciça a trazer as coisas da festa, mas ela falou que o Quinho já tinha trazido. Tia, essa é a Bruna - novamente só Bruna, sem títulos - Bru, essa é a tia Lu. Ela é irmã da tia Ciça, que passamos agora a pouco - essa nova tia também me abraçou, não tão familiarmente como a anterior.

- Que menina linda Flávia! - esse foi o comentário da terceira tia, que a acompanhava a conversa. O rosto da policial ficou vermelho e ela nitidamente envergonhada. A terceira tia também me abraçou, pelo visto é um hábito familiar. 

- A senhora precisa de ajuda para alguma coisa tia? - a Flávia perguntou

- Não filha, aqui está tudo bem. Tem cerveja lá dentro, dá uma pra ela. 

- Claro tia, vem cá Bru - Eu sorri de volta para as duas senhoras, acompanhando a Flávia. - Bru, senta aqui um pouquinho, você aceita uma água, uma cerveja, refrigerante?

- Acho que uma cerveja Flavinha. - Respondi enquanto eu sentava na cadeira de plástico. Ela passou a mão no meu rosto, fazendo um carinho e depois deu um beijo na minha testa e seguiu para a casa do fundo, lugar oposto de onde a outra senhora havia entrado. 

Eu tenho um olhar muito analítico das coisas e dos espaços. Até o momento eu consigo entender que  a Flávia tem uma família grande, deve ser no mínimo quatro tias. Elas aparentam se entender bem, já que conseguiram organizar uma bodas de ouro para a avó dela. Também é visível que o dinheiro é algo escasso aqui também. Mas aparentemente o que falta de dinheiro eles completam em carinho, companheirismo, eu acho. 

A Flávia levou um tempinho para voltar, nesse tempo eu peguei o meu celular e mandei uma mensagem para o Bibo, perguntando quando ele chegava. Mesmo ele vindo com a Bia é melhor ele aqui, que eu sozinha nesse lugar, estou completamente deslocada. A policial voltou com uma latinha de Itaipava na mão. Aí cara, não tinha cerveja pior não?! 

- A cerveja Bruna - não falou nada sobre a marca ou qualquer outro comentário - Você quer um copo? Copo de vidro, de plástico? 

- Não precisa Flavinha, só passa uma água nela pra mim, por favor. - achei menos sujo beber no gargalo que num dos copos da casa. Não que eles não sejam limpos, mas não quero arriscar, vai que vem outro copo de milho? Ela pegou a latinha calmamente, deu um sorriso meio desconcertado, que de alguma forma pedia desculpas e levou a latinha para lavar. Lavou em um tanque, quase na minha frente. Depois secou com guardanapo e me entregou novamente. 

- Sei que você gosta de Heineken e daquela outra marca, mas só tenho itaipava aqui. 

- Sem problemas Flavinha. - ela sorriu de volta, sentou em uma cadeirinha de plástico ao meu lado. Sorriu pra mim com calma, aparentemente leve, colocou a mão na minha perna, onde ficou fazendo carinho por alguns segundos. 

- Você come amendoim? Vou pegar um pouquinho pra gente - se apoiou na mesa, levantou e seguiu em direção a casa de trás novamente. Olhei ela por trás, que corpo lindo ela tem, isso eu não posso negar. Sem contar que depois de ontem eu tenho certeza o quanto é durinha e com tudo em cima. Mexi no meu celular enquanto ela não voltava, mandei mais uma mensagem para o Bibo, ele respondeu que mais meia hora chegava. Que porr* vou fazer aqui mais meia hora sozinha? 

- Não sei se você come desse branquinho ou do amendoim japonês - colocou sobre a mesa dois pratinhos, um com amendoim Tutti, que eu não comia nem quando era criança e um com amendoim japonês, que eu até como. Não é ruim amendoim com cerveja, mas sei lá, é meio fora do meu contexto. 

          A Flávia voltou a sentar ao meu lado, ela estava meio distante, com uma expressão de decepção. A primeira senhora, que quando chegamos saiu rapidinho, havia passado para dentro da casa do fundo enquanto a Flávia estava lá. 

       - Está tudo bem amor? Você parece meio chateada - perguntei pra ela, quase que com medo da resposta. 

           - Não é nada não amor. É só mais uma decepção. As pessoas nunca mudam, as vezes, a gente acredita no lado bom do outro, mas as pessoas gostam do ruim, da maldade. 

         - O que aconteceu? Se você quiser me contar. 

         - Não é importante amor.

         - Mais fala, faz bem você colocar pra fora. Já conheci sua família, você não estava apreensiva com isso? 

          - Eu briguei com a Roberta, minha irmã drogada uns dias atrás e sai de casa pro meu apartamento. Assim que eu cheguei aqui, minha mãe me viu e saiu de escanteio, agora lá na cozinha da casa da vó, não falou comigo. A vó tentou insistir, ela falou que não tem filha ruim e filha sapatao. Isso é do tipo de coisa que machuca, eu sempre trabalhei, sempre ajudei em casa, nunca dei trabalho, tenho emprego fixo, estudo. Mas as pessoas gostam do ruim, do sujo. Se eu fosse a terceira filha drogada, talvez eu fosse boa.

          - Quer ir embora Flávia? Quer largar tudo e ir pra outro lugar, espairecer a cabeça? 

          - Jamais, a filha sapatao e ruim fez essa festinha pra vó, uma idosa que eu amo e sempre me acolheu. Não vou deixar de curtir e parabenizar meus avós por causa de uma pessoa ruim. Minha vó viu você quando chegamos, já já vem aqui babar seu ovo. 

         - Por que babar meu ovo? 

       - Modo de falar, vai querer te abraçar, vir te conhecer. Ela está terminando de fazer a farofa, não conseguia parar de cozinhar agora. 

         - Ela faz isso com todas as meninas que você traz pra ela conhecer? 

          - Meu anjo, você é a segunda que eu trago e faz tanto tempo desde a primeira. Mas ela já olhou pra você, falou que quer te dar um abraço. Quer mais uma cerveja? 

           - Eu aceito mais uma, está bem gelada - eu imaginava que iria conhecer a família dela, mas não estava nem pensando na questão de ser apresentada como namorada ou coisa assim, acho que eu também estava bem tensa em conhecer a família dela. Já sabia que eu e a Flávia tínhamos uma importante discrepância social, mas nunca pensei ser tão extrema, tão relevante. 

          Ela foi buscar a segunda cerveja, antes de me entregar, passou no tanque e já lavou, me entregando a latinha seca. Uma senhora de pele morena, sobrepeso, com os joelhos para os lados. Estava com uma blusa florida e uma calça soltinha azul, bem roupa de vó, apesar de eu não ter tanta referência pessoal sobre isso. A Flávia estava de costas e nem viu a avó chegando na mesa, quase se assustou com a idosa encostando  no ombro dela. 

          - Aí vó, a senhora me assustou. 

         - Bem feito, não mandei me esperar? 

         - Vó, essa é a Bruna - ela não deu nenhum título mais uma vez, não que eu faça questão. A idosa sorriu pra mim, um sorriso muito parecido com o da Flávia, leve, verdadeiro. Mas a idosa tinha um olhar diferente, o olhar maduro mostrava uma compaixão quando olhou a policial e depois olhou pra mim. Colocou a mão no meu rosto, com calma, com amor. Olhou pra Flávia e falou: 

    - Filha, ela é linda! - a policial sorriu desconcertada, olhou pra baixo e voltou o olhar pra idosa - Está tudo bem meu anjo. Estou feliz por você filha. Todos estão, inclusive ela - A idosa então me abraçou, o mesmo abraço que a tia dela tinha me dado, carinhoso, firme. Quando me soltou, sorriu mais uma vez e olhou para o fundo do corredor - Doutora - olhei para o corredor em reflexo, Deus existe, não estou mais sozinha. A tia Márcia com a tia Carmem haviam chego, aparentemente antes do horário também. 

          - Agora acabou, já teve toda a atenção que poderia ganhar. É Deus no céu e a Dona Carmem na terra - falou rindo da avó dela. A idosa foi em direção às duas mulheres, abraçando-as e agradecendo por terem vindo. Quando olho elas eu vejo meus exemplos de maes, sem a ajuda delas eu não seria ninguém hoje. O Antônio, meu padrinho, me sustentou, me deu estudo, não deixou faltar nada, mas elas me ouviram, deram conselhos, broncas. Nós três anos que morei com elas, eu fui amada e cuidada como o Bibo e o irmão dele. A tia Márcia é uma mulher firme, com um olhar centrado, quem não conhece acha que é brava ou estressada. A tia Carmem é um anjo, jeito de mãezona, sorridente, de piadas fáceis, de um amor e um coração que não cabem naquele peito, tanto que desceu pra barriguinha dela. São um casal que mesmo com uns 20 anos de casamento estão firmes, românticas, cuidadosas e carinhosas, mulheres firmes na profissão, advogadas estáveis e respeitosas. A avó da Flávia foi direto na tia Márcia, abraçou, nitidamente com um carinho verdadeiro, depois seguiu para a tia Carmem, levou as duas até a mesa e seguiu com as perninhas de Garrincha para dentro da casa. As advogadas cumprimentaram a Flávia e depois eu. Sempre que estou perto delas tenho essa sensação de casa, família, exemplos. Sentaram na mesa e já engataram a conversa: 

       - E como está a preparação pra prova de delegado? Você ganho mais braço desde que eu te vi - a tia Márcia puxou. 

          - Eu acabei dando uma desacelerada esse mês, estou com um caso importante, mas estou mantendo o treinamento físico. 

           - Isso a Bruna deve estar gostando - quase enfiei minha cara no chão. Que vergonha. 

            - Para de envergonhar ela Márcia. 

            - Ah, envergonhar os filhos é o meu papel. Gostei de saber de vocês juntas, quando o Bibo me contou eu não acreditei. Como não tinha pensado em juntar vocês? - a tia Márcia continuou. 

            - Acho que eu estava meio que fechada pra balanço. - a Flávia falou

             - Não Flavinha, você estava fechada para a vida meu anjo. E cada enrosco que você arrumou nesse tempo hein. - essa foi a tia Cá.

           - Isso é verdade. Um atraso atrás do outro.

           - E aquela delegada Flávia? A doida? 

           - AFF, a Isa. Esses dias o Cantão quase deu uma nela. Ficou doida quando soube da Bruna, acredita? 

            - Quem é essa? - perguntei. 

            - Ishi amor. Uma delegada lá do DP, ficamos umas vezes e a menina achou que era pra casar ou qualquer coisa assim. Quando começamos a sair eu dei um corte nela. Acredita que se sentiu traída? Vê se pode. 

            Só um comentário meu, Bruna, a Flávia saiu com mais da metade daquela delegacia e da faculdade dela, nesse pouco tempo já tive várias vezes que marcar território. Mas sou a segunda mulher a conhecer a família dela. Ou eu sou muito importante pra ela ou essa garota é muito quebrada. Não entendi bem ao certo.

     - Isso que dá ter esse mel todo Flávia. As mulheres ficam em cima mesmo - a tia Márcia falou isso já esperando uma bronca da tia Cá, que veio a jato. Todos demos risada daquela brincadeira toda. Acho lindo o amor das duas, como quero um dia ter isso. Ficamos ali na mesinha de plástico conversando um bom tempo, depois que elas chegaram eu me senti um pouco mais encaixada, à vontade. De tempos em tempos a Flávia levantava para pegar alguma coisa ou cumprimentar algum familiar. A vó dela passou várias vezes na nossa mesa. Quando percebi a casa já estava cheia, as mesinhas ocupadas. Os familiares que foram chegando eram simples também, vestidos de jeans e uma blusa, os homens de bermuda e chinelo. Não havia nenhuma vestimenta destoante, em excesso, além de talvez a minha, que acho que me arrumei de mais. A todo tempo eu tive uma sensação de grupo, de que aquelas pessoas se encaixam bem, como ela, mas não é meu mundo. Me senti a mais, um nível acima, socioeconômico, como se eu não fosse merecedora do meu sucesso porque existem pessoas abaixo. 

      - Bruna!!! Oi!!! - A Flávia estava me chamando, enquanto eu estava nesse devaneio todo. 

           -  Fala! 

           - O Cantão te cumprimentando. Onde você estava? - melhor nem falar. 

           - Você chegou bocó. Tudo bem? - levantei e abracei ele. 

          - Você também chegou, né?! Tava viajando ai - falou rindo da minha cara, enquanto puxava a cadeira para Bia. 

           - A cerveja que deve ter batido. 

          - O Flávia… cervejinha pra "nois" também - falou fazendo graça. 

         - Bonitão, você é de casa, vai lá dentro com a dona Ieda. Traz pra todo mundo. - ele fez uma expressão engraçada, de "quem manda em quem", levantou e seguiu para dentro da casa dos fundos. A festa foi pegando esse ritmo, de tempos em tempos a Flávia levantava para conversar com alguém ou ajudar em algo dentro da casa, eu já estava com a bexiga explodindo, mas jurei que não iria nunca ao banheiro dessa casa, deve ser uma vala no chão. A policial estava com uma expressão meio perdida, dispersa, diria até triste. Mas em um dado momento, estávamos conversando, ela olhou para o corredor de entrada e ficou completamente branca, pálida. A cor fugiu de sua pele e seu olhar se perdeu. Meu medo foi tão grande que acho que fiquei sem ar antes de arriscar olhar para o corredor. Será que é ela? A tal da Fabi, a ex da Flávia? Aquela que ela nunca fala, mas faz questão de não esquecer? Ela levantou da mesa ao mesmo tempo que eu olhei para o corredor. Não era uma mulher, era um homem, uns 50 anos, barrigudinho, de barba por fazer. Ele estava com um tenis, jeans e uma camiseta polo, não parece com a Flávia, imagino que não seja o pai dela. Um tio talvez? 

        O homem veio em direção a ela, com uma expressão leve, que em nenhum momento foi alterada. Já ela se manteve pálida, com medo, lábios fechados e cerrados. Conforme ele chegava mais perto, me olhou, de cima a baixo, em um scanner. Quem é esse cara? A Flávia é Bi e ele é um peguete antigo? Era só o que me faltava. Eu segurei a mão dela, estava gelada. Ele veio mais em sua direção, ela abaixou a cabeça, quase que com vergonha, e depois levantou. Toda essa situação ocorreu em segundos, mas os detalhes são de uma guerra inteira. Ele se aproximou dela, e a Flávia respondeu com um sorriso. 

         - "Seu" Luiz - que porr* é esse velho? Ele esticou o braço e a abraçou. Ela soltou minha mão e esticou o braço retribuindo o abraço do senhor. Ela estava tão submissa que chegou a pousar a cabeça no ombro dele e ele fez um cafuné em seu cabelo. O abraço deles durou alguns segundos, logo depois se separaram. Ele se manteve olhando pra ela e quase que automáticamente segurou seu rosto com as duas mãos. 

          - como você está? - ele continuou aquele momento constrangedor. 

            - Tudo bem seu luiz, tudo bem - falou mais uma vez olhando para o chão, constrangida - Essa é a Bruna. 

            - A namorada - ela não me deu título em nenhuma das vezes que me apresentou e eu não me importei também, mas dessa vez algo me bateu a alma e pediu que eu me posicionasse. Quem é esse velho? 

             - Eu sei querida, imaginei - falou sorrindo para mim, com um ar que não gostei, pra mim de deboche - Seu avô está aí? 

             - Lá atrás seu Luiz. A dona Arminda vem? 

             - Você sabe que não Flavinha, ela está igual. 

            - Sinto muito, por tudo Sr. Luiz. 

            - Nunca foi sua culpa Flávia. Você tem que saber que não foi sua culpa. E eu entendi por que você desapareceu, não fui atrás porque queria dar um tempo pra você. Você é o que me liga a ela, se está namorando ou não, não me importo. Pelo contrário, fico muito feliz que esteja seguindo em frente. Ela te apoiaria, eu sei que apoiaria. 

            - Nunca precisaria apoiar Sr. Luiz - olhou mais uma vez para o chão e falou com uma voz trêmula, como se chorasse. 

             - Olha pra mim - ele segurou mais uma vez o rosto dela - eu sei. Mas precisa seguir em frente e essa moça aqui é show de bola hein - eu? Primeira vez que a Flávia abriu um sorriso nessa conversa, mesmo que envergonhado. - Chega de te fazer passar vergonha, vou falar com o seu avô. Aproveita a festa que você fez, está linda. - ele soltou o rosto dela e saiu em direção a casa do fundo. A Flávia ficou ali parada, fora do eixo, até que soltou pra mesa. 

            - Quem quer mais cerveja, vou lá dentro buscar - todos estavam com a cerveja cheia, especialmente o Bibo, mas ele foi o primeiro a pedir mais uma. Fico puta com esse código de ética maluco entre os dois. Quando ele pediu mais uma cerveja, ela sorriu aliviada, soltando os ombros - Vou pegar uma lá dentro. 

             Depois que a Flávia entrou pra casa do fundo eu fiquei ali na mesa conversando, batendo um papo, mas extremamente incomodada com a situação.  Incomodada com a festa horrível, incomodada com a cerveja barata, com eu me sentir deslocada, com esse cara falando com a Flávia, com ela ter sumido. Não que ela sumiu, sei que está dentro de casa, mas não está aqui comigo. Acho que entendi o que ela falou, se eu tivesse coragem de ficar com ela depois hoje, depois de conhecer onde eu estava me metendo. E não sei se tenho essa coragem. Estou aqui a uma hora e já estou a uma hora querendo sumir e ir embora. 

          - Aí Deus. Eu gosto das festas da Flávia por que sempre tem barraco! 

           - O que aconteceu Bibo? - eu perdi alguma coisa, claro que perdi. 

           - A Roberta chegou. E claro, cracuda - ele falou. 

       - Lindo, quem é a Roberta? - a Bia perguntou minha dúvida. 

            - É aquela ali - ele olhou em direção a ela, uma moça de uns 40 anos eu acho, não sei se acabada pela droga ou se tem essa idade mesmo. Magra, consumida.  Vestida de calça jeans e uma camiseta bem surrada. Os olhos dela estavam vermelhos, quase parecendo uma conjuntivite. E todos os seus gestos eram acelerados, trêmulos e desastrados. Ela entrou pelo corredor como todos os convidados, mas não cumprimentou ninguém, entrou direto para a casa do fundo. Conforme ela andava, os olhares a acompanhavam, pelo visto, diversas pessoas ali sabiam quem ela era e seu problema de saúde. 

           Ela entrou na casa e a Flávia reapareceu, com um jovem, trazendo uma panela gigante para o quintal, daquelas panelas de creche. Na lateral da casa tinha uma mesa comprida, feita com dois cavaletes de obra e uma madeira, e a madeira estava revestida e protegida por uma toalha branca de renda. Eles colocaram o panelão lá. Na volta ela olhou pra mim, lá do fundo do quintal, mesmo com o sorriso delicado no rosto, dava para ver o quanto ela estava triste e  consumida. Entrou novamente para dentro da casa, retornando com mais um panelão de creche. Dessa vez outras pessoas vieram juntas, na verdade as tias dela, uma trazendo torresmo, outra uma salada, travessas e potes menores, com os acompanhamentos. A própria policial abriu as duas panelas e com as conchas e colheres adequadas mexeu nos alimentos. Que diabo deve ser isso? Se eu pensar que a Flávia come PF da espelunca do Sr. Olympio, lá na rua da Consolação, nem posso esperar comer algo daqui. Isso me subiu mais ainda o sangue e o incomodo que eu já estava sentindo, o mal estar e a insatisfação. Meu peito estava queimando, o álcool barato da cerveja ruim já havia subido e meu mal estar estourando. Não quero ficar mais aqui. Comecei a sacudir as minhas pernas em resposta, em estímulo a aquele horrível ambiente. Será que vale eu estar com a Flávia? Não nós encaixamos nesse mundo. A Mayra não é a melhor pessoa, mas come bem, vive bem, não precisa que cada um de um pouquinho para fazer a festa da avó dela, nem vo ela tem. A Mayra jamais me serviria cerveja ruim, me deixaria para colocar panela da creche numa mesa feita de madeira e cavalete de obra. A Mayra nem me traria em uma festa assim. 

         A Flávia entrou e saiu da casa mais umas duas vezes, trazendo coisas para a mesa de cavalete. Quero ir embora, não quero ficar mais aqui. Não quero ficar aqui. Eu me levantei para falar com a policial, mas ela já estava ao meu lado. 

          - Pessoal, podem se servir. É simples, mas está uma delícia. - que frase é essa? Eu realmente não me encaixo nesse mundo dela - Está tudo bem Bruna? 

           - Eu quero ir embora Flávia - a expressão dela estava mais exausta e afundada que no começo do dia. Mas depois que eu falei isso mudou para expressão de decepção. 

            - Agora? Mas a comida acabou de sair! - falou baixinho, calma.

        - Não quero ficar aqui, me desculpa. Preciso ir embora! - já eu, estava quase explodindo.

        - Consegue esperar mais um pouquinho? estamos no meio da festa. Eu quis tanto isso para os meus avós - o olhar estava fundo, cansado.

            - Eu não quero ficar, se quiser você fica - não quero mesmo, estou perdendo a paciência.

            - Bruna, o que está acontecendo? - falou sutil, encostando no meu braço.

            - Só quero ir embora Flávia, sem mais. Só não estou me sentindo bem aqui - bati o pé firme.

         - Não consigo te levar agora, se quiser pode ir, eu não vou - ah, apareceu a verdadeira Flávia. Porque não vai fazer o que eu peço? 

         - Não vou dirigir sozinha pela favela. - acho que falei alto, porque algumas pessoas me olharam, inclusive a tia Márcia. 

         - Fala baixo, vem aqui - a Flávia deu alguns passos em direção a casa da frente - o que aconteceu? Você estava de boa. Eu não posso ir embora agora. 

          - Como faço pra ir embora daqui? - falei quase chorando, quero ir embora. 

         - Bruna, você dirige e seu carro está ali fora. Se não quiser levar o carro, chama um Uber e depois levo ele pra você. Eu não vou agora - falou firme, falou seria. Esticou a chave do meu carro pra mim e eu peguei na hora. A Flávia saiu da casa em direção a "festa", não olhou mais pra trás.

        Eu ainda estava dentro da casa, em pé no meio da sala, sem saber o que fazer. Quero ir embora, mas não sei andar em uma favela, não vou sair com meu carro aqui, muito menos sozinha. O Bibo não vai querer ir comigo, ainda mais com a Bia mala aí com ele. A tia Márcia e a tia Carmem vao me perguntar uma vida de coisas do porque eu quero ir embora. Sentei no sofá da sala  e peguei meu celular, nem sinal tem direito nessa porr* de lugar. A Flávia é tão gente boa, precisa ser assim pobre? Não consigo imaginar ela aqui nesse mundo, nessa vida, muito menos eu. 

       - O que está acontecendo Bruna? - até me assustei, mas a Tia Márcia sentou no sofá, ao meu lado, me olhando. Não tive como fugir.

         - Nada, tia. - olhei para o chão, cansada, quase chorando. 

        - Nada? A Flávia saiu mega chateada daqui. 

        - Ela falou alguma coisa? 

     - Nem precisou Bruna, a Flávia é muito sincera e fácil de ser lida. 

         - Eu só quero ir embora tia, não estou me sentindo muito bem. 

    - E tá sentindo o que? - aí caralh*, me pegou. 

    - Só não quero ficar aqui. 

    - Você também é muito fácil de ser lida Bruna. Muito fácil.

     - Não é nada tia, só não quero mais estar aqui. 

       - Você sabe o esforço que a Flávia fez para fazer essa festa para os avós dela? Comemorar 50 anos de casados deles. - ela não parava de olhar pra mim diretamente, firme, mas com o jeito mãe dela. 

        - Ela não me fala nada, então não sei o esforço dela - acho que quase rangi os dentes enquanto falava 

        - Bruna, você tem seus medos e suas dores, que são só suas. Olha a Flávia, olha onde ela cresceu e olha quem ela é hoje. Não julga ela pela família dela, aprecie o esforço dela. 

        - O que? 

        - Bru, você foi expulsa de casa por gostar de mulher, essa é sua dor. Mas nunca te faltou nada. A Flávia lutou contra tudo isso para ser quem ela é hoje, a mulher forte que você esnoba. 

         - Não estou esnobando ela tia, só não me encaixo.

         - Você não tá olhando o todo Bruna. Você viu a Roberta chegando? Toda drogada? A Flávia viveu nesse mundo, viveu com as irmãs oferecendo droga pra ela, viveu no meio da favela, viveu com dificuldade de ter comida. Hoje é policial, terminando faculdade de direito, casa própria. Você está olhando a história dela e não ela Bruna. Essa garota é a força que te falta. Você sabe quem você está namorando? - como assim? Que história é essa, quem é a Flávia? 

           - Ela não me conta nada, tia. Falou que se eu continuasse com ela depois dessa festa de hoje, ela me contaria o que eu quisesse saber. 

           - E com sua atitude de hoje, acha que ela vai te contar? Se você não começar a ser mais responsável, vai perder uma mulher de ouro. Não só de namoro, mas uma pessoa que pode te ajudar muito a crescer. Você precisa sair da zona de conforto Bruna, precisa se permitir conhecer o mundo - manteve o tom aveludado de conselho.

     - Eu não tenho confiança nela, ela nitidamente ainda é apaixonada pela ex namorada dela e esse cara que veio aí e abraçou ela? Eu não posso dar minhas fichas a quem não esquece ex. 

      - Bruna, isso quem tem que te contar é a Flávia. Da uma chance para ela. De uma chance pra você mesma. Ou até quando você vai ficar com a Mayra? O que ela te ensinou nesses anos todos? 

         - Ah tia, não vamos falar da Mayra. Eu só quero ir embora, não vou comer essa gororoba daqui. 

          - Caralh* Bruna. Para de falar merd*. Você está na casa dos outros e tem que ter respeito. Você é melhor que isso, sei que é porque eu te criei! Se você não quer uma pessoa que te ajude a crescer, não estou nem aí, mas faltar com respeito a comida da dona Ondila, isso eu não aceito. Te criei com muito mais respeito - falou ríspida e rígida, mas sem subir o tom de voz.

          - Desculpa, tia.

       - Muda suas atitudes Bruna! Até quando você vai ficar na rabeira do seu padrinho? Seguindo as ordens da Mayra? A Flávia é uma mulher pra te fazer crescer, te mostrar que o planejado é um guia, não uma lei. Você é jornalista,  não é pra se abalar com a pobreza, ter medo de corrupção, seguir protocolo. Você era uma menina que queria ser perseguida por descobrir crimes e brigar com gente grande. Onde isso foi parar? Tá dentro dessa soberba toda? Olha a mulher que você está deixando passar por infantilidade. 

          - Tia…

       - Tia o cacete. Levanta agora desse sofá, lava a cara naquele banheiro do final do corredor. É um banheiro normal, não é uma fossa. É limpíssimo, porque a dona Ondila é limpa e tarada por organização. Depois vai sair daqui, vai comer da comida, não vai dar vergonha pra mim e pra Carmen que te criamos. A Flávia você se acerta depois, mas respeito pela casa é o mínimo que você vai ter.

          - Desculpa tia. 

        - Não quero saber de desculpa Bruna, quero que você mude suas atitudes, tenha respeito pelos outros. Você era tão firme nas suas escolhas, tão fiel aos seus sonhos. Agora está aí julgando a embalagem. A Flávia pode te ensinar tanta coisa meu anjo e você a ela. Você pode ensinar ela a viajar, a aproveitar a vida, a comer comida gostosa, a amar de novo. Você pode aproveitar tanto isso, mas precisa querer estar com ela Bru. Precisa ser aquela menina que se desafiava, que se permitia. Agora chega, levanta e vai lavar o rosto, quero você lá fora daqui a pouco para comer e apoiar a mulher com quem você está! 

         - Tia, quem é esse senhor que veio abraçar a Flávia? É o pai dela? - perguntei antes dela sair da casa.

      - Não Bruna. Não é o pai dela, só você perguntar pra ela essa dúvida. Ela vai te contar. 

Fim do capítulo


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Comentários para 24 - Capitulo 24:
Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 08/08/2023

Aí Bruna vacilou feio com a Flávia.

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Socorro
Socorro

Em: 07/08/2023

Decepcionada com a Bruna afff

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