CAPITULO 09
NYXS
Não vou negar que, quando ouvi Nahemah anunciar as duplas e dizer que Amkaly não seria dupla de ninguém e tampouco monitora, fiquei feliz. Era motivo para comemorar, abracei a Nana e giramos gargalhando feito duas malucas.
― Ela não vai ser sua dupla! Escapou de boa! ― Nana falou, antes de chamar minha atenção para o que estava acontecendo. Amkaly resolveu contestar, como sempre fez. Ela nunca acatava as ordens dos seus superiores. Eu gostaria muito de saber qual era a dela e o que se passava na sua cabeça para ser sempre do contra.
Nahemah estava a ponto de ter um AVC. Ela estava possessa por ter sido interrompida e não escondia a raiva que vazava pelos seus poros.
― Isso vai dar merd*. Amkaly interrompeu a instrutora e contestou uma ordem na frente de toda a alcateia. ― Disse Nalum, preocupada não com a loba ruiva, mas com o impacto de sua petulância. As palavras da instrutora que vieram a seguir foram altas e claras.
― Será que sua alfa sabe o que você anda praticando às escondidas com a irmã dela? Por acaso já falou para ela do dom que Calíope descobriu recentemente e que só você sabe? Um dom que colocou todas nós em perigo?
― Cacete, do que diabos a Nahemah está falando? ― Puxei carinhosamente o rosto da Nana, fazendo-a olhar para Amkaly, que parecia bem incomodada com o que ouvi. Já Calíope, a tia da Nana, estava extremamente nervosa.
― Vamos ouvir, então. ― Nana sussurrou. ― Olha o jeito frio como minha mãe olha para as três, tenho certeza que as coisas parecem que vão piorar ainda mais.
Nahemah deixou de olhar para Amkaly, agora se direcionando a todo o público.
― Calíope descobriu que tem o dom do fogo e contou para Amkaly, que irresponsavelmente passou por cima de todas as regras e se ofereceu para treinarem juntas sem ter o direito de ser monitora.
― Mesmo não concordando com a parte de não terem me comunicado, ou a qualquer uma das monitoras, elas podem treinar juntas. São amigas e não têm como colocar nossas vidas em risco. — Nara interviu, com aquela voz sedutora, grossa, que faz tudo tremer por dentro de mim.
― Acho justo e também concordo. Se Amkaly tivesse conhecimento do tamanho do poder de sua irmã, coisa que não tem. Sua brincadeira abriu uma fenda na tela de magia que protege as fronteiras de Salém e, por isso, arrastaram o verme de Midgard para dentro da reserva. Elas poderiam ter aberto a porta para Striga ou seu irmão gêmeo, o Entalhador de Ossos, ambos deuses da destruição. Todos nós poderíamos ter desaparecido da face da Terra.
No palanque, os lobos estavam pálidos como cera de vela, nem respiravam. O que Nahemah dizia era verdade, e eu era testemunha, pois tinha em minhas mãos o livro que veio da biblioteca de Prythian, que falava de todos eles e de como eram letais.
― Coitada da minha mãe. Ela já acha que não é uma boa alfa, agora vai se achar ainda pior. Minha tia também não ajuda, sempre está no meio das enrascadas da Amkaly para desmoralizar minha mãe. ― Nalum fervia de raiva. Eu conhecia seu temperamento forte, não fosse ela entrar no ringue em poucos minutos, e se essa disputa não significasse tanto, com certeza iria confrontar a tia.
A alfa, no meio de toda aquela bagunça, fuzilava Amkaly com os olhos que, não suportando, baixou a cabeça. Os olhos de Nara encontraram os meus, azuis como o mar profundo. Ela emanava uma aura intensa de amor e perigo, mas eu sabia que não era para mim. Nara procurava por sua filha, seu porto seguro nesses momentos.
Eu queria dizer a ela uma única vez o quanto a queria, mas o destino não me dava chance.
― Nahemah, continue o que estava fazendo. Resolverei o assunto da minha irmã mais tarde.
Calíope chorava e Amkaly tentava de toda forma se desculpar com a alfa.
― Vem, mãe, vamos para mais perto, e nem tente falar algo para Amkaly. Ela que se resolva com a mamãe e meu pai. — Nalum me puxou.
Eu não ia prometer o que não podia cumprir, meu sangue fervia cada vez que via o olhar perdido da alfa. Era muita sacanagem com a pessoa que abriu mão da própria vida para defender seu povo e a própria irmã, fazer merd* não uma, mas duas vezes. Uma traição vinda da própria irmã... tá certo, os irmãos têm diferenças, mas acabam se entendendo. Só que Calíope só fazia merd* e sempre tinha Amkaly como aliada, ou vice-versa.
Ficamos por ali mesmo, esperando a vez de Nana. Quando meu coração disparou, batendo acelerado, eu sabia quem estava chegando sem precisar olhar. Isso já vinha acontecendo há algum tempo, sempre que Nara passava perto, vinha um cheiro de terra molhada numa manhã de chuva mesclado com um cheiro de eucalipto com hortelã, tudo pilado em pilão de ferro. O perfume era afrodisíaco, tudo em mim virava uma bagunça e eu sabia exatamente porque me sentia assim. Fui criada dentro das nossas tradições e amo cada lenda sobre meu povo, o que sinto era a prova de que Nara Shiva é minha companheira de alma.
Infelizmente, ela não me via como tal e também não sentia meu cheiro. Assim que eu tivesse um tempo livre, iria me banhar na cachoeira e limpar meu corpo. Quem sabe se ela poderia sentir dessa vez? Por enquanto, era melhor disfarçar a baba que caía da minha boca aberta. Nara estava vindo em nossa direção, afinal nossa filha ia ser chamada para a competição em poucos momentos.
― Olá, princesas lindas. Alguém pode explicar por que estamos todas vestidas com as mesmas roupas e usando as mesmas tiaras na cabeça? De quem foi a ideia?
O som da sua voz me despertou duas vontades estranhas. A primeira era de me agarrar em seu pescoço e morrer em sua boca. A outra era correr e me esconder. Só não fiz isso porque minhas pernas pesavam demais e parecia que eu estava colada ao chão.
― Gostou? Ficou perfeita em mim. ― Nana deu uma voltinha para se exibir.
― Ficou linda. Quando eu te vi no futuro, você usava uma roupa igual a essa. ― Disse, passando a mão nos cabelos da filha, e eu sentia como se fosse em mim.
Eu certamente estava com cara de boba, mas não conseguia evitar. Quando ela olhou para mim, ficou me examinando. Deve ter me achado idiota, pois sorriu e falou de forma carinhosa:
― Você também, princesa prateada, está muito parecida com a Nyxs do outro mundo.
"Senhor, me ajude antes que eu morra. A voz dessa mulher, seu sorriso e seu cheiro abrem as portas do inferno na minha vida. Me segura que eu vou ter um troço."
Pensei. Eu sorria, mostrando todos os dentes como a boba que sou, já que não encontrava as palavras. Ainda bem que Nalum falava por nós duas.
― Quando foi a primeira vez que me viu e o que eu estava fazendo? ― Nana perguntou, mas esqueceu de me incluir na pergunta. Aff!
― Eu te contei mais de mil vezes, filha, toda noite quando vai dormir. ― Nara beijava minha filha do coração. Eu queria ser beijada também.
― Pois quando foi a primeira vez que viu a mamãe? A senhora nunca disse. ― Quando ela fez a pergunta que eu tanto desejava e apontou em minha direção, quis enterrar minha cara no buraco igual a um avestruz. Nara me olhou, e eu encarei de volta sem medo. Ou quase, porque tudo o que consegui fazer foi sorrir meio torto.
― Deixa ver se lembro… Eu estava tentando ouvir os lamentos das almas no pé da montanha, que depois descobrimos ter uma prisão lá dentro, que hoje é a academia de magia, e não estava conseguindo, minha runa não conseguia ver nada, aí ela chegou...
Nara se calou, olhando para mim. Eu queria tanto saber o que ela pensava quando fazia isso, porque eu me sentia alucinada para cair em seus braços. Eu tinha sede dos beijos que esperava da sua boca, tão grande que chegava a secar meus lábios. Sem querer, passei a ponta da língua nos lábios ao mesmo tempo em que a alfa fazia a mesma coisa. E, vou ser sincera, no dia que ela fizer isso outra vez, eu não respondo por mim e não quero nem saber quem está perto.
É uma pena que essas coisas só funcionem na minha cabeça. Pessoalmente, eu era uma covarde, e ela parece ter percebido, porque mudou de vista continuou o que dizia, desta vez olhando para a filha.
― Aí a Nyxs chegou com uma roupa também muito parecida com essa que estão usando e mandou que eu me concentrasse e tentasse ouvir com o coração, e eu ouvi.
― Quantos anos a gente tinha? ― Nalum perguntou.
― Não sei ao certo... quando você apareceu, eu achei que tinha mais de vinte e cinco. Já Nyxs disse que tinha 23.
― Ela mente sobre a idade, mamãe. Onde quer que vamos, ela diz que tem 23 anos.
Ela me olhou, cheia de perguntas que eu estava louca para responder, mesmo sem saber quais eram as respostas corretas. Ao menos eu tinha que explicar essa antes que me achasse apenas uma mentirosa.
― Nem eu sei o porquê, mas quando me perguntam, vou logo respondendo. Acho que, no fundo, eu gostaria de ter essa idade.
― E por quê? O que há de especial?
Aquele olhar azul me examinando de cima a baixo me deixava sem resposta. E, quando vinha acompanhado daquele sorriso sensual, me fazia esquecer até meu nome.
― Não sei, mas deve ser algo muito esplêndido ou muito ruim, porque não esqueço. Esther conta que os espíritos guardam na memória em forma de datas, cheiros e certas lembranças, que podem surgir como flashes de memória. Ela diz que a vida é um eterno ciclo, sempre voltamos para junto dos nossos antepassados. Talvez essa seja a melhor explicação.
Sua atenção era toda minha, não existia ninguém além de nós três. Aí uma voz que só pode ter vindo do inferno quebrou o encanto.
― Nalum Kabir Bahadur, compareça à pista. Escolha sua espada no quadro ao lado da entrada. Sua desafiante, a Instrutora Ezra Scarlet, vinda da Romênia, lhe aguarda. Você tem 20 minutos para comparecer ou será declarada derrota.
Nahemah chamou a Nana apressamos os passos. As pessoas iam abrindo passagem à medida que nos aproximamos, eu me sentia como uma rainha caminhando entre seus súditos, ao lado da nossa filha princesa e minha companheira e rainha. A sensação era de que já tínhamos feito isso a vida toda. Sorri, disfarçando a timidez que às vezes quer se apossar do meu ser.
Na arena, a instrutora estava vestida a caráter com as vestes de esgrima. Minha mãe Lilith, sob o olhar de repreensão da outra mãe, Ameth, logo puxou minha mão e me obrigou a sentar com elas. O local que tinham escolhido ficava um pouco distante da família da Nara, mas dava para vê-las perfeitamente, até um engraçadinho ficar de pé bem na frente. Eu também me levantei e começaram a gritar para eu sentar. Fingi que não ouvi.
Ziam e Nara davam os últimos conselhos a Nalum antes dela entrar. Ziam olhou para o fim da multidão e me viu de pé, nem deu tempo de sentar para evitar a vergonha. Nádia, sua esposa, acompanhou o olhar do marido e se aproximou da filha para contar algo baixinho. Logo em seguida, Nalum me chamou.
Ela gesticulava e falava pausadamente para que eu pudesse ler seus lábios. Venha ficar conosco. Eu neguei.
Dona Nádia saiu de onde estava e veio caminhando com aquele porte de rainha do Egito, de quem tem certeza que é poderosa. Seu vestido era simples, aberto na lateral de cada coxa, mostrando suas pernas belíssimas a cada passo. A mulher não tinha um defeito visível ao olhar curioso, nem parecia que tinha três filhas adultas. Quando chegou onde eu estava, fez um convite irrecusável.
― Lá no banco tem uma vista melhor. ― Minha mãe me olhou meio desconfiada. ― Você é a melhor amiga da minha neta, a quem ela considera como mãe, e passou a ser a minha melhor amiga desde o momento que salvou a vida da minha filha. Tem todo o direito de ficar perto, venha. Vocês também, Ameth e Lili. Tem lugar para todas ao nosso lado, venham.
Eu sabia que minha mãe queria recusar, por isso levantei rápido e tomei a iniciativa.
― Ainda bem, esse engraçadinho aqui ― Apontei sem educação para o lobo. ― fica o tempo todo na minha frente, eu quase não vejo nada. ― Acusei e já fui descendo, sem dar chance da minha mãe Lilith dizer não e parecer grosseira na frente da mãe da alfa.
Não sei se foi impressão minha, mas percebi dona Nádia sorrindo. De soslaio, olhei para as minhas mães. Só uma me fuzilava com os olhos, mas ficar perto de Nara valia o risco. Fomos até as cadeiras reservadas à família da alfa, sempre acompanhadas de perto por um par de olhos cuja dona não gostava nada do que via. Amkaly parecia querer me esganar. Ela teria que entrar na fila
Fim do capítulo
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