Algumas falas estão em espanhol. Como regra do site, foi colocada a tradução logo embaixo da fala, entre parênteses. Boa leitura!
Capitulo 3 - Ventura
Após mais um final de semana que poderia ser considerado típico, a caçula da dinastia Gutierrez se encontrava em um hotel 5 estrelas em Buenos Aires em plenas seis da manhã de segunda-feira. Como de costume, demorava um pouco para se habituar. Observou ao redor, e ao seu lado viu o que parecia ser uma famosa atriz argentina. Continuou vistoriando o quarto, e também viu Ayla jogada no sofá. Fillipo estava no chão, coberto em vômito.
- Onde está a Dani?? – Perguntou Luiza, começando a se desesperar. – Gente, não estou achando a Dani!!
- Calma, Lu. Entregamos a Dani na casa dela ontem à tarde, antes de virmos para cá. Não se lembra?
- Ah... verdade. Onde estamos mesmo?
- Estamos en el Hotel Faena. – A influencer, ainda acordando, respondeu.
(Estamos no Hotel Faena.)
- A gente...digo, ¿nosotras...? – Luiza fez um sinal com a mão, questionando se havia acontecido algo entre as duas.
- No, no...- A atriz riu. - Si hubiéramos hecho algo, lo recordarías, eso es seguro.
(Não, não. Se tivéssemos feito algo, você lembraria, tenho certeza.)
- Erh...tu nombre es Valentina, ¿no?
(É… seu nome é Valentina, não?)
- Yanina. Valentina era el nombre de mi personaje en la telenovela.
(Yanina. Valentina era o nome da minha personagem na novela.)
- Ah claro, claro. Desculpa. – Luiza olhou no celular. – Droga, tenho que estar em São Paulo daqui a pouco e estou com 1% de bateria. Ayla, pode me emprestar seu celular? Preciso ligar para o piloto.
- Garota, você precisa de um banho. Isso aqui está cheirando a whisky regurgitado.
- Não é ela. Sou eu. – Filipo se levantou do chão.
- ¿Vas a volver a Brasil ahora? ¿Puedes darme un paseo? Tengo que estar en São Paulo por la tarde para firmar un contrato.
(Você vai voltar para o Brasil agora? Você pode me dar uma carona? Tenho que estar em São Paulo à tarde para assinar um contrato.)
- Podemos sim. – Respondeu Luiza. – Espera, é você que vai fazer aquela série brasileira de ação, não é?
- Sí, soy yo. Es un remake de una serie norteamericana, en la verdad.
(Sim, sou eu. É um remake de uma série norte americana, na verdade.)
- Agora me lembrei! Estávamos no mesmo clube e eu te chamei para um after aqui no hotel. Você viu que éramos brasileiros e tentou treinar português conosco.
- Pero mi portugués es péssimo y estábamos todos borrachos...
(Mas meu português é péssimo e estamos todos embriagados…)
- Se você quiser, quando estiver lá em São Paulo podemos sair mais vezes para você treinar o idioma... – Luiza arriscou.
- ¡Me encantaria!
(Eu adoraria!)
✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧
Com uma dor de cabeça excruciante, Luiza conseguiu chegar a tempo ao escritório para seu café diário com sua mãe.
- Que cara é essa, filha? Você lavou o rosto de manhã? Temos uma reunião com o pessoal da Ventura daqui a pouco.
- Ventura? O serviço de streaming? Você não me falou nada que teríamos uma reunião com eles hoje!
- Eu coloquei na nossa agenda partilhada, está aí no aplicativo.
- Você sabe que eu nunca checo isso, mãe.
- Pois deveria começar a checar.
- E sobre o que é essa reunião? Nós vamos comprar ações deles? Nem sabia que tinham capital aberto.
- Eles não têm capital aberto ao mercado. Vamos comprá-los.
- Oi? Comprá-los? Como você conseguiu manter isso escondido da mídia?
- Porque nem eles sabem ainda. Eles pensam que essa reunião é para um patrocínio.
- Como você vai comprar algo que nem está à venda?
- Já fiz algumas investigações, estimei o capital, farei uma proposta que irá ao menos fazê-los pensar sobre.
Nisto, o ramal responsável pela segurança tocou no telefone do escritório.
- Sra. Cecília, a srta. Luiza está com a senhora?
- Sim, por quê?
- Tem uma Daniela aqui que quer falar com a srta. Luiza. Tentamos localizá-la no escritório dela, mas nos foi informado que ela está aí. Ela poderia vir aqui no lobby por favor?
- Você conhece alguma Daniela, Lu?
- Conheço sim, por quê?
- Porque seja lá quem for, ela está lá embaixo esperando para falar contigo.
Mesmo estranhando, Luiza interrompeu seu café matinal para encontrá-la.
✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧
- Hey, está tudo bem? – Luiza questionou, ao encontrar Dani.
- Está sim, só vim devolver a jaqueta que você me emprestou no sábado.
- Eu te emprestei uma jaqueta?!
- Você realmente tem amnésia seletiva quando bebe demais. – Dani riu. – Estava frio, Ayla parecia estar mais preocupada em contar sobre as aventuras dela, e você me emprestou sua jaqueta.
- Nossa, eu realmente não me lembrava. A propósito, por que você não foi com a gente para o resto do rolê?
- Nós viramos a madrugada de sábado em uma balada cujo nome nem sei pronunciar direito, eu já estava exausta e vocês pareciam não se esgotar nunca! Domingo de manhã eu só queria minha cama, um copo de achocolatado quente e um bom sono.
- Entendo... poxa, você perdeu a melhor parte, Ayla decidiu ir para Buenos Aires terminar o fim de semana por lá.
- Ela me contou... ouvi dizer que você ficou com aquela atriz argentina...Yanina?
- Ayla te contou isso? – Luiza ficou sem graça. – Não ficamos, na verdade, ela veio com a gente para uma reunião sobre a nova série dela.
- Aquela nova série da Ventura?
- Isso, aquela nova série da Vent...espera. – Luiza arregalou os olhos.
- O que houve?
- Eu preciso voltar rapidinho para o escritório, você pode me esperar?
- Eu tenho que voltar ao trabalho agora, só vim devolver sua jaqueta mesmo...
- Certo... se você sair mais tarde do trabalho, podemos ir juntas para a faculdade novamente?
- Acho qu-
- Perfeito! Nos vemos à noite então! – Luiza deu as costas e saiu correndo para o corredor.
✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧
- Mãe, o pessoal da Ventura vem para pedir patrocínio para a nova série?! – Ofegante, Luiza retornou ao escritório de Cecília.
- Exatamente.
- E daí você vai oferecer de comprar a companhia toda, mas e se eles recusarem e quiserem somente o patrocínio?
- Não. Meu objetivo é a compra.
- Mas à tarde eles já estarão fechando contrato com os atores, se você negar esse patrocínio pode complicar para eles, não? Acho que eles estão contando com isso!
- De fato, nos últimos tempos eles têm tido algumas dificuldades com patrocinadores. Mas quanto maior o desespero, melhor.
✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧
Lorenzo estava no meio da sua leitura diária de e-mails quando foi avisado da chegada de Erick. Ajustou sua gravata e deu uma olhada no pequeno espelho que ficava na gaveta de sua escrivaninha. Erick também chegou surpreendentemente bem arrumado, de cabelo cortado, camisa e calça social, além de uma pasta com diversos papeis.
- Professor Erick Sanches, que prazer tê-lo aqui.
- O sr. Deputado sabe meu sobrenome?
- Pode me chamar de Lorenzo. E sim, eu pesquisei sobre você. Sua família é de São Paulo, não é? E você se formou lá.
- Isso mesmo. E fiz meu mestrado aqui. Foi no meio do meu mestrado que aconteceu o episódio com aquele militar que me deixou, sem querer, meio famoso.
- Certo, certo. Eu não poderia dizer isso, mas confesso que ri bastante ao ver o vídeo. Ele bem que mereceu. Mas não estamos aqui para falar sobre isso, e sim sobre uma sugestão de projeto de lei do PPBD, correto?
- Correto. – Erick começou a retirar algumas folhas da pasta. – As cargas horárias de matérias de humanas, com as reformas feitas, diminuíram em níveis colossais. Já foi provado que matérias como história, filosofia e sociologia são de extrema importância para a formação do cidadão em seu desenvolvimento dentro da sociedade. Dentro desse projeto de lei, sugerimos a obrigatoriedade de tais disciplinas para o currículo acadêmico e, caso não consigamos, oferecemos opções de incentivo a escolas que se propuseram a reintegrar tais disciplinas. Tal incentivo teria como fundo financeiro 15% do valor estipulado que será obtido pela taxação de grandes fortunas, a lei de sua autoria que foi recém aprovada.
- Fez bem sua lição de casa, professor Erick. – Lorenzo sorriu. – Mas não precisava ter imprimido. Poderia ter trazido um pen drive ou ter salvado na nuvem para me mandar por email.
- Eu fiz tudo isso. Mas imprimi também caso prefira ler em papel.
- Muito obrigado. Eu tenho uma reunião na semana que vem com o Ministro da Educação. Gostaria de participar?
- Está falando sério?
- Sim.
- Eu adoraria! – Alguns segundos de silêncio se sucederam. – Erm...no próximo final de semana estamos nos organizando para ir para São Paulo, na parada LGBTQIA+, vamos fazer um bloco com cartazes contendo dados brasileiros sobre violência contra minorias. Seria muito importante se você pudesse participar desse bloco, deputado.
- Com todo prazer! Já tenho que ir para São Paulo mesmo, e aproveito a viagem.
✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧
No horário marcado, estavam o CEO da empresa de streaming e sua equipe, além dos produtores da série que seria produzida e estava atrás de patrocínio.
- Cecília Gutierrez, a lenda diante dos meus olhos! – Vitor Cunha, o CEO, cumprimentou a empresária com um afável aperto de mão. – Confesso que fiquei surpreso quando fui chamado para uma reunião sobre patrocínio de uma de minhas séries.
- Acredito que esse encontro trará bons frutos até o final. – Disse Cecília, guiando-os para a sala de reuniões com uma mesa farta de quitutes adocicados.
A reunião se iniciou com Pablo Sousa, um dos integrantes da equipe de Vitor e produtor da série, apresentando a sinopse do projeto de série que estava elaborando. Cecília deixou a primeira parte correr sem interferências, como se estivesse disposta a patrocinar. Foi quando finalizaram a apresentação que a magnata se levantou:
- Vitor, Pablo, sei que a Ventura faturou cerca de 250 trilhões no último trimestre, mantendo-se razoavelmente equilibrada. Também sei que vocês não têm capital aberto, mas a empresa apresentou certas dificuldades ao concorrer com o streaming argentino que acabou de sair, com um preço mensal bem mais em conta que o brasileiro e um catálogo páreo. Sei também que a contratação de atores argentinos está fazendo parte de um plano para competir com o crescente das produções dos porteños da Maximus Veritá, e que vocês necessitam de patrocínio para solidificar tal competição. Mas venho oferecer algo melhor. Quatorze bilhões de reais. Dois a mais do que a empresa vale atualmente em receita líquida.
- Quatorze bilhões? – Vitor olhou assustado. – Você quer comprar a Ventura?
- Isso.
- Mas nós não estamos à venda.
- Eu sei. Mas quero comprar mesmo assim.
- Eu realmente não estava esperando por isso... – Vitor engoliu a seco, estava atordoado com tal proposta.
- Converse com a diretoria, com seus assessores. A decisão final é sua.
Luiza acompanhava a reunião atônita. A maneira que sua mãe falava e gesticulava era algo admirável. A equipe de Vitor saiu completamente muda, e o CEO prometeu dar uma resposta dentro de alguns dias.
- Eles vão jogar para 20 bilhões. Anote o que estou falando. – Disse Cecília, quando restavam só ela e a filha na sala.
- Como sabe?
- Não viu os olhos de Vitor brilharem? Ele vai pedir mais, bem mais. Vou chegar até 16 e encerrar as negociações. Ele sabe que não consegue, sozinho, concorrer com o streaming argentino, mesmo com ótimas projeções. E ele também sabe que se eu não conseguir comprá-lo, vou investir na Maximus Veritá, que tem capital aberto, e será o fim dele.
✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧
No hospital, enquanto Ana Beatriz evoluía os pacientes em um dos computadores do setor, ouvia uma televisão ligada em um canal de fofoca comentando uma notícia urgente sobre a possível aquisição da Ventura Streamings pelo Grupo Gutierrez. Rapidamente, Ana Beatriz pegou seu celular e ligou para Magdalena.
- Mamãe, você ficou sabendo dessa aquisição da Ventura?
- Fiquei sabendo pela internet, filha. Cecília não me fala mais nada desde o divórcio.
- Mas isso não deveria ser uma decisão conjunta?
- Ela é a diretora e proprietária majoritária do grupo Gutierrez. Quem decide a parte de compras e vendas é ela.
- Entendi. E como está a vida aí no Rio? E a Cláudia?
- Estou bem. A Cláudia está b-espera, como você sabe da Cláudia?
- Fala sério, mamãe. Saiu esses dias em um desses tabloides de baixa qualidade uma foto de vocês duas caminhando na praia.
- Você sabe se a Luiza chegou a ver?
- Se viu, não comentou comigo. Por quê?
- Ela captou quando esteve aqui no Rio, e pareceu bem chateada. Mas como você é mais velha, posso te explicar melhor: eu nunca traí sua mãe. Comecei a me relacionar com ela após Cecília e eu decidirmos nos separar.
- Vou ser bem sincera, eu nunca entendi o término de vocês. Mas ambas são adultas e respeito sua decisão. Se quiser, Dennis e eu podemos ir aí para um brunch, eu vou ter a manhã livre e ele folga o dia todo. Além disso, São Paulo vai estar um caos com a Parada e Dennis detesta bagunça.
- Vou adorar! Avisarei a Claudia e combinamos.
- Perfeito! Agora preciso ir que estão me chamando, acabou de chegar um trauma abdominal aqui. Beijão.
✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧ ✧✧✧✧✧✧✧
Já de noite, no horário estipulado, Dani e Luiza começaram o que logo se tornaria rotina de irem juntas à faculdade. Por mais que Luiza tivesse terminado seu trabalho um pouco antes, aproveitou para matar tempo até dar o horário de comprar seus damascos desidratados e dividi-los com a colega no caminho para a faculdade.
- Não me diga que é verdade que sua mãe vai comprar a Ventura?
Luiza apenas respondeu com uma expressão facial e começou a comer os damascos.
- Ah, qual é, não vai me adiantar nada?! – Dani deu um soquinho amigável no ombro de Luiza.
- Estamos em negociações ainda... eu sei tanto quanto você. Não sabemos o que vai ser até o CEO da Ventura dar sua resposta.
- Entendo...e o resto do seu dia, como foi?
- Meu dia? – Luiza estranhou a pergunta, que geralmente era feita apenas por sua terapeuta.
- Sim...seu dia...?
- Foi tranquilo, acho. Na maioria dos dias, acompanho alguém da diretoria ou vice-diretoria para entender o fluxo de serviços. Quando tem reuniões, eu acompanho, e por aí vai.
- Não vai perguntar do meu dia?
- Ah, desculpa. Eu não estou acostumada com isso. Como foi seu dia?
- Escuta essa, uma das vendedoras começou a bater boca com uma mulher que foi lá que a acusou de vender o pacote turístico errado. Só que a mulher esqueceu de ler que no contrato a promoção daquele pacote só valia para datas fora do período de alta temporada. Aí a vendedora teve que me chamar para ler as linhas miúdas que a mulher se recusava a prestar atenção.
Luiza tentava prestar atenção mas se dividia entre olhar para a amiga e olhar para a tela do celular.
- Lu, essa é a parte engraçada, a mulher ficou completamente sem graça porque não leu o contrato, você está permitida a rir, ok?
- Ah! – Luiza acabou rindo, de qualquer jeito.
- Você não achou graça nenhuma né...
- Eu achei sim, achei sim! Eu juro, eu estava prestando atenção, é que eu precisava responder aqui e-
- Com quem você está falando tanto? – Curiosa, Dani foi bisbilhotar a tela do celular da amiga.
- Hmmm, é a atriz argentina? Você vai sair com ela hoje ainda?
- Vou sim... ela está meio chateada porque adiaram a assinatura do contrato da série. Você consegue assinar presença para mim na aula depois do intervalo?
- Na aula da professora Osler? Tem certeza? Ela é bem restrita.
- Ela não está nem aí para a minha presença. Aliás, parece que ela não está nem aí para nada. Uns anos atras ela trabalhava para o Grupo Gutierrez. Ficou três meses lá e pediu demissão sem explicar absolutamente nada. Era vice-diretora adjunta do ramo interamericano.
- Não se abre mão de um cargo desses sem algum motivo.
- Pois é, nunca soubemos. Ninguém nunca soube. Apenas deixou a carta dela e foi embora. Trabalhou um tempo no sul do Brasil e voltou para dar aula na Faculdade.
- Ela me parece shady. Olha eu, já estou que nem vocês, misturando palavras em inglês no meio da frase!! – Enquanto Dani ria, Luiza jogava damascos na amiga , em uma espécie de afável retaliação.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: