Nunca Te Amarei -- Capítulo 22

Com uma leve cotovelada na costela, Luciana alertou Jaqueline que era a sua vez de se manifestar. A amiga limpou a garganta e respondeu aparentemente calma, consciente dos dois pares de olhos fixos nela.

-- Hoje o senhor João Victor passou dos limites.

-- O que ele fez de tão grave para a senhorita dar esse chilique?

Luciana olhou-a, irritada. 

-- Ele humilhou o Jefferson só porque o coitado pediu uma oportunidade de transferência para trabalhar naquilo em que ele é formado.

-- Podia pelo menos ter prometido pensar no assunto -- comentou Jaqueline.  

Luciana ficou olhando ansiosamente para a chefe, seus olhos estavam fixos nela, à espera de sua reação.

Kristen desviou o olhar, pousando-o no vaso com flores.

-- Bem, ele é o diretor financeiro, deve saber o que faz -- disse ela em voz baixa. 

-- Mas e a norma interna que você criou? -- disse Luciana com uma voz tensa, como se tivesse gritado. Kristen se encolheu como se Luciana tivesse batido nela.

-- Credo, dá pra falar mais baixo? 

-- Desculpa, fiquei nervosa.

Balançando a cabeça, Kristen atravessou a sala, caminhando na direção da porta de sua sala.

Luciana esperou até que ela tivesse se afastado uns dois passos para comentar com Jaqueline:

-- Todos estão comentando que o senhor João tem mais poder que a própria presidente da empresa. 

Ao ouvir as palavras dela, Kristen parou à porta da sala, mantendo-se de costas por alguns segundos, depois, virou-se muito irritada.

-- Quem está comentando uma besteira dessa?

Luciana olhou para o chão

-- Todos -- ela murmurou, hesitante, tirando os olhos do chão -- Mas não dê importância a isso, senhorita Donatti, o povo fala mesmo.

Kristen franziu o cenho. Os olhos faiscavam enquanto seu orgulho vinha à tona.

-- Ninguém tem mais poder que eu nessa empresa! Ninguém! Chama o Jefferson -- ela disse e entrou na sala batendo a porta atrás de si.

Jaqueline riu baixinho.

-- Meu Deus! Como você conseguiu isso? Estou com medo de você.

Luciana também riu.

-- Esqueceu que eu tenho experiência com os Donatti? -- ela disse sorrindo, ao se lembrar de Arthur, sua arrogância, sua personalidade forte e dominadora. Poucos eram capazes de convencê-lo a fazer qualquer coisa que não quisesse. Com o tempo, Luciana descobriu que o orgulho era o ponto fraco de Arthur -- Kristen herdou o mesmo temperamento do pai, porém, com uma diferença: O gênio impulsivo de Kristen a faz agir sem refletir.

-- Você tem razão. Ela nem avalia os resultados.

-- Bem, vou chamar o Jefferson, antes que ela mude de ideia -- Luciana pegou o telefone e discou o número do setor financeiro. Assim que ele atendeu ela inclinou a cabeça, como se isso pudesse esconder sua voz -- Vem, agora mesmo --  murmurou rapidamente.

Jaqueline sentou-se de frente para Luciana, apoiou o queixo na mão e fitou-a por um tempo.

-- Estive pensando, Lú. Com os conhecimentos que você tem em administração e finanças, você bem que podia ajudar a Kristen a retomar o controle da empresa. Do jeito que as coisas estão indo, a empresa não suportará. A senhora Donatella está afastando os antigos clientes, ela não cumpre os contratos mesmo já tendo recebido parte do pagamento.

Luciana olhou para Jaqueline e apoiando as mãos na mesa, ficou lentamente de pé.

-- Meu Deus! Você contou para a Kristen?

-- Eu já tentei, mas ela nem fez questão de examinar os documentos.

Luciana continuava pasma com a revelação.

-- Então...Talvez...Os balancetes não estejam errados...

-- O que tem os balancetes?

Um toque na porta interrompeu a conversa.

-- Conversamos depois -- disse Luciana. A porta se abriu para revelar a figura hesitante de Jefferson -- Entra, Jeffe. 

Jefferson apertou os olhos e deu uma olhada para a amiga.

-- A senhorita Kristen vai me atender? 

-- Vai. Eu disse para ela que o senhor João Victor foi muito grosso com você e se acha o dono da empresa.

-- O que não é mentira -- ele comentou.

Jaqueline pegou a sua bolsa e se levantou.

-- Eu vou até o refeitório buscar um sanduíche para o Dudu, já volto.

Luciana balançou a cabeça, sorrindo, depois, bateu de leve na porta da sala de Kristen, virou a maçaneta e abriu. 

-- Com licença, senhorita Kristen. O Jefferson está aqui.

-- Entre, Jefferson -- ela disse, ajeitando-se na cadeira.

Jefferson parou no meio da sala, olhou primeiro para a chefe, depois para a amiga. Luciana estava consciente todo o tempo do olhar de Kristen sobre ela.  

-- Com licença -- ela disse, saindo depressa da sala. Sentou-se à sua mesa e tentou se concentrar no trabalho. Quando viu que era impossível, pois não parava de pensar no que estava acontecendo dentro da sala de Kristen, levantou-se, foi até a janela e ficou olhando para fora. Como será que Jefferson está se saindo? Será que travou diante de Kristen? Ela sabia ser bem malvada quando queria. Coitado do amigo.

Assim que viu Jefferson sair da sala de Kristen, ela correu em sua direção. Ele estava com uma cara tão desanimada que ela ficou preocupada.

-- E aí? Como foi? 

Jefferson baixou os olhos e permaneceu em silêncio. Luciana perguntou novamente, sua aflição ecoou pela sala.

-- Fala homem! Não me deixe nessa agonia.

Jefferson levantou a cabeça lentamente. Seus olhos brilhavam e havia uma expressão radiante de alegria em seu rosto.

-- Consegui! Eu consegui! -- ele dava pulinhos, mal contendo a alegria -- A senhorita Kristen ligou para a Vera do setor de projetos -- lágrimas de alegria correram pelo rosto normalmente sorridente de Jefferson -- Eu me apresento a ela amanhã -- o rapaz segurou o rosto de Luciana com as mãos -- Obrigado, nunca esquecerei o que fez por mim.

-- Você é um funcionário competente e habilidoso, Jeff -- disse Luciana, sorrindo carinhosamente -- O mérito é todo seu.

Assim que Jefferson saiu, Luciana foi para a sala de Kristen, bateu na porta e entrou.

-- Obrigada.

Kristen levantou a cabeça.

-- Por que?

-- Por ter dado uma oportunidade ao Jefferson.

-- Talvez estávamos desperdiçando um grande arquiteto. 

-- Tenho certeza que sim.

Luciana retornou a sua mesa, sentindo-se cansada. Mal podia esperar pelo fim de semana. Haviam acontecido tantas coisas naquela semana que a deixou esgotada. Logo de início foi transferida para a sala da presidência, o que a tinha desequilibrado totalmente. O contato tão próximo com Kristen, a perturbava, todo seu corpo reagia à presença dela de uma forma estranha, que jamais sentira.Tantas coisas estranhas, em rápida sucessão, quem poderia resistir? 

Na hora do almoço Luciana foi para o refeitório, encontrar Jefferson para almoçarem. O almoço com ele já tinha se tornado um hábito. Mas Jefferson estava tão absorto que deu um pulo quando Luciana parou ao lado dele. 

-- Lú! -- exclamou assustado.

-- Eu hein! -- ela disse, sorrindo -- Ainda nas nuvens?

-- Nem me fale, estou flutuando -- ele apertou os olhos -- Vamos almoçar em um lugar diferente hoje? -- ele perguntou em voz alta -- Hoje é por minha conta. Afinal, você me ajudou bastante, não é?

-- Por que não? -- ela segurou o braço do amigo e saíram do refeitório. 

Jefferson, contente daquele jeito, era uma companhia agradável, A refeição foi especial porque Luciana fez questão de escolher um dos pratos mais caros do cardápio.

-- Não está arrependido por ter me convidado? -- ela perguntou a Jefferson.

-- Mesmo que você repetisse três vezes a refeição, eu pagaria de bom grado. O que você fez por mim não tem preço.

-- Já disse que o mérito é seu -- ela apertou os lábios, deixando o menu de lado.

-- Acho incrível a facilidade que você tem de domar aquela garota. Ela parece um capeta, mas com você, ela se transforma. 

-- Engano seu, amigo -- Luciana disse, rindo -- Com ela, estou sempre pisando em ovos.

Antes de abrir a porta Luciana preparou-se para enfrentar o rosto delicado e lindo de Kristen, mas a cadeira dela estava vazia. Fechou a porta e retornou a sua sala. Mais uma vez Kristen não voltou a tarde. Uma estranha sensação de solidão tomou conta dela em sua mesa, ouvindo tudo em silêncio na outra sala. Kristen nada significava para ela, disse a si mesma com firmeza. Por que então sentia a falta dela? De uma maneira muito diferente de Arthur, claro. Ou seria a mesma coisa? Mas entre ela e Kristen não havia nenhum sentimento, muito menos amor. Kristen a tinha abraçado, beijado, mas nada disso significava para ela mais que uma mera diversão. Um toque na porta interrompeu os seus pensamentos. Laura entrou animada.

-- Boa tarde, irmã.

-- Boa tarde -- Luciana respondeu, sorrindo -- Entregou o Dudu para a Ingrid?

Laura balançou a cabeça afirmativamente.

-- Claro, se não fosse por mim, o menino estaria até agora na sala de descanso.

-- Eu sei, minha vida está uma bagunça ultimamente. Não estou conseguindo nem cuidar direito do meu filho.

-- Culpa da Donatti?

-- Sim, é culpa dela -- foi obrigada a concordar.

-- Está ficando bem. amiga dela, não? -- Laura perguntou, enquanto puxava uma cadeira para sentar-se em frente à irmã -- Não precisa responder se não quiser.

-- Não, não me importo -- ela garantiu -- Somos apenas chefe e funcionária, na verdade. 

-- Só isso? -- Laura pareceu surpresa.

-- Bem, sim e não. Aparentemente sim, mas acho que quando ela quer realmente uma coisa, ela se torna obsessiva. 

-- Hum. Além de bonita, confiante -- disse Laura de forma irônica! E sorridente -- Meu tipo favorito.

Luciana retribuiu o sorriso.

-- Eu, hein? Você não é disso.

-- Você também não, no entanto tá aí toda derretida.

-- Boboca! -- Luciana deu um tapa no braço da irmã.

O telefone de sua mesa tocou no momento em que Laura se levantava para sair.

-- Conversamos em casa -- disse ela, saindo porta a fora.

Luciana pegou o fone descobrindo, surpresa, que o coração batia mais depressa. Seria Kristen? Era Jefferson e seu coração pareceu murchar no peito.

-- Adivinha quem me procurou -- ele disse, contente.

-- Quem? -- ela perguntou, curiosa.

-- O senhor João Victor -- ele respondeu animado -- Vou até aí e conto tudo.

Kristen parou seu carro esporte na vaga reservada ao presidente da empresa. Ao sair do carro, ouviu a vozinha tão conhecida de Eduardo.

-- Kiss, ei Kiss!

Ela se aproximou sorrindo e abraçou-o com carinho.

-- Já está indo pra casa? Mas o expediente ainda não acabou!

O menino levantou o rosto e respondeu sem entender.

-- Ainda não?

Kristen achou engraçado e deu uma gargalhada.

-- Ainda não, mas como você é amigaço da dona da empresa, pode sair a hora que quiser -- ela desviou a atenção do garoto e olhou para Ingrid, a moça que conheceu há algum tempo atrás no Arpoador -- Olá, quanto tempo. 

-- Olá -- Ingrid olhou-a com o rosto sério e pensativo -- Estou um pouco confusa. Você trabalha aqui?

-- Eu sou a presidente da empresa.

Ingrid engoliu em seco e quase deu um treco. Como Luciana não a deixou a par dos últimos acontecimentos? E agora? O que ela sabia sobre o Eduardo?

-- Então, você é a filha do seu Arthur!

-- Sim -- Kristen respondeu, embora Ingrid estivesse fazendo uma afirmação, não uma  pergunta -- Eu assumi a cadeira do meu pai após o seu falecimento. Foi uma grande surpresa quando vi o Dudu andando pela empresa -- ela disse sorrindo e acariciando os cabelinhos que Eduardo tinha na nuca -- Foi uma grande coincidência eu ter namorado justo a mãe dele.

Ingrid arregalou os olhos, sem acreditar no que tinha ouvido.

-- Você namorou a Luciana?

Fim do capítulo