Capitulo 19 - Ao Vencedor, As Batatas… Fritas!
- Não sei… Talvez dê certo, mas eu sugeriria fazer ao ar livre. - A morena refletia com Diana, sobre a ideia de fotografar as crianças com animais. Era ousado e ela adorava isso, contudo era uma clínica e a médica empolgada não considerava o fato de serem dois trabalhos, pois seria o de deixar a criança a vontade, assim como o animal que deveria ser acompanhado por um tratador. E que ambos estivessem em uma sintonia suficiente para fazer aquilo dar certo de forma a não prejudicar o animal ou a criança. Ela então se lembrou de algo e virou a cabeça em direção à Isabella que assistia ao debate das duas calada.
- Isa!
A fisioterapeuta levantou uma das sobrancelhas e logo a morena corrigiu depois de pigarrear discretamente. Fazia quase duas semanas que já se encontravam quase todos os dias nas sessões de fotos, mesmo assim ainda pareciam distantes como dois pólos opostos, mas era melhor assim, o trabalho fluía sem maiores problemas.
- Isabella… Aquele seu paciente de hoje, o garotinho falante…
- Ramon?
- Isso, ele mesmo… - Micaela puxou um bloquinho do bolso de trás da calça e a fisioterapeuta não pôde deixar de reparar como ela havia ficado… Bem definida, com os anos. A calça moldava-se com vontade nas coxas e quadril. A fisioterapeuta endireitou as costas, incomodada.
- Ahhh, que ideia incrível! - Diana bateu palmas com o esboço que a morena fazia em seu bloco, quase assustando Isabella.
- Vou buscar Ramon, hoje ele está com a psicóloga. - Isabella avisou com uma expressão neutra.
Saiu meio rápido, sem dar tempo para elas dizerem nada, ainda um pouco tonta com tanta informação que aquelas duas falavam em curto espaço de tempo. Micaela provavelmente já havia percebido seu desânimo com aquele projeto maluco de Diana. Sim, ela tinha sérios preconceitos com fotógrafos, pois sabia que era um dos problemas, que alguns dos seus pacientes tanto temiam, o peso da imagem. Era triste ver seus pequenos assistindo blogueiros e influencers “perfeitinhos” nas redes sociais, mostrando um dia a dia irreal. Ela sabia o que aquilo significava no final das contas, valorizar uma beleza externa e artificial, mas seus pacientes aceitavam e pediam que ELA tirasse as fotos deles, já Micaela? Eles não a conheciam, não estariam a vontade. Ok, a maioria das crianças gostou bastante das sessões e se saíram até melhor durante a fisio, por estarem empolgados. Contudo eram os casos mais leves da clínica, a morena não fazia ideia do que era lidar com a lágrima de um paciente infantil, recém queimado. Aquele projeto poderia ser legal, mas tinha suas ressalvas, contudo ela guardava para si esses pensamentos, se Diana queria aquele projeto, então ela ajudaria como podia, mas continuaria achando uma maluquice.
Voltou com Ramon para a sala, o garoto havia amputado os pés, depois de uma queimadura intensa nas pernas, causado por uma vela que a avó acendera para um santo qualquer, dentro do quarto do garoto. Ele era só um bebê quando aconteceu e o berço praticamente o encurralou entre as chamas. A sorte foi que a irmã mais velha estava em casa e salvou a vida do garoto, enquanto a avó tomava banho para a missa de todo domingo.
- Tia, eu posso tirar sem a cadeira?
O garoto de apenas oito anos pediu para a fotógrafa, já com as mãos apoiadas nas laterais da cadeira de rodas. Micaela contente mostrou o seu celular para o garoto. A exclamação de felicidade dele foi espontânea, a curiosidade falando mais alto fazendo Isabella se aproximar e também espreitar o aparelho.
A imagem de um cavalo em um haras tomava a tela do celular da morena, ela nem precisou responder sua pergunta, era claro que ela não só apoiaria que as fotos fossem sem a cadeira, ainda teria um extra de poder ser com um cavalo. O garoto se entusiasmou tanto que os dois conversavam como dois conhecidos, trocando ideias e vontades, causando certo desconforto na fisioterapeuta que falou sem pensar.
- Isso não vai ser muito perigoso?
A murchada de ombros de Ramon quase fez Isabella arrancar a própria língua. Ela tentou corrigir, mas Diana foi mais rápida.
- Bella, não se preocupe! Ela sabe o que está fazendo, não é Mica?
Mica? Isabella engoliu a vontade de debochar daquela intimidade, deviam estar trans*ndo obviamente. Como ela não percebeu antes? Diana estava solteira mesmo, aí surge uma fotógrafa toda…
- Eu jamais vou colocar seus pacientes em risco. - A morena tocou em seu ombro, olhando diretamente em seus olhos e o negro da íris fez Isabella desviar o olhar, constrangida pela reação um tanto inadequada.
- Foi só uma preocupação repentina… - Tentou amenizar sem graça, depois sorriu para Ramon, bagunçando seus cabelos. - O Ramon vai adorar.
Micaela entendeu, soube de imediato que Isabella nutria uma preocupação natural com seus pacientes, assim como quando protegeu a filha no seu primeiro dia ali, ela tinha certeza que a fisioterapeuta faria o possível para proteger suas crianças também, era visível que ela estava incomodada com muitas ideias que Micaela e Diana externavam, então a morena precisava fazer ela confiar. Mas sabia que por ora palavras não seriam o suficientes para provar a importância do seu trabalho e o cuidado que tinha com quem estivesse fotografando, era preciso que ela visualizasse, que sentisse. E Micaela mostraria, com o tempo ela entenderia que seu trabalho não era sobre “congelar” imagens falsas, mas sim capturar momentos que para ela eram quase sagrados.
E mais algumas semanas depois isso foi possível, quando Lis mais uma vez precisou ficar com a mãe na clínica em um pequeno intervalo de tempo, até o pai poder buscá-la quando saísse do trabalho.
- Tia, o Jorge disse que esse dado é falso, mas eu falei que você tinha mandado fazer então NÃO é falso!
Fazia vinte minutos que Micaela tentava se concentrar em um novo cenário para as crianças da clínica, mas assim que chegara ao local topara com a filha de Isabella, fazendo cambalhotas nas almofadas espalhadas pelo centro da sala que serviam como apoio para as crianças com problemas de locomoção.
- Sua mãe sabe que você tá aqui?
A morena ria internamente da tagarelice da garota, mas se preocupava com a reação da ex, caso descobrisse que Lis estava de novo de conversa com ela. Pegou o chaveiro da mão pequena que não largava o objeto, depois que a menina acenou com a cabeça confirmando a pergunta que ela fizera.
- Não é um dado… É um chaveiro, viu?! Não tem números! - Ela movimentou o objeto entre os dedos.
- E não é falso, né tia Micaela? – Ela estava empenhada em refutar o argumento do amiguinho.
- Claro que não! Eu mesma que desenhei, inclusive as cores e os desenhos gravados eu escolhi… Esse seu amigo é um bocózão! - Ela finalizou sem pensar devolvendo-lhe o objeto.
A menina arregalou os olhos e comprimiu os lábios segurando o riso travesso. Micaela então entendeu que a única palavra que ela dera atenção em toda frase fora o xingamento, mesmo que despretensioso.
- O que é “bocozão”? - Perguntou depressa e curiosa.
- Alguém que fala coisas bobas. - A morena seriamente ensinou como uma professora paciente.
Retornou sua concentração nas folhas secas que havia trazido, Tiago precisou faltar ao trabalho por conta de uma gripe forte e ela estava sozinha naquele dia. Já haviam feito sessões com metade dos pacientes, mas alguns tinham mais dificuldades para se locomover ou ficar um tempo a mais do horário para as fotos, sendo assim seu trabalho na clínica daquele mês estava sendo intenso e mais demorado, mesmo assim ela se dividia entre aquele projeto e os outros serviços e contratos do estúdio, muitas vezes emendando a noite para concluir prazos. Como um dos álbuns seria por calendário, seu contato ali duraria por pelo menos um ano, pois Diana foi enfática em dizer que gostaria de registrar a realidade das crianças mês a mês, ao invés de vários cenários apenas representando os meses, era preciso que a evolução do tratamento fosse visível nas fotos, para dar mais ênfase em sua proposta com aquele projeto. Alguns pacientes ainda precisavam ser autorizados pelos pais, mas pelo que Micaela presenciara até o momento mais de noventa por cento dos pacientes se interessaram pelo projeto, graças a forma como Micaela e Diana apresentaram a ideia. Então inicialmente ela iria com mais frequência na clínica, sendo que após algumas conclusões ela estaria ali mais esporadicamente.
- Tia Micaela, tira uma foto minha!
O sorriso forçado da criança, além da pose cômica que ela fazia pendurada em uma das redes, deixava evidente que Lis não tirava muitas fotos. A morena parou novamente o trabalho e fingindo uma câmera com as mãos, estalou a língua nos dentes simulando capturar várias imagens dela. A cada ângulo que mudava, Lis também mudava de pose e de careta. Em uma delas Micaela gargalhou e sentiu uma vontade imensa de realmente fotografá-la, mas sabia que isso era algo extremamente delicado. Fotografar crianças sem o consentimento da mãe estava fora de cogitação, ainda mais se tratando de Lis.
- Qual sua comida favorita da vida? - A garota de repente perguntou quase de cabeça para baixo nas almofadas, fazendo a morena mais uma vez parar o que estava fazendo para lhe dar atenção.
Micaela pensou por uns instantes e confidenciou um dos seus pratos favoritos:
- Strogonoff com batata frita. - Esfregou a barriga com a mão fazendo uma cara de fome, olhou o relógio e estava quase na hora do almoço mesmo. - E a sua? - Voltou a conferir algumas angulações de equipamentos enquanto esperava ouvinte as preferências da pequena.
- A minha TAMBÉM é batata frita!!! - Seu entusiasmo foi tanto que ela correu e abraçou Micaela pela cintura deixando a morena sem reação por uns segundos. Por fim abraçou-a de volta rapidamente, se soltando sutilmente em seguida. Afastou qualquer reflexão sobre o que sentiu com aquela demonstração de afeto inesperada.
- Liiiis, vamos?!
Os cabelos castanhos claros estavam amarrados em um coque frouxo, ela tinha olheiras de cansaço, mas definitivamente isso não apagava em nada sua beleza, nisso Micaela tinha que admitir quando viu Isabella entrar na sala chamando a filha para almoçarem antes do pai buscá-la. Felizmente Diana super apoiava quando Lis precisava ficar algum tempo na clínica, nunca fora contra a nenhum funcionário usar o espaço para trazer os filhos quando acontecia alguma emergência. Sabia que isso era melhor do que ver o funcionário se ausentar ou se frustrar quando não tinha com quem deixá-los.
- Mamãe, a tia Micaela também ama batata frita!!!! Eu também AMOOO BATATA FRITA!!!
E a garota correu em direção à mãe como um furacão cheio de energia. Pulou se agarrando ao pescoço da mulher que fez uma careta de dor enquanto amortecia o choque do corpo da filha ao seu. Depois de lhe retribuir o abraço, segurou seu rostinho e dispersou o pensamento que lhe veio de imediato, sobre como a filha e Micaela eram parecidas.
- Mas hoje é dia de??? - Ela tentou transmitir a melhor empolgação que seu corpo cansado poderia oferecer, definitivamente hoje não era dia de batatas fritas e ela queria chorar só de imaginar o trabalho que Lis daria para almoçar antes do pai buscá-la. Micaela assistia a tudo calada.
- Panquequitas… - A garota respondeu sem entusiasmo e com um sorriso amarelo que fez Micaela soltar um risinho disfarçado.
- De Bró co liiiiss!!! Igual o seu nome filha! - E a fisioterapeuta bateu palminhas arrancando uma risada incontida da morena pela atuação ridícula. Isabella fuzilou-a com os olhos numa clara declaração de: Não se atreva a dizer nada.
Lis imediatamente se encurvou derrotada, o semblante de tristeza misturado com decepção deixaria até um labrador depressivo. A morena por um segundo acreditou que ela realmente abriria um berreiro a qualquer instante.
- Eu odeio bróc… Uugh! - Ficou pálida com a ânsia de vômito incontrolável que subiu-lhe pela garganta.
- Lis, respira! - Isabella franziu o cenho séria, calmamente levou-a até uma poltrona e murmurou com carinho, porém com seriedade e preocupação. - A mamãe não vai te obrigar a comer, tá? Mas você precisa se esforçar a não pensar na comida dessa forma… Você pode experimentar e se não gostar simplesmente não comer de novo! É igual a bolacha de limão que a tia Vê trouxe, você experimentou, não gostou e deu pra mamãe, não foi? Então… é a mesma coisa. Maasss, nem por isso você parou de comer bolachas, não é mesmo? Você só come outros sabores. É assim com os outros alimentos também, filha… - Isabella possuía uma voz maternal que até um anjo se sentiria acolhido. Colocava os delicados fios negros da garota, atrás das orelhas, enquanto acariciava seu rosto e seu queixo, em um carinho tão terno que Micaela se sentiu desconfortável por estar ali, presenciando. - Você já experimentou brócolis na salada, não gostou, ok! Mas panqueca de brócolis você ainda não experimentou, e o sabor pode ser bem diferente, entendeu? A mamãe usou outro tempero, cortou bem picadinho…
A menina anuía com a cabeça, com a tez suada e os lábios secos, realmente em um estado de náuseas que chocou Micaela. Sabia que algumas crianças eram seletivas com os alimentos, mas Lis era um caso realmente sério pelo que via. Contudo a forma com que a mãe da menina lidava com a situação era no mínimo, encantador. Os olhos azuis eram calmos, suaves e transmitia toda segurança que um ser humano pode desejar. Até Micaela comeria brócolis depois daquele pequeno discurso, se bem que ela já adorava o vegetal. Não conseguiu evitar o pensamento que lhe trouxe memórias de um passado que achou estar totalmente enterrado… De uma Isabella adolescente também seletiva, que tirava todos os brócolis da pizza sabor BRÓCOLIS. Se lembrava especialmente de um episódio em que ela pedira uma pizza inteira só para Isabella, do seu sabor preferido, enquanto o pai e Silvia haviam pedido sabores que só os três gostavam, essa atitude fora recompensada mais tarde, em seu quarto… Piscou forte bloqueando o restante de memória e tentou sair da sala sem ser notada, para não constranger o momento entre mãe e filha e brecar as imagens que pipocavam em sua mente sem controle, mas Lis percebeu e fungou antes de chamar por ela:
- Tia, você vai almoçar a sua batata frita agora?
Aqueles olhinhos negros, pedintes e inocentes. Micaela estacou com a vozinha e olhar da garota, sem reação apenas negou com a cabeça imaginando o quanto Lis estaria com vontade depois de fazê-la pensar no alimento, estava a ponto de dizer que buscaria batatas fritas para ela, era só pedir…mas Isabella salvou-a a tempo.
- Lis, deixa a tia trabalhar… Eu pedi para você ficar na brinquedoteca e você veio para cá sem eu permitir. - A mãe suavemente chamou sua atenção.
- Mas não tem ninguém na brinquedoteca. - A pequena argumentou fazendo um muxoxo.
- Exatamente, era para a senhorita estar lá agora. Não aqui importunando as pessoas.
- O que é intortumar?
Isabella suspirou revirando os olhos e ignorando a pergunta antes de se levantar e virar-se para a morena.
- Eu sinto muito… Eu não sabia que ela estava aqui e hoje o paciente estava um tanto inquieto, não consegui vigiá-la…
- Não precisa se desculpar, ela me fez companhia. - Seus olhos negros eram sinceros. Isabella ensaiou um sorriso, mas logo o desfez ainda um tanto constrangida. Olhou novamente para a morena e sem perceber soltou, tão natural quanto Lis quando liga seu modo curioso.
- Não vai almoçar? - Se arrependeu da pergunta no segundo seguinte, então completou. - Só perguntei por que eu trouxe panquecas para um batalhão… - Riu do próprio exagero, a cabeça baixa olhando um fio solto do tapete como se fosse a coisa mais importante do mundo naquele momento.
- Está me oferecendo uma panquequita? - A morena sorriu de lado.
- Se quiser pode comer a minha, tia!
Ambas riram com a frase da garota e se entreolharam, se entendendo sem precisar dizer nada. A cumplicidade do momento fazendo com que desviassem os olhos depressa, cada uma com seus motivos particulares.
- Ah, eu aceito, obrigada. - E ela realmente estava agradecida, pois seu almoço seria um salgado da padaria próxima. O coração estava leve e sem ressentimentos, talvez aquilo fosse o que chamavam de; superar. Ela não via Isabella com raiva ou tristeza, era um sentimento interessante, uma mistura de insucesso com carinho, de algo que um dia desejou muito, mas não pôde ter, e a vida era assim mesmo… nem sempre poderíamos ter “batatas fritas”.
Já no refeitório da clínica as três riam divertidas em uma batalha para provar quem comia mais panquecas. Claro que Lis era mera espectadora/torcedora nessa história, já que a ideia inicial de Micaela ao sugerir a brincadeira para que a menor comesse as mini panquecas, falhara miseravelmente quando ela tomou quase um litro de suco de laranja que Diana oferecera na boa intenção quando estava de saída do refeitório. Agora a menina dizia estar “cheia” e sem fome, obviamente. E Isabella ficara sem graça de recusar o suco que era oferecido para filha, pois sabia que tinha sido na boa intenção da chefe.
- Mamãe, você vai perdeeeer!!! - A filha quase gritava mega entusiasmada.
Isabella ia para sua quinta panqueca, mas Micaela já abocanhava a oitava, engolindo tudo em seu prato. Eram minúscula panquecas mesmo, mas estavam deliciosas. Levantou as mãos agradecendo a plateia de apenas uma pessoa e anunciou a vitória.
- Viu só, Lis? Como eu comi tudinho minhas panquequitas, vou poder comer batatas fritas no final de semana como recompensa. - A morena piscou para Isabella, tentando ajudá-la de alguma forma.
Isabella riu agradecida pela tática nova, talvez funcionasse, quem sabe. Mas depois reclamou olhando o prato da morena, depois seu próprio prato.
- Aarrgh, você sempre foi comilona, não sei para onde vai tanta comida nesse corpo!
- E eu não negaria mais algumas, pena que o “batalhão” que você disse era infantil. - Ela apontou as mini panquequinhas que sobravam no prato da outra.
- Boba! - Isabella estapeou de leve seu braço, espontaneamente sem pensar.
- Bocózão. - Lis disse também rindo com elas, inocentemente.
- LISBELA!!! - Isabella virou-se para a filha com os olhos arregalados, o rosto se tingindo aos poucos de vermelho, exatamente como Micaela se lembrava. - Onde você aprendeu essa palavra feia???
- Desculpa. - Os olhos se encheram de lágrimas mais pelo susto com a reação da mãe, do que com a reprimenda em si.
- Isa, calma calma… Eu falei a palavra pra ela, fui eu! - Micaela quase levantou-se da cadeira tentando defender a pobre criança que já deveria estar esperando novo sermão.
- Você? - Os olhos azuis iam de uma figura de olhos negros apavorados, para a outra figura de olhos negros idênticos, mas apaziguadores. Seu semblante então mudou de mãe disciplinadora para mãe defensora. - E por que disse isso para minha filha?
- Calma… Não foi bem assim. - A morena ergueu as mãos tentando se explicar.
- Ah não? E como foi, posso saber?
Isabella cruzou os braços evidenciando o decote sutil da blusa branca que usava por baixo do jaleco, os seios confortavelmente aconchegados sobre os antebraços. Micaela pigarreou desviando o olhar sabendo que em instantes aquele colo ficaria cheio de pontinhos vermelhos, era assim quando ela ficava brava e também quando estava…
- Não foi nada demais, juro… Ela comentou de uma bobagem que um amiguinho disse e… - Fez um gesto de indiferença com as mãos. - E eu disse que ele era um bocózão por dizer coisas bobas! - Ela se sentia em uma “saia justa”, então mudou de postura. - Ah, vai dizer que você acha isso um “palavrão”, agora?
- Não, eu sei que não é um “palavrão”… - Ela imitou a voz de deboche da morena. - Mas é uma palavra feia, depreciando alguém… Não falamos assim lá em casa!
- Mas Isa… - A morena riu sem graça passando a mão na cabeça e despenteando os fios negros, em um gesto conhecido pela fisioterapeuta.
- Isabella! - Corrigiu a mãe leoa.
Lis assistia calada a interação das duas, ciente mais uma vez que fizera algo que deixara as duas tensas. Inocentemente se sentia culpada por ter estragado o momento.
A morena franziu o cenho não acreditando que ela estava praticamente a proibindo de usar seu nome curto. Aquilo era ridículo e imaturo, pensar que já a chamara de nomes muito mais íntimos, quando estavam juntas… Era tão ridículo que isso arrancou um riso de Micaela que logo se tornou uma gargalhada incontrolável, quando começava a ficar séria e olhava novamente para a carranca com olhos azuis e a peça rara em miniatura com olhinhos temerosos, ela voltava a rir incrédula.
- Não tô vendo graça nenhuma. - Isabella começou a recolher os talheres e fechar os potes de comida. O que fez Micaela rir ainda mais daquela hipocrisia escancarada.
- Ah, pois eu estou achando muita graça, viu?! Sabe, Lis… - A morena começou se controlando e limpando a garganta. Se ajeitou melhor na cadeira e se aproximou da menor antes de soltar. - A sua mamãezinha aqui…
A fisioterapeuta ficou em alerta e parou esperando o que ela ia dizer com um semblante preocupado.
- …também tinha um certo preconceito, digamos assim… - A morena continuou com voz maquiavélica.
- Lis, vamos que seu pai já deve estar chegando! - A fisioterapeuta tentou cortar o assunto de imediato, não fazia ideia do que ela diria e não pagaria para ver.
A menina não desobedeceu a mãe, mas não tirava os olhos de Micaela que continuou venenosa.
- Um preconceito muito… MUITO feio. Sua mamãe, ela…
- Chega! - Isabella quase tampava os ouvidos da filha em desespero, recolheu todos seus pertences e já ia saindo do refeitório puxando Lis pela mão quando a morena bateu na mesa chamando a atenção e revelando.
- Também não comia… BRÓCOLIS!
Isabella e Lis se voltaram surpresas com a revelação bombástica. Cada qual por seus motivos, é claro.
- Mamãe, você também vomitava com brócolis??? - Lis indagou chocada virando-se para a mãe, a boquinha entreaberta, ainda digerindo a informação.
- Não… Filha… Não é bem assim, eu não… Eu…
- É bem assim, SIM! - Micaela debochou comicamente. - E não era só brócolis não, ela também odiava; beterrabas, chuchus, feijão, vagem… pepperoni! - Os olhos azuis lançaram faíscas em sua direção, Micaela se arrependeria daquilo, ela já previa, mas não se importava… Estava valendo a pena, ver aquele rosto impassível todas aquelas semanas trabalhando juntas, agora se contorcer em caretas que ela um dia já adorara… Ok, ainda achava bem fofo as caretas que ela fazia, mas era diferente agora. Ela não se deixaria levar por qualquer sentimentozinho adolescente. Tinha controle sobre si.
- Mas você disse que vagem era uma delícia, mamãe! - O rosto da menor era um misto de dúvida com pitadas de deboche, a filha ainda colocou as mãozinhas na cintura entrando no jogo da morena, sem nem imaginar como eram parecidas quando agiam assim, encurralando ela contra parede. Isso irritou Isabella em um nível astronômico, pois tentava ao máximo tirar essa personalidade que vinha toda da genética da família de Micaela…
- Lis, chega! Me espera na recepção! Vamos ter uma conversinha quando chegarmos em casa… - Finalizou séria olhando para a filha que se calou imediatamente percebendo o limite que ultrapassara.
Entregou uma pequena necessaire lilás na mão da filha e esperou ela sair do recinto em direção ao corredor, antes de se aproximar da morena com o dedo em riste e um discurso já preparado.
- Posso tirar uma foto dela? - Micaela perguntou antes mesmo que Isabella abrisse a boca para dizer algo.
- O quê? Por quê? - Ela engoliu as palavras a contragosto, confusa com o pedido sem sentido.
A morena se levantou calmamente da cadeira, puxou o celular do bolso, saiu em direção ao corredor e parou quando percebeu que Isabella não a seguia.
- Vem…
Isabella bufou e a seguiu ignorando com bravura o arrepio que sentiu ao ouvi-la chamando daquela forma… baixinho. Odiou a intimidade que renasceu em pouco mais de uma hora com a morena naquele almoço que só acontecera por culpa DELA mesma. Se recriminou mentalmente por ter convidado e andou quase na ponta dos pés quando a outra pediu silêncio.
Ela então entendeu quando pararam no corredor em uma bifurcação que as deixavam quase escondidas, mas o suficiente para conseguirem ver Lis sentada com as perninhas suspensas, em uma poltrona chique da recepção da clínica. As mãozinhas de cada lado do encosto, os dedinhos mexendo inquietos na textura do tecido do sofá. Seu olhar meio triste perdido, acompanhando pelo vidro os carros que passavam do lado de fora na rua. Fazia um beicinho dramático que Micaela já estava começando a conhecer e adorar.
- Posso? - Ela virou o rosto em sua direção, próximo demais. Isabella deu de ombros dando um passo para trás, depois anuiu com a cabeça, sem palavras para expressar o que estava sentindo com aquilo.
Ela viu então Micaela se agachar posicionando o aparelho, mas insatisfeita a morena pediu que ela não saísse dali e ligeira correu até a sala que estava servindo de estúdio. Voltou com uma câmera profissional em mãos e novamente se ajoelhou sem se importar em onde estava, como estava ou com quem estava. Apenas clicou dezenas de vezes e o barulho da câmera só foi camuflado graças ao som ambiente que Diana colocava na brinquedoteca somado ao som do trânsito do lado de fora, de outro modo com certeza Lis teria percebido. Isabella entendendo um pouco sobre como Micaela sensivelmente observava seus modelos fotografados, era quase como eternizar o sentimento e não a imagem.
- Vai lá… - A morena levantou-se e tocando em seu antebraço a incentivou. - Vai, fala com ela… Não seja tão dura, eu sei que só quer o bem dela, mas… Olha essa carinha. - E voltou a olhar o rostinho da criança, sentindo pena daquele serzinho tão pequenino.
- Você lembra o quanto seu primo era dramático? Pois é, então… - Ela olhou de volta pra filha já convencida, mas fazendo hora. Sabia que havia sido dura demais, mas era tudo culpa da morena.
- Quem diria que você seria “esse” tipo de mamãe. - E riu tirando sarro da careta que a fisioterapeuta fez antes de rumar em direção à filha.
Micaela viu a Isabella mulher, se aproximar de Lis com um carinho e amor tão imensos que chegou a perder um pouco o fôlego. Engoliu em seco, quando a viu se agachar e sorrir… Um sorriso, que um dia também fora seu. Que um dia também foi direcionado para ela. Definitivamente Isabella seguira sua vida… Ela e o primo deviam ser muito mais felizes do que elas duas juntas jamais foram na rápida e turbulenta relação secreta que tiveram. Era visível que o que tanto desejara, enfim se realizara. Isabella era feliz, era visível e quase palpável. E isso era óbvio pela forma como beijava a bochecha e cabelos da filha, do seu tom de voz ao acalmá-la e transmitir confiança. Antes que pensasse demais, pegou a câmera e registrou uma última foto. Sabia que era uma forma de materializar aquele breve momento. Lembranças, boas lembranças.
Antes que mãe e filha percebessem, ela saiu sem ser notada, em direção ao estúdio improvisado. Em breve seu próximo modelo chegaria e ela ainda precisava organizar algumas coisas, mas foi somente no fim do dia, quase a noitinha, que percebeu o sorriso quase tatuado em seu rosto, sorriso que nascera em um almoço despretensioso, mas que durara por todo o dia.
***
Micaela ouvia a história de Gabriel com entusiasmo, ele era tão engraçado que várias pessoas das mesas ao lado, no bar que estavam, olhavam feio para ela quando gargalhava espontaneamente.
- Juro por deuses, eu tenho uma sorte… - Ele olhou para o céu, como que questionando sua existência e Micaela admirou-o pensando como aquele homem estava sozinho? Bonito e gente boa!
- Gabs, você não terminou de contar da menina que conheceu em Londres…
De repente ele ficou sério, sempre que abordavam esse tipo de assunto ele ficava assim. Então aproximou sua cadeira da dela e perguntou baixo, mas atento em seu rosto:
- Você me acha… feio? - Ele umedeceu os lábios, ansioso por sua resposta.
- Tá louco? Te acho um gato! - Ela olhou no fundo dos seus olhos incrédula com a pergunta.
- Não diz isso só por que é minha amiga? - Ele parecia muito inseguro.
- Gabriel, você é um GOSTOSO! Lindo pra caralh*! Eu com certeza daria em cima de você, se eu fosse hétero. - Ela riu achando um absurdo ter que reafirmar algo tão óbvio para ele.
- Só se você fosse hétero? - Ele fez uma micro careta.
- Pô Gabs… Já conversamos sobre isso. - Ela se recostou na cadeira sem graça, tentando uma distância segura, ele se encurvava em sua direção buscando diminuir o espaço entre eles, ainda sem perceber que a distância era sentimental e não física.
- Eu gosto de você. – Ele confessou em um sopro.
Ela congelou tensa quando os dedos dele que antes estavam sobre a mesa, tocaram seu rosto e depois pescoço.
- Eu também gosto de você… Mas não assim. - Ela murmurou baixo, os olhos exprimindo um pedido de desculpas em silêncio, não queria sentir pena, mas era quase impossível não ter sentimentos conflitantes com ele.
- Se… Eu não tivesse feito a transição, você acha que a gente poderia…
- Não! E você sabe, eu sempre senti que você não estava sendo você e… Agora você é! Você merece alguém que também veja isso e goste de você exatamente assim. Eu te adoro, Gabs, mas eu não sinto esse tipo de carinho por você…
- E só por causa “disso” você não fica comigo? - Ele não percebia o quanto estava se diminuindo ao insistir daquela forma.
- Não é isso… - Ela acariciou sua mão, que ainda pousava em seu pescoço, tentando soar o mais veemente possível, sem magoá-lo. - Eu só não acho certo ficar com alguém sem me sentir atraída…
- Dá uma chance de descobrir se você se atrai ou não…
Antes que pudesse reagir ele se aproximou preenchendo sua boca. Num lapso de carinho ela retribuiu o beijo, deixando que ele a puxasse pelo pescoço, aprofundando o contato. Por segundos ela tentou focar no cara perfeito que ela tanto admirava, mas sentia que beijava um… amigo. Era gostoso, mas sem química nenhuma. Não conseguiria nomear, era quase… mecânico demais, totalmente sem emoção, pelo menos da parte dela. Finalizou o beijo antes que ele entendesse tudo errado, era o primeiro beijo entre eles, mas não o primeiro a ser tentado. Micaela se permitiu desta vez e ela não saberia dizer o porquê, mas não queria magoá-lo, muito menos perder sua amizade. Pegou seu rosto com as duas mãos e deu-lhe um último selinho, finalizando:
- Você é um cara foda… e eu torço para que encontre alguém que te dê os mais maravilhosos beijos… - Ela sorriu, causando uma euforia imensurável dentro do outro.
- VOCÊ tem um beijo maravilhoso e pode ser essa pessoa.
- E VOCÊ é um galanteador sem limites! - Ela gargalhou empurrando-o para longe. E esse movimento fez com que percebesse o casal de uma mesa do mezanino, que ela então reconheceu de imediato.
- Fernando? - Ela franziu o cenho intrigada por segundos e depois furiosa. O primo beijava as mãos de uma loira… E que loira! Ele olhava para a mulher como se ela fosse a única presente no local, na cara dura. Pensou imediatamente em Isabella e Lis e aquilo engatilhou algo dentro dela, incontrolável.
- Quem? - Gabriel acompanhou seu olhar, curioso.
- É um canalha mesmo! - Ela engoliu o restante da cerveja já quente e fez uma careta. - Me dá licença, Gabs… Volto já!
Levantou em um só movimento, alcançou as escadas do local e subiu de dois em dois degraus, a tempo de ver um beijo mega romântico, trocado pelo casalzinho. Desviou de algumas mesas e sem pensar no que estava fazendo bateu a mão na mesa “pedindo licença”, nada delicada.
- Você não tem um pingo de vergonha que reste nessa tua cara, não é? - Se dirigiu a ele, ignorando completamente a bela mulher elegante que o acompanhava.
- Mica? - Seu susto foi tão grande que ele afastou a cadeira da mesa, num movimento brusco, chamando atenção ao redor.
- Uma vez traidor, sempre traidor!
- Oi? - Ele fez um gesto com as mãos, totalmente confuso com a abordagem.
- É ela, amor? - A voz da mulher atrás da morena soou com uma certeza absoluta, a pergunta não podia ser mais retórica, mas totalmente compreendida da forma errada pela morena.
- Não, eu não sou a mulher dele não… Mas ele já me ferrou também, cuidado viu? Isso aí não vale a tampa dessa garrafa. - Pegou o recipiente ainda com bebida pela metade e jogou todo o conteúdo da cerveja que eles tomavam, no colo do primo que imóvel estava, e imóvel permaneceu.
Um garçom se aproximou, prevendo que aquilo sairia do controle e advertiu que eles resolvessem problemas pessoais do lado de fora do estabelecimento, Micaela ignorou-o completamente.
- Tua filha sabe que você faz isso?
- Mica, você não…
- Você tem uma criança maravilhosa que te ama loucamente, cara… - Ela balançava a cabeça, numa decepção crescente que a engolia sem permitir que enxergasse outra coisa. - Você é muito filho da puta!!!
- Micaela, tá tudo bem? - Gabriel, atraído pelas vozes alteradas, vinha ao encontro da amiga, preocupadíssimo.
- Fica o aviso! - Ela olhou na direção de Verônica. Mas voltou-se para ele ainda insatisfeita. - Você é podre!
Saiu sem olhar para trás, com Gabriel em seu encalço, pagaram a conta e por sorte estavam de táxi, pois ambos haviam bebido e seu nervosismo a deixara muito alterada. Desceram na porta do condomínio de Micaela e ela virou-se para ele, ainda um pouco nervosa, mas arrependida te ter feito ele presenciar a cena, não pelo flagra em si, aliás queria era poder ter socado a cara daquele crápula.
- Desculpa… Ter estragado nosso rolê. - Ela lamentou sincera.
- Ei ei… Ele puxou-a para um abraço e beijou o topo da sua cabeça. - Vai pra casa, descansa… Amanhã eu te ligo e conversamos melhor, não pensa nisso agora, ok?! - Ele tentara conversar com ela no carro sobre o ocorrido, mas ela estava quase muda, com o rosto virado para a janela e o olhar perdido nas ruas, quase todo o percurso.
Ela anuiu à sua sugestão ainda dentro do abraço, suspirando. Precisava mesmo dormir, mas mal sabia que isso demoraria ainda algumas horas para acontecer.
Acordou com o despertador do celular e resmungou pegando o aparelho e desligando o alarme, visualizou a tela e… Quase meio dia, sorte que era sábado. O coitado do despertador devia estar “berrando” há horas.
Gem*u sentando-se na cama e reparando que não havia nem tomado banho, estava um lixo. Arrancou as roupas à caminho do banheiro e gem*u novamente com o jato delicioso de água que a atingiu nas costas e na cabeça. Tomou um longo banho, vestiu um pijama leve de ficar em casa e depois foi para a cozinha fazer um café, estava precisando, foi uma longa noite de insônia regada a todo estoque de bebida alcoólica que ela tinha no apartamento, nada saudável ou maduro de sua parte, lidar daquela forma com o que sentira ao flagrar Fernando e sua amante. Bem família clichê tradicional brasileira mesmo, pensou amarga. Papaizão, mamãe recatada, filhinha inocente e amante saciada. Arrgh, ela fez uma careta de nojo daquela hipocrisia.
Seu celular tocou no quarto e ela correu para atender, um número desconhecido apareceu na tela e ela estranhando apenas desligou ignorando completamente. Telemarketing de sábado não dá, vamos ter bom senso, ela pensou.
O interfone tocou enquanto ela estava coando o líquido preto que salvaria sua cabeça de uma enxaqueca por ter dormido pouco e muito tarde. Atendeu com um resmungo, visivelmente mal humorada.
- Quem??? - Seu coração deu um leve pulo com o nome que o porteiro anunciava do outro lado da linha. - Ahh… Sim, quer dizer… Não, não tem problema. Pode mandar subir, por favor. - Agradeceu quase no automático e desligou boquiaberta ainda sem entender ou acreditar que aquilo era real, sua cabeça girava. Ela precisava tomar um café. Apertou os olhos e as têmporas, tomando um pouco do líquido direto da garrafa de vidro da cafeteira elétrica. Tinha uma outra cafeteira de cápsulas, mas ela não gostava muito, preferia o pó no coador mesmo. Fez uma careta. Estava sem açúcar. A campainha soou. Deu uma breve olhada ao redor, verificando se não havia nada absurdo demais antes de abrir a porta para uma Isabella carrancuda e uma Lis saltitante.
- Tia Miiiiii! - A menina agarrou-a pela cintura e ela não percebeu os olhos de Isabella a medindo de cima a baixo. Estava focada no tanto que achara fofo o “Tia Mi”.
- Você é uma sem noção total, sabia? – A mãe da garota mal esperou a filha se soltar e logo entrou sem ser convidada, os braços se cruzaram de uma forma tão veemente que pareceu que ela estava se amarrando com eles. Micaela estava boquiaberta diante àquela aparição repentina.
- Boa tarde pra você também! - A morena devolveu com um humor mais ácido que seu estômago vazio naquele momento que tentava em vão digerir o café puro.
- Você… Você tem ideia que ofendeu a mulher MAIS DOCE e gentil desse planeta?
Só então entendeu ao que ela se referia e ficou quase chocada com a forma com que ela defendia “a outra”… Descobrir que Isabella pudesse estar a par das safadezas do namorado/marido, enfim… Causava um mal estar de dar náuseas na morena. Não esperava isso dela, a não ser que fossem um trisal, isso sim seria uma surpresa, mas até aí tudo bem, ela entenderia, conviveu com uma pessoa poligâmica. Mas a fisioterapeuta não parecia ser o tipo não monogâmica, aquilo parecia mais algo velado, do tipo “eu sei o que ele faz, mas finjo que não sei de nada”.
Não era da sua conta, ok… Mas passar a imagem de casal perfeito, sendo que na verdade era tudo fachada, não conseguia imaginar a Isabella que conhecera, se submetendo a isso. Bom, mas como dizem, as pessoas mudam, o mundo gira e ela talvez não conhecesse “aquela” Isabella atual.
- Espero que não esteja falando da amante do TEU macho. - Jogou um verde de forma bem grosseira, mostrando que se Isabella queria “barraco”, ela teria.
Ok, aquilo estava atingindo níveis baixos. Isabella suspirou engolindo a vontade de mandar ela pra… Olhou para a filha que assistia a tudo atenta e calada.
- Filha, faz um favor pra mamãe… - Deu o celular para ela. - Liga pro papai, pede pra ele a receita daquela maionese que a tia Vê faz, sabe? Aí você anota tudinho nesse papel, ok?! - E entregou o envelope rasgado de um boleto qualquer que achou na bolsa. - Você tem uma caneta? - Perguntou para a dona da casa, quase rosnando com uma expressão que continha uma raiva reprimida.
Micaela também cruzou os braços e calmamente com ar de desprezo apontou um porta canetas em cima de uma escrivaninha de madeira que com certeza valia mais que muitos eletrodomésticos do micro “apê” de Isabella.
- Mas mamãe, eu ainda sou ruim pra escrever as palavras… - A menina murmurou um tanto insegura segurando a caneta que a mãe lhe dava.
- Pode desenhar!
Empurrou a filha até o sofá da sala que estavam, bem a vontade e rumou em direção para o lugar que ela supôs ser a cozinha e felizmente estava certa, esperou pela morena que assistia a tudo quase rindo sem achar a menor graça, naquela audácia toda.
- Eu posso saber que diabos você aparece na minha casa…
- Olha aqui, me respeita! - Isabella interrompeu-a se aproximando, quase encostando o nariz com nariz. Possessa. - Se eu souber… Que você anda de palhaçada com MEUS amigos, eu juro pra você que acabo com…
- Ah, agora amante tem novo nome? Desculpa, mas eu não sabia que você era “amiguinha” dela também. Vocês fazem só a três ou tem mais gente?
- Cala sua boca! Você não sabe de nada! Não conhece nossa vida, mal conhece as pessoas da SUA família! - Isabella falou baixo entre dentes, se controlava para não perder a razão, só a atitude de vir até ali fora repensada mil vezes antes, não queria se arrepender caso fizesse algo guiada pela raiva.
- Conheço o suficiente para saber que quero é distância deles! - A morena rosnou de volta também nervosa, mas tentando manter a altura da voz baixa para não atrair a criança que não merecia presenciar aquilo.
- E você teve… Você TEVE essa distância! - Isabella abriu os braços sorrindo sarcástica. - Você teve TODO o espaço do mundo, queridinha! Não sei por que decidiu encurtar, do nada.
- Não seja leviana!!! Você sabe MUITO bem que não foi escolha minha, é trabalho…
- Leviana? Eu? RÁ RÁ RÁ - A fisioterapeuta gargalhou irônica o suficiente para quase tirar a morena do sério. - A pessoa atrapalha o encontro inocente de um casal que SE AMA, por puro julgamento infundado… E diz que EU é que sou leviana, ah me poupe! - Ela quase cuspiu as últimas palavras.
- Encontro inocente? – A morena andou de um lado para o outro, incrédula demais tentando entender o que se passava com a outra. - Você NÃO estava lá, Isabella! Eles estavam se beijando!!! Tá? Desculpe a sinceridade, mas inocência era a última coisa que tinha ali naquele encontro. - Quase gritou um “acorda você está sendo corneada e está defendendo eles”. - Você não estava lá pra ver, mas EU sei o que eu vi.
- Estava “lá”, mas não esteve aqui esse tempo todo, não é?! Então não sabe de nada, tá confundindo tudo!!! Ouviu o que eu falei? CASAL? QUE SE AMA!!!
- Então, tá tudo bem pra você? - A morena estava furiosa por ter se estressado à toa, afinal se ela não se importava, por que Micaela deveria?
- Meu Deus… - Isabella riu incrédula, colocou os cabelos atrás das orelhas, e explicou como se ensinasse uma criança recém saída das fraldas, de forma bem didática. - Presta atenção, Micaela… Eles… Fernando e Verônica, são UM CASAL! Deu para entender?
- E você?
- Eu o quê??? Eu, O QUÊ? - Ela perguntou quase em desespero, não entendendo sua fixação por Fernando e Verônica e por que de alguma forma para ela Isabella fazia parte disso, como se Fernando devesse alguma satisfação para ela só por que era o pai da Lis?
- Ué, você e ele… Ele é pai da… - O café então pareceu dar um soco em seu sentido chamado “noção”, as coisas iam se clareando com uma velocidade tão rápida que ela precisou puxar a cadeira da mesa da cozinha e se sentar. O constrangimento tingindo sua pele, seu âmago. Entendera tudo errado, aliás de uma forma absurdamente retrógrada e ingênua. - Ok, me dá um segundo…
A morena segurou a cabeça com as mãos e Isabella cruzou os braços pacientemente, o sangue tentando recuperar o compasso, acalmar os ânimos. Respirou fundo aguardando.
- Uau… Ok, eu sou a pessoa mais imbecil desse mundo. - Ela batia a mão na testa diversas vezes. - Me… perdoa? - Olhou em seus olhos, ciente de todo o circo que se formara, por uma culpa totalmente SUA.
- Não é a mim que você deve desculpas. - Isabella soltou sarcasticamente, tão consciente quanto ela de sua estúpida suposição e reação.
- Nossa, Isa… Eu… Eu… - Ela gaguejou diversas vezes, ciente e envergonhada. - Eu não sei o que… é que eu… Só pensei que… Eu lembrei da Lis e… A forma como ela adora o pai e você estava tão feliz quando ele buscou ela na clínica… - Sabia que tentava justificar o injustificável, pois os reais motivos da sua ingênua suposição era nada mais que o ego machucado de anos atrás.
Isabella franziu o cenho estranhando a forma contida com que ela falava. Raramente a vira tão desconcertada assim desde que a conhecera na adolescência. Tudo bem, ela estava errada, mas admitir daquela forma deixava a fisioterapeuta sem saber como reagir.
- Eu nem pensei… Juro, eu não…
- Tá, não precisa ficar assim também… - Ela se aproximou colocando a mão em seu ombro, dando tapinhas de consolação, incomodada com sua reação. Quer um pouco d’água? - Ofereceu e mal aguardou a resposta encheu o primeiro copo que achou, no filtro acima da pia.
- … Sim, obrigada. - A morena agradeceu o copo que ela lhe estendia e só depois de esvaziar em um só gole percebeu o quanto estava com sede. A ressaca moral derrubando com força todas as hipóteses que formulara durante a madrugada.
- Você precisa falar com ele… Pedir desculpas pelo menos.
- Isso não! - Respondeu sem pestanejar.
- Oi? - Isabella a encarou descrente.
- Eu errei em julgar “desta” vez? Sim… Mas ele me traiu antes e você sabe muito bem. - Os olhos negros a penetraram e ela engoliu em seco desviando os azuis.
- Nós… - A fisioterapeuta se calou, tomando coragem. - Nós não estávamos mais juntas, não tem motivos para você odiá-lo assim.
- Não estávamos, mas eu ainda te amava… - Aquilo foi como um estalo na mente de Isabella. Não sabia se eram pelas palavras que loucamente desejara ouvir quando jovem, e agora estavam facilmente saindo pela primeira vez da boca dela, quase dez anos depois. Ou se pelo fato dela admitir veladamente que ainda amava Isabella quando retornou em sua formatura… E por que não compartilhou isso com ela na época? Por que tocou a vida com a “amiga” (Júlia) que inclusive também veio para Ribeirão Preto junto com ela na ocasião. Lembrou que elas ficaram no mesmo quarto, não tinha desculpas, elas estavam juntas, então não fazia sentido. Isso significava o quê? Que Micaela a amava, mas não queria ficar com ela e tampouco que outra pessoa ficasse? Muitas informações e conjecturas, e ela não conseguia raciocinar de tanta… fome. Ela ainda não havia almoçado, estava quase desmaiando de tão faminta. Lis provavelmente leu seus pensamentos por que apareceu de supetão naquele exato instante.
- Tô com fome!
Ambas se olharam ainda com muitas dúvidas e rancores, mas cientes de que aquele assunto ficaria pendente, mais uma vez. A criança precisava ser alimentada.
- Vou preparar algo pra gente comer… - A morena se levantou, mas Isabella segurou-a pelo braço interrompendo sua ação.
- Não precisa se incomodar, só passamos rápido… vamos almoçar no shopping…
- Méquidonaaaaldiiiiss!!!! Por favor mamãe, eu quero batata frita! - A pequena agarrou a cintura da mãe.
- Lis, a gente combinou de almoçar no restaurante de “comida”… - A mãe lembrou-a sobre ela não ter colaborado em comer melhor durante a semana, então não ganharia lanches e guloseimas no final semana. - Sem recompensa essa semana, lembra?
Micaela não queria admitir, mas gostou de ouvir que ela aderira a tática sugerida pela morena naquele almoço das panquequitas que já parecia distante.
- Ah, mamãe… Por favor. - A pequena de olhos de jabuticaba fez um beicinho, lançando um olhar que desmancharia até os corações mais peludos.
- Ah, Lis… - Isabella fechou os olhos sabendo que havia perdido mais uma batalha naquela semana, quando achava que estavam avançando, sentia que voltava a estaca zero. - Eu compro batata e frito a noite, pode ser? - Tentou negociar, mesmo sabendo que agia errado, mas preferia que ela comesse as batatinhas feitas por ela do que as industrializadas.
- Mas e agora? A gente não pode comprar pra fritar agora?
- Eu tenho algumas batatas aqui… Eu acho. - A morena abriu a geladeira e pegou as últimas duas batatas, uma estava até meio murcha, os olhos de Lis brilharam.
- Não precisa… - Isabella negou tentando soar o mais educada possível.
- Não tem problema nenhum, eu frito rapidinho… E na air fryer, assim fica mais sequinha.
- Siiimm, por favor mamãe?!
A morena segurou o riso quando a menor juntou as mãozinhas em uma súplica silenciosa, realmente ela puxara toda a dramaticidade do pai.
- Acho melhor não…
- Por favor, fiquem. - A morena pediu com os olhos presos nela, tentando transmitir o quanto estava incomodada com a situação, arrependida pelo ato e por ter constrangido ela de alguma forma, queria se redimir.
- Tá bom…
Isabella concordou um tanto receosa e mal teve tempo de segurar a criança que comemorou como se tivesse ganho na loteria, depois correu abrindo a geladeira e enfiando a cabeça dentro perguntou:
- Tem catch*p?
- Lisbela!!! O que eu já te falei sobre abrir geladeira na da casa dos outros? - Isabella repreendeu realmente brava.
Ela fechou a porta do refrigerador e olhou feio para Lis que murchava o entusiasmo com uma careta que dizia “ops”. Micaela se incomodou sem perceber, com o que ela disse, então soltou de supetão:
- Eu não sou “outros”. Querendo ou não, no final das contas somos parentes.
A voz rouca e os olhos negros transmitiam um sentimento que derrubou Isabella, a fisioterapeuta gaguejou sem saber o que dizer, mas antes que conseguisse dizer algo a morena desviou o olhar e sugeriu:
- Lis, você já comeu a pizza das fadas? - Ignorou Isabella e focou na pequena que nesse momento abriu os olhos evidenciando ainda mais as íris negras que a fitavam. Eram realmente idênticas às suas.
- As fadas que fazem?? - Ela estendeu a mão para Micaela que já a puxava em direção à geladeira.
- Na verdade elas que plantam e colhem os ingredientes, daí nós que fazemos… E você pode ajudar. Quer?
- SIM!!!
Isabella foi obrigada a assistir, sentada na banqueta da cozinha planejada, sua filha e Micaela fazerem uma pizza com restos da geladeira. O que acalmava a fisioterapeuta era que pelo menos os ingredientes eram realmente mais saudáveis do que a pizza que ela imaginara inicialmente. Uma massa integral de frigideira e até alguns legumes picadinhos, com peito de peru e mussarela. A morena ia picando e explicando onde cada fada havia plantado e colhido o quê e de que forma. Era fofo. Ela não podia negar. Havia oferecido ajuda por pelo menos três vezes e em todas elas fora dispensada com nãos enfáticos. De ambas.
Enquanto a batata era frita em uma fritadeira elétrica, Micaela montou a pequena mesa que ficava no centro da cozinha, com talheres, copos e pratos. Ofereceu um suco para Lis, porém ela tomaria apenas quando terminasse a pizza e por um milagre que Isabella não estava entendendo, a menina concordara. A porção de batata frita era minúscula, e a morena fez com que o prato principal fosse a “pizza das fadas”, a batatinha sendo só um complemento.
- Tia Mi… Olha essa folhinha, é de qual fada? - Um manjericão perdido sobre o piso, foi pego pelos dedinhos sujos de molho de tomate.
- Fada dos temperos! - Isabella respondeu pela morena segurando o riso. - A casa dessa fada tem um cheiro delicioso, dizem que quando você entra, sente vontade de comer até as paredes! - Fez uma expressão sapeca para a morena, entrando na onda mística daquele almoço inimaginável.
Micaela ouvia sua pequena narração com a colher de molho suspensa no ar, prestes a provar o molho, mas atenta a “estorinha” tanto quanto Lis. A miniatura de Micaela, encantada com a história que a mãe contou guardou a pequeníssima folha no bolso do macacão que usava, depois virou-se para morena;
- Vou plantar no vaso da mamãe, pra fada ir colher lá em casa depois.
Ambas sorriram e concordaram com a cabeça, incentivando a fantasia inocente da criança. Almoçaram quase em silêncio, que era quebrado apenas pelo mastigar exagerado de Lis, assim como comentários aleatórios ou mais perguntas sobre fadas. Isabella limpou a boca com o guardanapo emitindo, sem perceber, um gemido satisfeito.
- Estava uma delícia. - Quase tímida, precisou justificar sua reação.
- Gostoso… Nhom Nhom! - Lis corroborou mastigando de boca aberta. Mal sabia a menor que havia comido cenoura e ervilhas, presentes no molho de tomate, tão picadinhas que ela nem notara. Além delas Micaela também colocara abobrinha ralada, para dar mais volume ao recheio. Todos ingredientes graças à Dona Ágatha e sua reprimenda sobre ela não ter comida que prestasse na casa.
- Filha… Boquinha fechada para mastigar, lembra? O que você come, tem que ser um segredo.
Imediatamente a menina fechou a boca, mostrando uma mastigação de boca fechada e Micaela riu da sua expressão cômica, assim como da ambiguidade da última frase, o que felizmente passou despercebido pela fisioterapeuta.
- Bom, acho que já vamos… Muito obrigada pelo almoço, estava mesmo muito bom. - Isabella agradeceu sinceramente enquanto se levantava e levava os pratos para pia na intenção de lavar.
Micaela também se levantou retirando os pratos das suas mãos, o ato paralisou a fisioterapeuta por alguns instantes que olhou diretamente para ela quando ouviu:
- Eu juro que não quis ofender a… Sua amiga. - Micaela cortou ainda tentando se justificar. Colocou os pratos dentro da pia numa mensagem clara de que ela não precisava se preocupar com a louça.
- Eu entendo que não quis ofender, mas eles ficaram tristes, e eu também. Eles não merecem isso, principalmente o… - E olhou de lado para Lis, se referindo ao pai da menina.
- Eu odiei o fato dele estar… Te magoando de alguma forma. - Sua voz era profunda, mas ao mesmo tempo conseguia transmitir um afeto e carinho, que há muito tempo Isabella não recebia por parte dela. Foi automático se sentir bem com o jeito dela olhar em seus olhos.
- Ele nunca me magoou, Mica. - Estavam próximas o suficiente para que pegasse em sua mão que estava apoiada sobre a pia. Ela só queria mostrar, o que a morena parecia nunca ter enxergado. - Ele é e sempre foi… Meu melhor amigo.
Micaela fechou os olhos, absorvendo aquela informação, assim como a sensação de ter sua mão presa a dela. Respirou fundo antes de falar, mas antes que o fizesse ouviu a voz miúda ao seu lado.
- Mamãe, não quero mais batatinha. - Isabella quase arregalou os olhos com aquela informação milagrosa. Lis dispensando batata frita por que comeu demais, esse dia ficaria para história, literalmente por vários motivos. Também não deixou de reparar que ela tomara só metade do suco, mesmo sendo o seu favorito, de uva. Graças a barriga bem alimentada, ela tomou o suficiente apenas para degustar, sem exageros.
A morena levou-as até a porta, com um sentimento no peito, indefinido. De repente algo lhe ocorreu e ela não pode deixar de perguntar.
- Espera… Como você descobriu meu endereço? - Ela cruzou os braços curiosa abrindo um sorriso.
- Foi bem fácil na verdade, liguei para Diana e peguei o número do seu assistente…
Micaela abriu a boca incrédula por aquele moleque passar uma informação tão confidencial como essa para qualquer pessoa, e ele só conhecia seu endereço pois uma ou duas vezes precisou que ele buscasse algo que ela esquecera em casa. Mas Isabella não era qualquer pessoa, então… Ela não se importou, obviamente.
- Tia Mi… eu, mamãe, papai, tio Ulisses, tia Cami e tia Vê vamos no clube amanhã, você não pode ir com a gente também? - A pequena soltou de repente, enquanto enumerava cada participante daquele “rolê” aquático, totalmente alheia ao que a mãe sentiria com aquele convite.
- Lis! - Isabella tocou o ombro da filha querendo na verdade tapar-lhe a boca, a menor tinha tanto o dom para lhe colocar em situações constrangedoras, que ela desacreditava. - A… Tia Mi, pode já ter outro compromisso marcado, filha.
A fisioterapeuta digeriu o “Tia Mi” e se perguntou mentalmente em que momento elas tinham passado de duas pessoas que não trocavam uma única palavra, para um trio que almoçava “pizza de fada” e cogitava a possibilidade de irem ao clube…
- Você é uma figura Lis, “pirralhinha” igual sua mãe um dia foi. - Micaela respondeu agachando-se e despenteando os cabelos negros da menina. - Mas acho que vou precisar declinar ao seu pedido, apesar de estar agradecida… Talvez a mamãe prefira que eu não vá.
- Eu não disse isso. - O rosto de Isabella ficou vermelho e ela tentou contornar a situação. - É que a Lis, às vezes se esquece… - Apertou o ombrinho da pequena. - Mesmo a mamãe sempre tentando explicar… Que adultos possuem compromissos.
- Mas você disse que eu podia chamar uma amiga… Eu chamei a Tia Mi e perguntei antes se ela podia. - A menina olhou para mãe, levantando as mãos numa expressão cômica e deixando a mulher sem saber como contra argumentar.
- Eu disse uma “amiguinha” da sua idade, filha! A “Tia Mi”, tem mais o que fazer, não é tia Mi? - Olhou para Micaela pedindo ajuda com os olhos. A morena sorriu de lado se decidindo, para total desespero da mãe e alegria da filha.
- Se bem que estou livre amanhã e vou adorar ir ao clube com você sim, Lis! Posso levar mais um amigo também? - Ela sorria para menina, ignorando a aflição transparente no rosto vermelho da fisioterapeuta, não pensou sobre o real motivo de estar aceitando o convite, foi instintivo e realmente só pensou em agradar a pequena e… a si mesma, pois gostava da companhia dela.
- Pode mamãe? - Lis se dirigiu para a mãe.
- Lis… Eu… Tudo bem, vai. — Ela se rendeu dando de ombros, querendo ir embora o mais rápido possível para a filha não soltar mais “pérolas” ou fazer mais convites desastrosos.
- Me empresta seu celular?! - A morena estendeu a mão na direção de Isabella.
A outra franziu o cenho confusa, mas acabou estendendo hesitante o aparelho. A morena pediu que ela o desbloqueasse e depois digitou algo e em poucos segundos um som se fez ouvir pelo ambiente. Ela desligou e devolveu o aparelho para ela.
- Pronto, agora você tem meu número e pode me passar a localização e horário. - Depois virou-se para a criança. - A gente se encontra amanhã, pirralhinha! Obrigada pela companhia no almoço, eu adorei.
Isabella apenas revirou os olhos, sem confidenciar que na verdade Tiago já havia lhe passado seu número também e ela inclusive ligara, mas fora ignorada. Também agradeceu pelo almoço e instruiu a filha que também agradecesse a morena pela pizza e batatinha.
Entraram no carro com Lis tagarelando sem parar sobre a programação do dia seguinte, o pensamento da fisioterapeuta? Ainda preso na imagem da morena vestindo aquele pedaço de roupa que delineava seu corpo e que ela provavelmente havia usado para dormir, despertando sensações e reações que Isabella reprimia com afinco, como cães famintos frente à um banquete.
Fim do capítulo
Ois, mais um cap gente s2 Gostei de escrever esse, achei fofinho. Bjos e até amanhã!
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Marta Andrade dos Santos
Em: 06/05/2023
Esse clube prometekkkkkkk.
Bibiset
Em: 06/05/2023
Autora da história
Piscininha amor kkk ^_^
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Bibiset Em: 16/05/2023 Autora da história
Noooss, se os pais das duas estivessem ali… Ia dar desastre mesmo rs