Confidente por Hope_
Olá! Pretendo colocar um novo capítulo a cada domingo, e em breve colocarei uma capa também para a história!
Até mais e boa leitura!
Capitulo 2
Os corredores da Universidade estavam lotados de estudantes, só que diferente da escola, ali eles não tinham armário para poderem guardar seus pertences, o que de fato não era um problema já que havia apenas três disciplinas ao máximo por dia. O local era gigantesco que cheguei a cogitar fazer um tour pelo campus após minhas aulas, assim poderia explorar o quanto quisesse. Passei os olhos pelo corredor e senti um leve frio na barriga ao me deparar com a energia do local. Era diferente e carregava um amontoado de expectativas, fazendo-me sentir sensações novas, e boas, muito boas.
Minha mão procurou pelo braço de Ethan por vontade própria, e senti que ele me observava também, talvez soubesse o quanto eu estava esperando por esse momento, e agora que ele finalmente chegou, o sentimento era de dever cumprido.
一 Estão atrasados!
Michael se aproximou de nós com um semblante um tanto repreensivo, mas que não durou pouco mais do que cinco segundos depois que eu lancei-lhe um sorriso meio torto.
一 O que aconteceu dessa vez? Ficaram tão ocupados durante a noite que perderam o horário?
Minhas bochechas ruborizaram, já Ethan apenas suspirou.
一 Não é nada disso 一 disse ele. 一 O carro dela estava sem gasolina, só isso.
一 Maya sendo a Maya, como sempre. 一 Michael veio até mim e se apoiou em meu ombro. 一 Você sabe que esse não é o seu prédio, não é?
一 Não?
一 Não, senhora.
Ele abriu aquele sorriso quadrado dele que transmitia puro deboche, e foi aí que notei o quanto ele estava mais bronzeado do que o habitual. Michael é o tipo de pessoa que a primeira vista pode dar a impressão de ser alguém que não liga muito para terceiros, que gosta de usar o seu tempo livre para poder surfar e o fim de semana para se enfiar em clubes noturnos, mas, na verdade, ele era uma das pessoas mais atenciosas que já conheci.
Os olhos castanhos claro, o rosto moreno e fino, as sobrancelhas com um corte na horizontal, o cabelo da mesma cor, bem aparado e volumoso na frente ao ponto de seus fios quase lhe cobrir os olhos, e o traje despojado composto por um conjunto de uma blusa e uma bermuda com estampas floridas eram suas principais características.
一 Fica no prédio detrás 一 Completou ele após ver a minha confusão. 一 Siga pelo corredor, vire a direita, e aí quando avistar o refeitório, vire à esquerda.
一 Bom, nesse caso, eu vou indo. 一 Eu me desvencilhei do braço de Ethan e caminhei até ele para lhe dar um abraço. 一 Bom te ver, viu?
Ele retribuiu com um pouco mais de força, o que me fez sorrir.
一 Bom te ver também, criança.
O soltei em meio a risos silenciosos, afaguei seu ombro e acenei para ambos que retribuíram com um aceno de cabeça. Tomei fôlego e segui as instruções que ele havia me dito, e quando avistei o prédio, atentei-me às placas que identificavam os andares que ficava cada sala, especialmente por uma em específico que falava sobre a História do Cinema.
一 Segundo andar, número 208 一 sussurrei baixinho. Ajeitei minha mochila no ombro e segui pela direita em direção às escadas, e quando cheguei no corredor, um pouco ofegante, diga-se de passagem, rapidamente me deparei com a minha sala, agradecendo aos céus por vê-la aberta e recebendo alguns alunos. 一 Isso porque já era pra aula ter começado há dez minutos...
一 Você parece ser alguém bem pontual para dizer isso.
Eu dei um passo para o lado ao ouvir aquela voz. Uma garota que aparentava ser um pouco mais velha que eu me dirigiu-me um sorriso fechado. Seus cabelos eram cacheados e volumosos, a pele negra, o corpo alto e esbelto, cheguei a cogitar de que ela era modelo ou algo parecido.
一 Você é nova? 一 Eu assenti. 一 Imaginei. Bom, a primeira aula é do senhor Finnigan, e digamos que ele não se atenta muito ao horário, sabe?
一 É perceptível... 一 Meu tom saiu um tanto irônico, o que a fez rir. 一 Eu sou a Maya. 一 Estendi-lhe a mão.
一 Kirsten. 一 Ela a apertou. 一 Bom, lá vem ele.
Meus olhos foram de encontro ao tal senhor Finnigan, onde a primeira coisa que consegui pensar foi o quanto ele era fofo. O sorriso igual ao de um avô que está todo contente por ver a sala cheia de alunos, comprimentando-os com apertos de mão e abraços. O terno cinza, a gravata borboleta na cor amarela, a baixa estatura e o rosto meio rechonchudo, tudo isso o deixava ainda mais elegante.
一 Ele é uma graça! 一 disse soltando uma risadinha.
一 É, ele é mesmo, mas não se deixe enganar 一 Kirsten ergueu o dedo indicador como um aviso. 一 A disciplina dele é uma das mais difíceis de se passar.
一 Vou me lembrar disso, obrigada.
一 Eu ouvi isto senhorita Thomas! 一 O professor elevou relativamente seu tom de voz. 一 Não acha que deveria estar em outro lugar?
一 Aula vaga. 一 Ela deu de ombros. 一 E eu gosto de assistir às suas, o senhor sabe, ver o desespero nos olhos de alguns alunos de perto é bem legal.
Kirsten me olhou pelo canto de olho e eu engoli em seco.
一 Posso ver que já arranjou a primeira vítima. 一 disse ele aproximando-se e estendendo a mão para mim para me comprimentar. 一 Qual é o seu nome, minha jovem?
一 Maya O'Neill, senhor.
一 O'Neill... Esse sobrenome por algum acaso é Irlandês?
一 Sim, minha família é de lá, mas eu me mudei pra cá quando nova.
一 Você tem sotaque. 一 Eu arregalei os olhos, era a primeira vez que alguém dizia isso pra mim. 一 Um pouco, mas tem. É diferente, seu País é muito bonito e rico, sabia disso?
一 Sim, senhor.
一 Imagino que tenha orgulho da história dele.
Não consegui respondê-lo, pois não tinha coragem o suficiente de dizer que não conhecia muito das minhas raízes, muito menos da história da minha família ou sobre onde meus avós cresceram. Ao invés disso, abri um singelo sorriso de canto, tentando ser no mínimo um pouco convincente, e o que felizmente deu certo.
一 Vamos entrar?
Ele estendeu a mão e nos deu passagem para que pudéssemos ir pra frente. Eu segui na frente e olhei rapidamente para a sala, buscando uma carteira vazia, e quando avistei uma bem ao lado da parede, logo fui ao seu encontro. Kirsten se sentou na outra fileira e na última carteira, dando assim oportunidade para os calouros, afinal, todos ali eram, menos ela. Não havia muitas pessoas na minha turma, talvez trinta, no máximo, e isso de certa forma me deixava aliviada.
O senhor Finnigan entrou e fechou a porta da sala, em seguida seguiu para a sua mesa retangular no centro e começou a arrumar suas coisas. Ligou o notebook, conectou o retroprojetor, fez a chamada e, finalmente, deu início a aula. Ele começou a introdução sobre a história do cinema Americano que teve início no século XIX, e a partir daí seguiu contando os principais atos que chegaram a revolucionar o mundo até os dias atuais. Eu tinha de admitir: ele é muito bom. Desde mais nova eu nunca fui muito chegada a disciplina de história ou tudo que envolvesse acontecimentos muito antigos, todavia, ele fazia o assunto se tornar interessante, e de certa forma isso me aliviava, tanto que nem me liguei quando chegou o intervalo.
一 Vai descer? 一 Kirsten estava com o tronco levemente inclinado na minha direção. 一 As lanchonetes daqui são ótimas, sabia?
一 Sério? 一 Ela assentiu. 一 Só não posso exagerar, ainda estou sentindo o resultado de ontem à noite. 一 Seus olhos pareciam confusos. 一 Comi muita bugiganga... Final de temporada é osso.
一 Ah sim, sei como é.
Nós rimos juntas e nos dirigimos à saída. Kirsten era uma pessoa muito comunicativa e sabia como deixar qualquer um à vontade ao ponto das pessoas chegarem e contarem altos babados, e mesmo que alguns fossem bem embaraçosos, admito que adorava uma fofoca. Mal de sagitariano, perdão meus jovens.
一 Você já tem uma ideia sobre qual área deseja atuar, ou...?
Kirsten me fitou brevemente antes de pegar os copos de café e entregar-me um deles. Nós seguimos até uma mesa mais vazia que ficava perto da janela e nos acomodamos.
一 Para ser sincera, ainda não 一 Maneei a cabeça após dar um gole na bebida e deixá-la em cima da mesa, passando a observá-lo com um olhar mais vago. 一 É uma profissão que tem um leque muito grande, né?
一 Sim, isso é verdade. 一 disse assentindo. 一 E quer um conselho?
一 Hm?
一 Abra seu campo de visão para todas as disciplinas, talvez você se surpreenda e encontre sua vocação quando menos esperar.
一 Parece aquelas frases que um tutor diria.
一 E quem disse que eu não sou? 一 Ela arqueou uma sobrancelha.
一 Eu imaginei. 一 Kirsten riu. 一 Você é comunicativa e tem muita intimidade com a galera, imaginei que fosse algo do tipo.
O intervalo passou rápido, e foi na hora do almoço que eu me despedi dela. Ethan me mandou uma mensagem pedindo para que nos encontrássemos no carro para que assim pudéssemos pegar os presentes da Jennifer. Nós nos aproximamos do jardim que ficava do outro lado do meu prédio e, pela primeira vez, pude me atentar aos detalhes do local onde me encontrava presente. As estruturas dos prédios eram de cimento em um tom cinza bem escuro, e à medida que eu caminhava, mais eu conseguia me localizar através dos vidros. Biblioteca, administração, praças de alimentação, e por aí vai, até o momento que alcancei o estacionamento.
一 Aqui! 一 Ethan estendeu o braço com o pacote quando me viu se aproximar. 一 Cabecinha de vento.
Rolei os olhos, ele sempre dizia coisas desse tipo para me provocar.
一 Onde ela está?
一 Chegando.
一 Chegando? Ela só veio agora pra faculdade?!
Ethan abriu a boca para tentar responder mas voltou a se calar.
一 Bom dia para você também, dona Maya.
Eu fechei os olhos com força e soltei um breve suspiro, e ao me virar, deparei-me com uma Jennifer que sustentava um semblante intimidador. Os cabelos negros curtos e ondulados até a altura dos ombros, a pele morena e ao mesmo tempo bem bronzeada, os olhos castanhos-claro, e o estilo um tanto peculiar. Ela usava um boné branco, uma blusa branca folgada por baixo de um blazer fino azul marinho, shorts preto e um vans tradicional. Simples, mas elegante, como ela adorava dizer.
一 Bom dia, Jen 一 Sorri dando um passo à frente, porém ela estendeu o braço e depois apontou para o pacote em minhas mãos. 一 Posso entregar o seu presente? Senão vou ficar com ele.
一 Não seja ridícula 一 Ela o tomou para si. 一 Ele é meu!
Arqueei uma sobrancelha e ousei rir na sua frente, porém ao ver o olhar repreensivo dela, parei imediatamente.
一 O que é? 一 perguntou enquanto retirava o laço.
一 Por que não abre e vê por conta própria?
一 Grossa... 一 Ethan sussurrou atrás de mim, e no momento que o encarei, ele levantou a mão direita em rendição.
Ela pegou os objetos na mão e abriu um sorriso de orelha a orelha.
"Acertei na mosca".
一 Eu amei! 一 Jen deu um passo à frente e me envolveu em seus braços. 一 Obrigada, Ma!
一 Não foi nada, amiga.
一 Por onde andou essa semana? 一 Eu arqueei a sobrancelha, confusa. 一 Te mandei várias mensagens e você sequer deu ao trabalho de responder.
一 Ah... Eu meio que usei essa semana para fazer algumas coisas.
一 Tipo?
一 Vários nada, para ser sincera.
Jennifer me deu um tapa de leve no braço.
一 Tá legal, confesso que não estava com ânimo para socializar 一 Ela rolou os olhos. 一 Satisfeita?
一 Sim, pelo menos foi sincera. 一 disse ela. 一 E eu espero que essa sua vontade de ficar dentro das cavernas passe até sábado, porque se você não for, eu...
一 Vai me quebrar na porr*da, sei disso, sei disso.
Ela me olhou de cima a baixo com um olhar que julguei ser bem amedrontoso, e precisava confessar, ele funcionava na maioria das vezes, especialmente quando ela dava as costas em seguida para a pessoa, como agora.
一 É impressionante como ela consegue ter essa carinha de anjo 一 Ethan se aproximou e envolveu meus ombros em um abraço mais delicado. 一 Sendo que é tão violenta.
一 Eu me faço essa pergunta desde o dia que a conheci.
一 Como foi sua primeira aula?
一 Muito boa, e a sua?
Ah, é! Esqueci de falar sobre o curso do Ethan, que no caso é Arquitetura, então no carro dele o que mais irá ter a partir de hoje com certeza serão pastas e aqueles canos bem compridos 一 que eu nunca lembro o nome 一, cheio de plantas. Nós temos a mesma idade, então ambos estamos cursando nosso primeiro ano.
一 Foi boa também.
O sorriso dele fez com que o meu se alargasse, pois assim como eu, ele também teve problemas em "convencer" a família para que deixasse correr atrás de sua própria vocação. E mesmo que a dele não tivesse um negócio que se passa por gerações como a minha, isso não quer dizer que ele não teve dificuldades.
一 Hey, casal!
Procurei à minha direita aquela voz familiar e não precisei de mais um segundo para me livrar do abraço de Ethan e me jogar nos daquela garota que fazia cerca de dois meses que não a via.
一 Sam! 一 Eu a abracei com força e pude ouvi-la rir. 一 Estava com saudades.
一 Estou vendo! 一 disse ela com aquele tom brincalhão que fazia-me tão bem. 一 Como tem passado?
一 Bem, e você? 一 Eu a soltei para poder segurar em suas mãos, e foi só neste momento que pude perceber o quanto ela tinha mudado quando fitei seus olhos na cor castanho claro. Sam costumava ter os cabelos loiros com mechas pretas que chegavam a bater no meio de suas costas, mas agora ela estava com ele platinado e as pontas em lilás. O formato de seu rosto era um pouco mais largo e sua pele estava mais bronzeada também, afinal, tinha passado todo esse tempo na Austrália. 一 Como foi de férias?
一 Ai, nem quero comentar sobre! 一 disse com certa aversão, fazendo-me encará-la, confusa. 一 É praticamente impossível conseguir pintar ao ar livre naquela cidade!
一 Para onde que você foi mesmo?
一 Darwin.
一 Achei que fosse tranquilo por lá. 一 disse Ethan.
一 Pois é! 一 Ela foi até ele para lhe dar um abraço. 一 Da próxima vez vou me certificar melhor antes de ver tanta gente junta, porque eles parecem morar na praia há semanas de tanto tempo que passam por lá.
一 Tenho certeza de que você conseguiu o que queria apesar das adversidades 一 Sorri para ela após envolver a cintura de Ethan, repousando a minha cabeça em seu peito. 一 Ou eu estou errada?
一 Mas é óbvio que eu consegui! Até parece que eu ia sair de lá sem uma obra pronta 一 Sam rolou os olhos e afastou uma mecha de seu cabelo com um sopro. 一 Inclusive, preciso levá-las para um lugar depois da aula e preciso de companhia.
一 Não conte comigo 一 Ethan ergueu uma mão para o alto. 一 Minha mãe inventou de fazer um jantar maluco para meus primos que estão pra chegar e me pediu ajuda.
一 Você nem sabe cozinhar. 一 Sam colocou a mão na cintura e soltou uma risada que emanava puro deboche.
一 Ela quer me explorar no trabalho braçal, isso sim.
一 Amor, você não aguentava nem fazer as aulas de Educação Física na escola sem colocar a língua pra fora nos primeiros dez minutos...
一 Você tá do lado de quem?! 一 Ele me encarou, incrédulo.
一 Ué, e tô mentindo?! 一 Eu a fitei buscando apoio, e ele ao ver que a Sam fez uma careta, rapidamente me soltou. 一 Deixa de ser dramático! 一 O puxei de volta com certa força, prendendo seus braços contra o próprio corpo enquanto a cabeça dele se encontrava apoiada sobre a minha.
一 Que cena mais fofa. 一 disse Sam. 一 Agora se não se importam, eu preciso ir pra aula. Te vejo depois? 一 Ela direcionou a atenção pra mim.
一 Eu tenho opção?
一 Não.
一 Então é isso aí.
Nós rimos e eu acompanhei o trajeto dela até o prédio principal com os olhos, e após vê-la entrar pela porta, senti Ethan envolver seus braços ao redor da minha cintura para então me dar um breve selar na bochecha.
一 Você também deve ir, senão vai se atrasar. 一 disse ele.
一 Sim... 一 Lhe lancei um breve sorriso de canto antes de se afastar de seu corpo. 一 Até!
一 Até!
Mesmo que eu não estivesse olhando, eu sabia que Ethan me seguia com os olhos, e no momento que me aproximei do meu prédio e parei antes de abrir a porta, pude ver ele me direcionar aquele sorriso que fez minhas bochechas adotarem um tom mais avermelhado, e pode ser que, talvez, eu não consiga explicar o que ele significava. Apesar que se fosse algo ruim, eu com certeza sentiria, o que não foi o caso, é claro.
Quando cheguei na sala para a próxima aula, Kirsten não estava mais lá, o que me deixou um pouco triste, confesso, mas não havia nada que eu pudesse fazer já que ela era mais velha.
一 Acho que agora estou por conta própria...
Vocês também fazem uma espécie de ritual sempre quando estão prestes a passar por uma situação nova, mas que no fundo é clichê? E só para tirar uma dúvida... ele geralmente funciona? Porque os meus não, sério. Pelo contrário, parece que eles me deixam mais nervosa do que o normal.
Enfim, agora já foi, o que significa que meu ritual que incluía respirar fundo, contar até dez e relaxar os ombros só serviram para uma coisa:
Exatamente, porr* nenhuma.
~x~
一 Para onde vamos?
Minha pergunta era carregada de expectativas, já que na minha cabeça ela estaria indo para um Museu ou a uma galeria, entretanto, sua resposta não fora a que eu estava esperando.
一 Ao hospital.
Minha sobrancelha direita arqueou por conta própria, e talvez eu tenha ficado alguns segundos meio perdida, tanto que só fui me dar conta do que ela tinha dito quando a ouvi bater a porta do carro e se acomodar no assento.
一 Ao hospital?
一 Sim 一 disse, dando de ombros. 一 Por que a surpresa?
一 Vai fazer uma exposição lá ou algo do tipo?
一 Não, Maya 一 Ela riu. 一 Vou começar um novo estágio. A partir da semana que vem eu vou ajudar uma professora a ensinar um pouco sobre arte para as crianças de lá.
Minha cabeça ainda parecia não entender o quê ela iria fazer, exatamente.
一 Mas... 一 Eu ergui o dedo indicador, momento que ela parou para me fitar ao que colocava a chave no contato. 一 Essas crianças moram lá? No hospital?
一 Algumas sim 一 Sam comprimiu os lábios. 一 Outras, bem... é complicado.
一 Órfãos...?
Ela balançou a cabeça em sinal positivo, e cara, isso me deu uma pontada no peito que eu tive que desviar o olhar para o lado oposto, caso contrário ela poderia ver que meus olhos estavam cheios de água. Por mais clichê que isso possa parecer, é diferente quando você se depara com uma situação dessas pessoalmente do que quando se vê na TV.
Além disso, mesmo que através daquela tela role uma empatia por quem está do outro lado, a realidade é absurdamente transparente, e muito mais impiedosa. Ela não vai te dar apenas o que a mídia quer que você veja, ela vai te mostrar, e sem precisar pegar na sua mão. E na boa, no primeiro segundo que entrei na ala infantil com a Sam, eu senti um baque de diversas energias, tanto pesadas no sentido negativo, quanto boas. Sim, boas. Porque afinal de contas, estamos falando de crianças, e elas são seres incríveis.
O hospital possuía muitas alas 一 e muitos andares também, diga-se de passagem 一, e se eu fosse descrever todas as que passei até chegar aqui, isso com certeza pareceria uma lista de compras, então vamos apenas pular essa parte, ok? Sam pediu para que eu esperasse em uma espécie de recepção que ficava no quarto andar, e as únicas pessoas que estavam incluídas no mesmo espaço que eu era um senhor que parecia muito ocupado lendo uma revista aleatória qualquer e um jovem recepcionista.
"Faz tanto tempo que não venho à um hospital que até me esqueci de como ele pode ser incrivelmente silecioso".
Eu senti que seria meio "inconveniente" se eu ficasse o tempo todo ao celular, então decidi bisbilhotar nas pequenas mesinhas próximo a mim para ver se achava algo de interessante, mas tudo o que tinha eram revistas sobre saúde, estética e política. Meu corpo cedeu devido ao tédio e decidi fechar os olhos enquanto ainda a aguardava, e após alguns longos minutos de espera, minha cabeça tombou para o lado esquerdo e acabou indo de encontro a uma figura que eu julguei ser adorável, mas que pelo seu semblante apático e fechado, talvez ele não fosse lá uma das crianças mais amigáveis que um dia cheguei a trombar.
O garotinho usava um conjunto de pijama na cor vermelha e branca. A calça comprida xadrez, a blusa de manga onde no centro havia o desenho do homem aranha, além disso, ele usava pantufas brancas, e isso era muito fofo ao meu ver. Meus olhos passearam pelo local, mas ninguém ali pareceu se importar com a presença do rapazinho, nem mesmo o atendente do outro lado do balcão.
一 Oi... 一 Limpei a garganta antes de me ajeitar na cadeira. 一 Qual é o seu nome?
Tentei abrir um sorriso ladino, mas acho que nem isso funcionou, pois ele sequer se mexeu, e confesso que ter aquelas orbes azuis me encarando com tanta seriedade estava começando a me deixar nervosa.
一 Qual é o problema, Jackson?
O rapaz se colocou de pé e apoiou ambas as mãos na mesa, mas mesmo assim não consegui dizer muito da sua fisionomia, o computador tapava boa parte de seu rosto.
一 Precisa de alguma coisa?
Voltei a encará-lo com certa ansiedade. Não sei porque, mas eu realmente queria ouvir a voz dele, contudo, nem o rapaz teve sucesso de fazê-lo falar, então foi aí que decidi tentar uma abordagem diferente. Meu pai me dizia que sempre quando eu ficava isolada no meu próprio canto quando era mais nova, ele tinha que se ajoelhar para conseguir arrancar algo de mim, e foi exatamente o que eu fiz, tendo ele a me observar com atenção.
一 Hey, Jackson, você tem olhos muito bonitos, sabia? 一 perguntei abrindo um pequeno sorriso, mas não ousei tocá-lo, isso poderia deixá-lo desconfortável. 一 Você gosta do Homem-Aranha? Qual deles?
A cabeça dele tombou um pouco para a direita, e após alguns segundos, ele ergueu os dedos, indicando o número três.
一 Ele é o mais engraçado, não é verdade? 一 Ele assentiu, timidamente. 一 Também acho! Mas confesso que meu vingador favorito é o Hulk.
Os olhos dele se estreitaram.
一 Que foi? Você não acha ele o mais forte? 一 Fiz uma careta que fingia puro drama, e quase, quase, que ele cedeu em dar uma risadinha. 一 Okay, talvez o Thor seja mais forte.
Minha vontade era de querer segurar a mão dele, mas no instante que olhei para baixo, pude perceber que as dele estavam raladas e roxas, especialmente na ponta dos dedos, não só isso, como também seus braços e na lateral de seu pescoço havia um hematoma consideravelmente grande que fez meus lábios secarem.
一 Jack... 一 Sua voz saiu como um sussurro, e no mesmo segundo eu o fitei curiosa, meu coração chegou até a dar uma batida mais forte. 一 Gosto quando me chamam de Jack.
一 Jack? Ok! Por mim está ótimo! Eu sou a Maya, é um prazer te conhecer.
Ele estendeu a mão para frente com certo receio, e o meu foi maior ainda em segurá-la. Ela era tão pequena.
一 Quantos anos você tem? 一 Ele me fitava com curiosidade, mas tudo o que consegui fazer foi rir.
一 Adivinha.
一 Hmm... Vinte?
一 Quase, ainda me faltam alguns meses 一 Falei ao que me colocava de pé, o chão já tinha deixado marcas em meus joelhos. 一 E você?
一 Cinco...
一 Tem idade para ser meu irmãozinho caçula. Você tem irmãos, Jack?
Ele negou.
一 Tudo bem, ser filho único tem suas vantagens. 一 Eu toquei em seu ombro com gentileza, mas ele manteve a cabeça baixa, e foi então que notei que ele segurava um pedaço de papel nas costas. 一 Posso ver essa obra de arte?
一 Não está pronto ainda... 一 disse, desviando o olhar para o chão. 一 Preciso de giz preto para pintar o meu cabelo, e não tem mais no meu quarto.
"No meu quarto? Ele é uma das crianças que mora aqui, então?"
一 Bom, acho que você pode pedir para aquele tio ali! 一 Apontei para o rapaz que observava a cena com tamanho interesse com um misto de choque. 一 Pode ser que ele tenha o que precisa.
一 Não... Só a enfermeira Miller tem.
一 Oh... E onde ela está?
Ele deu de ombros.
一 Ela está lá embaixo 一 disse o rapaz. 一 Quando ela passar por aqui, eu aviso sobre o giz, tudo bem?
O garotinho suspirou, assentiu e deu meia volta, porém quando fez menção de seguir pelo corredor, ele voltou a me fitar.
一 Vou te ver de novo?
一 Eu... 一 Mentir para uma criança seria um grande pecado, e ser sincera com ele dizendo que este tipo de ambiente não é um dos meus favoritos seria cruel do mesmo jeito. Jackson tinha algo diferente, uma essência que me faz querer ficar por perto dele, e eu não sei se poderia voltar a vê-lo de qualquer forma. 一 Posso tentar dar um jeito nisso, Jack.
Ele abriu um pequeno sorriso que encheu meu peito de alegria, especialmente pelas bochechas dele serem tão gorduchinhas que chega a dar vontade de apertar, e se eu ousasse fazer algo desse tipo, com toda a certeza o deixaria traumatizado, e no momento que ele sumiu, eu voltei a sentar na cadeira, tendo o rapaz a me encarar.
一 Como conseguiu fazer isso?
一 Fazer o quê?
一 Ele conversou com você...
一 E o que tem demais?
Ele engoliu seco e desviou a atenção para o corredor.
一 Ele não fala desde o dia que chegou. 一 Semicerrei os olhos. 一 Jackson foi retirado pela polícia dos braços do padrasto, ele batia nele. É uma longa história, mas ele perdeu a mãe recentemente por conta de uma doença no coração, e ao que parece, acabou herdando dela.
一 Mas ele vai ficar bem, não vai?
Os lábios dele se estreitaram, e isso nunca era bom sinal.
一 É o que esperamos.
一 Ele é um rapazinho forte, vai dar conta disso. 一 Eu tentei convencer a mim mesma de que aquilo era uma real possibilidade, eu tinha que acreditar.
一 Engraçado, a enfermeira Miller disse a mesma coisa que você.
一 Bom, ela não pode desistir do paciente dela, não é? 一 Minhas mãos foram parar dentro do bolso de meu shorts quando avistei Sam saindo pelo elevador mais à frente e vindo em minha direção.
一 Desculpa a demora, a papelada era mais extensa do que eu pensei 一 Ela alternou o olhar entre nós, e talvez tenha notado que a atmosfera estava um pouco fora do seu habitual. 一 O que foi?
一 Nada 一 Neguei com um sorriso fechado. 一 Vamos?
一 Sim... 一 Ela segurou em meu braço, e a medida que fomos nos distanciando, mais o aperto em meu peito ganhava força. 一 Tem certeza de que está bem?
Sua fisionomia parecia querer uma explicação, e foi exatamente o que dei a ela. E mesmo que no final eu esperasse algumas palavras de incentivo sobre a situação do pequeno Jack, só pela expressão dela eu pude ter certeza de que, provavelmente, o caso dele era mais complicado do que eu imaginava.
一 Você pode vim vê-lo, se quiser...
一 Eu não sou boa com crianças, Sam, sabe disso.
一 Bom, ele aparentemente gostou de você.
一 Não sei... Mas prometo pensar sobre, ok?
一 Isso aí! 一 Ela me abraçou e bagunçou meus cabelos. 一 Vem, vou recompensar o tempo que você teve de ficar me esperando com um Milkshake.
一 Justo. 一 Sam arqueou uma sobrancelha. 一 O quê? Você demorou mesmo, minha filha! Nada mais do que sua obrigação me mimar!
一 É mole...
Por mais que a Sam estivesse falando pelos cotovelos sobre como estava animada com seu novo estágio, eu não conseguia parar de pensar naquele garotinho. Jesus, eu nem sabia o que ele tinha, mas ainda assim não consigo deixar de me sensibilizar pela situação, e é claro que tentar esconder isso da Sam foi mais difícil do que achei que seria.
一 Acho que é a primeira vez que te vejo assim, sabia? 一 Ela me fitou enquanto dava um gole em seu Milkshake de morango.
一 Assim como?
一 Incomodada.
一 Não estou incomodada.
一 É mesmo?! 一 Sam apoiou os cotovelos em cima da mesa. 一 Se não estivesse incomodada com o que presenciou teria prestado atenção que derramou sorvete na própria blusa.
Eu olhei para baixo rapidamente e arregalei os olhos quando vi um filete de chocolate que ia do meio da camisa até próximo do umbigo.
一 Merda! 一 protestei ao que pegava um guardanapo com álcool em gel para poder limpar, o que não adiantou muito. 一 Ok, talvez eu esteja um pouco distraída.
一 Aquele garotinho mexeu com você.
Decidi ignorá-la por um tempo até que eu tivesse, pelo menos, uma resposta para lhe dar. Ela não estava errada, longe disso, mas não é como se eu soubesse o que fazer ou o que pensar sobre aquilo. Não dá pra simplesmente ignorar um garoto que passou por tantas coisas ruins e fingir que nada aconteceu, e para ser sincera, eu gostaria de fazer algo por ele.
一 Você quer visitá-lo, Ma?
一 Não sei se é uma boa ideia 一 Levei os dedos até meus fios e os puxei até que pudesse vê-los. 一 Não sei como poderia ser útil...
一 Você sabe o motivo de eu ter escolhido esse estágio? 一 Neguei, porque realmente, ela não havia me contado seu interesse em trabalhar nesse tipo de área. 一 Porque a nossa realidade é muito diferente da deles, das pessoas que precisam do hospital com frequência, que não tem muitas opções. Às vezes a gente pode achar que um simples ato de bondade não é o suficiente para fazer diferença na vida de alguém como desse garoto, só que, na verdade, pequenas atitudes como a que você teve hoje, são as que fazem o dia deles. Não é preciso ser um super-herói para salvar alguém, Maya.
É impressionante a maneira como tudo que sai da boca dessa garota mexe com o interior de qualquer um. Ela tinha razão, e fazia a situação parecer simples. E ela é simples, nós seres humanos que somos inseguros ao ponto de querer complicar tudo.
一 Quando posso vê-lo?
Ela abriu um largo sorriso e segurou a minha mão, satisfeita com o que acabou de ouvir.
一 Vou providenciar isso pra você, deixa comigo.
一 Você me trouxe de propósito ou...
一 Sim. 一 Ela me interrompeu e eu abri a boca, incrédula. 一 Entre todos do nosso círculo de amizade, você é a mais bondosa, a diferença é que você camufla sua melhor qualidade.
一 Eu não camuflo 一 Sam arqueou a mesma sobrancelha para mim mais uma vez, fazendo-me bufar. 一 Eu só... não sei! Acho que eu sou aqueles pokémons que só sai da casinha quando é necessário, entende?
Meu comentário foi super aleatório, e talvez seja por isso que o riso dela ecoou pelo local em que estávamos, que no caso era uma pequena sorveteria que ficava perto do nosso bairro em Santa Mônica.
一 Qual deles você se acha parecida?
一 Talvez o Charizard. 一 Dei de ombros.
一 Bom, a cor do cabelo já é igual.
一 Idiota! 一 Lhe dei um tapa na mão. 一 Ele é de fogo, assim como meu signo.
一 Realmente, ele é teimoso, rabugento e preguiçoso igual você 一 Fiz menção de protestar, mas ela ergueu o dedo indicador. 一 Mas também é protetor, esperto e esforçado.
一 Tá tentando me conquistar, é?
一 Você não faz meu tipo!
Sam fez uma careta de nojo e eu soltei uma risada anasalada, desacreditada com o que acabara de ouvir.
一 Olha só que vaca! 一 Eu atirei um papelzinho amassado em sua direção.
一 Obrigada por ter vindo comigo 一 Ela segurou em minha mão e eu a apertei. 一 Quer fazer mais alguma coisa ou quer ir pra casa?
一 Para casa, por favor 一 disse enquanto colocava-me de pé. 一 Se estiver livre, pode ficar.
一 Só se você deixar eu comer um dos salgadinhos do seu estoque!
一 Jamais! 一 Ela fez menção de dar as costas, mas eu fui mais rápida ao segurar o braço dela para então lhe dar um abraço desajeitado. 一 É brincadeira! Sabe que a casa é sua, bobona.
一 Então vamos, esse calor todo já está me deixando com dor de cabeça.
一 Somos duas.
No fim das contas, ela acabou ficando para dormir. A companhia da Sam sempre me fez muito bem, sem contar que ela é uma pessoa que sempre cuidou de mim, até mesmo quando eu não queria, ousaria até dizer que só de estar em sua presença, eu me sentia uma pessoa diferente em sentidos muito positivos. Ela é o tipo de pessoa que não dá para se imaginar sem, entendem? Eu não sou muito a favor daquela cultura da substituição. É claro que pessoas vêm e vão, isso é da vida, mas acredito que há exceções.
Nós passamos a noite jogando conversa fora e comendo algumas bugigangas enquanto assistíamos TV, pelo menos até o sono bater e nos rendermos a ele completamente, afinal, no dia seguinte tínhamos aula, e faltar não estava em nossos planos.
Fim do capítulo
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Hope_ Em: 14/05/2023 Autora da história
Ela é mesmo, e a interação com o pequeno Jack me quebrou.
Obrigada e até!