Capitulo 25 - Metáforas + Ditados = Respostas
A semana de Isabella após aquele Domingo frustrado em que Camila apareceu havia sido literalmente; trabalho.
Porém já era sexta feira e Lis ficaria com o pai no final de semana, então ela se permitiu organizar a carga de trabalho na Ortosoul e na outra clínica que lhe pagava um pouco melhor cumpriu algumas horas extras, recuperando os dias que perdera com as faltas de Lis doente… simplesmente ligou o modo workaholic e seguiu frenética. Deixava o celular quase o tempo todo no bolso da calça de trabalho, somente permitindo checar se havia mensagens de Fernando. Ignorava as mensagens de Ulisses passando-lhe sermões e de Camila perguntando se estava bem. Sabia que nenhum dos dois a entenderia naquele momento e só a deixariam ainda mais frustrada e estressada. Ignorava principalmente um nome em particular, que era acompanhado por um emoji fofo na frente, nome este que a perseguia por todos os sonhos das noites mal dormidas daquela semana, mas que não tinha enviado novas mensagens desde o último dia em que se viram no apartamento.
- Olavo, essa é a última rodada de exercícios… Vamos dar o máximo? - Ela instigou carinhosamente ao garotinho de seis anos, acompanhado pela mãe.
- Vai Olavo, faz uma forcinha, filho… - A mulher apoiou tocando as costas do filho que se mostrava cansado e dolorido.
- Oito… Nove… Dez! - Ela bateu palmas parabenizando o garoto que mal sorriu, mas ela o respeitou, afinal o garoto já possuía mais problemas do que um adulto como ela.
- Tia, acabou? - Ele perguntou esperançoso.
- Acabou sim, querido… A tia está muito orgulhosa de você.
Ele ficou ligeiramente mais animado. Se despediu com um abraço que Isabella retribuiu com carinho, seus olhos azuis buscando seu rosto, para acariciar suas bochechas. Beijou o pouco que restava de cabelos em sua cabeça e avisou:
- Semana que vem entramos com uma nova carga, mas acho que nem vai sentir a diferença, você “tira de letra” os exercícios.
- O que é essa “tira de letras”? - Ele perguntou curioso sob o olhar divertido e amoroso da mãe.
Isabella apenas riu enquanto assistia a mãe lhe conduzir para fora da sala de aparelhos e explicar sobre metáforas. Lembrou-se imediatamente de Lis e de sua curiosidade nata, puxara essa característica da fisioterapeuta com certeza.
Seus olhos se perderam em pensamentos, reflexiva sobre a filha ter perguntado sobre a morena diversas vezes naquela semana e o fato de não saber o paradeiro de Micaela, talvez isso era o motivo que estivesse lhe tirando o sono, apenas curiosidade. Que se saciada, faria tudo voltar ao normal. Simples.
- Terra chamando Bella!!! - Diana brincou na sua frente estalando os dedos.
- Di! Nossa, perdão eu tava…
- No mundo da Lua? Percebi. - A chefe riu achando graça. - Conheço outra pessoa que trabalha aqui e que estava exatamente na mesma situação hoje de manhã…
- Quem? - Ela franziu o cenho, realmente não sabendo de quem se tratava.
- Ahh, uma certa pessoa aí… Muito querida pelas crianças, aliás.
- A Ingrid? - Se referiu a outra fisioterapeuta.
- Micaela! - Diana respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
- Ah… - Ela murchou os ombros, parecendo tão desanimada quanto Olavo em seus exercícios fisioterapêuticos.
- Ela é ótima, não é? Assim que terminou as sessões de hoje disse que partiria para São Paulo… Ela não para, está sempre fazendo a sua “mágica”. - Diana parecia encantada, acreditando que a viagem que a morena comentara mais cedo se tratava de trabalho e não uma visita à amiga.
Isabella franziu o cenho, incomodada com diversos pontos daquela notícia. Primeiro, qual razão teria para Diana saber essa informação. Segundo, por que ela parecia feliz com essa viagem e terceiro o que Micaela haveria de precisar fazer em São Paulo no final de semana, não se lembrava dela comentar sobre esse trabalho na capital. Teria ido visitar Júlia? Será que bastou tão pouco tempo para a morena se enjoar dela e já voltar com a ex? Camila e Ulisses tinham razão, afinal de contas? Onde Diana entrava nessa história? A morena talvez estivesse “atirando” em todas as direções que podia, já que o que tinham não era um relacionamento de fato então não haveria por que haver qualquer fidelidade da sua parte. Obviamente ela era livre para ficar com outras pessoas, assim como Isabella, mas qual razão de estar sentindo essa dor no peito ao pensar nela com outra… com outras? Pediu licença para a chefe, alegando um compromisso ao qual estava atrasada. Saiu da clínica direto para casa de Fernando e Verônica. Chegou poucos minutos antes do jantar.
- Mamãe? Mas hoje foi dia de aula… - Lis abraçou a mãe, um tanto confusa, acreditando que a mãe viera lhe buscar.
- Domingo é só depois de amanhã, filha. - O pai explicou também estranhando a presença da amiga em plena sexta-feira a noite, fazia alguns meses que isso não acontecia, precisamente desde que a encontrara na cama com a prima.
- Desculpa… - Ela pediu se dirigindo aos dois amigos. - Não queria incomodar, mas…
- Você nunca incomoda, amiga! - Verônica se aproximou dela, já ciente de que ela desabafaria a qualquer instante.
- Será que não? Eu sinceramente nem sei mais… Camila saiu daqui no Domingo chateada comigo, daí Micaela a mesma coisa… Minha chefe deve me achar uma sem noção que fica “brisando” no meio do trabalho…
Pronto, aí estava. Verônica a puxou em direção ao sofá. Sentaram-se com a pequena plateia (Fer e Lis) assistindo a tudo atentamente. O jantar, que era uma pizza gigante do sabor preferido da filha, ainda na caixa aguardando ser servida.
- Você coloca uma pressão bruta nas costas, ein amiga? - A segunda mãe de Lis massageou suas mãos, notando como estavam frias.
- Eu juro que não sei… De repente estava tudo tão bem, tão organizadinho, sabe? - Ela indagou ao mesmo tempo que tentava explicar sua situação.
- Pera lá, vamos por partes… Tá falando da Diana e do trabalho?
- Não, da Micaela… - Ela baixou os olhos, mexendo na costura do jaleco que sem perceber ainda usava.
- Certo, e quando passou a ser ruim e desorganizado? - A dermatologista pacientemente conduziu seu desabafo.
Fernando agora servia um pedaço de pizza para a filha e cortava em pequenos pedaços. Mas muitíssimo atento a tudo.
- Não…
- Não?
- É que… - Ela jogou os cabelos castanhos para trás e puxou fazendo um coque de qualquer jeito, tentando frustradamente reorganizar os fios e os pensamentos. - Nós estamos bem, quer dizer… Até Domingo passado estávamos.
- Certo, e aí?
- Daí que eu não sabia que Camila viria nesse final de semana, ela só… apareceu!
- E Mica teve um surto de ciúmes, é isso? - Desta vez a voz de Fernando soou próximo delas.
- Não! Na verdade não… Não demonstrou nenhuma possessividade ou ciúmes. Mas é que a gente tinha esse combinado de só… - Ela olhou na direção da filha, que comia com gosto o jantar/pizza, menu esse que em qualquer outro momento faria Isabella esganar Fernando. - A gente combinou de deixar as coisas somente no… entendem o que quero dizer?
- Sim. - Ambos responderam ao mesmo tempo, entendendo ao tipo de “combinado” que ela se referia.
- E estava indo tudo tão… - Ela engoliu o “maravilhosamente” - Bem!
Ela esfregou os olhos e depois as têmporas, se lembrando das coisas que Camila lhe disse sobre ela estar agindo como criança. Estaria sendo assim tão imatura? Era só sex*… um maravilhoso sex* sem compromisso e sem incomodar ninguém, então não precisava daquele sermão em péssima hora, se a ex pelo menos tivesse avisado que viria, ela teria se preparado melhor para aquela conversa e teria lidado melhor com a preocupação de Micaela. Mas Camila conseguia tirar ela do sério, ainda corroborar com as falas de Ulisses, claro, eles eram melhores amiguinhos…
- Eu apenas comentei sobre minha indignação com o sermão ridículo que o Ulisses me deu… Mas ela concordou com ele, acredita Vê? E começou a dizer coisas bem ofensivas, ela não tinha esse direito…
- Micaela te disse coisas ofensivas? - O primo da morena interrompeu questionando.
- Não, a Camila! - Ela cruzou as pernas impaciente. As unhas novamente cutucando a costura do jaleco. - Ela veio nesse final de semana e Lis tinha saído com a Mica. Então ficamos conversando enquanto elas não chegavam… O assunto era sobre o sermão do Uli, que foi totalmente desnecessário, que fique bem claro! Mas ela conseguiu ser PIOR!
- Ah. - Ambos disseram juntos novamente.
- Tá, mas e aí? - Verônica era um poço de educação, porém até mesmo ela estava ansiosa pelo desfecho que parecia mais distante cada vez que ela tentava se explicar.
- Daí que ela me beijou. Porque quase sempre ficamos quando ela vem. É gostoso, nós temos uma conexão legal… Mas não senti nada e ela percebeu. - Isabella respirou fundo, cansada.
- E Micaela viu? - O primo perguntou apreensivo.
- Não! Depois que chegaram, logo em seguida a Cami foi embora… Mas Micaela percebeu que tinha acontecido algo entre a gente, ela perguntou e… Eu acabei exagerando na reação. Mas eu estava irritada!!! Todos me tratando como se eu fosse uma sem noção por estar tendo um caso?! Ah, gente… Peloamordedeus!
- Olha só… - Verônica pigarreou buscando palavras que não fossem gatilhos para ativar ainda mais seu modo irritado. - Você é uma mulher adulta e não tem problema algum em se relacionar com quem quiser, desde que consensualmente, da forma que bem entenderem…
- Exatamente! Fala isso para aqueles dois…
- Mas eu também entendo a preocupação deles. - Ela disse devagar, tocando gentilmente sobre sua mão.
Isabella olhou incrédula para amiga como quem diz “até tu Brutus”, depois olhou para Fernando que deu de ombros, basicamente não discordando da esposa.
- Não estou dizendo que você está errada, Isabella… Mas, visto o passado que tiveram, eu também aconselharia mais cautela nesse envolvimento.
Ela se levantou rápido, chamando a atenção até da filha que já iniciava o segundo pedaço de pizza.
- Vocês acham o quê, então? Por que tivemos um “lance” no passado, agora é proibido “ficarmos” novamente, é isso?
- Não foi isso que a Vê quis dizer e você sabe.
- Ahhh Fernando, e você sabe do quê? Vive chorando por conta dela nunca ter te perdoado e agora acha que sabe o que EU sinto? Menos! E na casa da sua mãe você disse que me apoiava!
Os dois se entreolharam cientes da ira que ela estava a todo custo tentando conter, mas que já dava indícios de explodir a qualquer momento. Porém ela estava desabafando e isso era necessário, eles a amavam o suficiente para não impedir que ela colocasse pra fora tudo que sentia.
- Apesar das minhas palavras… Eu faria exatamente como você está fazendo. - A dermatologista jogou tentando reverter a situação antes que sua raiva ficasse incontrolável.
Isabella cruzou os braços aguardando ela explicar melhor o que queria dizer.
- É como aquele ditado… “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. - Ela também se levantou se servindo um pedaço de pizza e oferendo um prato para Isabella.
- Eu adoro esse ditado. - O marido sorriu piscando para ela, a cumplicidade entre os dois fazendo ele entender aonde ela queria chegar.
Assim que chegara em casa depois do churrasco na casa da mãe , ele contara o que conversara com Isabella, e Verônica compartilhara com ele suas aflições sobre o envolvimento das duas, fazendo com que ele tivesse uma visão bem mais analítica sobre o assunto. Sua esposa maravilhosa sendo sempre perfeitamente sensata.
- Tá, poderiam ser mais diretos? Tô meio sem paciência para “ditados” agora, desculpa. - Isabella cortou o pedaço de pizza como se esfaqueasse o pior inimigo.
- Digamos que eu termine com o Fernando hoje… Por mais impossível que possa parecer.
- Humm, e?! - Ela instigou impaciente, quase revirando os olhos com o casal de “pombinhos”.
- Eu sou loucamente apaixonada por este homem, pai da sua filha… Mas de repente somos impedidos de ficar juntos, por algum motivo que não conseguimos controlar.
- E tanto eu quanto ela sentimos o impacto dessa separação, da forma mais tensa, sofrida e amarga. - Fernando completou estendendo a mão para ela, numa encenação dramática.
- Mas mesmo nos amando perdidamente… O destino cruel nos separa por longos dez… anos! - Os olhos da dermatologista brilhavam, quase em lágrimas.
- Tá, tá… Já entendi que estão falando da gente, mas e aí onde entra que não posso dormir com ela dez anos depois? - Ela retrucou de boca cheia e ainda impaciente.
- Mamãe, não pode falar enquanto come, tem que ser segredo! - Lis ralhou com ela pulando em seu colo e roubando uma azeitona do seu prato.
- E o destino novamente faz jus ao seu nome e prova que não deve satisfações a ninguém e faz o que bem entender, e então sem que nenhum dos dois controlem… - Verônica a ignorou continuando.
- A gente se reencontra… É constrangedor, mas… Rever você faz meu coração, que antes estava estático, bater rápido novamente. O sangue nas minhas veias… É aquecido pelo calor do seu corpo. - Fernando recita apaixonadamente segurando Verônica pela cintura. A dermatologista quase se esquecendo do intuito da encenação e embevecida pelas palavras do esposo.
- Muito lindo, amigo… Mas esse coração estático aí já teria te levado à óbito. - A fisioterapeuta desiste do restante da pizza que agora é atacado por Lis. Levanta, vai até os dois, cruza os braços e solta baixinho somente para que eles ouvissem: - E aposto que esse “reencontrinho” ia render boas noitadas de sex*, ou vão negar?
- Eu trans*ria com esse homem no primeiro segundo que nos reencontrássemos! - Verônica murmurou também baixo, concordando plenamente com ela.
- Eu não resistiria nem ao primeiro “oi”. - O outro riu também concordando. - Mas…
- Mas… - Verônica acompanhou o marido.
- Mas? - Isabella questionou curiosa.
- Nessa história que acabamos de criar, você não sabe o motivo real dessa separação… E é NISSO, que tudo pode dar errado.
- Sensata como sempre, meu amor. - O homem beijou-lhe os lábios, orgulhoso.
- Me ajudem vai, eu preciso entender aonde querem chegar! - Ela juntou as mãos, se concentrando ao máximo, mas quase enjoada com tanto romantismo de novela das oito que aqueles dois deviam estar assistindo demais.
- Se o motivo do término for algo banal, então não haverá sentimentos mal resolvidos, arrependimento, frustrações… - Verônica explicou objetivamente agora que tinha sua atenção concentrada. - A partir do momento que esse caso sai do nível “cama, mesa e banho” e parte para um nível mais intelectual… Pronto, é aí que surge o problema. Você está cem por cento na relação? Ou somente a parte carnal que está? Tem confiança entre as partes envolvidas? Existem assuntos pendentes do passado que ainda te assombra? Perdoa os erros cometidos? Há sentimento por apenas um dos lados? Ou nenhum? Há uma terceira, quarta, quinta pessoa envolvida? Se o tesão continuar, até quando pretendem levar isso adiante? E se ela se apaixonar por outra pessoa, tudo bem ficarem só na “friendzone”? Vão continuar amigas? Lis vai poder continuar recebendo visitas da Tia Mica?
- Certo. - Ela fechou os olhos absorvendo tudo com uma expressão um tanto perturbada. Verônica conseguira desbloquear dezenas de medos e questões que fervorosamente ela vinha enterrando no mais fundo do seu subconsciente, simplesmente ignorou coisas óbvias que precisavam terem sido refletidas. Respirou fundo segurando a tensão, mas mesmo assim gaguejou. - Mas eu falei com ela, Vê… A gente, eu… Nós… Combinamos de manter no âmbito sexual, apenas... Ela concordou!
- Concordou ou aceitou?
- Qual a diferença?
- Ora, se ela concordou quer dizer que talvez pense como você. Que isso tudo não passa de uma boa trans*. Mas se ela só… aceitou… - Verônica torceu o lábio, o rosto bonito fazendo uma careta.
- … Aceitou talvez por você não lhe dar outras opções. Era aceitar isso para ter pelo menos uma opção garantida ou…
- “Melhor um pássaro na mão, do que dois voando” - Verônica finalizou com mais um ditado.
Se estivessem entre os amigos Camila e Ulisses, com certeza uma salva de palmas seria ouvida, pois eles concordariam com o casal em gênero, número e grau.
Isabella buscou uma cadeira. As pernas formigavam, as pontas dos dedos estavam frias e sensíveis. Agora entendia, sim as peças se encaixavam e formavam um sentido tão óbvio que ela escondeu o rosto entre as mãos, com vergonha por ser tão… lerda. Tinha mergulhado sem hesitar em uma piscina de tubarões, acreditando que uma faca de pão a protegeria.
- Mas será que ela… gosta “assim” de mim? - Olhou para os amigos esperando uma resposta para suas aflições. Acreditou piamente que o que a morena sentia era exatamente isso; atração física. Talvez quisesse aprofundar em algo mais, mas não por motivos de… Amor? Não, isso nunca.
- Calma, não podemos responder por ela… Talvez ela goste, ou talvez tenha só uma grande afeição e queira construir um relacionamento mais sério, ou talvez tenha ainda uma outra vontade desconhecida por nós… mas veja bem: T a l v e z! - Verônica explicou devagar.
- E se ela gostar e não for sua intenção um relacionamento mais sério… O risco disso acabar mal é FATO! - Fernando ia dizendo enquanto recolhia a louça suja. - E pelo que me lembro da minha prima, ela era loucamente apaixonada por você, então as chances são meio que altas…
Uma pontada no peito fez Isabella ficar de pé. Se lembrava vividamente do dia em que a confrontara na cozinha do apartamento da morena, e ela dissera com todas as letras que a amava quando eram jovens adolescentes. Aquilo não poderia ser mais trágico do que achou que seria, agora ela mal conseguia andar um passo sem imaginar todas as vezes que trans*ram, que a morena a beijou, foi carinhosa e atenciosa com ela. Seria isso amor? Ou apenas desejo? Como pudera não prever que estar com Micaela poderia por em risco toda muralha que construiu ao redor de si ao longo dos anos? O que ela faria agora?
- E o que eu faço agora??? - Externou seus pensamentos.
- Vamos voltar na mesma pergunta que você fez antes, só que mudando o sujeito… - Verônica limpou as mãos em um pano de prato antes de juntá-las quase em oração. - Não sabemos se ela gosta ou não de você, mas… E você? Gosta dela? - A esposa de Fernando abriu um rombo de questões em seu cérebro, questões estas que somente ELA poderia responder.
E essa pergunta ecoou por seus neurônios por toda noite de sexta-feira, depois sábado, por fim Domingo. Tudo que fez desde o instante que em que pisara para fora da casa de Fernando e Verônica, foi pensar! Pensou tudo, refletiu por horas, tudo que não havia refletido anteriormente, “levantou o tapete” e tirou tudo que havia jogado lá, depois espalhou e analisou um a um sentimentos que ela nem sabia como nomear, pois estavam escondidos há muito tempo. Aproveitou que Fernando aceitara de bom grado ficar com a filha até segunda-feira, ao invés de devolvê-la depois do almoço de Domingo, como combinado geralmente. Ela precisava organizar tudo e começou por… Faxinar a casa. Sim, todas as vezes que precisava pensar profundamente sobre um assunto essa era a melhor forma que encontrava para focar em si mesma. Sábado voou com os afazeres e pensamentos, limpou e organizou, mudou coisas de lugar, lavou todas as suas roupas e de Lis, tirou pó, esfregou, varreu, higienizou… No final do dia ligou uma música e foi para a sacada, uma taça de vinho numa das mãos e o celular na outra. Deveria ligar? O que falaria ou perguntaria para a morena se ela não conseguia responder nem as próprias questões internas.
Passou horas revivendo tudo que já viveu com Micaela, mesmo quando eram apenas duas meninas sonhadoras, repletas de ilusões e anseios impossíveis. O carinho por Micaela se misturava à raiva e decepção, ao mesmo tempo a fisioterapeuta também admitia arrependimento por ter sido impulsiva e irresponsável, mas sua versão adulta confortava sua versão jovem, mostrando que a vida é feita de erros, para que se entenda o que são acertos.
Largou a taça vazia sobre o parapeito e deitou-se encolhida no sofá, logo a recordação de vídeo chamadas lhe vieram à mente. A Isabella de agora não tinha mágoas com o passado, pelo contrário, ela recebera Micaela de braços abertos, saudosamente. Como velhas conhecidas. A Isabella atual não negava o desejo e carinho que sentia pela morena. Não negava a saudade, a vontade de vê-la todos os dias e beijar sua boca até cansar. Era segura, confiante e se permitia, de todas as formas possíveis. Já a Isabella jovem não possuía atributos necessários para simplesmente… esquecer. Era arisca, insegura e não confiava em si mesma ou nas outras pessoas, colecionava as mágoas e relembrava uma a uma, para depois remoê-las confirmando suas convicções. Micaela não era bem vinda para a Isabella jovem, ela conhecia bem o que as duas viveram, ela sabia de cor tudo que disseram uma para a outra e principalmente ela sabia o gosto amargo do adeus, da frustração de não ter mais aquela em quem confiara cegamente e amara de uma forma que jamais conseguira novamente.
Isabella deu um pulo de susto quando o celular tocou em sua mão interrompendo bruscamente sua reflexão. Rapidamente visualizou no visor o nome da mãe e atendeu resignada.
- Oi, mãe.
- Oi, né? Se não sou eu te ligar… Nem parece que tem mãe. - Silvia brincou do outro lado desconhecendo a angústia da filha no momento.
- Correria mãe… - Ela simplesmente disse fechando os olhos.
- Vocês vêm almoçar aqui amanhã? Faz um tempo que não aparecem…
- Acho que não… Lis está com o Fer e eles iam almoçar na casa da Tia Elisa, vou ficar por aqui mesmo, aproveitar para ajeitar umas coisas na casa… - Na mente. Pensou, mas não disse.
- E você não vai? - A mãe questionou estranhando e Isabella já percebendo aonde ela queria chegar retrucou de imediato.
- E por qual razão eu iria, mãe?
- … É que achei… Como o Fernando e a Lis vão…
- A esposa do Fernando é a Verônica, mãe! Sendo assim Elisa é a sogra dela, não minha!
- Eu sei… Eu só perguntei, filha…
- Não, você não sabe! Ou finge não saber. Sempre faz perguntas desse tipo como se “eu” que fosse a mulher do Fernando, só porque temos uma filha juntos, então espera que em todos os programas de família… estaremos juntos também. Isso é ridículo, mãe!
- Isabella… Calma, eu só perguntei. O que você tem, ein?
- Tenho ranço, nojo, raiva… É isso o que eu tenho. Da forma como vocês tratam a gente. Fernando é casado! E a esposa dele é uma mulher trans, e daí? Isso a faz menos mulher dele? - Ela havia se sentado e enfaticamente defendia o amigo, suas mãos estavam trêmulas, mas ela não percebia, queria vomitar tudo que nunca havia dito para os pais.
- Eu não aceito que você fale assim comigo, vou desligar e…
- Não desliga! Me escuta! Pelo menos uma vez na vida me ouça, por favor… Nós somos pessoas como qualquer um de vocês, mãe. Eu sei que você não escancara, mas tem preconceito tanto quanto tio Fábio e a maior parte da sua e da família dele também são assim.
- Eu não sou preconceituosa!
- Você é! A partir do momento que você ignora uma mulher que mora comigo como esposa e a chama de “amiga” na frente das pessoas, isso é ter um pré conceito a respeito da minha vida, por que o conceito REAL é que éramos um casal, não amigas! - Argumentou exemplificando quando morava com Camila.
- Ela voltou? A Camila voltou, é isso? - A voz de Silvia soava magoada e tão ácida quanto da filha do outro lado.
Isabella gargalhou sarcástica, imaginando o que a mãe diria se dissesse que ela não fazia ideia de quem realmente tinha voltado. Ela ficaria era grata se fosse só a Camila.
- Você bebeu? O que tá acontecendo, Isabella? Eu não estou te entendendo. - A mulher repreendeu a filha, da mesma forma que fazia quando ela era apenas uma criança depois de ouvir sua gargalhada ao fundo.
- Você não entende mesmo… Você, aliás, ESCOLHE não entender… É mais fácil, mais seguro, mais cômodo… “Ignorar é uma benção”, não é o que dizem? - Ela murmurou pausadamente… O cérebro fazendo conexões e juntando peças como um quebra cabeça. Boquiaberta com os resultados, compreendeu finalmente que o que a mãe fazia com ela, era exatamente o que ela estava fazendo em relação à Micaela. Ela passou a rir, de repente ciente de que ignorou o óbvio aquele tempo todo, na esperança de se manter segura, anonimizou o que sentia pela morena e mascarou convenientemente com… apenas sex*.
- É claro… Faz todo sentido! Não dizer, não pensar, não aceitar… Você não faz isso por que nos odeia. Faz porque tem medo! E assim é mais fácil de lidar…
O telefone permanecia mudo, com Silvia apenas ouvindo as palavras da filha. Palavras estas que a atingiam de uma forma indescritível. Isabella agora em pé, andava de um lado para o outro, a reflexão do dia clareando as observações que agora fazia todo sentido, que caíam como uma “luva” para sua própria aflição.
- Você nunca disse. Não é mesmo, mãe? Eu nunca ouvi da sua boca, a palavra lésbica, uma palavra simples que define a sexualidade da sua filha, mas… Você nunca sequer pronunciou! Não, é?! - Era uma pergunta retórica, mas Silvia retrucou, a voz magoada e baixa, querendo encerrar logo aquela ligação fatídica:
- “Isso”… não te define como pessoa! Você é muito mais do que “isso”.
- Claro que não define, mãe… - Ela estava penalizada, pela falta de coragem da mãe em assumir aquele medo, se sentou novamente no sofá, querendo poder estar frente a frente para olhá-la nos olhos. - Eu sou realmente mais do que apenas minha sexualidade. Assim como meus pacientes são muito mais do que apenas suas cicatrizes… Mas negar que elas existem, é negar suas histórias. Negar suas realidades… Suas vivências. E quando Micaela os fotografa exatamente como são, sem máscaras ou maquiagens… Ela permite que eles expressem a própria existência, da maneira como são. Simplesmente e REALMENTE como são.
Ela ofegava, pois refletia e ao mesmo tempo falava, desabafando para uma Silvia calada e magoada, contudo o nome da enteada foi o suficiente para que a mulher perguntasse preocupada:
- Qual Micaela? Micaela, do Fábio?
A pergunta da mãe fez ela perceber que falara além do que pretendia, mas não se arrependeu, Micaela não era um monstro que precisava ser escondido, como alguns familiares de Fábio diziam, ela merecia mais respeito do que qualquer outra pessoa daquela família.
- Sim! A Mica voltou há alguns anos já, e tem um estúdio de fotografia inclusive, sabia?! E está fazendo um trabalho maravilhoso na clínica da Diana… Ela até fez um retrato da Lis também, coisa mais linda... - Era impressão sua ou ela estava sorrindo? Seu rosto iluminava-se do orgulho que sentia por estar contando aquilo para a mãe, como se pudesse fazer ela sentir com palavras, o que Isabella sentia ao ver a mulher incrível que Micaela se tornara.
- Você está falando sério? - A mulher do outro lado piscou várias vezes tentando entender a avalanche de informações que a filha lhe contava.
- Seríssimo, porque eu mentiria sobre isso? - Isabella franziu o cenho confusa.
- Não… Não é isso… Filha, eu tenho que desligar. Amanhã conversamos melhor, tá? Eu te ligo!
E assim sem nem esperar ela desligou. Isabella ficou ainda alguns segundos olhando o visor do celular, a ansiedade batendo como cafeína pura em seus neurônios, sem hesitar ela se levantou e foi direto para o banheiro. Tomou o melhor banho de sua vida, lavou não só o corpo, mas a alma. Se vestiu em tempo recorde e em instantes estava dirigindo em direção a pessoa que mais queria ver naquele momento.
- Boa noite, senhora! - O porteiro de Micaela cumprimentou-a simpático depois explicou: - Desculpa, mas Dona Micaela viajou… Não tem ninguém no apartamento.
Sim, ela sabia disso, contudo esperançosamente acreditara que ela já poderia ter voltado. Foi para o carro um pouco desanimada, mas não desistente. Ligou o celular e digitou uma mensagem… Apagou logo em seguida. Não queria falar por mensagens ou telefone. Queria vê-la! Cogitou pegar a estrada e ir até São Paulo procurar por ela, mas se recriminou logo em seguida pela impulsividade que a deixava quase burra. Não fazia ideia de onde ela estava, poderia estar até em outra cidade. Estava sem saída e aquilo começou a sufocá-la. Tamborilou os dedos no volante e pensou, pensou, pensou. Se dirigiu então para casa daquele que de certa forma ela devia alguma satisfação. Fazia dias que Ulisses tentava falar com ela sem sucesso.
- VACA!!!! Me ignora e aparece que nem boleto na minha porta??
O amigo impediu sua passagem quando ela tentou passar ao seu lado. Ela olhou-o e apenas disse:
- Você tinha razão… Me desculpa não ter te ouvido.
- Você pode por favor repetir, para ficar registrado?! - Ele disse e já botava o celular quase na sua cara, a câmera ligada, realmente filmando tudo.
Ela mostrou o dedo do meio e empurrou-o entrando de uma vez. Largou a bolsa de qualquer jeito no sofá e se sentou, pigarreando antes de contar tudo que refletira, o que Verônica e Fernando lhe disseram, assim como a ligação com a mãe, ao final o amigo apenas respondeu:
- Eu devia te botar pra fora daqui… E ainda rir na sua cara por ter ido atrás dela e não encontrado ninguém!
- Uli…
- Uli. - Ele imitou-a quase com perfeição. - Garota, você é teimosa que nem espinha. Eu te avisei tanto, mas tanto… A Camilinha vindo aqui te ver, você podendo ter um sex* maravilhoso com aquela ruiva gostosa… ela tá ruiva ainda, né?
- A última vez estava loiro, na verdade.
- Ugh! - Ele fez uma expressão de ânsia. - Enfim, você poderia ter qualquer sapatão da cidade, bicha… Mas não, quer a maldita que não te assume!
- Calma, não é bem assim… A gente conversou.
- Ah é? E ela vai te assumir? Vai assumir para a família TODINHA que tá comendo a queridinha deles? Pois eu duvido, aquela lá é igual bagre, minha filha, quando você acha que pegou… Xuuuu, escorregou!
- Na verdade ela meio que deu a entender que podíamos ter algo mais sério e… Até sermos felizes, já que não deu certo na adolescência… Algo assim. - Ela fez uma careta esperando a reprimenda.
- Espera… Ela disse isso? - Ele estava incrédulo.
- Meio que disse. - Ela mordeu o lábio inferior.
- E você não aceitou? - Agora ele estava mais incrédulo ainda.
- Eu seiii… Eu sei, fui uma idiota… Mas é que foi em uma conversa rápida no carro, não estendemos o assunto e eu acabei por enfatizar que preferia… Somente sex* mesmo. - Novamente ela mordeu os lábios em uma careta.
- Uau… - Ele gargalhou andando pela sala. - Você é o sonho de muita sapa escrota, tem noção disso, né?
- Eii… Não é escroto optar por não se relacionar seriamente, peraí também!
- Não, não é! Desde que ambas as partes concordem, o que estatisticamente é quase impossível. Sempre tem uma apaixonadinha fogueteira, atrás do cubo de gelo safado.
Ela balançou a cabeça sem poder discordar, mas lamentando pela péssima mania do amigo em metaforizar tudo.
- E vocês tiveram uma história juntas!!! Não dá para fingir que não, mona. Ainda mais com ela, que te marcou que nem gado.
- Affe, suas metáforas são péssimas, sabia?
- Dane-se! Você disse “não” para sua crush de infância, não tem coisa mais burra, sabendo que ela ainda te deixa de pernas bambas. Se eu encontrasse o Paulinho hoje, com certeza meu desejo de princesa seria um sex* com muuuuuito amor, dengo, tesão e tudo mais que me fosse permitido, segundo a Disney.
- Mas e se esse “Paulinho”, seu primeiro amor, te fizer sofrer tudo de novo??? - Perguntou finalmente expondo seu maior medo.
- Mas era exatamente isso que nós estávamos tentando te dizer sua anta!!! E você ficou toda raivosa e ignorou a gente, ingrata! E ainda foi deitou e rolou que nem uma cadela com a outra cachorrona.
- “Faça o que eu digo, mas não faça o que faço”, né? - Torceu os lábios, entendendo tudo.
- Sim!!!
- Já saquei que a galera tem um desejo oculto por esse ditado.
- Amiga, você ainda gosta dela? Seja sincera!
- A Isabella adulta sim, muito… - Ela finalmente confessou em voz alta fazendo seu coração pular no peito.
- Ué, quantas Isabellas mais tem aí, ô Srta. Fragmentada?
- Apenas duas. Minha Isabella jovem tem pavor dela e a Isabella adulta de certa forma quis proteger a mais nova quando nos reencontramos com a Mica, mas…
- A adulta também não resistiu à tentação?!
- É… Digamos que foi isso.
- E você tá preparada para deixar qual delas escolher o caminho?
- Ai Uli, eu não sei… Você faz cada pergunta difícil. Puta merd*! - Ela começava a se exasperar.
- Ué, é vai ou racha literalmente, my dear!
- Lá vou eu gastar mais dinheiro com terapia… - Esfregou os olhos sabendo que a Isabella jovem viveu o que tinha que viver, que independente de tudo, a Isabella de agora era quem estava no comando. - A “Isabella jovem” vai ficar irada comigo… - Ela se levantou decidida. - Mas não consigo ficar sem a Micaela. Eu tô morrendo de saudades, Uli e a gente não se vê só tem uma semana.
O amigo sorriu sabendo que ela já tinha tomado sua decisão. Temia também, mas ela estava bastante consciente das consequências, na verdade tinha refletido tanto que mostrava uma maturidade emocional de dar inveja, salvo o fato de que seu “eu” jovem ainda poderia ter grande parcela de controle em sua vida emocional adulta, quando o assunto era precisamente a morena.
Dormiu na casa do amigo de sábado para Domingo e após o café da manhã, mais uma vez tentou passar no apartamento, sendo informada pelo porteiro que ela ainda não chegara de viagem. Cabisbaixa ela foi embora e em casa viu a hora passar lentamente, as poucas fotos que havia tirado dela com o celular a faziam companhia naquele momento e num surto de vontade de tê-la ali foi o suficiente para correr até o quarto e escancarar o guarda-roupa, ela esperaria pela morena até quando precisasse, nem que precisasse ficar plantada na sua porta. Escolheu sua melhor lingerie, a mais sexy que nunca havia usado, presente do Ulisses de Amigo Secreto, que rendera boas gargalhadas por ser depravada demais, segundo os amigos. Era um espartilho preto com detalhes em vermelho, que deixavam os mamilos à mostra através da renda transparente, a calcinha cavada era presa à uma liga e depois à uma meia sete oitavos também com detalhes em renda. Vestiu e seus mamilos já ficaram intumescidos apenas de imaginar a morena pegando-a de jeito. Era clichê aquele ato “piriguete”? Sim, mas estava quase sem cartas na mão. Engoliu em seco, estava nervosa, precisava controlar a ansiedade ou estragaria tudo. Vestiu uma bota simples também na cor preta e se cobriu com um vestido longo e estampado discreto, que escondia a roupa por baixo. Se ajeitou no espelho, prendeu os cabelos em um coque alto, alguns fios soltos… Sem brincos, sem maquiagem, somente um hidratante labial. Saiu do apartamento por volta das dezesseis horas, estacionou ao lado do prédio e depois de confirmar mais uma vez, agora com outro porteiro de plantão, que ela ainda não chegara, se postou dentro do carro aguardando. Pacientemente, mais uma vez, a sua volta.
Fim do capítulo
Beijos e até segunda o/
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