Retornando ao Brasil, Cecília organizou uma sessão de cinema em casa para celebrar as últimas vendas e aquisições. Conseguiu uma cópia de um filme que estava para ser lançado pela sua mais nova empresa de streaming, Ventura, e iria reproduzi-lo na semi-tela de cinema que tinha em um dos cômodos de sua mansão. Convenceu Lorenzo a ficar até um pouco mais tarde, pois iniciaria a sessão após a aula de sua caçula.

Como convidados, além do primogênito, também estavam Anabê, seu noivo e sua melhor amiga, Paloma. Como Dennis ficaria até mais tarde no hospital, recusou o convite, mas por sorte, Camélia terminaria seu turno a tempo e iria no lugar. Luiza também chamou seus amigos mais próximos, como Filipo e Ayla, que veio do Rio de Janeiro apenas para ver o filme em primeira mão, antes de sua estreia oficial, além de Daniela, e é claro, Yanina. Surpreendentemente, Liara, que havia feito as pazes recentemente com a irmã, aceitou ver também.

O filme era sobre uma história de amor de dois rapazes no Brasil dos anos 60, mais precisamente, 1965, um ano após o início da ditadura militar. De produção própria e grandes atores da atualidade,  o filme seria exibido em Cannes dentro de algumas semanas, para então ir para a plataforma de streaming. Vitor cedeu a cópia poucas horas após o acordo ser assinado, para que a magnata pudesse apreciar um resumo dos valores da empresa, e não haveria forma melhor de apreciar do que junto a familiares e amigos.

Conforme foram chegando, os convidados foram se acomodando. Cecília contratou uma pequena equipe para servir petiscos e bebidas a todos. Camélia ficou fascinada com o ambiente. Era como uma sala de um cinema de um shopping qualquer, exceto pelo fato de que as cadeiras eram mais confortáveis e a área era proporcionalmente menor e mais aconchegante.

- Anabê, nem sei como te agradecer, eu me considero cinéfila e estava muito ansiosa para o lançamento desse filme, nem acredito que vou ver antes de todo mundo! – Comentou a nefrologista, sentando-se ao lado de Ana Beatriz.

- Eu confesso também que estava morrendo de vontade de ver esse filme, tem tudo que eu gosto, amor proibido, luta contra a sociedade, e ainda em um ambiente brasileiro! – Paloma também entrou na conversa.

- Eu vou querer uma taça de marguerita! – Ana Beatriz interrompeu o papo falando com um dos funcionários da equipe do “cinema”. O fato de Camélia estar ao seu lado a fez subitamente esquecer como é o processo de respiração.

- A melhor parte disso é que podemos beber enquanto vemos o filme! – Paloma sorriu e indicou ao funcionário que queria a mesma bebida.

- Só não vão ficar bêbadas e atrapalhar o filme, hein! – Brincou Luiza, logo atrás, enquanto seu braço envolvia os ombros de Yanina, ao seu lado.

- Ha.Ha.Ha. Olha quem fala. – Anabê se virou. Sua irmã sendo irritante magicamente a fazia voltar para seu estado normal.

- Eu estou de boa, nem vou beber. Só quero um suquinho de cupuaçu e pipoca.

- Hmmm, agora que está namorando está tomando jeito, é? – Anabê provocou.

- Hey! – Luiza arregalou os olhos e, ao perceber sua reação, olhou para Yanina. – Lo siento, mi hermana es loca.
(Ei! Desculpa, minha irmã é doida)

- Todo está bien. No me molesta que me llamen tu novia. – Yanina sorriu.
                (Está tudo bem. Não me importo de ser chamada de sua namorada)

- Uhhh ellas son novias... – Anabê fez bico e jogou beijos para irritar mais uma vez sua irmã caçula.
                (Ohhh, elas são namoradas…)

- Vai ter volta. – Luiza cerrou as sobrancelhas.

- Ver a Luiza irritada com a simples menção de um relacionamento sério é hilário. – Comentou Ayla, cochichando, abraçada com Daniela.

- Por quê? – Questionou Dani.

- Você conhece a fama dela, ela não é do tipo que namora sério. Até me surpreendi de ela ter trazido a Yanina para um evento com a família.

- A Yanina tecnicamente é funcionária delas, e elas assistiram a um filme da empresa que a Yanina trabalha. Não vejo muito como um evento de família.

- Mesmo assim, é um grande feito para Luiza trazer a menina assim.

- Shh. O filme vai começar. – Daniela interrompeu, não parecendo estar muito interessada na conversa.

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Quando o filme iniciou, Luiza começou a prestar atenção em sua irmã. Sua mão não parava quieta, muito menos suas pernas. Toda hora tomava um gole da bebida. Quando Camélia colocou sua mão no divisor de assento, Ana Beatriz rapidamente retirou a sua própria. Logo em seguida, Ana Beatriz pediu licença e se levantou para ir ao banheiro. Luiza a seguiu.

- Por que você está tão nervosa? – Questionou a caçula, em um dos corredores da mansão.

- Do que você está falando?

- Você está inquieta. Da última vez que te vi assim foi no início do seu relacionamento com o Dennis... espera.

- Sério, eu não tenho ideia do que você está falando agora, Luiza, você me dá licença? Preciso ir ao banheiro.

- Você está a fim daquela sua outra amiga médica?

- Oi?

- Você estava visivelmente inquieta. Eu te conheço, mana. Vocês se pegaram sem o Dennis saber?

- Lógico que não! Está doida?

- Espera, é algo platônico? – Luiza tapou a boca, tentando não rir.

- Eu não estou a fim de ninguém! Para com isso. Só estou a fim do meu noivo, ninguém mais.

- Para, Anabê, quem você está tentando enganar? Inclusive até apoio, o Dennis não está com nada e aquela sua amiga é muito gata.

- Não fala assim da Camélia!

- Está com ciúmes, é? – Luiza riu.

- Não estou com ciúmes, sua boba! Você me estressa.

- Eu te estresso ou você não está sabendo lidar com a verdade?

- Luiza, não me enche. Vou ao banheiro, com licença.

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Com o final surpreendente, Lorenzo estava aos prantos ao lado de sua mãe. As luzes se acenderam, e Luiza foi para o lado de seu irmão abraça-lo.

- Eles estavam tão felizes, por que tinham que matar o protagonista? Logo um soldado que se dizia amigo dele? Que tipo de filme termina em uma traição dessas? – Lorenzo lamentava, chorando.

- Pois é, essa traição estragou o final. – Luiza respondeu, olhando para sua mãe.

Algumas fileiras à frente, Camélia enxugava uma lágrima tímida.

- Que filme bonito. Muito triste, mas lindo. Tenho certeza que ganha o festival de Cannes.

- Fico feliz que tenha gostado! – Já um pouco mais calma após passar quase duas horas ao lado da nefrologista, Ana Beatriz conseguia formular uma frase inteira sem perder o compasso das batidas do coração.

- Tirando esse final lúgubre, a história de amor foi muito bem construída. A maneira que trocavam olhares, os diálogos... tudo muito bem executado. – Camélia comentava, com ares de entendida.

Enquanto isso, Paloma e Luiza analisavam Ana Beatriz, que escutava a tudo com uma atenção digna de uma admiradora.

- Acredito que esse filme tenha sido feito para românticos incorrigíveis. – Paloma também comentou.

- Então realmente foi feito para mim. – Camélia respondeu. – Cinéfila e romântica incorrigível.

- Anabê também é uma romântica incorrigível. – Luiza se intrometeu. – Não é, Anabê?

- Eu? – Ana Beatriz engoliu a seco.

- Sim, você. Desde pequena sonhava com vestidos de noiva, festas de casamento... – Lorenzo também entrou no papo.

- Era a coisa mais fofa desse mundo! – Cecília interveio.

- Ah não, agora todo mundo vai querer falar do meu passado?! – Ana Beatriz cruzou os braços, inconformada.

- Tenho certeza que deve ter sido a coisa mais fofa mesmo. – Camélia sorriu, fazendo Luiza olhar diretamente para sua irmã com uma expressão que ela conhecia bem.

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No dia seguinte, já retornando a normalidade, Lorenzo se preparava para sua reunião com o Ministro da Educação. Cerca de meia hora antes do que foi marcado, Erick apareceu.

- Você não me respondeu mais nas mensagens, achei que não viria.

- Quase não usei o celular esses dias. Mas tentei te ligar ontem duas vezes, e você não respondeu.

- Eu tive que sair do país para acompanhar minha mãe, foi algo rápido, acabei nem verificando as chamadas perdidas, desculpe-me.

- Não precisa inventar a desculpa de que estava em outro país se não queria falar comigo. – Erick riu.

- Não é desculpa! Nós fomos nos encontrar com o cunhado do presidente norte americano e eu aproveitei para pedir investimentos para o projeto educacional e... agora que percebi, isso realmente soou fictício. Mas juro que é verdade, tenho um jantar de negócios com ele no final de semana, se der certo, além do grupo Gutierrez, teremos um investidor internacional.

- Hmm… um jantar com Ryan Jacobs? O recém divorciado mais cobiçado dos Estados Unidos?

- Um jantar de negócios.

- Relaxa, não somos exclusivos. - Erick riu, descontraído. - A que horas mais ou menos o Ministro chega?

- Está achando que é assim? Nós que vamos até ele. E temos que ir até o prédio dele agora, só teremos dez minutos do tempo dele e precisamos fazer valer cada segundo.

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Perto do fim do expediente matutino, Luiza estava já desligando o computador quando sua mãe foi até seu escritório:

— Filha, fiquei de te perguntar ontem, vi que você demonstrou bastante interesse pelo segmento de turismo.

– Demonstrei?!

– Sim, quando você contestou a venda para Ryan. Imagino que tenha se interessado pela empresa. Gostaria de dirigi-la?

– Você está me oferecendo um cargo executivo na Travel-Tier Brasil? E o atual diretor?

– Ele já estava lá desde quando era Travelenzr e já está para se aposentar.

– Mas é o vice diretor? E o resto da cadeia executiva?

– Eles continuarão no mesmo cargo.

– Não tem ninguém mais capacitado que eu para dirigir esse ramo? Eu nem terminei a faculdade ainda.

– Luiza, sua irmã está na área da saúde. Seu irmão foi para a política. Alguém vai ter que aprender a assumir o comando. E eu nunca tinha visto você demonstrar tanto interesse por alguma empresa do grupo tal qual você mostrou por essa.

– Mãe, o Conselho não vai gostar disso. Uma estagiária ser promovida assim?

– Uma estagiária que é filha da dona e cresceu lidando com negócios e empresas. Você vai assumir esse cargo. Eu estarei nas entrelinhas e você poderá vir até mim com qualquer dúvida, por mais simples que seja.

– Eu sei o que você está fazendo. Está me dando um cargo de prestígio para eu esquecer que você destruiu nossa família. Consciência pesada não é motivo para eu ganhar esse emprego.

– A Travel-Tier é uma das menores, senão a menor companhia do grupo. Considere como um estágio premium. Isto não é consciência pesada, e sim um potencial que vi em você pela primeira vez.

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No hospital, dentro da unidade de terapia intensiva, Ana Beatriz terminava de checar um de seus pacientes em pós operatório quando viu sua amiga nefrologista adentrar o setor.

– Veio passar visita em algum paciente seu também? - Questionou a cirurgiã, sem gaguejar. Talvez o pijama privativo, a touca e a máscara N95 escondessem o pânico interno.

– Na verdade não, peguei alguns plantões aqui na UTI. - Camélia não parecia muito atenta na conversa.

– Para quem você está olhando? - Ana Beatriz rotacionou o corpo na direção do olhar da nefrologista, que apontava para uma profissional fazendo manobras de expansão pulmonar em um dos pacientes.

– Para aquela fisioterapeuta ali. Conhece?

– Fica meio difícil de reconhecer com os equipamentos de proteção individual.

– Eu a vi no vestiário. É a Renata. Dizem que a fama dela precede aqui na UTI.

– Que fama?

– De que ela pega quase todas as funcionárias bissexuais e lésbicas do setor.

– E o que é que tem?

– Como assim o que é que tem? Ela tem uma ótima reputação entre as ex ficantes. Fiquei curiosa.

– Hmm… - o semblante de Anabê esvaeceu. - Mas você está querendo só pegar ou já está pensando em algo mais?

– Oi? - Camélia riu. - Nunca nem falei com ela, Anabê. Não viaja.

– Entendi… eu tive uma cirurgia eletiva cancelada agora pela manhã. Eu ia passar um tempo lá no conforto médico, mas posso ficar aqui com você? Digo, podemos discutir algum caso, posso te ajudar a evoluir o prontuário de algum paciente aqui da UTI.

– Lógico que pode! - por trás da máscara, Camélia sorriu. – Então seu aniversário está chegando... algum plano em mente?

- Camélia, corta essa que eu sei que você sabe da festa. Paloma faz isso todo ano, jura que guarda segredo e depois me conta.

- Ai que bom que você sabe da sua festa! Queria pedir dicas de look e-

- Não, não! Paloma não me falou o tema, isso eu quero que seja surpresa, pelo menos. Faz tempo que não ganho uma festa temática.

- Certo... Sem dicas para meu look então...

- Talvez... talvez eu possa opinar mesmo você não dando detalhes sobre o tema!

- Está bem! Cor: Violeta e branco ou rosa e branco?

- Hmm... acredito que violeta esteja mais dentro da sua paleta de cores.

- Acessórios: preto, cinza ou prata?

- Acho que prata não ficaria muito legal com o violeta. Que tipo de acessório?

- Não posso revelar, vai entregar o look.

- Está bem. Só pelas cores, acredito que preto é uma escolha boa, segura, combina com tudo.

- Sei que não posso dar detalhes, mas o tema que a Dra. Paloma escolheu é simplesmente sensacional. Prepare-se porque vou dançar muito!

- Sabe dançar então?

- Eu adoro dançar! Acho uma expressão corporal magnífica. Quando estamos dançando com alguém, os corpos se conectam, as almas se unem sob um único ritmo... além de ser extremamente sensual e... Anabê, seu celular está tocando.

- Oi? Ah! – Ana Beatriz estava tão hipnotizada pela fala que nem percebeu seu celular vibrar. – Não é ligação. É um monte de mensagem do Dennis. Surgiu uma emergência aqui e vou ter que ir para o centro cirúrgico...

- Poxa! Vai lá, boa cirurgia, anjo. Se tiver mais alguma dica sobre minha paleta de cores me manda mensagem!

- Vou pensar com carinho. – Anabê sorriu com o olhar, com um breve contato olho-no-olho, antes de deixar a UTI.

Fim do capítulo