Nunca Te Amarei -- Capítulo 23

Kristen olhou para ela, erguendo as sobrancelhas, pensou por alguns minutos, respirou fundo e continuou a conversa normalmente. 

-- Corrigindo. Na verdade, eu tentei namorar com ela, mas ela me deu o fora.

-- Ah, eu bem que achei estranho -- disse Ingrid, aliviada. Luciana não seria tão louca a ponto de namorar a filha do ex-amante, irmã do seu filho.

-- Só por curiosidade, onde está o pai do Dudu?

-- Ele morreu -- ela respondeu de imediato.

-- Há quanto tempo?

Ingrid começou a ficar nervosa, aquele interrogatório havia tomado um rumo perigoso. 

-- Acho que há uns dois anos -- mentiu -- Não tenho certeza.

-- Luciana morava com ele?

-- Céus! -- exclamou Ingrid, olhando para o relógio de pulso -- A mãe da Luciana já deve estar preocupada. Vamos, Dudu?

-- Vamo, "Ingui". Tau, Kiss.

-- Tchau, cara.

Kristen esperou até Ingrid estar a uma boa distância para pegar o celular e ligar para o RH da empresa.

-- Aqui é a Kristen Donatti, me passa o endereço da funcionária Luciana... Sei lá o sobrenome dela, ela trabalha como minha secretária, procura no arquivo da empresa.

Minutos depois, a moça respondeu. Kristen ouviu incrédula.

-- Tem certeza de que ela mora no bairro de Ipanema? -- irritada por ter sido enganada, Kristen chutou uma pedrinha e ficou observando ela bater no pneu de um dos carros estacionados no pátio -- Tudo bem, então, me manda o endereço por whatsapp.

Kristen desligou, encostando-se na porta do carro. Os eventos dos últimos dias ocupavam seus pensamentos com clareza. Foi enganada. Luciana demonstrou seu verdadeiro caráter. 

A imagem humilhante de que todos sabiam da verdade, menos ela, não a deixava em paz. Sentiu que a raiva tornava-se cada vez mais intensa; uma raiva que não conhecia limites, poderosa a ponto de produzir reações físicas que até então desconhecia. Nesse momento Jefferson apareceu. Kristen lembrou-se do teatro que eles armaram e teve vontade de matá-lo com as próprias mãos. Seria a única forma de saciar a sede de vingança que a sufocava. Abaixou-se, apanhou um punhado de brita e atirou sobre ele. 

-- Seu trapaceiro sujo, mau caráter, canalha, mentiroso! -- e atirou outro punhado de brita -- Seu rato!

Jefferson encolheu-se, sem poder retomar o fôlego, de tanto medo.

-- O que eu fiz, senhorita Kristen?  

-- O que você fez é? Eu vou dizer o que você fez. Entra no carro.

-- O que? -- ele perguntou, choroso.

-- Entra no carro -- ela repetiu, no limite da paciência -- Vamos dar uma voltinha.

Luciana empilhou alguns papéis sobre a mesa e desligou o computador, desejando mentalmente que não aparecesse algum trabalho de última hora. Deu uma olhada no espelho e achou que estava bem. Não ia mesmo encontrar ninguém a caminho de casa, não tinha ninguém para quem se arrumar. Nada de Kristen para inspecioná-la, como sem dúvida ela devia ter feito todas as vezes que se encontrava com ela.

Virou-se para ir embora, mas Jaqueline a deteve.

-- Amanhã é sábado. Algum compromisso?

-- Não, não tenho nada marcado para amanhã.

-- Gostaria de sair comigo? Podemos ir a algum lugar, dar uma volta. Eu vou buscá-la em casa -- Jaqueline sorriu -- Temos que continuar aquele assunto sobre a Donatella. 

-- Está bem. Estou muito curiosa, também tenho umas coisinhas para te contar. As duas horas? -- Jaqueline respondeu com um sinal de positivo -- Então, até amanhã.

Kristen andava de um lado para o outro da sala, enquanto Jefferson e Rick tentavam amenizar a situação.

-- Tadinha da Lú, ela estava com medo de ser demitida -- disse Rick.

-- Ela não tinha onde deixar o Dudu, a empresa era a única opção.

Kristen cruzou os braços, suspirou e ficou olhando para o teto. 

-- Eu sei de tudo isso, criaturas! O que eu não entendo é porque mentir que a Letícia é a mãe do garoto? Podia simplesmente falar a verdade.

Jefferson sabia o verdadeiro motivo, mas morreria com o segredo.

-- Foi a Letícia quem sugeriu mentir, ela queria usar o menino para segurar o namoro.

-- É isso mesmo -- confirmou Rick -- Eu sou testemunha disso.

Kristen não disse nada, apenas pegou a chave do carro de cima da mesa e enfiou no bolso.

-- Vamos -- ela disse, finalmente.

-- Aonde? -- perguntou Jefferson, assustado.

-- Adivinha -- Kristen deu uma piscadinha -- Vamos logo.

Kristen e Jefferson deixaram o apartamento rapidamente, e foram para a garagem que hospedava a Ferrari vermelha. Ela fez o trajeto de meia hora em quinze minutos. Pegou a Avenida principal, depois, Jefferson indicou o caminho que os levou a uma rua mais afastada, estreita e com prédios baixos. Kristen parou, desligou o motor e desceu do carro. 

-- Então é aqui que a dona Luciana mora! Quanto empenho em me levar para aquele fim de mundo naquele dia. 

-- Mais respeito, aquele fim de mundo é o lugar onde eu moro. Luciana mentiu que morava comigo para que você não invadisse o apartamento dela do jeito que invadiu o meu. 

-- Não invadi coisa nenhuma, não tenho culpa se você é um depravado e anda pelado pela casa.

-- Pelado? Pois fique sabendo que naquela noite eu estava vestindo Calvin Klein, a mais famosa underwear do mundo.

-- Sério? -- Kristen fez uma careta -- Não lembro. Talvez tenha ficado em choque com a visão -- ela ligou o alarme do carro e deu dois passos em direção à portaria do prédio -- Vem, vamos fazer uma surpresa a família Camargo. 

Luciana olhou pelo olho mágico franzindo o cenho antes de abrir a porta.

-- Jefferson? -- exclamou Luciana, obviamente intrigada por sua presença. 

-- Me desculpa, Lú, mas...

Kristen puxou ele pelo pescoço e o empurrou para o corredor.

-- É aqui que mora a dona Luciana? -- Kristen perguntou sem preâmbulos. 

O espírito de Luciana saiu do corpo, mas voltou logo em seguida.

-- O que está fazendo aqui? -- a voz saiu trêmula.

Sem ser convidada, Kristen entrou na pequena sala e encostou-se contra a parede pintada de bege, deixando poucos centímetros entre as duas. Estava desapontado por ela ter mentido. Mas, naquele momento, a raiva era o sentimento que se sobressaía a qualquer outro que pudesse existir.

-- Não tente bancar a santinha comigo -- Kristen deu uma volta pela sala e voltou até ela -- Vai precisar de toda a sua inteligência para explicar a situação. Ou irá olhar nos meus olhos e continuar a mentir? 

Luciana piscou os longos cílios sobre os olhos profundamente castanhos camuflando seu medo. 

-- O que você está fazendo aqui?

-- Vim perguntar pessoalmente o motivo de ter mentido sobre o Dudu.

Luciana engoliu em seco e olhou em direção a porta do quarto da mãe, se ela aparecesse a situação ficaria bem pior.

-- Como você ficou sabendo que eu sou a mãe do Eduardo?

-- Me encontrei com a sua amiga Ingrid no estacionamento da empresa e ela me contou tudo.

-- Tudo? -- Luciana estava insegura, o que seria esse "tudo" mencionado por Kristen? -- O que foi que ela lhe contou?

-- O suficiente -- ela cruzou os braços -- O bastante para me fazer ver que não posso mais confiar em você. Como não posso confiar em nenhuma mulher. Mas, afinal, eu nunca me deixei enganar pelos seus diferentes papéis, fosse aquela sorridente e simpática Luciana, fosse a outra, quietinha e fria como um iceberg.

-- Não, Kristen -- Luciana sorriu controladamente para ela -- Se tem uma coisa que eu não sou é falsa. Eu não tive a intenção de mentir, o problema é que a situação progrediu de tal forma que se transformou em uma grande bola de neve. Saiu do meu controle.

Os olhos de Kristen se apertaram, focalizando os lábios dela. Luciana teve de se controlar para não se afastar. Kristen não ousaria. Não ali no seu apartamento. No escritório só as duas. Bem, isso era diferente, mas ali? 

-- Não sei no que está pensando -- Kristen disse com voz gelada.

Luciana corou. Ainda bem que ela não sabia.

Kristen continuou.

-- Estou pensando em demiti-la.

-- Não! Você não pode me demitir -- Luciana respondeu, desesperada. 

Kristen sorriu maldosamente do choque surpreso dela.

-- Eu não fiz nada para merecer ser despedida -- Luciana se alterou, numa trémula mistura de desafio e insegurança.

-- Não? Você traiu a minha confiança, sem falar que me fez de palhaça para todos na empresa. Será que isso não é razão suficiente para dispensar os seus serviços?

-- Seria se eu tivesse feito isso de caso pensado, mas não fiz -- ela disse, insegura. 

-- Será?

-- Droga Kristen -- gritou Luciana. O choro de Eduardo veio de dentro do quarto -- Luciana bateu a palma da mão contra a parede -- Viu o que você fez? 

Kristen a encarou indignada.

-- Eu? É você quem está berrando como uma louca -- Kristen assustou-se quando Laura apareceu como um fantasma. Piscou várias vezes antes de ter certeza que ela realmente estava ali. É claro que Laura estava ali. Elas são irmãs, provavelmente moram juntas.

-- O que está acontecendo aqui? Vocês assustaram o Dudu.

Laura estava descalça, seu pijama sexy marcando o traseiro bem formado. Kristen ignorou a vista deliciosa. Estava ali para desmascarar Luciana e não para apreciar a bunda de Laura. Não iria embora sem respostas.

-- A sua irmã não consegue controlar o volume da voz -- ela disse, olhando de cara feia para Luciana.

-- Comportem-se por favor -- ela olhou para Luciana, franzindo a testa -- A sua sorte é que a mamãe é surda.

Laura saiu e Luciana aproveitou para voltar ao assunto.

-- Eu sei que errei, que não devia ter deixado a Letícia usar o meu filho para amolecer o seu coração -- disse Luciana, com uma pitada de ironia.

-- Não devia ter me feito de boba -- Kristen olhou para o lado -- Odeio isso!

Eduardo voltou a chorar, Luciana respirou fundo.

-- Já volto -- minutos depois, Luciana reapareceu na sala, com Eduardo chorando sobre um de seus ombros. Ela acariciou as costinhas do filho enquanto olhava para Kristen.

-- Você está com o orgulho ferido, por isso toda essa revolta.

-- Não é isso, tenho que confiar em quem trabalha comigo.

O choro de Eduardo se tornou mais vigoroso, e Luciana começou a balançá-lo.

-- Você pode confiar em mim! -- Luciana gritou, quase estourando os tímpanos de Kristen. 

-- Desse jeito o Dudu não vai parar de chorar -- ela deu um olhar irritado para Luciana. 

-- Ah, é? Tente você, então -- disse Luciana.

Para surpresa de Kristen, Luciana inclinou o menino em sua direção, a loira automaticamente estendeu os braços para segurar a criança.

Eduardo deu uma olhada para o rosto de Kristen e sorriu, sonolento. Lágrimas escorriam pelos cantos dos olhinhos verdes, o pequeno rosto estava vermelho pelo choro. Ele subitamente parou de chorar e em segundos, estava dormindo novamente.

-- É inacreditável como esse menino te ama -- suas palavras saíram como uma triste constatação. Luciana foi em direção ao corredor.

-- Aonde você vai? -- perguntou Kristen, espantada.

-- Colocar ele na cama. Vem. 

Com delicadeza, Kristen colocou Eduardo na cama e cobriu-o com uma manta bem colorida com estampa da Patrulha Canina. Luciana fez um sinal a ela para que saíssem. No corredor, ela apontou para a porta ao lado da porta do quarto de Eduardo. 

-- Já passa da meia-noite -- ela sussurrou -- Vamos conversar em meu quarto. 

Kristen apenas balançou a cabeça concordando. Era difícil falar quando faltava o fôlego. 

Fim do capítulo