Capítulo 12
Marina e Alice estavam no escritório tomando um café, quando ouviram as batidas na porta. Não conseguiram responder antes que batessem de novo, tamanha era a pressa da pessoa do outro lado. Marina se levantou, pronta para ralhar com quem quer que fosse, mas ouviu antes que pudesse dar a volta na mesa:
— Doutora Alice! Precisamos da doutora Alice! É Sininho...
Alice se levantou depressa e saiu quase correndo em direção ao ambulatório, com Marina atrás dela. Quando chegaram, ficaram assustadas em ver o estado de Sininho, que chorava amparada por Saulo. Apressadamente perguntou o que havia acontecido e os peões explicaram rapidamente que encontraram Sininho naquele estado no celeiro, junto com Nestor, que insistia em dizer que ela o atacou e tentou matá-lo. Começou a examiná-la e quando tentou mexer em seu braço, ouviu um gemido de dor.
O olhar de Marina demonstrava a perplexidade em que se encontrava. Se virou para Saulo e perguntou:
— Onde ele está?
Saulo começou a explicar que os outros peões o amarraram no celeiro, mas antes mesmo que ele terminasse de responder, Marina saiu apressada.
Encontrou Santiago e Antônio vigiando Nestor amarrado com cordas pelos pulsos e quando perguntou diretamente para ele o que havia acontecido, o homem respondeu que foi atacado sem motivo algum e que Sininho queria matá-lo.
— Você realmente quer que eu acredite nisso?
— É verdade, patroa! E outra coisa que eu vou dizer para a senhora: ela sabe falar, não é muda nada, ela é uma mentirosa.
Santiago perguntou o que fariam com ele e Marina mandou que o mantivessem ali, até saberem o que realmente havia acontecido. Quando João sugeriu que eles o deixassem passando fome e sede, Marina apenas respondeu:
— Não vamos torturar ninguém! Continuem o alimentando e trazendo água.
*****
Mais tarde, depois que Alice já havia feito os curativos e medicado Sininho, chamou Marina em um canto onde as duas pudessem falar a sós:
— Ela está muito assustada, não pode dormir sozinha naquele cubículo. Além disso, preciso medicá-la de seis em seis horas.
O olhar de Marina já denunciava seus ciúmes, não precisaria nem ter perguntado:
— Você vai dormir com ela?
— Eu vou cuidar dela, Marina. Sou médica, lembra?
Como a última coisa que queria naquele momento era criar algum conflito, completou rápido:
— Você pode me ajudar passando a noite aqui.
Enfim, depois de tudo preparado para que fossem dormir, Marina até tentou conversar com Sininho para saber o que realmente havia acontecido, mas a empregada nem sequer a olhou, mantendo os olhos fixos em um ponto a sua frente, como se a mente não estivesse ali. Alice interferiu dizendo que era melhor deixar para o dia seguinte, pois ela precisava descansar e se recuperar.
Quando Sininho despertou na manhã seguinte, se viu sozinha no ambulatório. Imediatamente as imagens do dia anterior voltaram, passando como um filme em sua cabeça, sentiu que entraria em pânico e tentou se levantar da maca. O movimento descoordenado fez com que derrubasse a bacia com água e gaze de curativos que estava ao seu lado. Na mesma hora a porta do ambulatório se abriu, revelando Marina e Alice logo atrás.
— Como está se sentindo? Alguma dor?
Em resposta à pergunta de Alice, Sininho apenas apontou para o ombro esquerdo.
— Já está na hora do analgésico, vou preparar para você.
Enquanto Alice ministrava os medicamentos, Marina andava de um lado para o outro, tentando disfarçar a inquietação em que estava. Depois que Sininho foi medicada, não aguentou mais se segurar:
— Preciso saber o que houve e o que vamos fazer com isto.
Sininho continuou olhando para o chão, visivelmente abalada com aquele assunto. Mas a percepção não fez Marina parar, pois mesmo sendo um assunto delicado, precisava ser resolvido:
— Ele te forçou a fazer alguma coisa? Ele... Tocou você?
Sininho rapidamente balançou a cabeça em negativa. Aquele era um dos seus maiores medos, mas ao contrário do que aconteceu certa vez no pomar, ele não chegou a dizer nem fazer nada de cunho sexual.
Marina sentiu alívio diante da resposta dela. Apesar de ser uma situação horrível, temia que tivesse sido ainda pior.
— Ele me disse que você sabe falar... É verdade?
Encarando o chão, Sininho ficou alguns segundos sem esboçar nenhuma reação. Sabia que tanto o olhar de Marina quanto o de Alice estavam nela. Talvez por estar se sentindo frágil demais, e não querendo que Nestor pudesse de alguma forma convencer as pessoas de que a culpa havia sido dela, optou pela verdade. Balançou a cabeça afirmativamente, respondendo à pergunta de Marina. Aproveitando o momento de comunicação, Marina continuou, com o tom de voz mais ríspido do que planejara:
— Então o que aconteceu? E por que você nunca disse absolutamente nada desde que chegou aqui?
Alice, que até então esperava calada, percebeu o desconforto de Sininho e interveio:
— Vamos começar do começo... – olhou para ela, antes de continuar: — Qual é o seu nome? Seu nome de verdade…
Em uma voz baixa, quase inaudível, veio a resposta:
— Clara.
Marina soltou uma risada sarcástica, antes de dizer:
— Mas é claro que ela responderia a uma pergunta sua...
Alice a repreendeu com o olhar, mas para Marina, aquela havia sido a gota d’água. A necessidade de saber o que realmente tinha acontecido naquele celeiro se juntou aos ciúmes que sentia e ela quase gritou a pergunta:
— Por Deus, Sininho, o que foi que aconteceu? Eu preciso saber para te ajudar!
Clara começou a falar lentamente, mantendo o mesmo tom de voz, que demandava um esforço das outras duas mulheres para que a compreendessem. Contou como Nestor a atacou no celeiro e que não havia sido a primeira vez que ele a encurralara enquanto estava sozinha. Em cada nova informação eram visíveis o horror nos olhos de Alice e o desconforto na face de Marina.
Alice a tocou no ombro que não estava machucado:
— Que coisa horrível…
Depois completou, a olhando nos olhos:
— Sinto muito.
Precisando cortar aquele momento que a deixou profundamente incomodada, Marina aproveitou para voltar em uma questão que ainda a deixava insatisfeita:
— E agora que você fala... Poderia me dizer por que nunca havia dado um pio antes?
A resposta foi rápida e objetiva:
— Nunca tive o que falar.
*****
Alguns dias se passaram com Alice cuidando de Clara de perto. Marina passou algumas noites com elas no ambulatório, mas depois de três noites dormindo em uma cama improvisada, as costas imploraram por um colchão macio.
Por motivos óbvios, nenhum dos peões acreditou na história de Nestor, apesar dele não ter mentido quando disse que Sininho poderia perfeitamente falar. Todos ficaram com receio de que aquele homem continuasse trabalhando e convivendo com eles na fazenda, principalmente depois que precisaram deixá-lo alguns dias amarrado. Questionada por Saulo, Marina ordenou que o deixassem no celeiro até que ela pudesse resolver de vez a situação.
Já estava escuro quando voltou para casa e a primeira coisa que fez foi procurar por Alice. Não ficou feliz em saber que ela estava, ainda, no ambulatório com Sininho. Movida puramente por ciúmes, foi até lá e abriu a porta abruptamente, encontrando as duas sentadas e conversando próximas demais, no seu ponto de vista. Sem nem tentar esconder o semblante raivoso, pediu para falar a sós com Alice, que a atendeu sem questionar. Assim que fecharam a porta do lado de fora, perguntou:
— Você vai dormir de novo com Sininho?
Alice corrigiu:
— O nome dela é Clara.
Ignorando completamente o que ela tinha acabado de dizer, perguntou de novo:
— Até quando você vai ficar dormindo com ela?
Alice ignorou a cobrança e respondeu calmamente:
— Ela ainda está com medo, não pode voltar para aquele cubículo que todos vocês chamam de quarto. Aliás... Não precisava ter esperado isso acontecer para que ela saísse daquele lugar.
— E você sugere o que? Que ela durma no seu quarto?
Juntando todas as suas forças para se manter calma diante da ironia de Marina, Alice respondeu:
— Ela poderia ficar em um dos quartos de hóspedes.
— Você sabe que nós não temos muitos quartos de hóspedes.
Usando da mesma arma dela, Alice respondeu irônica:
— Assim como não têm muitos hóspedes. Desde que cheguei aqui, nunca vi nenhum.
*****
Marina até tentou, mas não conseguiu pregar o olho durante toda a noite. De madrugada, cansou de ficar rolando na cama e pegou uma garrafa de uísque, que bebeu até mais da metade. Quando o sol enfim nasceu, tomou um banho, se vestiu e desceu as escadas decidida a se desculpar com Alice e não dar tantos ouvidos aos ciúmes que a faziam perder a cabeça. Aquela era uma situação delicada, Sininho certamente ainda estava traumatizada, não podia colocar as caraminholas que tinha na cabeça à frente do horror que ela havia passado.
Bateu levemente na porta do quarto de Alice, mas não obteve resposta. Imaginando que ela ainda estivesse dormindo, girou cuidadosamente a maçaneta, mas se deparou apenas com a cama arrumada. Uma sensação horrível, quase uma premonição, a tomou por dentro e fez com que caminhasse lentamente até o quarto de hóspedes que aceitou ceder para Sininho, na noite anterior. Demorou alguns segundos até conseguir, enfim, girar a maçaneta. Viu todos os seus medos e inseguranças se materializarem na cena à sua frente: as duas dormindo na mesma cama.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 28/05/2023
Eita! Deixa de ser ciumenta Mariana vai perder a mulher assim.
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