Nunca Te Amarei -- Capítulo 21

Sem saber o que responder, Luciana deu um passo à frente e pensou em correr para longe dela. De maneira discreta, Jaqueline tomou a frente e respondeu tranquilamente: 

-- A Letícia está reclamando que foi desprezada pela senhorita.

Kristen suspirou e balançou a cabeça. 

-- Não quero fofocas na empresa. É desperdício de tempo de trabalho. Ainda mais, quando uma das pessoas envolvidas na conversa sou eu. Estão entendendo? 

-- Entendo perfeitamente -- Luciana respondeu, imaginando como os olhos dela poderiam ser tão lindos.

-- Bom, agora vamos ao que interessa. O que você estava fazendo no setor financeiro?

Luciana pensou um pouco antes de responder: 

-- Fui passar o trabalho que estava fazendo, para o Jefferson terminar.

-- Hum -- Kristen balançou a cabeça, concordando -- Devo passar fora a maior parte do dia. Jaqueline lhe dará outras tarefas. Ela saberá sempre onde me encontrar, quando for necessário -- caminhou até a porta da sala, se virou e caminhou de volta até Luciana -- Vou solicitar ao RH um aumento de salário para você.

Luciana ergueu a sobrancelha, ao ouvir a boa notícia. Aumento de salário? Luciana se sentou. 

-- Obrigada.

Kristen balançou a cabeça.

-- Você merece.

Luciana ficou observando enquanto Kristen entrava em sua sala e fechava a porta atrás de si. Como iria conseguir trabalhar todos os dias ao lado de uma mulher cuja personalidade e magnetismo eram tão poderosos?

-- Que maravilha! Já está até ganhando aumento de salário. Pronto, já é a preferida da chefinha -- comentou Jaqueline.

-- Meu medo é a repercussão desse aumento de salário. 

-- Até já sei como a notícia será dada na rádio peão: Luciana não perde tempo, primeiro fisgou o pai e agora a filha. Que safada!

Luciana revirou os olhos.

-- Que pelo menos o aumento seja generoso e que valha a pena suportar as fofocas.

Luciana passou a manhã digitando contratos, aproveitando a paz e quietude do escritório sem a presença de Kristen. Na hora do almoço foi ao refeitório, onde as amigas, mortas de inveja, a cercaram para fazer perguntas. 

-- É verdade -- ela disse -- Mas eu vou apenas fazer as férias da Jaqueline. Assim que ela voltar eu retorno ao setor financeiro.

Jefferson estava por perto, quando as pessoas se afastaram ele chegou, perto dela. 

-- Vai almoçar com a menina do Rio?

-- Ela está fora hoje. E então, vamos nos sentar no lugar de sempre?

Ele fez que sim com a cabeça.

-- E o Dudu?

-- Ficou com a Jaque, vou preparar um pratinho de comida e levar para ele.

-- Até quando vai as férias dele?

-- Mais uma semana, ainda.

Durante a refeição, Luciana observou o amigo um pouco distante.

-- O que está acontecendo? Estou te achando meio aéreo hoje.

Jefferson baixou os olhos para o chão, procurando as palavras para expressar o que sentia.

-- Vou falar com ele, Luciana -- disse Jefferson de repente.

-- Com quem, Jeff? -- ela perguntou, sentindo já se confirmarem as suas desconfianças. 

-- Com o sr. João Victor. Estou decidido a sair do buraco onde me enfiei. Quero fazer um trabalho que seja realmente significativo. Eu sei que sou capaz de coisas mais interessantes, de desafios e objetivos maiores. Estou em um trabalho que não gosto, vivo insatisfeito com minha ocupação. 

Eu tenho um bom diploma, com mérito. Sou um arquiteto e não um faz-tudo dentro de um setor financeiro gerenciado por um homem que se acha o Nobel em economia. 

Luciana ficou meio preocupada. Viu, pela janela do refeitório, João Victor passar de volta ao setor financeiro. Ele era bem capaz de humilhar o amigo. Jefferson, era sempre tão depressivo, temia pelo resultado dessa conversa.

-- O senhor João Victor não me parece muito interessado em nossas reais capacidades. Na verdade, ele não parece estar nem aí para o nosso futuro profissão -- ela disse, afinal -- A gerente de gestão de pessoas é mais fácil de conversar e, pelo que sei, bem mais simpática e compreensiva.

-- Eu já conversei com ela.

-- E o que ela falou?

-- Que eu tenho de falar com o meu chefe imediato. Estou desanimado, Lú, se eu não conseguir mudar de trabalho... -- ele não concluiu a frase, deixando o sentido no ar. 

Luciana afastou o prato. Sabia que havia vaga no setor de arquitetura da empresa que cairia como uma luva para Jefferson, mas ele, com certeza, não teria a boa vontade do senhor João Victor. 

-- Só posso desejar que consiga o seu objetivo. Você é competente e responsável, merece que seja valorizado.

Particularmente, Luciana não acreditava que ele teria sucesso.

Ao saírem do restaurante ela se perguntava, porque estaria subitamente sentindo pena de si mesma. Kristen não voltou até o fim da tarde e a falta dela a deixava desanimada.

-- Você sabe onde a Kristen se mete quando desaparece assim, não sabe? -- ela perguntou à Jaqueline.

A secretária sacudiu a cabeça.

-- Ela tem bares por toda a orla e você sabe, o olho do dono é que engorda o boi.

-- Pensei que em um dia lindo como hoje, ela preferisse surfar ou namorar.

-- Não, não, dos negócios dela, ela cuida.

-- Entendo -- Luciana murmurou, sorrindo timidamente. Ela perguntou, sem saber bem se devia ou não entrar em terreno tão pessoal -- Você sabe se a Kristen já teve algum namoro sério? 

Jaqueline riu.

-- Duvido mesmo que ela tivesse levado alguém a sério. 

Então estava certa, pensou. Kristen é mesmo dura com as mulheres. Ela deve manipular as emoções delas até pensarem que conseguiram prendê-la.

-- Ela disse que fica com uma mulher, contanto que não houvesse nenhum compromisso.

-- É, ela me disse isso, sim. Ela gosta de ser livre para escolher, usar e jogar fora.

Jaqueline recostou-se na cadeira.

-- Você está apaixonada pela filha do Arthur?

Luciana teria se ressentido se a pergunta partisse de outra pessoa, mas vindo da amiga não era nada ofensiva.

-- Claro que não! -- ela sacudiu a cabeça veementemente -- Não, absolutamente. Ela não é o meu tipo.

Jaqueline levantou os olhos, ansiosa. Será que a amiga havia caído nas armadilhas do coração? Aquele olhar firme estaria escondendo alguma coisa? Ou seria apenas curiosidade? 

Luciana terminou de digitar e foi arrumar a sala da chefe. A sala de Kristen não era grande, mas sem a presença dela parecia ficar enorme. E vazia. Naquela noite ela ficou sentada em casa, assistindo televisão sem prestar atenção no que via. Laura entrou e ela nem percebeu.

-- Boa noite, cabeça de vento!

A voz da irmã despertou Luciana de seus devaneios e, somente então, ela percebeu que a irmã entrara na sala e a observava. 

-- Estou te chamando e você está aí parada, parecendo estar no mundo da lua -- Laura sentou-se no sofá com uma xícara de café na mão.

-- Estou um tanto distraída hoje. 

-- O que anda preocupando você? -- perguntou a irmã mais nova, tomando um gole do café -- Você tem agido de maneira estranha desde que a filha do Arthur assumiu a presidência. Parece triste e preocupada.

Luciana riu.

-- Não, ao contrário. Estou feliz, acabei de ganhar um aumento de salário. Você ficou sabendo?

-- Eu e toda a torcida do Flamengo -- anunciou Laura dramaticamente -- Pois fique sabendo que foi o comentário do dia na empresa -- ela sorveu um gole de café e franziu o cenho -- Estranho isso, né? Aumento de salário, substituir a Jaque durante as férias...

Luciana limitou-se a dar de ombros e mudou logo de assunto, começando a falar animadamente sobre como foi bom poder cuidar de Eduardo durante o expediente de trabalho.

Ao que parecia, a irmã, por sua vez, não queria mudar de assunto.

-- Mas, afinal, o aumento de salário foi animador? -- perguntou subitamente.

-- Ainda nem sei, a Kristen não falou em valores.

-- Ela disse o motivo do presente?

-- É claro que sim.

-- Pelo que vejo, não vai querer contar nada a respeito. Você ainda continua sendo a irmã fechadona. 

Luciana arregalou os olhos, perplexa. 

-- Eu não sou fechada. 

-- Você nunca conta nada a mim ou a mamãe. Sempre foi aquela que ouviu nossos problemas. Mas nunca nos contou nenhum dos seus.

--Talvez eu não quisesse preocupar vocês com os meu problemas.

-- Que besteira! -- Laura desviou o olhar para a xícara de café. Queria que a irmã lhe assegurasse que não nutria nenhum sentimento pela filha de Arthur. 

-- Você tem razão! -- disse Luciana, de repente -- Eu tenho mesmo andado quieta demais. Acontece apenas que eu... -- seria bom desabafar com alguém, mas não sabia ao certo por onde começar. Parecia algo absurdo demais para ser dito em voz alta -- Acho que a Kristen está dando em cima de mim.

Laura encarou-a. Luciana mexeu-se, pouco à vontade, no sofá. Sabia que era algo difícil demais de acreditar. Mas quando Laura explodiu em risos, bem, aquilo pareceu um tanto desnecessário. A irmã pegou-lhe a mão, apertando-a na sua. 

-- Ora, Lú, você é inacreditável! 

Luciana franziu o cenho, incerta quanto ao que aquilo queria dizer. Laura conseguiu, enfim, controlar o riso e abriu um de seus sorrisos encantadores.

-- Você acha que ela está dando em cima de você? Bem, eu sei que ela está dando em cima de você. Céus, a Kristen fica praticamente babando quando te vê. 

-- Não, isso não é verdade -- a expressão de Luciana era de incredulidade. -- Toda vez que eu a vejo perto de você, ela está olhando fixamente para você. 

-- Até pode ser. Kristen é uma namoradeira nata. Ela só quer brincar de conquistar, pura diversão!

-- Não acredito. Eu cheguei a achar que devia haver algo acontecendo entre vocês duas, mas, uma vez que você nunca mencionou nada, achei que não deveria perguntar. Há algo acontecendo? 

Luciana arregalou os olhos, as faces queimando. 

-- Não! 

O sorriso de Laura alargou-se. 

-- Bem, eu tenho a nítida impressão de que Kristen está realmente gostando de você. Que loucura! Nunca imaginei que a minha irmã fosse bissexual.

-- Não -- insistiu Luciana. Sabia que soava um tanto desesperado, mas aquilo não era o que esperava ouvir. Pensava que Laura lhe diria o que já havia dito a si mesma centenas de vezes. Kristen queria conquistá-la e depois descartá-la como fez com todas as outras namoradas. Provavelmente depois de todos os cortes que ela deu na garota, nem isso mais ela queria. Aquelas eram as respostas razoáveis. Não queria ouvir coisas que iriam fazê-la pensar na filha de Arthur. Os comentários de Laura não a ajudariam em nada naquele sentido. 

-- Você está imaginando coisas -- insistiu Luciana -- Tenho certeza de que Kristen está querendo se divertir às minhas custas.

-- É, talvez eu tenha visto mais do que realmente existe -- disse Laura -- O que será muito melhor para todos nós. Imagina a confusão que isso causaria?

Luciana soltou um suspiro profundo. Sim, era isso o que esperava ouvir da irmã. 

No dia seguinte Luciana encontrou Jefferson tomando café sozinho no refeitório. Ele parecia deprimido e desanimado.

-- Bom dia, Jeff.

-- Bom dia, mana -- por alguns segundos ele ficou olhando Luciana colocar o copo com café sobre a mesa antes de sentar-se -- Você tinha razão.

-- Sobre?

-- Sobre o senhor João Victor. O homem só faltou me dar um pontapé na bunda. 

Luciana balançou a cabeça.

-- João Victor sendo João Victor. Eu admiro muito você ter pensado diferente.

-- Sei lá, eu esperava pelo menos um: "Vou pensar".

Luciana engoliu um gole de café e o olhou significativamente. Tinha certeza de que ela era a pessoa mais indicada para ajudá-lo. 

-- Estou pensando em algo, talvez dê certo.

Jefferson arqueou a sobrancelha e olhou curioso para ela.

-- O que?

Luciana balançou a cabeça em negativa. 

-- Não vou falar nada para não criar falsas expectativas em você. Vou ver o que dá para fazer, mas não prometo nada. 

Luciana se concentrou no café e na bananada a sua frente. Já tinha um plano, agora, só faltava colocar em prática.

-- Ela está na sala? -- Luciana perguntou à Jaqueline, quando retornou do café.

-- Ainda não chegou. 

-- Hum.

-- Mas já deve estar chegando.

-- Vou ver o que o Eduardo está inventando.

Nesse momento ela ouviu o ruído de vozes se aproximando. Assim que reconheceu a voz de Kristen, sentou rapidamente em sua cadeira. Logo a porta se abriu e ela entrou linda e maravilhosa, vestindo um terninho escuro e discreto.

-- Bom dia, senhoritas.

Luciana quase caiu da cadeira. Por três ou quatro segundos ficou olhando a chefe. Confusa, ela ligou o sorriso automático e iluminou os olhos.

-- Bom dia, senhorita Kristen!  

-- Está com voz de secretária perfeitinha. É um belo progresso em apenas um dia de trabalho. A Jaqueline fez milagres.

-- Voz de secretária perfeitinha? Isso existe? -- perguntou Jaqueline. 

-- Existe sim. Voz dócil e agradável, música para os ouvidos da chefe.

Jaqueline balançou a cabeça e revirou os olhos.

-- Vou ver o que o Eduardo está fazendo.

Luciana olhou para a amiga, depois, virou-se para Kristen.

-- Muito obrigada por ter me dado essa oportunidade -- ela disse, tentando ignorar as palavras bobas da chefe.

-- Não agradeça, você vai ter muito trabalho. Não estamos aqui para brincar.

Luciana estava a ponto de explodir em gargalhadas, justo ela falando isso? Mas depois de um momento de luta ela conseguiu se controlar. 

-- Estou ansiosa.

-- Então, vamos trabalhar. Algum compromisso?

-- Consegui me livrar de uns cincos.

-- Ótimo -- ela sorriu para Luciana -- Menos de vinte e quatro horas como secretária e você já está melhor que a Jaqueline. Você é um achado, Luciana. 

Havia sarcasmo na voz dela outra vez. Com um meio sorriso, Kristen examinava o vestido azul de alcinhas, mas Luciana não sabia se o que ela olhava era o modelo ou o que havia debaixo do modelo do vestido.

-- Imagina, a Jaqueline é perfeita.

-- Claro, claro -- respondeu Kristen, entrando em sua sala.

Luciana caminhou impaciente pela sala, buscando coragem para colocar o seu plano em ação.

-- Está nervosa? O que a Kristen fez desta vez? -- perguntou Jaqueline, saindo da sala de descanso e sentando-se em sua cadeira -- Que saco isso!

-- Não! Ela não fez nada.

-- O que foi então?

-- Estou nervosa porque preciso fazer uma cena e você vai me ajudar.

-- Vou? -- Jaqueline olhou-a sem entender.

-- Vai -- Luciana se levantou e foi até ela -- É simples, só quero que você diga isso: -- Que arrogante, quem ele pensa que é? Ele pensa que é...

Kristen estava atrás de sua mesa, apoiada para trás em sua cadeira, um copo de suco em uma mão e o celular na outra.

Depois de um momento, ela pôs o copo sobre a mesa e se inclinou para frente. Ouviu a voz irritada de Luciana do lado de fora da sala. 

-- Que bagunça é essa? -- curiosa, se dirigiu para a porta. Quando abriu, Luciana continuava falando e, pelo tom de voz, com certeza estava indignada.

-- O que está acontecendo?

Franzindo a testa, Luciana virou-se abruptamente e encarou a chefe; não havia como negar que era uma grande atriz. 

-- Desculpe senhorita Donatti, mas o que fiquei sabendo me deixou p da vida.

Kristen ergueu a sobrancelha bem desenhada e olhou curiosa para Luciana.

-- O que você ficou sabendo?

 

Fim do capítulo