CAPITULO 12
NARA SHIVA
.Eu não conseguia esquecer as palavras de Ermelinda sobre o povo dos nove reinos, por muito pouco a guerra contra um mundo desconhecido não chegou às portas da reserva e sabe-se lá quantos outros mundos apoiaram os nove reinos, me arrepio só de pensar na catástrofe que poderia ter sido. Caminhando sem pressa aproveitando para sentir o aroma da floresta,Salém tem um cheiro absurdamente amadeirado de todos os odores misturados, frequentemente dava para ouvir as árvores rangendo, isso significava que seus galhos estavam aumentando de tamanho e o cheiro vinha mais forte, cheguei muito cedo na Academia de Magia onde ficava meu escritório, ou minha prisão de luxo. Era assim que me sentia cada vez que ouvia o grito das meninas em batalha. Quando acertavam ou até mesmo quando erravam, tudo era motivo para festa, e eu queria estar junto. Mas como Gilles sempre postergava a decisão de assumir a direção da academia no meu lugar, o jeito era cumprir minha sentença mais um pouco.
No mesmo pavilhão onde estava minha sala ficava a do Israfil e da minha beta. O restante do piso contava com uma sala de ressuscitação, que nada mais era do que uma ampla sala com duas câmaras equipadas com aparelhos ultra modernos para cremar corpos depois de serem estudados. Foi nesta mesma sala que as médicas da alcateia trabalharam na remoção dos dentes do verme de Middengar, uma vez que ele não tinha ossos.
Cada sala tinha um chefe do departamento da minha mais inteira confiança. Ananya era a diretora da sala de ressuscitação e da cremação, onde trabalhavam e estudavam Heloise,minha mãe, tia Barbara,Angel e Maya, se fosse no mundo dos humanos essa sala seria a sala de estudos da faculdade de biomedicina.
O saguão da entrada da academia bem de frente para quem chegasse a porta um espelho de cima a baixo que decorava a parede ao mesmo tempo que era usado para ver a alma da pessoa que ele refletia.
Quando cheguei à sua frente, fiz um exame completo para ver se não havia seres escondidos ou querendo passar pelo portal. Examinei tudo. Nada vi além de uma mulher de quase dois metros, cabelos pretos na altura dos ombros e olhos azuis. Vestia uma calça preta comprida e uma regata verde. Nos pés, apenas um velho tênis confortável. Era eu mesma, me sentindo confortável com as roupas. Odeio roupas apertadas, elas limitam nossos movimentos.
Assim que entrei, fui direto às janelas da sala, abri todas e recebi uma lufada de vento no rosto. Ouvi os gritos de euforia e curvei o corpo, escorada no batente, para ter uma visão completa do pátio lá embaixo. No centro, havia uma fila de lobas, incluindo Nalum e Nyxs, que pareciam ter percebido meu olhar e acenaram para mim.
― Vem, mamãe! ― Nalum chamou.
― Depois eu desço, ainda preciso resolver umas coisas aqui. ― Respondi, toda me coçando para me transformar em loba, cair lá embaixo e fazer festa com a liberdade.
― Meninas, prestem atenção aqui. Nalum e Nyxs, vocês são a próxima dupla. Se não prestarem atenção, vão se machucar. ― Miriam, (a grã-feérica híbrida que veio do mundo paralelo junto quando regressamos logo após salvarmos o anjo), chamou a atenção das guerreiras. ― Concentrem-se. Está tudo na força do pensamento. Agora vocês duas são uma só. Corram e vejam à sua frente não uma pilastra de concreto, mas uma pilastra feita de pequenos átomos de ar ou uma cortina de água que vocês vão atravessar. ― Professora Miriam está esquecendo que além de cimento ali tem muito ferro envolvido. ― E você dona Inaê, se tivesse assistido a aula passada de elementos químicos, ao invés de estar treinando salto a distância, saberia que o ferro em contato com o calor tende a ficar maleável, abrindo espaço para a passagem das duplas, cada uma de vocês tem no Dna o elemento fogo,ar, água, éter, terra. portanto o ferro não vai interferir na magia de vocês, diferente do que ele pode causar no meu povo As meninas escondiam o rosto para disfarçar as gargalhadas que foi impossível segurar olhando a cara de paisagem da loba, ja na posição de corrida. ―Saia da frente Inaê e aguarde sua dupla, Nyxs e Nalum podem começar. E a dupla correu. Já não eram mais as garotas alegres, ali estavam duas guerreiras aprendendo a fugir do adversário. Elas atravessaram a pilastra de concreto como se ela não estivesse ali. Não houve comemoração nem gritos.
Batidas insistentes na porta tiraram minha atenção do que acontecia lá embaixo, onde eu também queria estar.
― Pode entrar. ― Nahemah colocou só a cabeça para dentro.
― Vamos lá para fora, a Miriam chamou todas nós para as aulas.
― Por mais que eu queira e esteja me sentindo sufocada aqui dentro, tenho que ter aquela conversa chata com minha irmã e Amkaly. ― Essa era a pior parte de administrar qualquer coisa: ter que chamar a atenção de pessoas próximas a nós porque não existe respeito por parte de quem errou. A pessoa acha que, por ser parente, tem direito de fazer burrada por cima de burrada.
― Boa sorte. Elas estão lá fora com cara de quem vai para o matadouro.
― A Gilles está também? ― Nahemah, que já ia saindo, se esticou toda de volta para o amplo corredor. Passados alguns segundos, entrou fechando a porta atrás de si.
― Acabou de chegar. Mando quem entrar primeiro?
― A Gilles, quero conversar com ela primeiro, antes das garotas fazerem a sua cabeça sobre como querem treinar.
― Como eu disse, boa sorte em dobro. ― Nahemah piscou e sorriu.
Gilles entrou examinando tudo. A decoração da sala tinha sido ideia sua. Se demorou no quadro imenso que representava a prisão onde o anjo tinha sido mantido preso. Eu fiz questão de mandar um artista fazer aquele quadro e colocá-lo ali, para lembrar todos os dias que a vida do meu povo nunca seria fácil, mas sempre havia uma saída, era só ter paciência. Foi nessa prisão que minha filha nasceu e onde fui separada da minha companheira.
― Está pensando na possibilidade de assumir essa cadeira? ― Voltei a lembrá-la da nossa conversa de sempre.
― Ainda não esqueceu essa bobagem? ― Gilles sorria de canto, passando a mão na mesa lentamente, sem me dar uma resposta concreta.
― Isso não é para mim. ― Abri os braços, mostrando o espaço ao meu redor. ― Tudo aqui me sufoca, me sinto presa nessas paredes. Agora, por exemplo, eu queria estar no pátio treinando com as garotas. ― Mostrei, virando a cabeça levemente. Ela aproveitou para ir até a janela e observar as lobas atravessando paredes.
― Realmente, as aulas no pátio são bem mais interessantes do que esta sala. ― Ela riu abertamente quando falou, concordando comigo.
― Minha proposta continua de pé. Seis horas de trabalho durante quatro dias na semana, eu fico com a sexta para avaliar tudo e assinar o que deve ser assinado. O restante fica com você e minha beta. ― Desde que as academias começaram a funcionar, eu vinha tentando convencer Gilles a ficar à frente da administração. A loba tinha um faro para negócios e administrava sua boate há muitos anos sem prejuízos.
― Mel também prefere que eu fique só aqui por causa das meninas, estou procurando um gerente para a boate. Talvez no início do próximo mês eu assuma aqui como vice-diretora. ― Sorriu daquele jeito despreocupado que aprendeu através da convivência e confiança na companheira.
― Mas não foi só por isso que me chamou aqui. Tem algo a ver com as visitas lá fora? ― Apontou com um gesto de cabeça para a sala de espera onde Calíope e Amkaly aguardavam.
― Não, claro que não. ― Dei a volta na mesa, me escorando na ponta, e falei um pouco mais baixo do que o normal, mesmo que a sala fosse toda revestida de espumas isolante acústica evitando que o som se propagasse. Assim, ninguém do outro lado da porta ouviria o que era dito.
― Minha irmã tem um poder insano e indomável. Como sabe, ela vem tentando gastar tudo e abriu uma brecha na cortina da cerca. Como você é muito boa em controlar o seu próprio fogo, quero que seja a instrutora particular dela, sem que ninguém saiba, nem mesmo Amkaly.
― Está pedindo à pessoa errada. Nesse caso, quem pode ajudar é a Aldrava. Foi ela que me ensinou tudo que sei.
― Se eu pedir a Aldra vão surgir comentários de que a estou protegendo por ser minha irmã. Por isso, quero que você passe para ela tudo que aprendeu. Eu reservei a cela oito, pelo poder que ela contém. ― Estava sendo sincera. Ainda assim, senti as sombras da loba me examinando em busca de palavras não ditas.
― E também porque lá concentra a união de todas as forças: uma morte e um nascimento, uma viagem para o passado e uma para o infinito. Ou seja, a cela oito é um portal vivo para qualquer dimensão. Estou certa? ― Gilles me encarava, arqueando as sobrancelhas repetidamente como as crianças fazem quando dizem algo interessante. Sorri de canto, concordando com a cabeça.
― Está certa. Todas as portas da cela oito levam a um mundo diferente. Qualquer outra loba que não esteve lá antes não pode entrar, já que nosso DNA ficou gravado em todo lugar. A Calíope não pode, mas aqui está, um frasco que Heloise me trouxe com o sangue que Ananya colheu. Espalhe algumas gotas na porta de entrada e o restante guarde, vai precisar. ― Entreguei o frasco que segurava em minhas mãos.
― Gata, lá tem o problema do tempo, esqueceu? E eu não quero ficar longe da minha família. ― Falou, mais séria.
― Eu não esqueci. Por isso mesmo testei várias vezes. Se ficar dentro do salão ou no pátio da prisão, o tempo estará igual ao nosso. Mas se quiser ir além, terá que levar sua filha, Angel. Nós testamos o local do mundo paralelo várias vezes. Gilles e Calíope realmente podiam viajar sem receio.
― Tudo bem, mas ainda não entendi por que tem que ser exatamente na prisão.
― Porque lá é um mundo aberto, não há perigo do fogo criar fendas. Os portais de lá só abrem com magia de sangue.
― E quando devo começar?
― Hoje à noite, todas as noites. Ah, e outra coisa, coloque a venda nos olhos dela ainda aqui na reserva. As meninas treinam de olhos fechados e com qualquer arma. Quero que ela seja do mesmo jeito, que sinta o ar, já que ele tanto pode ser seu amigo como seu inimigo.
― Sua irmã vai se arrepender de brincar com fogo. ― Gilles sorriu com o trocadilho e se despediu com um abraço.
Sentei novamente e me preparei para conversar com minha irmã e Amkaly. As duas entraram, Calíope vinha de cabeça baixa, com medo do que ia ouvir. Eu sabia o quanto ela me admirava e queria ser igual a mim, uma admiração que não contava nem para a melhor amiga. Eu sentia isso cada vez que a abraçava.
― Nara, eu queria explicar o que... ― A loba vermelha começou.
― Aqui quem fala sou eu, e vocês duas só escutam. ― Interrompi. A conhecia muito bem a loba e sabia que ela sempre atacava para se defender. Confesso que até que gostava da atitude, mas não quando colocava a vida do meu povo em perigo.
― Por que não me contou que tinha descoberto seu dom? ― Perguntei à minha irmã, suavizando o tom de voz. Ela não respondeu, envergonhada. ― Eu amo você como parte de mim, da minha vida. Eu olho para você e vejo nossa mãe. Você fala e é a voz da minha filha que ouço. Quando você sorri é como ver meu pai. Eu te adoro, garota. Você e a Cassandra são pedaços de mim. ― Calíope começou a chorar baixinho. ― Não chore, eu não estou brigando com você, mas devia ter me contado. Sou sua irmã, você tem que confiar em mim.
― A culpa é minha, lobinha. ― Amkaly confessou. ― Ela queria contar, mas eu pedi para praticar antes de te mostrar o que sabia fazer.
― E com sua atitude infantil colocou todas nós em perigo. Quando romperam o véu e abriram o buraco, vocês poderiam ter trazido para nossas terras as bestas mais violentas de Prythian. Vocês violaram uma lei sagrada, invadiram um mundo e declararam guerra. Agora, o Israfil está lá com o grão-feérico, rei daquela corte, tentando justificar um erro de vocês.
― Eu não sabia, juro que eu não sabia, Nara. ― Calíope suplicava ainda chorando. Tive pena da tristeza e do arrependimento dela.
― Acredito que você não quis fazer o que fez. Conheço seu caráter. Por isso, todas as manhãs, você vai dedicar duas horas a estudar história, começando pelo reino que quase nos levou à guerra. Nossa biblioteca está repleta de livros. Nyxs será a tutora de vocês.
― Espera aí... Você está dizendo que aquela menina vai me ensinar história? ― Amkaly levantou-se abruptamente, prestes a sair sem querer ouvir mais nada.
― SENTADA!
Fim do capítulo
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