Capitulo 24 - E o Manual das Complexidades
- Foi a tia Mi que me deu, vovó!
Isabella travou, ainda de costas, aguardando a reação da mãe. Estavam na casa da vovó Elisa, em um comum churrasco de sábado. A filha havia trazido o bendito chaveiro em formato de cubo, para mostrar aos primos, assim como o jogo que ganhara do pai também, ela queria ter trazido o patins, mas já prevendo essa fala da filha, conseguiu persuadi-la a não fazê-lo, mas de nada adiantou, ela conseguiu invocar o nome da morena.
A fisioterapeuta ainda não havia comentado com os pais ou com mais nenhum outro membro da família sobre a volta de Micaela para Ribeirão Preto, muito menos que haviam se encontrado e que agora Lis não parava de falar da “tia Mi”, da mesma forma que ela não conseguia parar de pensar nas provocações que fizeram a semana toda, não haviam trans*do novamente, porém… Trocaram dezenas de beijos quentes quando não havia ninguém por perto, além de olhares que faziam Isabella tremer só de lembrar.
- E quem é a “Mi”, denguinho, sua professora da escolinha? - Silvia perguntou.
- Nãooo, é minha amiga… e também é amiga da mamãe! Ela tira foto e é muito legal!
Silvia pareceu não fazer nenhuma ligação com a enteada, pois não insistiu no assunto, o que fez Isabella conseguir respirar normal novamente. A última coisa que precisava era dos pais opinando na sua vida mais uma vez, e agora na vida de Lis.
- Isa, podemos conversar? - Fernando apareceu na porta da cozinha.
- Claro. - Ela enxugou a mão da salada que lavava e seguiu o amigo, sem deixar de perceber o sorriso que brotou nos lábios da mãe. Isabella rangeu os dentes de raiva, Fernando estava casado há anos e Verônica não tinha o mínimo respeito deles, ainda nutriam esperanças que ela fosse ficar com o pai da filha. Uma foda regada a álcool no banco de trás dum carro valia mais do que anos de amor e respeito de um casal LGBTQIA+, puro preconceito grotesco.
Adentrou o antigo quarto dele, que vovó Elisa agora usava para guardar tralhas e brinquedos das crianças. Fernando fechou a porta com cuidado, antes de virar-se para ela.
- E aí?? Vocês voltaram? - Soltou sem rodeios. Ele parecia ansioso.
Não haviam conversado sobre o flagra de Domingo até então, se viram algumas vezes por conta da Lis, mas não falaram nada sobre esse assunto, ainda mais estando perto da pequena.
- Opa, casamos! - Ela cruzou os braços respondendo debochadamente. - Impossível voltar algo que nunca foi, né Fernando?!
- Isabella, fala sério… Vocês estão juntas ou não?
- Não estamos, Fer… Tô rindo, por um acaso? - Ok, ela estava um pouco agressiva, mas tinha fortes justificativas, as reações dos pais tiravam qualquer “espírito de paz” que ela possuía. - A gente só transou e… - Foi maravilhoso. Pensou, mas não falou.
- Eu conversei com a Vê e ela disse que vocês voltaram sim.
- Ahh, agora ela quem decide meus relacionamentos? Não sabia! - Deu um empurrão em seu ombro. - Pois pode falar para sua queridíssima esposa, que desse corpito aqui… mando eu.
- Eu não sei se rio ou choro com essa informação, mano… Sério, você não faz ideia do choque que levei quando vi ela na sua cama. Foi… Surreal.
- É… foi mesmo. - Mordeu os lábios quase sorrindo, sem perceber que estava sendo observada atentamente pelo outro. Sua mente voltando uma semana atrás.
- Beleza, mas e ela?
- Ela o quê?
- E ela?? O que ela disse sobre… Sobre vocês estarem, você sabe…
- Somos adultas Fer, pelo amor de deus, não é um evento.
- Eu diria que é até mais que um evento… - Ele mexeu em alguns objetos pessoais da adolescência, quase distraído. - É quase um fenômeno… Caralh*, você e a Mica… Juntas, de novo? Porr* Isa, não é possível que não mexeu nenhum pouquinho com você. Mexeu até comigo!
Ele tentava parecer calmo e indiferente, contudo na verdade estava exultante por dentro. Sempre desejou do fundo da alma que elas se reconciliassem.
- Óbvio que sim! Não sou idiota, eu e ela possuímos essa… química. É instigante, mas… Eu não sou mais uma adolescente deslumbrada, conheço Micaela de outros carnavais e tenho total consciência de que posso me envolver fisicamente. Já emocionalmente é outra história. - Ela fez um gesto claro de que “pularia fora” caso as coisas fossem além.
- Caralh*! - Ele soltou quase como um elogio, ela realmente tinha pensado sobre aquilo e não fora uma decisão impulsiva. Merecia total respeito dele. - Eu só quero ver vocês duas felizes… Juntas ou não. Então fico satisfeito em saber que você tá de boa e tá curtindo, sabe?! Fico feliz, de verdade.
Ele sempre as enxergou como “almas gêmeas”, quase irracionais, mas agora revia esse conceito equivocado. Adoraria vê-las juntas novamente, principalmente se a prima o perdoasse, ou pelo menos aceitasse ouvir sua versão. Mas sabia que ambas eram adultas e se Isabella estava tão ciente de tudo que estava acontecendo e estava feliz assim, era o suficiente para ele.
- E o Uli, já sabe? - Ele perguntou do amigo, curioso na resposta.
- Já sabe e já surtou. Mas como não é ele quem paga minhas contas…
- Tadinho cara, ele só está preocupado com você.
- Eu sei, eu sei… Tô brincando, desculpa.
Isabella riu abraçando-o de lado, depois beijou seu rosto agradecida por ele ser seu apoio sempre, não importava em qual decisão.
- Agora chega, vamos voltar porque sua mãe já deve ter criado mil fanfics malucas sobre estarmos trans*ndo nesse quarto. - Agarrou-a pela cintura empurrando em direção à porta e ela não recusou, concordando plenamente com a possibilidade da mãe estar pensando exatamente isso.
- Cara, teu quarto ainda fede, puta merd*! - Ela fez uma careta abrindo a porta com ajuda da barra da blusa, fingindo nojo do ambiente.
- Papaaaaiiii!!! Eu tava te procurando, vem nadar comigo, por favoooooooor…
- Lis para de se pendurar assim nas pessoas, machuca! - Isabella ralhou com a filha que quase arrancava a cabeça do pai.
***
Fora um dia mega divertido para a filha, prova disso era o pequeno ser desmaiado agora ao seu lado na sua cama. Ela roncava.
Pensou por uns instantes, ainda sem sono, mas tentando acalmar o fogo que estava, ela se concentrou em assistir um filme qualquer. Obviamente que sua mente não parava de lhe mandar flashes da semana anterior, do corpo da outra sobre o seu. Pegou o celular e visualizou a última mensagem que se mandaram. Uma figurinha. Mordeu o lábio e de repente seu nome estava online. Ok, ela estava acordada, não acharia ruim se lhe mandasse pelo menos um boa noite.
@bella - Oi…
Micaela estava digitando. Assim, mais rápido do que um sopro, lá estava ela já lhe respondendo. Aquilo a deixou mais ansiosa.
@micaela - Oi, como foi seu dia? (emoji fofo)
@bella - Bem… nós fomos na sua tia Elisa. Lis quase te denunciou pra minha mãe. (emoji sorrindo com uma gota na testa)
@micaela - Como assim??
@bella - Eles nem imaginam que vc tá em RP e é a mais nova BFF da Lis (emoji tampando a boca)
@micaela - Ué, eles não sabem que moro aqui?
@bella - na vdd não… E eu pelo menos não achei necessário contar, então…
@micaela - entendi
@bella - ficou chateada?
Isabella roeu uma das unhas esperando ela digitar por quase um “século”.
@micaela - eu meio que já esperava essa sua reação, então tdo bem (emoji sorrindo com gota na testa)
Ela ficou chateada. Foi o primeiro pensamento da fisioterapeuta que prendeu os cabelos em um coque enquanto pensava no que responder, não era exatamente para esse lado que gostaria de ter levado a conversa. Levantou de fininho e foi para sala, se ajeitou no sofá e posicionou a câmera tirando uma foto de uma parte do corpo. Clicou em enviar sem pestanejar.
@micaela - (vários emojis envergonhados e depois um emoji de diabinho sorrindo malicioso)
Pronto, assunto encerrado. O foco voltava a ser o que tinham de melhor entre elas… Sexo.
@micaela - pensei em você o dia todo, saudades dessa sua boca
@bella - onde? (emoji malicioso)
@micaela - onde oq?
Isabella riu da sua lerdeza antes de clicar em vídeo chamada. A ligação chamou duas vezes e uma morena apareceu do outro lado, deitada na cama, aquele sorriso no rosto que desestruturava a fisioterapeuta.
- Saudades da minha boca, aonde? - Isabella sussurrou devagar, o celular enquadrando seu rosto e seios que estavam espremidos contra a camisola fina, os mamilos marcados fazendo Micaela salivar do outro lado.
- Você não presta… - A morena sussurrou de volta, os olhos maliciosos e presos na imagem do celular. - Tira… Me mostra…
Isabella foi objetiva, mas sem pressa alguma posicionou o aparelho sobre a mesinha, depois acomodou-se no sofá. A porta do seu quarto devidamente fechada e caso fosse aberta, daria tempo hábil dela perceber e encerrar a ligação.
- Você primeiro. - Ela mordeu a ponta do dedo, enquanto sorria para a outra. Já ficando excitada.
Micaela não se fez de rogada, recostou-se contra a cabeceira, também posicionando o aparelho a sua frente, encostado em um travesseiro. Tirou a blusa, ficando apenas com o top. Abriu as pernas e colocou uma mão por dentro da bermuda que usava, tudo sendo acompanhado atentamente pela outra que já arfava.
- Linda… - Isabella confessou sem perceber, extasiada com a visão.
Micaela apenas fechou os olhos, sentindo os dedos brincarem e lhe acariciarem. O movimento da mão fazendo Isabella suar e morder o lábio com força. Um gemido foi ouvido, porém não saberiam dizer de quem havia sido, estavam em transe, o quarto da morena em uma penumbra que dificultava a visão, mas aguçava-lhe o instinto, Isabella com a luz da sacada acessa, iluminando perfeitamente o sofá, numa fotografia que a morena guardaria para sempre na memória.
- Me mostra, só um pouquinho vai…
Micaela suplicou se tocando em um ritmo hipnótico. As pernas se dobrando, a boca entreabrindo.
Isabella então deslizou as alças finas da camisola para baixo, fez um movimento com as duas mãos, juntando os seios. A camisola bem que resistiu, mas não pode contê-los e os dois saíram para fora, livres e apetitosos, causando um frenesi descontrolado em Micaela.
- Ahh, Isa… Você é tão deliciosa…
- … Queria tanto sua boca neles agora… - Isabella sussurrou e Micaela passou a mão nos cabelos, jogando a cabeça para trás, o toque entre as pernas se intensificando. - Daria pra você a noite toda… - Confessou manhosa apertando os próprios mamilos, as pernas também se abrindo, mostrando a calcinha já marcada de umidade, por baixo da camisola.
- Ahhhhhhhh, sua filha duma… - Micaela gem*u sôfrega e retirou a mão, antes que não pudesse mais segurar o orgasmo que já dava seus primeiros sinais.
- Coloca de volta! - A fisioterapeuta ordenou de forma sexy fazendo Micaela obedecê-la imediatamente. Depois afastou a calcinha para o lado e as pontas dos dedos se afundaram na vulva encharcada de tesão. O desejo fazendo ela ofegar e mostrar para a morena o quanto estava molhada. Micaela resistia bravamente, tentando se tocar o mais leve possível.
- Você é deliciosa… Vou te foder, vou te foder tanto… Ahhhh… - Retirou a mão novamente imaginando as formas como gostaria de tomar aquela diaba nos braços e fazê-la implorar para parar, depois que entrasse nela.
- Me fode! - Enfiou dois dedos em si, a boca formando um gemido que Micaela intitulou de safado delicioso, aquele gemido que a faria ajoelhar-se na frente dela, fazer promessas e juras de amor.
- Eu… Ahhh… Isa… - A morena gemia enlouquecida vendo ela entrar e sair com os dedos lambuzados. Gemia baixo e sem parar, subia os dedos em direção ao clit*ris inchado e depois voltava a penetrar-se, repetidamente. Sincronia perfeita, pois do outro lado a outra seguia em um ritmo controlado para não explodir. Tentando aproveitar cada segundo que tinha de sua visão pelo celular, ajeitou os óculos com a outra mão, desesperada em não perder nenhum movimento.
Isabella sorriu vendo ela ajeitar os óculos pela vigésima vez, queria poder beijá-la, arrancar aquele top e a bermuda. Mergulhar entre suas pernas e ch*pá-la até... Ah, ia goz*r, não aguentava mais… Mordeu o lábio lembrando-se do cheiro da sua pele, e os olhos fecharam-se revirando sem controle, os dedos movendo-se intensamente arrancando um gemido contido, que conseguiu refrear o suficiente para não fazer barulho. A respiração entrecortada, descompassando com os espasmos do corpo e o latejar contra os dedos.
Abriu os olhos, o peito subia e descia ofegante, enquanto assistia hipnotizada a morena gem*r várias vezes do outro lado, também em um orgasmo alucinante.
Ambas se olharam, com o desejo ainda não saciado totalmente. Arfavam e sorriam, se ajeitaram e pegaram o celular, cientes da loucura que haviam feito numa madrugada de sábado. Isabella recostou-se no sofá, os olhos capturando mais uma vez a forma como ela ajeitava as lentes no rosto. A morena também se deitou do outro lado, perceptivelmente relaxada e quase sonolenta.
- Quer desligar? - A fisioterapeuta perguntou carinhosa.
- De jeito nenhum! - A morena sorriu garantindo.
- Estou começando a adorar esse movimento que você faz… - Ela imitou o movimento que Micaela fez diversas vezes para ajeitar a lente entre os olhos.
Talvez pela primeira vez desde que a conhecia vislumbrou ela tímida e sem palavras. Achou uma graça e disse que adoraria apertá-la agora, se pudesse.
- Apertaria esse saco vazio? - A morena riu zombando de seu físico magricela.
- Boba!
Riram e conversaram por quase uma hora, até Micaela perceber os olhos da outra se fechando e diminuir o tom de voz, continuou a falar qualquer coisa, percebendo que ela entrava em um sono profundo e sereno. Sorriu quando o celular caiu de sua mão, filmando agora o teto da sala. Desejou boa noite e sussurrou sabendo que ela não ouviria.
- E eu estou começando a adorar você, de novo…
***
Dois meses se passaram, numa rotina totalmente distinta para as duas. Antes de se reencontrarem suas vidas tinham um objetivo claro e preciso, porém agora viviam sem expectativas com o futuro, pelo menos era o que Isabella acreditava. Passavam a semana concentradas no trabalho, vez ou outra com encontros rápidos e sex* cada vez mais intenso. Passeios com Lis se tornaram mais comuns do que esperavam e aos finais de semana tentavam ao máximo fingir que a distância não lhes gerava saudades. Vídeo chamadas também ficaram mais frequentes, mais picantes… Micaela adorava observá-la adormecer. Vez ou outra surgia timidamente o assunto sobre estarem se relacionando, isso sempre partia da morena, visto que Isabella mantinha ferrenhamente o objetivo de apenas curtirem o sex* maravilhoso entre elas. Então o assunto morria, com Isabella tirando a roupa e calando qualquer outro assunto. Eram a mistura perfeita na cama, se combinavam de forma assustadoramente excitante, não faziam por carência, ou apenas tesão, era um desejo da alma, se mantinham distantes no dia a dia para se tornarem amantes apaixonadas entre os lençóis quando estavam a sós. Ali não possuíam receio, medo ou dúvidas, se amavam como se não houvesse amanhã, por mais clichê que pudesse parecer. Era nítido como um toque, um beijo, um sussurro… Deixavam-nas de pernas bambas e submissas uma a outra. Talvez sendo imperceptível para elas, mas gritante para quem assistia tudo de fora.
- E depois disso não conversamos mais… - Explicou uma Isabella indignada com a atitude do melhor amigo.
- Você tem que entender que o Uli só quer o melhor pra você, ele tá preocupado. - Camila corroborou com o lado do amigo também achando aquela história dela com Micaela uma verdadeira palhaçada. A ex estava se arriscando à toa e não percebia.
Estavam no apartamento da fisioterapeuta, preparando o almoço para a filha que voltaria a qualquer instante do parque com… Micaela. A morena havia levado a garota para andar de patins e passear, depois a traria de volta próximo ao almoço. Não disseram nada sobre almoçarem juntas, mas ela sabia e esperava que Micaela acabasse entrando e ficando, Lis então tiraria um cochilo e as duas poderiam ficar a sós… Mas tudo mudara quando Camila aparecera de surpresa para visitá-las, trazendo um presente para Lis e um para Isabella. A fisioterapeuta então agradecera e a convidara para entrar, mas assim que a ex percebeu que Lis não estava e ficou ciente de onde fora, o assunto se tornara quase uma pauta.
- Eu entendo que vocês tenham esse… fogo. - Ela comentou de qualquer jeito enquanto mexia a carne na panela, um tanto brusca. - Mas daí acharem que isso não vai dar merd*… Porr*, muita inocência né, querida?
- Cami, não somos crianças… Mais respeito, por favor. - Isabella parou o que estava fazendo olhando seriamente para a ex.
- Não são mesmo! Mas estão agindo como tal, acha mesmo que a Lis não vai ficar chateada quando perceber que a “tia Mi” não está aparecendo mais, por que a mamãe parou de foder com ela?!
- Camila, chega! - Isabella se irritou largando o pano de prato e retirando a colher das suas mãos. - Acho melhor você ir embora…
Ambas sentiram, era palpável, o ciúmes da ex pela atual e o incômodo de Isabella com a realidade escancarada como um holofote em meio à noite silenciosa. Não era exatamente isso que Camila queria ter demonstrado, mas primitivamente era o que falou mais alto naquele momento. Amava as duas, queria a felicidade de Isabella e de Lis e sabia o quanto a “outra” havia magoado ela. E agora Micaela voltava do nada e tinha tudo de mão beijada, quase uma recepção de fogos de artifícios e palmas. Camila se odiava por estar sendo tão rude, mas não conseguia demonstrar sua preocupação de outro modo.
- Espera… - A cabeleireira pegou em seu ante braço, os olhos pedindo desculpas antes mesmo do que as palavras. Puxou-a em sua direção para um abraço.
- …
Isabella estava muda, a cabeça a mil com pensamentos em sentimentos não resolvidos, odiando a ex naquele momento por ter aberto a ferida de forma tão brusca, sem aviso. Agora ela tentava recolher os cacos, para voltar ao seu posto de fingimento, onde tudo ia bem.
- Bella, eu me preocupo com você… - Pegou em seu rosto olhando a íris azuis que agora pareciam duas pedras de gelo. Beijou seus lábios, primeiro um selinho carinhoso, mas aprofundando em um beijo mais íntimo.
Isabella a beijou de volta sem vontade, no automático, anos convivendo com ela e mesmo depois de terem terminado ainda tinham aquela “amizade colorida”, então mal pensava, só aguardava que a outra terminasse para dar continuidade ao almoço da filha. Camila percebeu, a conhecia o suficiente para tanto. Afastou-se muito sem graça e apenas anuiu com a cabeça, antes de dizer:
- Entendi… Desculpa, não vai voltar a acontecer. - Murmurou com bastante cuidado, não queria intervir na vida da outra, então fora um beijo bastante objetivo para se entender o que se passava no coração de Isabella. O pedido de desculpas valendo tanto para a frase que dissera anteriormente, quanto para o beijo.
- Mamãiiiiii!!!
O grito da filha que entrava escancarando a porta da entrada afastou as duas. Mas elas sabiam o real motivo que causara o afastamento.
- Tia Camii!! - Uma Lis feliz pulou no colo de Camila, no exato instante que Micaela também adentrava a cozinha, se deparando com o clima estranho entre as adultas.
- Olá. - A morena cumprimentou a distância, com um sorriso comedido nos lábios.
- Oi. - Camila acenou de volta, também comedida.
Isabella revirou os olhos se indagando internamente “E eu sou a criança na história?”. Virou-se para a filha:
- E eu? Não ganho abraço e beijo? - Depois de beijar aquela cabeleira negra e agora suada de parque ela ordenou: - Já para o banho, depois almoço!!!
- Aahhhh, mamãe… Tia Mi disse que eu podia tomar um sorvete!
Isabella levantou uma das sobrancelhas encarando a morena com um ar irônico. Micaela apenas levantou as mãos se desculpando e escondendo o sorriso de culpada, depois pediu licença se retirando para a sala.
- Eu já vou… - Camila anunciou abraçando a pequena depois fazendo um aceno breve para a ex.
- Você pode ficar…
- Não, melhor não… Prefiro não incomodar.
- Camila, você não precisa ir embora.
- Você acabou de pedir que eu fosse, lembra? - Ela ironizou para a ex mulher.
Isabella fitou a ex com uma expressão culpada. Viu Camila sair e depois ouviu ela se despedir de Micaela da mesma forma que a cumprimentou… Contidamente. Respirou fundo tentando colocar o assunto “Camila” em uma caixinha para se resolver futuramente, depois saiu em direção à sala.
- Vamos almoçar? - Chamou pela morena que ainda estava no sofá, serenamente mexendo no celular. Micaela a olhou por cima do encosto e assentiu.
Almoçaram quase em silêncio, salvo a tagarelice de Lis contando sobre a manhã no parque. O patins já era seu brinquedo favorito do momento, era um verdadeiro suplício fazê-la entender que não podia usá-los na escola, no dentista, na clínica, na rua ou no banho.
Após terminarem, lavaram a louça na mesma atmosfera estranha que havia se formado com Camila ali, trocaram poucas palavras e quando Lis se entreteve com um jogo no celular da morena, as duas finalmente conseguiram ficar a sós na sacada.
- Vocês discutiram?
Micaela foi objetiva, as mãos nos bolsos da calça, os olhos negros perscrutadores.
- Não foi nada… Bobeira da Camila.
- Não parece bobeira, olha como você está. - A morena apontou para suas mãos que não paravam de apertar a barra da camiseta que usava.
- Ah não, Mica… Não começa você também, eu já tive meu “chá de sermão” por hoje e não tô afim de discutir.
- Ei! - A morena levantou as mãos pra cima. - Não precisa ser grosseira, eu só estou…
- Só está preocupada comigo? - Ela ironizou já no limite de paciência com todos se “preocupando” com ela.
- Exato! Eu não quero invadir seu espaço, Isa… Quero que se sinta à vontade para se abrir comigo.
- Eu já “me abro” o bastante com você.
Sim, ela havia dito isso e no segundo seguinte já se arrependia. Estava tentando ao máximo levar o que tinham de forma leve e descontraída, contudo era quase impossível quando se tratava de Micaela. Criava uma atmosfera segura com base em sex* e orgasmos, mas quando percebia estavam enamoradas e indo além com diálogos mais profundos, e isso a deixava tensa.
- Não quero discutir com você, quero conversar com você… Mas se sou só um caso que você leva pra cama e não é possível uma conversa mais séria, então tudo bem. - Micaela retrucou austera não achando graça no trocadilho.
- Você não… Não é isso. - Ela engoliu em seco e cruzou os braços.
- Não sou? Então me conta o que houve… - A morena pediu gentilmente. Não se aproximava, respeitando o espaço físico que ela pedia inconscientemente ao cruzar os braços. Mais uma faceta que aprendera com Júlia.
- Nada! Não aconteceu nada e você não é só um caso que levo pra cama!
Lis levantou a cabeça que antes estava voltada para o celular, atenta a voz alta da mãe.
- Ok.
- Ok? - Isabella conferiu querendo finalizar logo aquele diálogo.
- Sim.
Os olhos azuis procuraram o que aquela atitude conformista queria dizer. Ela só queria ter passado um Domingo tranquilo com Lis e Micaela, depois relaxado ao lado da morena, talvez na banheira, enquanto Lis tirava um cochilo de horas. Elas trans*riam até estarem exaustas e o final de semana se fecharia com chave de ouro com um bom sono a noite, para começar a semana “recarregada”. Mas o destino adorava contrariar seus planos, ela já sabia disso desde sempre.
- Eu já vou… - Micaela pegou em sua mão, quase cautelosa.
Isabella sentiu o frio na barriga, antecipando a saudades que sentiria por não tê-la ali como queria e por estarem se despedindo daquela forma. Tentou raciocinar alguma frase que pudesse impedir que ela se fosse, mas estava muda. As pávidas palavras se escondendo nos cantos mais obscuros da sua mente. Estava chocada com os sentimentos que a atravessavam como flechas desgovernadas e não raciocinava o suficiente para unir palavras em uma frase coerente. Ela queria Micaela, precisava dela, mas não conseguia dizer isso. A morena entendeu sua mudez como consentimento para que ela fosse mesmo embora, então… se foi. Antes de sair abraçou Lis e prometeu que a deixaria jogar no celular outro dia. A porta se fechou delicadamente, da mesma forma que a lágrima singela escorreu do canto dos olhos azuis e deslizou pela face em direção ao pescoço. Incrédula ela enxugou o rosto, quase com raiva daquele sentimento estúpido ao qual ela tinha péssimas lembranças. Arranhou o rosto sem querer e outra lágrima desceu, irrefreável.
***
- Bom dia, querida! - Diana cumprimentou a fotógrafa. A mesma alegria de sempre.
- Bom dia, Diana! - Micaela respondeu sorrindo por fora. Por dentro ainda tentava absorver e assimilar os dias anteriores.
Desde Domingo ela e Isabella não se falaram mais. O clima estranho pairava tão densamente que seus horários incrivelmente não bateram nenhum dia sequer. Já era sexta-feira e também não haviam trocado nenhuma mensagem, era nítido para morena que Isabella não estava disposta a levar aquilo adiante. Já para Micaela se tornara impossível não admitir o quanto estava apaixonada, novamente, pela enteada de seu pai. Pai esse que não sabia do seu retorno até então, assim como Silvia e quase todo restante da sua família. Uma dor no peito a atingiu pela milésima vez naquela semana, só de pensar que teria que se afastar dela e de Lis.
- Está tudo bem? - Diana não pôde deixar de notar as olheiras e a expressão angustiada no rosto da outra.
- Sim… Sim, está sim… - A morena gaguejou tentando parecer segura.
- Vem, vamos tomar um café na minha sala. - Diana a conduziu pelos ombros, entrando e fechando a porta com cuidado.
Sentou-se na ponta da mesa e apontou a cadeira para a outra que sentou-se com a cabeça entre as mãos. A dor de cabeça lhe causando enjoos.
- É por causa da Bella, não é?
Micaela levantou os olhos surpresa, procurando em seu rosto alguma crítica ou reprimenda.
- Eu sei, eu vi vocês… - Ela apenas disse sorrindo para acalmá-la.
- Me perdoe, Diana. Eu não queria desrespeitar você ou a clínica… Podemos conversar e tentar um acordo, eu gostaria muito de poder continuar com o projeto. - Micaela soltou de uma vez, se desculpando e ao mesmo tempo se repreendendo mentalmente por ter sido tão descuidada, isso nunca acontecera antes.
- Eu jamais faria você parar o projeto!!!
A morena a olhou incerta.
- Micaela, eu queria prolongar esse projeto para toda vida, ter você conosco é uma grande honra e alegria . O feedback que tivemos dos pacientes e dos pais foi o melhor de todos os tempos, inclusive fomos indicados a uma premiação e tudo graças a você! Aquele primeiro lote que já entregou… - Diana riu graciosa, ansiosa para contar. - Recomendei para um amigo que tem uma amiga e… Bem, você é uma das escolhidas para concorrer a “Melhor Fotografia do Ano”!!!
A morena arregalou os olhos em choque com a notícia, se levantou sem hesitar e abraçou Diana com lágrimas nos olhos. A alegria de ter esse reconhecimento se misturando as lágrimas de dor por tudo que estava acontecendo em sua vida pessoal. Chorou, como raramente chorava, mas assim que percebeu o que fazia se afastou pedindo desculpas.
- Me desculpa, Diana…
- Não precisa se desculpar, mas eu sei que essas lágrimas não são somente pela notícia.
- Não… Não são. - Ela enxugou o rosto com os lenços de papel que Diana lhe ofereceu. - Mas não é nada que precise se preocupar. O que viu… Não voltará acontecer. - Disse determinada, se referindo à ela e a fisioterapeuta.
- E por que não?
- Para que algo desse… “fenômeno” aconteça, é necessário que ambas as partes queiram. - Micaela deu de ombros e sorriu irônica.
- Ahh…
Diana balançou a cabeça entendendo o motivo real de Isabella ter trocado todos os horários da semana, fazendo com que trabalhasse nos períodos que certamente a outra não estava.
- Estou muito feliz e agradecida Diana… Você não faz ideia de como é importantíssimo para mim. - A morena agradeceu, as mãos apertando o pobre lenço. O peito incomodado com as pontadas ao pensar na vontade insana de correr e contar para Isabella a notícia, mas a realidade crua e nua batendo a porta em sua cara.
- Você merece… Seu trabalho é necessário!
Micaela sorriu, feliz por ter a oportunidade de mostrar seu trabalho da forma que é, de se expressar e ser reconhecida. Ao mesmo tempo em que era gritante que mesmo assim, algo estava faltando.
Naquela sexta-feira viajaria para São Paulo, precisava de Júlia. Havia quase um ano que não se viam e além das saudades… Ela era a única que poderia entender seu martírio. Talita não ficou nada feliz com a visita, óbvio, mas só até ela perceber que algo não estava mesmo normal com a morena.
- Caralh*, você tá “badzona” mesmo, ein branquela?
- Amor! - Júlia repreendeu depois de escutar sobre os últimos acontecimentos da vida da grande amiga que um dia também fora seu grande amor.
- Eu nem planejei isso… Foi tão, sem controle, sem… Sem…
- Sem juízo? - Talita mais uma vez interveio agora da cozinha.
- Ela está certa. - Micaela teve que concordar.
- Vocês são duas pessoas adultas, solteiras e que possuem uma química de dar inveja aos átomos… Por que seria sem juízo?
- Não sei. - Micaela suspirou sabendo que ela estava tentando fazê-la refletir.
- Você sabe sim. - Júlia apertou sua mão.
- Ahhh, não faz isso Jú… Eu já “queimei” a cabeça tentando entender, por que não pode simplesmente me falar?
- Por que não sou eu que manda aqui, dãn!!! - Ela encostou o dedo no lado esquerdo do seu peito.
- Aarrgh! - A morena se jogou de costas no sofá.
- Olha o sapato no meu sofá!!! - Talita gritou da cozinha.
- Sério… Como? - A morena perguntou sarcasticamente, como de praxe, sobre como ela suportava alguém como Talita.
- Benzinhô, por que não vai dar uma volta e traz um sorvete pra gente? - A voz de Júlia era tão persuasiva que mesmo Talita parecendo indignada com o pedido, não discutia.
Finalmente sozinhas e Micaela soltou em um suspiro.
- Eu amo ela.
- Sim. - Júlia acariciou os fios negros de forma carinhosa. - E o que mais?
- E eu não queria amar…
- Certo, e por quê não?
- Porque… ela faz eu me sentir vulnerável. - Os olhos negros a fitaram brilhantes, as lágrimas contidas.
- Exato. - Júlia sorriu gentilmente. - E o que mais?
- E me deixa apavorada a possibilidade de eu não ser o suficiente para ela, de não ser boa o bastante, de não fazê-la feliz o bastante ou de fazer as pessoas e nossa família se afastarem dela.
- E?
A morena mordeu o lábio inferior, todos os segundos que estiveram juntas naqueles últimos meses passando em flashes na sua cabeça. Os sorriso, os olhares, os gemidos. Isabella poderia não amá-la, mas Micaela sim a amava totalmente, e isso tinha sido o suficiente por certo tempo, mas ela precisava de mais.
- E eu sei que isso não é uma verdade absoluta, por que eu sei que sou capaz de fazer de tudo para fazer ela e Lis felizes. Eu só preciso enfrentar esse medo e tentar.
- Você só precisa tentar. - A amiga a abraçou depositando um beijo em sua testa. Micaela suspirou exausta, mas finalmente fechando os olhos serena, as lágrimas enfim livres. - Nunca deixe de ouvir seu coração, meu bem. Ele sabe tudo sobre você.
- E se ela não me quiser mais, Jú? - Micaela se sentou, os olhos negros apavorados, com a possibilidade de não ter uma segunda chance, de não poder ter nem mais o corpo, daquela que sempre desejou completamente até a alma.
- Aí, já não é com você… Existe um caminho em que vocês estão e é necessário que ambas percorram um certo pedaço até se encontrarem. - Ela fez um teatrinho com as mãos, exemplificando sua metáfora.
- Eu não sei se tenho emocional para isso…
- Sem drama, bebê! Você tem toda capacidade emocional necessária para lidar com isso, sim. Você só precisa ouvir seu coração, lembre-se que antes de amá-la, você também se ama… E caso ela não te ame de volta, é VOCÊ quem vai cuidar da Micaela, até que ela fique boa de novo e pronta para amar outra vez, se assim desejar.
- Você fala como se fosse tão fácil. - Estralou os dedos inquieta.
- Óbvio que não é fácil, se fosse fácil não seríamos seres tão complexos… É essa dificuldade toda que nos torna quem somos na natureza.
- Bando de gente burra que se apaixona e não sabe lidar com coração partido. A gente bem que podia já nascer com um manual sobre como lidar com essas “complexidades”.
Júlia gargalhou do seu mau humor. Deu três tapinhas em sua mão antes de continuar.
- Bom, já que a senhorita quer um manual prático…
Micaela se ajeitou atenta ao que ela ia dizer, faltava pegar um bloco de notas.
- Você vai voltar para Ribeirão… Como uma boa mulher foda que é, que ganhou um prêmio foda de fotografia…
- Eu só fui selecionada a concorrer, mas aind…
- Xiu! Silêncio, quer ouvir ou não?
Ela silenciou e balançou freneticamente a cabeça.
- Vai continuar seu trabalho e sua vida normalmente! Vai ligar para ela e marcar um encontro para CONVERSAREM, de preferência em local público, por que pelo visto são duas depravadas que não podem se ver… Enfim…
A psicóloga e grande amiga da morena se levantou empolgada demais para ficar só sentada.
- Você vai abrir o jogo… - Júlia gesticulou com firmeza, os cachinhos da cabeça corroborando com sua dona. - E confessar o que sente por ela.
- O quê? - Micaela se desesperou e calou-se em seguida com o olhar da outra.
- Vai abrir o jogo com ELA! Ok?! Então, ok… Depois vai questionar se ela sente o mesmo por você ou não, e se está disposta a tentar um relacionamento baseado não somente em: Sexo! Mas em sentimentos rea…
- Ela vai dizer não. - Micaela a cortou antes mesmo que ela terminasse a frase.
- Afê, que mulher pessimista, credo!!!
- Sou realista e eu já tentei “abrir o jogo”… Ou quase isso. Mas ela foi enfática em dizer que prefere… Deixar “entre os lençóis”, se é que me entende.
- Eu tenho certeza que você não foi objetiva o suficiente, ela precisa realmente entender quais sentimentos você tem por ela. E chega de ser condescendente quando ela mostrar os peitos ou abrir sua calça… Resista, mulher!
- Ok. - A morena anuiu com aquiescência.
- Caso ela tente fugir pela tangente, ou fique de “gracinhas”… Caia fora! Você só vai se machucar ainda mais se insistir numa coisa que não te dê segurança, ok?
- Ok!
- Me promete?
- Prometo!
- Então repete.
- Se ela disser que não quer ou ficar de “joguinhos”… Eu caio fora.
- Essa é minha garota! - Júlia se jogou abraçando-a e depois levantou-se de um só pulo. - Bora jantar, que tô faminta, esse papo me deu fome!
Aquela promessa foi o mantra de Micaela por todo final de semana em que ficou ali com Júlia e Talita. Tocaram no assunto por outras vezes, mas superficialmente. A morena estava empenhada, as coisas mudariam quando voltasse.
Fim do capítulo
Está gostando da estória?
Bjo e até amanhã s2
Comentar este capítulo:
Marta Andrade dos Santos
Em: 12/05/2023
Hummm essa conversa termina nos lençóis kkkk.
Bibiset
Em: 16/05/2023
Autora da história
rsrsrs quem nunca
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