Capitulo 20 - BFF’s
- Eu disse!!! Eu avisei!!! Essa amapoa é muito A T R E V I D A! - Ulisses se escandalizava com a audácia de Micaela ao se convidar para um programa entre amigos, segundo ele a morena não tinha motivo ou merecimento algum para estar entre eles.
- Eu sinceramente não me importo, mas… - A voz do pai de Lis soou baixa.
- Óbvio que não se importa, Fernando! Você é baba ovo dessa sua prima desde que eram pivetes! - Ulisses interrompeu bruscamente sua fala e se virou para a criança que brincava com um jogo de massinhas no chão, alheia ao desespero dos adultos ali presentes. - Lisíssima do titiooo, porquê, ein meu anjo? Ein? Satanás não estava disponível não, minha filha? Aí você resolveu convidar a própria filha do Tinhoso?
- Ulisses! - Isabella o alertou, sabendo que a filha logo ficaria chateada pela reprimenda sem sentido do amigo e depois faria perguntas sobre quem seria “Satanás” e “Tinhoso”.
- Gente, vamos acalmar os ânimos… Eu concordo com o Fê, acho que devemos ser neutros quanto a presença dela amanhã. A Bella já disse que ela estava bem arrependida pelo que fez com a gente no bar. - Verônica como sempre, um poço de diplomacia, tentava amenizar a situação.
- Aparentemente sim, ela parecia bem arrependida mesmo… Mas, não sei… - Isabella não se sentara desde que apareceu na casa de Ulisses, com Fernando e Verônica no carro de trás, para fofocarem sobre a última notícia bombástica, ela andava quase em círculos, sem perceber, pela sala do amigo.
- Bella! Me escuta… Vou perguntar objetivamente e você responde o que sentir em seu coração, tá bom? - A mulher de Fernando se levantou também, indo até ela.
- Ok, pode perguntar. - Ela roía uma das unhas, o rosto compenet*ado e sério.
- Você gostaria que ela fosse amanhã?
- Sim, por mim tudo bem.
Quase todos na sala levantaram as sobrancelhas, tirando Lis que se concentrava em fazer um objeto de massinha, semelhante ao seu chaveiro favorito que ganhou da Tia Mi.
- Você não respondeu a pergunta dela, bicha! - Ulisses se intrometeu colocando-a contra parede. - Ela perguntou se GOSTARIA, não se tudo bem pra você, amada.
- Ué, qual o problema, gente? Eu já disse… o que eu e ela tivemos… - Abriu os braços querendo que eles entendessem de uma vez por todas. - É passado! Então se minha filha ficar feliz por ela estar indo, eu gostaria sim que ela fosse. Pronto. Tá satisfeito?
Ulisses balançou a cabeça em negativa, em sua concepção ela apenas fugia pela tangente, sem admitir de fato que a presença da outra lhe agradasse. Talvez ela até admitisse isso, mas o que ela não entendia era que a preocupação do amigo era exatamente essa, da amiga estar como uma frase que ouviu certa vez: “Até aqui tudo bem… Disse o frango prestes a ir pro forno.” Será que ela não percebia a areia movediça em que estava se met*ndo? Ainda achava “normal” tudo aquilo? Bufou se sentando de novo ao lado de Fernando que nada dizia, só escutava.
- E tudo bem ela estar no mesmo ambiente que a Camila? - Verônica perguntou séria.
- A Cami vai arrastá-la pelos cabelos, meu bem. - Ulisses gargalhou imaginando aquele mulherão que era sua amiga colocando Micaela em seu devido lugar. - Sorte dessazinha que é quase careca.
Todos ignoraram a fala de Ulisses e Isabella refletiu. Sim, não era algo tranquilo de se imaginar, já cogitara diversas vezes desconvidar a morena pelo simples fato de que Camila não suportava nem ouvir o nome da outra, na época em que estavam namorando. Contudo não tinham mais um relacionamento e ela já havia comentado com a ex sobre Micaela estar novamente na cidade e fazendo um trabalho numa das clínicas que atuava. E até que Camila recebera a informação muito tranquilamente, para a surpresa da fisioterapeuta, apenas fizera algumas piadas insinuantes que foram imediatamente cortadas por ela. Talvez Camila tenha “jogado um verde”, mas Isabella não permitiu que ela colhesse nada dali.
- Camila não se importa mais com ela… E gente, o clube é IMENSO, ela vai mais pela Lis do que por qualquer um de nós. Acho que estão fazendo muito caso por pouca coisa.
- Ahh rá rá, eu jamais imaginaria que um dia você chamaria Micaela de “pouca coisa”. Tá aí algo surpreendente… - Ela poderia enganar quem quer que fosse, mas Ulisses jamais deixaria de nutrir a desconfiança de que Micaela jamais seria “passado” para Isabella. Apostaria todos seus CDs da Madona nisso.
Isabella apenas revirou os olhos balançando a cabeça de um lado pro outro, teria uma conversa séria com Uli, ele já estava passando dos limites. Ela por fim bufou pensando em como Lis a colocava em cada situação, quanto mais a menina crescia, mais ela confirmava que a filha era mesmo uma “mini Micaela”, evidentemente só causava.
***
Chegaram ao clube bem cedo, pois só assim para conseguirem um quiosque e churrasqueira. Fernando trazia a maior parte das coisas do churrasco, enquanto o restante se revezava entre as bebidas, copos e talhares. Lis empolgadíssima em seu maiô roxo com bolinhas amarelas, ajeitava os brinquedos próximo a mesa de centro. Camila buscara as duas e agora se entretinha com a caixinha de som, que caíra no chão no meio do caminho e sofria para ligar. Ulisses passava seu bronzeador caseiro, uma bomba atômica, para desespero de Verônica que como dermatologista dava o maior sermão no amigo. Isabella roía uma unha ou outra, olhando para os lados de vez em quando. Trocara apenas três mensagens objetivas com a morena, que se resumira em um “oi”, a localização do lugar e o horário, seguido de um simples boa noite. Ambas concordavam que o que conversaram fora mais do que suficiente.
- Filha, vem cá… - Pegou o protetor e espalhou nas mãos antes de sair esfregando as costas, braços e rosto da menina, pela segunda vez, pois já havia passado também em casa antes de saírem. Para orgulho de Verônica que ainda tentava esganar o amigo dizendo que na próxima ele nem precisava se preocupar em trazer nada, ela mesma traria o maçarico para dar “cor” ao corpinho dele.
- Você acha que ela vem? - Fernando se dirigiu à Isabella enquanto estalava um a um, os dedos da mão.
- Vem sim, mas se não vier também… - Ela deu de ombros, tentando acalmá-lo.
- Ela me odeia, não é? - Ele soube que sim no momento em que os olhos azuis fitaram os seus.
- Fer, não importa mais… Ela é sua prima, como qualquer outro primo. Tem primos que a gente não se dá bem… E vida que segue.
- Ela era como uma irmã pra mim… - Ele respondeu baixo, tirando um pequeno galho de folhas dos cabelos da filha. - E eu ainda amo ela tanto quanto amava… Ver ela no bar, cara… Me quebrou por dentro, saca?
Ela previa isso, o lado familiar de Fernando era algo que Isabella já conhecia, sabia o quanto o amigo havia chorado pela prima, afinal ela chorara também por muitas das vezes que estava com ele. A diferença era que ela cessara esses impulsos emocionais, enterrara como se enterra um lixo radioativo, longe e bem fundo. Quase inalcançável. Já Fernando deixava “tudo” ali, a céu aberto mesmo, impossível não se intoxicar com todos esses sentimentos expostos.
- Eu me segurei pra não abraçar ela… Só… Matar a saudade, sabe? Mesmo que ela me socasse depois disso, mas fiquei com medo. Mano, ela me chamou de “podre”, Isa. Ela me acha um merd* e eu não sei como fazer ela entender que…
- Esse biquíni não é aquele que eu te dei? - Camila abraçou-a por trás com carinho, beijando seu pescoço e interrompendo o desabafo do amigo. Quase agradeceu a ex por isso, estava quase ligando para a morena e impedindo que ela viesse. Talvez no final das contas Ulisses tivesse razão e aquela ideia maluca de reunir todos ali fosse realmente péssima. Odiaria ver o amigo mal, caso a morena o destratasse. Ah, mas Micaela iria se arrepender amargamente se fizesse isso, ela que se atrevesse.
- É sim, o meu favorito aliás. - Ela apenas respondeu sentindo cócegas com o carinho. - Só que ficou mais apertado, ou seja…
- Ah não! Vai começar essa palhaçada de dieta, bem hoje no nosso churrasquinho? - Ulisses ouviu e veio falando alto, acompanhado de Verônica. - Bora beber, my people!
Camila e Verônica pegaram uma longneck de cerveja, enquanto os meninos faziam uma caipirinha com vodka. Isabella preferiu não beber ainda, estava apreensiva, não podia negar, mas queria estar o mais sóbria possível para o caso de Micaela realmente aparecer e o clima entre ela e Fernando esquentar.
- Ei, cuidado com o limão no sooool! - Verônica gritou quase perdendo ali toda a elegância e sanidade que possuía naturalmente.
- Mamãe, vamos na piscina do cogumelo? - Lis estava ansiosa, para uma criança da sua idade ficar parado no mesmo lugar era como condenar alguém à prisão perpétua.
- Eu vou com você, gatinha! - Camila se ofereceu pegando na mão da pequena e já saindo em direção das piscinas.
Lis praticamente crescera dentro da piscina da avó Elisa, o que lhe rendera uma excelente prática dentro d’água, contudo Isabella jamais deixava que a filha fosse sozinha, mesmo nadando como um peixinho, pois ela sabia que quanto mais a vontade a criança estivesse, mais ela se arriscaria e aí que os acidentes aconteciam.
Camila e ela brincavam já algum tempo na piscina de cogumelos, com os brinquedos de plástico que a menor trouxera, foi quando uma voz conhecida saudou da borda.
- Ei, pirralhinha!
Lis reconheceu Micaela apenas pela voz e gritou antes de saltitar pela água em direção à ela.
- Tia Mi, tia Miiii!!! - A felicidade genuína da menina aqueceu o coração da fotógrafa que sorria com o abraço apertado que recebia daqueles bracinhos.
- Você vai molhar ela, Lis… Cuidado! - Camila avisou também saindo da piscina, parando em frente à fotógrafa enquanto torcia os cabelos. - Oi, e aí, tudo bem?
- Não tem problema. - Micaela garantiu, sem tirar os olhos de Lis. Não queria encarar aquela que provavelmente havia sido uma história para Isabella, a mesma que estava em sua formatura, como acompanhante. Qual seria a história delas… atualmente? Era o que a morena refletia internamente. Mesmo a contra gosto virou-se para Camila e a cumprimentou sorrindo educada. - Tudo bem?
Ambas se entreolharam por poucos segundos, o suficiente para que um “clima” se formasse, então Micaela voltou seu foco para a pessoinha que não tirava os olhos de Gabriel, que estava logo atrás da morena, parecia curiosa em saber quem era o amigo que a Tia Mi fizera questão de convidar.
- Esse é meu amigo, Gabriel! - Micaela apresentou para Lis. - Gabs, essa é minha amiguinha, pirralhita.
Lis fingiu uma carinha brava que logo explodiu em uma risada cristalina e mais um abraço na morena, depois olhou tímida para o rapaz e cumprimentou baixinho.
- Oi.
Gabriel cumprimentou a pequena e em seguida Camila.
- Vamos, eu levo vocês até o quiosque. - A ex de Isabella ofereceu.
Depois tomou a frente sem se preocupar muito em saber se eles estavam a seguindo ou não. Isabella lhe contara no carro, a caminho do clube, que a morena havia acidentalmente sido convidada pela filha. Ela engoliu o ciúmes que brotou por costume, mas depois sorriu para ela, ciente de que não tinham mais um compromisso, ela respeitaria o espaço da ex, assim como também era grata ao respeito que Bella tinha com ela. Mesmo que vez ou outra elas unissem as vontades e aproveitassem a química que conquistaram ao longo de anos, para extravasar o desejo acumulado, ainda assim sabiam por tanto conversarem sobre, que o relacionamento havia chegado ao fim, sobrando apenas uma boa amizade, que às vezes se tornava colorida.
- Mamãe, olha quem chegou!!!
O grito da filha foi desnecessário, Isabella havia visto e reconhecido a morena há uns bons metros de distância. A figura de Micaela era como um adesivo colorido e envolvente em um álbum preto e branco. Notou que ela usava roupas esportivas, de ótima qualidade por sinal, e que lhe caíam como uma luva, não saberia dizer a marca, pois não se importava e não tinha condições para esses luxos superficiais, usava o mesmo biquíni que ganhara de Camila há anos por um bom motivo, quando se é mãe, a única coisa que importa é se a criança tem roupas, você se contenta com o mesmo pedaço de pano por anos. Notou também um homem que a acompanhava de perto, talvez fosse ele o amigo que ela mencionara para filha, o rapaz não tirava os olhos de Micaela que vinha de mãos dadas com a filha, numa conversa entusiasmada. Camila chegou ao quiosque primeiro, vinha na frente quase tão distante que nem pareciam vir juntos.
- Sua favorita chegou.
O coração de Isabella gelou com a frase sussurrada pela ex, quando ela chegou ao quiosque. Contudo não soube dizer se o tom que ela usara era por ciúmes ou implicância apenas, por que sua concentração estava toda na figura peculiar que agora cumprimentava os demais com um aceno geral, o clima que se formou era tão denso que seria capaz de nadar nele, caso quisesse. Olhou para Fernando e o pai da sua filha estava nitidamente incomodado com tudo aquilo, onde diabos estava com a cabeça ao aceitar que ela viesse, era o que não parava de martelar em sua cabeça. Tomou a frente a fim de tentar aplacar o constrangimento, eram todos adultos e se estavam na chuva, que pelo menos aproveitassem para lavar a alma.
- Uli, Vê… Essa é a prima do Fernando… a Micaela. - A fisioterapeuta apresentou-os extremamente desconfortável, mas determinada a quebrar aquele clima.
Ulisses cumprimentou-a de longe com um sorriso mais falso que uma nota de três reais, o olhar a medindo de cima a baixo, numa clara afirmação de que não estava contente com sua presença ali. Já Verônica possuía uma postura mais simpática, foi até os dois recém chegados e cumprimentou cada um com beijinhos no rosto.
- Gostaria de fazer em um momento mais oportuno… Mas acho que o quanto antes eu disser, melhor. - A morena começou baixo assim que Verônica beijou-a no rosto. - Peço minhas sinceras desculpas por meu comportamento no bar… Foi péssimo! Eu não desejo nada mais do que felicidade à vocês dois. Se você se sentir melhor em ignorar minha presença hoje, saiba que tem meu total apoio e eu manterei a distância que desejar. Por que eu realmente fui uma escrota sem noção aquele dia e vocês não mereciam.
Isabella sentiu o coração inflar de felicidade com aquela cena que somente quem estava próximo testemunhava. O próprio Fernando mais afastado poderia não estar ouvindo o que elas conversavam. Se aquele era o primeiro passo para a morena perdoar o primo, havia começado com o pé direito e Isabella cruzava os dedos para que logo ela também conseguisse conversar com o pai de Lis.
A reação de Verônica foi simplesmente abraçá-la. As duas permaneceram alguns segundos naquele contato físico reconfortante, antes da dermatologista se afastar e dizer:
- A felicidade do seu primo é a minha, assim como a família dele também é, mesmo que alguns não me aceitem como eu sou… E eu te entendo e não a recrimino pelo que fez, aquilo mostrou que o sentimento que você nutre por eles não é indiferente. Pensa nisso, o Fernando te ama muito… Ele nunca deixou de te admirar e respeitar. - Verônica expressou em poucas palavras, mas gostaria era de poder sentar-se com a morena e mostrar o quanto ela perdia, assim como Fernando, com aquela distância entre os dois. Mas sabia também que feridas levam o tempo que precisam para se curarem e se a de Micaela ainda estava aberta, não forçaria a expô-la, pois também a respeitava.
A morena engoliu o nó que se formou em sua garganta e apenas balançou a cabeça, os olhos eram duas pedras negras brilhantes, se esforçando ao máximo para manter a postura. As duas se afastaram com um olhar de entendimento e logo Isabella continuou as apresentações, pois aquilo já se tornava mais tenso do que já era.
- E esse é o amigo dela, o… - Isabella só então percebeu que ainda não sabia o nome dele.
- Gabriel, prazer. - O rapaz completou também sorrindo para ela. Sua simpatia fazendo Isabella retribuir o sorriso.
Fernando acenou de longe, ao lado da churrasqueira, sabendo de antemão que somente Gabriel responderia ao cumprimento.
- Mamãe, nós vamos nadar, tá?
- Calma, Lis! Respira! Deixa as pessoas chegarem, filha… - Isabella acalmou a menina, oferecendo uma garrafinha de água e alguns petiscos que já estavam prontos da churrasqueira. - Fiquem à vontade, tem bebida no cooler e o Fer daqui a pouco vai tirar mais algumas carnes da churrasqueira. - Olhou Fernando quase obrigando-o a se mexer. Micaela e Gabriel agradeceram, mas tinham trazido o próprio cooler, que também foi aberto e oferecido para os demais.
Sentaram-se ao redor do quiosque, cada um com sua bebida e também sua parcela de desconforto. Ulisses, Fernando e Verônica se mantinham mais distantes, bem próximos à churrasqueira. Enquanto Isabella, Camila, Gabriel e Micaela rodeavam a mesa de cimento principal, que ficava protegida do sol. Lis brincava com seus brinquedos na toalha de banho que a mãe estendera, mas parecia visivelmente impaciente para voltar logo à piscina.
- Então Gabriel, você trabalha com o quê?
Micaela escondeu o riso perante a pergunta clichê de Camila, olhou de relance para o amigo, quase pedindo desculpas pelo convite de última hora, em um programa no mínimo, peculiar com pessoas desconhecidas.
- Eu sou Analista de Sistemas de uma multinacional.
Camila perguntou de qual empresa era e os dois então passaram a conversar sobre trabalho, os prós e contras de home office e tecnologia. Estavam tão compenet*ados na conversa que não perceberam o sorriso que Isabella escondia ao bebericar sua cerveja, mas Micaela percebeu.
- Aposto dez panquequitas que você tá rindo de uma piada suja que lembrou. - A morena murmurou desafiante tocando a sua garrafa com a dela.
- Pois eu dobro a aposta e digo que você jamais adivinharia o que estou pensando.
- Você arregaria antes da oitava panqueca, mas aceito o desafio. - Micaela sorriu dando um gole no líquido amarelo, confiante na aposta.
A fisioterapeuta abriu a boca soltando uma exclamação de indignação e estendeu a mão para ela, disposta a derrotar aquela morena petulante. Micaela aceitou a mão que ela estendia e oficializaram o desafio, rindo e bebendo. Isso pareceu chamar a atenção da ex de Isabella que voltou seu olhar para as mãos juntas das duas, que logo se soltaram, e com sorrisos contidos nos lábios ambas disseram ao mesmo tempo sem que combinassem.
- Que calor!
- Tá calor demais!
Camila nada disse, mas Gabriel logo sugeriu chamando a atenção da morena.
- Vamos dar um mergulho então, Mica?
Lis se materializou ao lado dos dois, com sua Barbie sereia já em mãos.
- Posso ir também?
- Lis, vamos eu e você na do cogumelo. - Isabella tentou percebendo que Gabriel parecia querer ficar a sós com a fotógrafa.
- Mas eu queria ir com a tia Mi… Pra gente brincar.
- Por que não vamos todos juntos na mesma piscina? - Micaela sugeriu sorrindo para a pequena.
- Siiimmm, eba!!!
- Antes pede pro papai passar mais protetor, filha?! - A mulher pediu enquanto guardava algumas carnes que sobraram.
- Você já passou protetor? - Camila perguntou para a fisioterapeuta, de forma cuidadosa.
- Passei sim, Cami. - Isabella piscou para ela, agradecida pela preocupação antes de roubar-lhe um selinho que não foi ignorado pela morena que logo disfarçou… Em seguida lembrou-se de algo e abriu a bolsa preocupada.
- Esqueceu o protetor, não foi? - Isabella cruzou os braços prestando atenção nela e achando graça, a morena ainda trazia as mesmas manias da adolescência.
- Não esqueci, só acho que… perdi! Ele estava aqui em algum lugar… - Ela revirava a minúscula mochila que trouxera quando sentiu gotinhas em seu braço. Isabella havia espirrado um pouco do seu protetor antes de estender o frasco para ela, com uma expressão de superioridade zombeteira.
- Ah, agora ela vai se vangloriar disso para o resto do dia. - A morena comentou com Gabriel, fazendo uma careta para a outra. - Uma vez ela cortou a minha mão com um caco de vidro e eu ainda tive que aguentar a dor dos apertões que ela me dava enquanto me passava uma pomada duvidosa se achando A curandeira…
- Que absurdo!!! Gabriel, ELA se cortou sozinha com o caco de vidro dos copos que ELA mesma jogou no chão para quebrarem, de propósito! - Os olhos azuis fuzilaram Micaela que ria travessa. - E eu não te apertei, sua… Mentirosa!
Gabriel ria, com a interação entre elas, feliz por conhecer mais detalhes da juventude de Micaela. Era visível que ela e Isabella haviam sido grandes amigas um dia, mas a morena nunca mencionara uma Isabella, então tentava entender o por quê de só agora ouvir seu nome. Camila observava as duas com uma única certeza, que a chegada de Micaela de volta na vida da ex com certeza não seria algo banal e sem importância como Isabella tanto queria transparecer.
Ulisses, Verônica e Fernando também assistiam um pouco ao longe a interação entre o quarteto. Sem contar no apêndice Lis que devorava algum petisco da bolsa da mãe, com certeza sem o consentimento da mesma. Fernando havia percebido, mas morria de dó de negar comida para a filha, depois de passar o protetor nela logo a menina correra em direção às bolsas do grupo, não tinha como impedir.
- Aff, eu vou jogar sua filha na piscina, Fernando! Por nos fazer aturar essazinha e seu cãozinho de guarda. - Ulisses bebia sua caipiroska de canudinho, de pernas cruzadas ele não conseguia tirar os olhos de Gabriel, mas disfarçava bem, lembrando-se de xingar a fotógrafa a cada dois minutos, no mínimo.
- Lis não teve culpa, ela só queria a companhia dela… Ela não entende, tadinha. - Fernando fechou a cara, pronto para defender a filha de quem fosse.
- Ele sabe amor, tá só brincando com você. - Verônica parou em sua frente, pegando sua cabeça e fazendo ele olhar em seus olhos. - Vai ficar tudo bem, relaxa. - Pediu antes de dar um selinho demorado em seus lábios.
- Claro que eu tô brincando, né bicha? Eu sou padrinho dessa criança com gostos duvidosos para amizades. Amo minha afilhada, só condeno suas decisões. - E voltou a sugar o líquido adocicado do copo. - Pelo menos o boy que ela trouxe serve de entretenimento. - E sorriu maliciosamente colocando os óculos escuros para observar melhor.
Algum tempo depois, Micaela e Gabriel se refrescavam em uma das piscinas do local. O calor era abafado e o clube estava bem cheio, ela não tirava os olhos de Lis, que nadava com eles, com medo de perder a garota em meio a multidão, já que estava sem os óculos e sem lentes. Ela se recostou na borda, com os ombros apoiados para trás, o sol queimando seu colo e seu rosto, sorte a sua que Isabella possuía um protetor fator “maior que existia”, do contrário já teria virado um carvão. Apesar de ter os cabelos escuros, sua pele acostumada com lugares fechados se bronzeava fácil, não podia bobear nem com o mormaço de Ribeirão Preto.
Há algum tempo Isabella e Camila haviam ido mergulhar em uma piscina mais funda, que ficava logo ao lado, então Lis implorara para a mãe, que a deixasse ficar com a Tia Mi, para angústia do tio Gabriel que só queria ficar a sós com a morena. Depois da mãe da menina se certificar uma dezena de vezes com ela, se tudo bem a filha ficar ali com eles, finalmente aceitou, não sem antes deixar uma lista de regras para Lis obedecer.
Ela e Camila quando saíram da água chamaram atenção da grande maioria dos adultos ali presentes na área da piscina, mas Micaela se forçara mais uma vez, desde que havia chegado no clube, a não encarar o corpo da fisioterapeuta.
- Você é muito linda.
A voz de Gabriel tirou-a do seu momento reflexivo, ela olhou-o antes de sorrir e tocar seu rosto bonito que a fitava bem próximo.
- Você também, Gabs. - E ela estava sendo sincera.
Em um momento de distração ao voltar procurar Lis pela piscina com os olhos semicerrados, Gabriel puxou seu rosto roubando-lhe um beijo no canto dos lábios. Isabella voltava para piscina nesse instante e percebendo o clima entre eles apenas se desculpou por ter atrapalhado, se afastando em seguida na direção da filha.
- Gabriel! - Ela estava visivelmente constrangida e incomodada. - Por favor, não faça mais isso, eu te peço… Eu te adoro, mas achei que tinha deixado claro, muito bem aliás, que gosto apenas da nossa amizade. Nada mais.
Gabriel se surpreendeu com a seriedade dela, Micaela era sempre doce e gentil com ele, apesar das recusas em tentarem algo, ela jamais fora tão enfática, o que deixou o rapaz verdadeiramente arrependido do que fizera.
- Me desculpa… Eu só, não resisti. Não queria te forçar a nada, desculpa, não vai acontecer de novo, eu prometo! - Ele estava muito sério também e a morena acreditou em suas palavras, eram sinceras.
Ela lhe ofereceu um pequeno sorriso, tentando apaziguar o momento, mas logo seu sorriso se alargou quando sentiu algo beliscar seu joelho por baixo d’água. Assim que a “criatura” culpada pelo beliscão emergiu, a morena soltou.
- Ahhh, tem uma pirralhinha aquática tentando me levar pro fundo do mar, socorro!!! - Ela falava alto ignorando a presença da menina.
Lis gargalhou e abraçou a morena pela cintura se pendurando em seguida nas suas costas, conhecia a filha da fisioterapeuta há pouco tempo, mas já percebera que ela adorava abraços, era uma característica cativante, mas ao mesmo tempo perigosa, pois empurrava a morena cada vez mais para o abismo que seria se encantar com a filha de Isabella e Fernando, criando talvez um vínculo que não estava preparada para enfrentar ou lidar. Mesmo diante desse medo, ela segurou a criança antes que ela mergulhasse novamente e perguntou travessa, se divertindo com ela:
- Lis, qual música você mais gosta?
A criança pensou por um instante, antes de dizer um nome que Micaela desconhecia. Isabella aproximava-se nesse momento sem ser notada e respondeu pela filha.
- É do desenho favorito dela; a Pequena Sereia.
- Ahh, que pena… - Micaela fez uma carinha triste, fazendo com que Lis puxasse seu rosto preocupada.
- O que foi, tia Mi?
- Eu pensei que gostasse… de Rock! - Olhou-a semicerrando os olhos, pronta para dar-lhe um “solo de cócegas”. Mas a criança inocente não entendeu a referência, então Micaela se aproveitou de sua confusão para dedilhar suas costelinhas magricelas enquanto fazia um som de guitarra com a boca. Lis explodiu em gargalhadas escandalosas, que logo foram reprimidas por uma Isabella preocupada.
- Cuidado, vocês duas!!! - Isabella sabia que a lembrança do “solo de cócegas” que a morena fazia com ELA no passado era o real motivo que a desestabilizara naquele momento, contudo também se preocupava com a filha se afogar entre aquele montante de água que espirrava para todos os lados. Ouviu mais um gritinho de Lis, dando as gargalhadas mais gostosas que uma criança poderia dar, ambas entretidas na brincadeira sem notar o quanto Isabella se afetava com as semelhanças entre elas, Lis puxou o pescoço da fotógrafa e escalou em suas costas novamente, fugindo das mãos ágeis que lhe torturavam. Era uma moleca, Isabella constatava a cada crescimento da filha. Não se conteve. - Chegaa, vocês vão se machucar! Lis, desce!
Micaela franziu o cenho achando graça desse ar rabugento dela, não sabia que Isabella se tornaria uma mãe tão brava e… careta. Cochichou algo no ouvido de Lis, antes de soltar a garota e mergulhar, refrescando o corpo. Surgiu então atrás de Isabella que inocente não esperava o ataque pelas costas, Micaela segurou então seus braços enquanto a criança atacava a barriga da mãe com cócegas, as gargalhadas das duas ecoando pelo lugar. O movimento da água, empurrando os corpos, fazendo com que Isabella sentisse o corpo atrás de si quase encostado ao seu, a risada rouca sobre seu ombro, muito próxima ao ouvido, era muita informação, e pouco fôlego.
Num só movimento Lis se jogou sobre a mãe que afundou de costas empurrando sem querer a morena para o fundo que ao invés de se soltar, pelo contrário, usou o movimento para abraçar sua cintura, se segurando nela. A fisioterapeuta conhecia a ex, sabia de seus truques e com esse pensamento retirou as mãos da morena, um tanto rispidamente, antes de emergir disfarçando seus sentimentos desordenados. O que ela não sabia era que Micaela realmente havia se segurado nela por medo de se afogar, foi tão espontâneo quanto as risadas que Lis soltava agora vendo as duas quase engasgadas pelo susto.
- Vem cá! - A mãe chamou a pequena travessa com a promessa de vingança no olhar, o que fez com que Lis risse nervosa quase gritando e nadando para longe, ela só não contava que a Tia Mi fosse mais esperta e a alcançasse sem ela perceber.
- Perdeu pirralha! - A morena exclamou segurando a garota que esperneou vendo a mãe se aproximar, então fechou os olhos temerosa, esperando o castigo materno que logo veio em forma de beijos e abraços apertados.
Lis ria tão feliz que quem visse de fora com certeza jamais imaginaria o que as duas adultas viveram no passado, Gabriel e Camila (essa que havia ido no banheiro e voltara há algum tempo), apenas assistiam calados a interação das três. Cada qual com seus respectivos pensamentos.
- Gabs, quer beber mais alguma coisa? - A morena ofereceu depois de algum tempo e todos em comum acordo decidiram voltar. Lis, é claro, insistiu até cansar para ficarem na piscina um pouco mais. Contudo o pequeno grupo estava faminto e sedento por bebida.
No quiosque todos estavam ao redor da mesa, petiscando e bebendo. Uma conversa aqui e ali, pareciam uma turma de amigos qualquer, para quem avistasse de longe. Lis cochilava tranquilamente em um colchão improvisado com roupas e toalhas secas, ela estava na sombra, com os cabelos negros despenteados, cobrindo parcialmente seu rosto sereno. Havia nadado o suficiente para desmaiar assim que começara a brincar com os bloquinhos de montar, o corpo exausto exigindo algum descanso, já a mente frenética querendo nadar por mais algumas horas. A tarde já ia chegando ao fim, o sol dava seu breve adeus com os últimos raios laranjas, logo eles encerrariam e ajeitariam tudo para partirem. Foi nesse clima que Micaela aproximou-se de Isabella, quando ela estava guardando as coisas de Lis, e tocou levemente em seu cotovelo chamando sua atenção, antes de falar;
- Me desculpa pela brincadeira na piscina. Foi automático e muito no desespero… Eu fiz sem perceber e espero não ter te machucado. - Ela olhava séria para os olhos azuis, o rosto da outra corado pelo sol a fitava de volta, prescrutando seus olhos em busca da verdade.
- Eu desculpo, claro… Só achei estranho, mas também foi impulso da minha parte tirar suas mãos daquela forma. Desculpa se pareceu outra coisa. - Ela também se desculpou um tanto sem jeito.
- Era alguma piada da Lis?
Isabella franziu as sobrancelhas tentando entender o que ela dizia.
- … Que fez você sorrir mais cedo. - Ela então explicou relembrando a outra da aposta e arrancando-lhe um sorriso.
- Errou, tem só mais duas chances.
- Ei, espera aí… A gente não combinou nada sobre quantidade de tentativas... - A morena argumentou depressa, o que arrancou mais risos dela.
Micaela coçou o queixo pensativa e imediatamente o olhar de Isabella foi conduzido para a pintinha que ela tinha ali e sem se conter subiu o olhar para boca desenhada, sentindo a garganta secar. Freou o pensamento que veio como um trem bala, desesperado para lhe tomar os sentidos. Mas não seria dessa vez, a Isabella adulta estava no controle agora.
- Vamos?
A voz de Camila quebrou o clima entre elas, que voltaram a organizar as últimas coisas. Fernando seguia murcho no canto, para tristeza de Isabella a morena não lhe dirigira à palavra, porém também não fora mal educada ou agressiva, até mesmo aceitou o prato de petiscos que ele lhe oferecera em certo momento, agradecera tão baixo que só Isabella que estava ao seu lado escutara. Era uma tortura vê-los assim, sem se comunicar, mas não sabia o que fazer.
Olhou para a morena e reparou como ela estava levemente bronzeada, os cabelos já secos e desalinhados, como os da filha que ainda dormia mesmo com o alvoroço deles recolhendo e guardando todas as coisas. Desviou o rosto concluindo que Micaela ficara muito bonita, muito mesmo e ela não se recriminou por perceber isso, afinal era lésbica e já fora apaixonada por ela, nada mais normal do que se sentir atraída, nada demais. Viu? Ela estava no controle, não haveria problemas.
Diferentemente da noite de sua formatura em que trans*ram no hotel em que a morena estava hospedada… Recordava-se da forma como pediu para a mesma se afastar, agora só pensava o quão imatura havia sido. Lembrou-se da sua terapeuta e corrigiu-se; foi absolutamente normal que fosse um tanto imatura mesmo, agora aproveitaria para lidar com o passado com certa bagagem emocional, o que lhe conferia a confiança e capacidade de ser neutra. Quase indiferente.
- Ei Bella, vamos! - Camila chamou pela terceira vez arrancando Isabella de seus devaneios, pigarreou se recompondo.
- Bom, a gente se vê na clínica então... - A fisioterapeuta se despediu da morena, acordando a filha em seguida.
- A tia Mi já foi? - A menina acordou coçando os olhos e já perguntando.
- Tô aqui, pirralhita. - Ela agachou-se nas toalhas dando um abraço de despedida na mais nova amiguinha de piscina. - Foi muito legal nadar com você, obrigada pelo convite. - Bagunçou os cabelos dela.
- Eu fiz um presente pra você, tia Mi. - Um “oun” se fez ouvir vindo de Gabriel e Verônica, e a menina puxou a mochilinha tirando algo que parecia a tentativa de um cubo, feito de várias massinhas coloridas que já se esfarelavam.
Tentar explicar a sensação que foi para Micaela quando viu o objeto estendido em sua direção, especialmente feito para ela, com aquelas mãozinhas pequenas e os olhos ansiosos aguardando sua reação… Era algo impossível de descrever. Estranho e ao mesmo tempo tão maravilhoso que parecia de outro mundo de tão surreal e novo para ela. Sentiu de repente uma lágrima brotar em seu olho esquerdo e ficou incrédula, sem saber como agir, responder ou esconder. Pegou o objeto com maior cuidado do mundo, depois simplesmente abraçou-a agradecendo e dizendo o quanto amara o presente.
- Obrigada mesmo, pequenina… Agora nós duas temos amuletos de melhores amigas.
Lis estava exultante e saltitou indo contar para o pai e para a mãe que ela e Tia Mi agora eram melhores amigas e tinham amuletos que comprovavam isso, mas todos assistiram a cena, então nem que ela quisesse esconder. Era de conhecimento público já.
Fim do capítulo
Bom sábado pra nooes s2 Até amanhã, bjos!
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Marta Andrade dos Santos
Em: 07/05/2023
Muita diversão na piscina...
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Bibiset Em: 16/05/2023 Autora da história
Sim!!! s2