Capitulo 4 - A Parada
Domingo movimentado, dia de parada LGBTQIA+. Pessoas de diversos cantos do Brasil se organizavam em uma das avenidas mais famosas da capital paulista para o desfile de diversos blocos. Lorenzo se adiantou e pegou o avião logo cedo, parando em um dos aeroportos particulares da família, próximo a mansão de sua mãe Cecília, e aproveitou para desjejuar com ela.
- Lorenzo, querido, por que você não trouxe seu amigo? – Cecília questionou, enquanto tomava sua xícara de mocaccino.
- Que amigo, mãe?
- Aquele professor sobre quem você não para de falar toda vez que te ligo.
- Ah... ele vem de ônibus com o pessoal do movimento que ele faz parte.
- E por que não ofereceu carona para ele?
- Não somos assim tão próximos.
- Eu esqueci de te falar, essa semana tenho um compromisso em Washington DC. Acha que consegue abrir um espaço na sua agenda para ir comigo?
- Por que precisa que eu vá contigo?
- Tenho uma reunião com o cunhado do presidente norteamericano, ele quer comprar a porção estadunidense da franquia Travel-Tier. Ele se separou recentemente do esposo, ficou sabendo?
- E agora que ele ficou recém solteiro você quer que eu casualmente participe da reunião.
- Você seria concunhado do presidente dos Estados Unidos. Politicamente poderia lhe trazer vantagens.
- Não dê uma de casamenteira, mãe, não combina contigo.
✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧
Luiza também acordou cedo, ou melhor, quase nem dormiu. Aproveitou a farra do sábado à noite com a atriz argentina que tinha estendido sua estadia no Brasil, e após um breve cochilo, já estava de pé para curtir os shows da parada. Encontrou Ayla, Dani e Filipo e, ao lado de dois seguranças, sendo um deles da família Knox e outro do Grupo Gutierrez, que eram utilizados vez ou outra devido ao histórico de confusões que as garotas se metiam.
- Gente, vamos para qual bloco? – Ayla perguntou, tomando um copo de destilado em plenas 10 da manhã.
- Meu irmão vai subir em um carro para discursar daqui a pouco. – Luiza anunciou. – Aí a tarde a Yanina também vai vir para subir em um trio.
- E por que ela não veio agora? – Perguntou Fillipo.
- Está dormindo, disse que só vai conseguir ser funcional depois do meio-dia.
- Ai, estou doida para ir nesses blocos, vai ter bastante gente interessante discursando! – Dani respondeu, empolgada.
- Está rolando um show de MPB lá na outra ponta, dá tempo de curtirmos um pouco antes do discurso, vamos? – Ayla ofereceu, enquanto colocava seu braço ao redor do ombro de Dani.
- Pode ser... – Parecendo ligeiramente menos animada, Luiza concordou.
✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧
Enquanto, no palco, tocava uma artista cover de Elis Regina, Ayla puxava Dani para o (já em tempo) primeiro beijo das duas, enquanto Filipo pegava alguma garota que passava ali no momento. Luiza olhava para os lados e não sabia o que fazer, até que resolveu mexer no telefone e enviar uma mensagem para Yanina.
“Hey, tem certeza de que não quer vir mais cedo? Estou me sentindo sozinha aqui...”
“Jura que me acordou solamente para decir que estás sola... ¿?”
(... somente para me dizer que está sozinha?)
“Ok, desculpa, deixa para lá.” Luiza suspirou.
✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧
No alto do Leblon, em uma varanda com mesa de buffett para brunch, estavam Magdalena, Claudia, Ana Beatriz e Dennis, apreciando a vista privilegiada para o mar.
- Que falta faz uma calmaria dessas em São Paulo. – Dennis comentava, enquanto tomava um gole de mimosa.
- Ter vindo para cá foi a melhor decisão que tomei. – Disse Magdalena, enquanto tomava seu chocolate quente, e com a outra mão, afagava a coxa de Claudia.
Dennis parecia desconfortável com a situação.
- Ahm...E como vão os negócios da Mancini-Gutierrez, mamãe? – Anabê tentou cobrir o desconforto com outro assunto.
- Vão bem. Conseguimos aumentar em 9% as vendas no último trimestre. E o hospital, como está?
- Dennis é o novo chefe do centro cirúrgico!
- Verdade, a diretoria me mandou uma nota a respeito disso no boletim diário, esqueci de parabenizá-lo. Pois bem, parabéns, meu querido!
- Muito obrigado. Ser genro das principais acionistas ajuda um pouco. – Dennis riu, ainda levemente desconfortável.
✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧
Já perto da hora de subir para discursar, Lorenzo parecia mais ansioso que o usual. Erick, percebendo, segurou-o pelos ombros e olhou fixamente em seus olhos:
- Você já discursou diversas vezes em palanques, nas redes sociais. Isso não é nada diferente. As pessoas contam com você, sua voz é importante aqui.
Trocando sorrisos singelos, Lorenzo respirou profundamente e foi para fazer seu discurso. Uma passada rápida no olhar, e encontrou sua irmã, ao fundo, fazendo sinal de joia. Sorriu mais uma vez e acenou.
- Bom dia a todos. Para quem não me conhece, sou Lorenzo Gutierrez, deputado federal. Sou filho de um casal homoafetivo que adotou a mim e minhas irmãs e nos criou com muito amor. Também sou homossexual, mas não por escolha minha, ou não por influência das minhas mães. Eu nasci assim e não é nenhum demagogo vociferando aos quatro ventos que vai me proibir de ser quem sou, quem somos. Estamos, aos poucos, levando a pauta LGBTQIA+ para o congresso. Já avançamos em diversos quesitos, como casamento e adoção. Agora vamos avançar no que tange à severidade nas punições por crimes de ódio. Vamos continuar pressionando o Congresso, pressionando meus pares congressistas para passarmos a lei que dobra as penas por esse tipo de crime e os torna inafiançáveis!
Uma salva de palmas quase interminável se seguiu. Erick também subiu ao palanque improvisado e abraçou o deputado, enquanto este continuava seu discurso. Luiza, lá de longe, observava a cena. Sabia que usaria isso para atazanar seu irmão depois.
✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧
De volta à São Paulo, Ana Beatriz já estava no hospital para fazer cobrir um colega à tarde. O centro cirúrgico ficava próximo a alguns setores da clínica, então Ana Beatriz às vezes aproveitava para usar os computadores do posto de enfermagem da clínica quando os da cirurgia lotavam.
- Dra Ana! Eu ia te mandar mensagem, estava te procurando! – Surgiu Camélia, para surpresa de Anabê.
- Dra.! Não sabia que você estava aqui hoje!
- Pois é, aqui estou! – Camélia sorriu. – E tenho um paciente com insuficiência renal crônica estágio III, dialisando. Estava com uma hepatomegalia, e hematoquezia há alguns dias, mas não havia nos falado nada até hoje. Ele também tem uma prótese em pelve e estava com dor nos quadris. Eu ia pedir só um raio x de pelve, que é o correto, mas já que ele está com esses sintomas já pedi uma tomografia de abdome total e pelve. Pedimos também uma colonoscopia por causa da hematoquezia, mas deixamos agendada porque o colonoscopista está com agenda lotada hoje. Quer ver os resultados da tomo?
- Claro, só abrir aqui no computador!
Ao que Ana Beatriz sugeriu, Camélia se inclinou para entrar com seu próprio login. Os batimentos cardíacos de Ana começaram a aumentar, além de, por algum motivo, sua boca já não ter mais saliva.
A cirurgiã tentava umedecer os lábios sem parar, ao mesmo tempo que tentava ser discreta para não parecer que estivesse aparentando estar completamente nervosa. Fazia um esforço descomunal para não desviar os olhos para o lado e ver o busto da nefrologista.
- Aprendi a mexer, viu? Olha, bem aqui. – Camélia apontou para a imagem na tela.
- Nossa, já está disseminado para os linfonodos. – Ana coçou a cabeça. – Deixaram o pedido para biópsia junto com a colono?
- Deixamos sim.
- Será que amanhã o gastrologista consegue fazer a colonoscopia? Porque daí eu já mandaria mensagem para o patologista acelerar.
- A gastro? Você diz a Dra. Liz? Consegue sim. Amanhã no primeiro horário. Eu pedi com carinho. – Camélia piscou.
- É a Dra. Liz que vai fazer? – Ana olhou assustada.
- Sim, por quê?
- Nossa, faz tempo que não falo com ela. Caramba. Ela ficou com a minha irmã algumas vezes uns meses atrás, brincava e me chamava de cunhadinha.
- Ah é? E elas não deram certo por quê?
- Porque minha irmã não toma jeito na vida.
- E você?
- Eu o quê?!
- Está com o Dr. Dennis há quanto tempo?
- Desde as minhas últimas férias como residente, quando nos conhecemos em um congresso.
- E foi amor à primeira vista?
- Acho que sim...?
- É tão gostoso estar apaixonada, né? Coração bate mais forte, respiração acelera...
- S..sim...- Anabê engoliu a seco. – E você, está apaixonada?
- Eu? – Camélia riu. – Estou é condenada. Só me apaixono por mulher inalcançável. Mas no momento estou de boa.
- Ah, você é gay...?
- Infelizmente. Gostar de mulher é um castigo, fala a verdade. E você é bi, não é? Lembro que vi no seu perfil da rede social.
- Você andou me stalkeando? – Anabê cruzou os braços.
- Quem, eu?!? – Camélia se fez de inocente. – Eu não stalkeio, eu apenas mato a curiosidade!
Poucos segundos após Camélia se autoexpor, ouviu-se um grito vindo do quarto próximo de onde estavam as médicas.
- Ele está morrendo, ele está morrendo!
- Cadê o residente de plantão nesse andar? – Gritou uma das enfermeiras.
Camélia e Anabê não sabiam onde o rapaz estava, mas por seu dever médico se prontificaram.
- Ele não está respondendo. Sem pulso. Enfermeira, você pega o desfibrilador? Vou começar a compressão cardíaca. – Camélia se posicionou, subiu na escadinha da maca e iniciou as massagens.
Enquanto a enfermeira buscava o desfibrilador, Ana Beatriz correu até o posto da enfermagem para pegar o ambu e ventilar o paciente. Quando o desfibrilador chegou, rapidamente a equipe posicionou no paciente.
- Fibrilação ventricular. – Anunciou Camélia. – Carregue em duzentos!
Ao primeiro choque, o paciente retornou.
- Uau, fazia tempo que não praticava o suporte avançado de vida. – Ana Beatriz comentou.
- Eu não via uma parada desde a residência! – Comentou Camélia, eufórica. – Dá uma adrenalina, né! Falando em adrenalina, até esqueci de pedir epinefrina.
- Ela é mais para ritmos não chocáveis, você executou certinho.
Nisto, o residente de plantão do andar chegou:
- O que aconteceu?!
- Foi uma parada, mas a Dra. Camélia já resolveu. – Avisou a enfermeira.
- Dra. Camélia salvando o dia! – Ana Beatriz brincou.
- Espera, tem um negocinho perto do seu olho. – Camélia se aproximou de Anabê.
- O que é? – O coração da cirurgiã acelerou mais uma vez.
- Acho que na correria algum pedacinho de plástico grudou. Mas já tirei.
- Ah...
- Você ficou nervosa?!
- Pelo quê? Pela parada?
- Não, quando disse que tinha algo no seu olho. Parece que você ficou nervosa, assustada.
- Ah... não.... eu achei que fosse um inseto. – Anabê pigarreou.
- Um inseto... entendi... – Camélia riu. Ela podia ter cara de inocente, mas conseguia muito bem pegar no ar algumas coisas.
✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧
No fim da tarde, após Yanina subir no trio elétrico e marcar presença, o grupo contendo Luiza, Fillipo, Ayla e e a atriz se encaminharam para a cobertura da caçula Gutierrez, que contratou um chef especializado em massas italianas, a fim de fazer a primeira refeição robusta do dia.
- Agora que eu me lembrei que tem um trabalho da faculdade para entregar amanhã – Comentou Luiza, enquanto comia uma considerável porção de gnocchi. – Você já fez, Dani?
- Já sim. Está salvo no meu celular. Pega aí. A senha é 54321. Entra nos arquivos e manda para o seu email. Pode usar de referência mas não faz igual, hein?
Luiza pegou o celular de Dani e, ao vê-la distraída comendo e conversando com Ayla, aproveitou para entrar no aplicativo de conversa e digitar seu próprio nome na busca. Dentre outras Luizas, encontrou uma conversa que lhe chamou a atenção. Era com alguma outra amiga dela, datada de dias atrás.
“Espera, você está indo com A Luiza Gutierrez para a faculdade todos os dias?”
“Estou sim, amiga, nós trabalhamos perto uma da outra e ela me ofereceu carona, um amor de pessoa.”
“Ela é simplesmente a maior Don Juan feminina da atualidade, certeza que vocês já se pegaram, né?”
“Claro que não, né amiga, nos tratamos com muito respeito.”
“Mas vai dizer que você não se encanta por aquele pedaço de couro de mal caminho?”
“Amiga! Olha as coisas que você fala! Hahahahah. Acho que ela está ficando com aquela atriz argentina.”
“Você não negou que a pegaria...”
“Eu estou conhecendo uma amiga dela, a Ayla. Uma moça muito amável e querida, você ia adorar conhece-la.”
“Está conhecendo ou estão se pegando?”
“Ela ainda não chegou em mim, estamos nos conhecendo, estamos saindo frequentemente em grupo e ainda não apareceu a oportunidade. Talvez a gente se pegue na Parada.”
- Lu?
- Oi?
- Achou o arquivo?
- Que arquivo? Ah, ainda não, eu acho que não estou sabendo procurar. – Luiza rapidamente fechou o aplicativo.
- Empresta aqui. Acho que salvei em outra pasta.
Luiza observava enquanto Dani procurava o arquivo. Inclinou a cabeça, coçou o queixo. Era só uma conversa, nada mais. Uma conversa boba. Só isso. Provavelmente, só isso...
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
[Faça o login para poder comentar]
Mille
Em: 23/07/2023
Olá autora
Bom gostando da história esse Dennis não mim entra e a Ana não se toca.
Luiza lendo aa conversas da Dani, muito feio Lu. Kkkk
Bjus e até o próximo capítulo
Resposta do autor:
Olá querida leitora, eu fico agraciada pelo seu comentário sobre os personagens. É importância receber feedbacks como o seu. Eu espero que goste do próximo capítulo e se divirta.
Beijos!
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
folklorenat Em: 28/07/2023
Luiza toma jeito!!!