Nunca Te Amarei -- Capítulo 18

 

Luciana relutou alguns segundos, mas quando sentiu os lábios dela no pescoço rendeu-se ao desejo, um desejo mais forte do que o amor-próprio.

-- Quero amá-la, muito, mas não no chão duro de uma cabana.

-- Não! -- respondeu Luciana, voltando a si e levando as mãos ao rosto -- Por favor Kristen, me esqueça. . . -- ela empurrou a loira, desvencilhando-se das mãos dela. A imagem de Arthur não lhe saía da cabeça, como uma sombra fria do passado. Kristen era a filha dele, irmã do seu filho -- Desculpa, mas não posso!

-- Desculpa? É assim que você resolve as coisas?

Luciana se afastou, indo em direção ao quarto. Kristen a seguiu, detendo-a e puxando-a contra si.

-- Luciana -- ela murmurou -- Não te entendo, somos livres e donas de nossos próprios desejos. Por que não nos divertimos?

-- Não! -- ela sussurrou quando a boca de Kristen tocou a dela mais uma vez. Mesmo sentindo a presença daquele corpo junto ao seu, não conseguia aceitar aquela situação -- A melhor coisa para nós é que você saia daqui.

--Tem certeza que é isso o que quer? -- perguntou-lhe irritada.

-- Absoluta -- ela respondeu com os braços cruzados sobre o peito. 

Os olhos verdes de Kristen tinham uma expressão que era a um só tempo perplexa e furiosa.

-- Ah, é? Então, espera! -- ela saiu do quarto e retornou um minuto depois segurando a barata pelas anteninhas -- Veja isso.

-- Ahhhhh... -- Apavorada, Luciana escondeu-se entre o guarda roupa e a parede -- Sua mentirosa, você disse que ela estava morta.

-- Nada que um cursinho de primeiros socorros não resolva. Respiração boca a boca, massagem cardíaca... Daqui a pouco ela voltará a voar.

-- Sua, sua, idiota, insensivel, despresivel.

Kristen largou a barata sobre a cama.

-- Divirtam-se -- ela disse, com o sorriso mais maldoso do mundo.

Luciana desesperou-se ao ver ela saindo.

-- Kristen, volta aqui! Eu te odeio!

Os olhos verdes brilharam perversamente e ela nem olhou para trás. Quando entrou em sua cabana foi recebida com festa por Eduardo.

-- Gol do Ful, Kiss!

-- Sério? Tá quanto?

-- Quatro a um -- respondeu Letícia -- E já acabou.

-- Quatro? -- ela foi escorregando pela parede até sentar no chão -- Eu não acredito! Não assisti o Flu ser campeão, eu vou morrer. Estou devastada, destruída.

-- Eu vi, Kiss -- respondeu Eduardo, todo empolgado.

Ansiosa para saber o que havia acontecido, Leticia perguntou, nervosa; -- E então? Como foi? O que aconteceu? Fala logo, tinha alguém na cabana da Lú?

Kristen se levantou do chão de mau humor.

-- Não tinha ninguém, fui lá de bobeira e ainda perdi o jogo do flu.

Quando Letícia ouviu o grito, vindo novamente do chalé de Luciana, deu um passo para trás. No mesmo instante, Kristen, desceu os degraus de pedra e ficou parada aos pés da escada.

-- Acho que ela voltou a voar.

-- Quem voltou a voar? O que está acontecendo, Kris? -- Leticia perguntou, pois os olhos verdes da moça brilhavam intensamente.

Kristen balançou a cabeça veementemente. 

-- Nada, nada. A covarde da sua amiga está assistindo o filme Joe e as baratas e fica gritando igual louca. Deixa ela lá, vamos entrar.

Letícia deu uma última olhada na direção da cabana, depois entrou balançando a cabeça.

Kristen colocou Eduardo na cama e, em seguida, foi para o quarto, mas estava agitada demais para dormir. Deu uma desculpa qualquer para Letícia, foi até a varanda da cabana com um copo de suco e apoiou-se no parapeito aproveitando o ar noturno. Depois da adrenalina que viveu nas últimas horas, agora queria relaxar. Lembrou-se com prazer da sua vitória na bateria de sábado e mais ainda da vitória sobre Luciana. Ela devia estar furiosa neste momento por ter perdido o controle da situação. Luciana era dominadora e a última palavra sempre tinha que ser a dela. Mas agora, Kristen pensou triunfante, ela descobriu quem manda no pedaço. Ela ergueu seu copo para brindar as estrelas ao se lembrar do rosto vermelho de raiva que ela fez quando viu a barata mexendo as perninhas em cima da cama.

Kristen bebeu os últimos goles do seu suco e voltou para o quarto sentindo dores musculares. E sorriu. Ela se orgulhava de sua forma física, que mantinha praticando surf, mas não era todo dia que um mulherão como Luciana caia sobre ela. 

O barulho do vento lá fora provocava uma sensação de desassossego. O sono inquieto de Letícia que dormia na enorme cama a desanimou de deitar-se ao seu lado. Ela parecia uma lutadora de luta livre quando dormia. Pegou um travesseiro e uma colcha leve e foi dormir no sofá.

Luciana era uma experiência nova para ela em assunto de mulheres, no entanto, seria divertido ver quanto tempo levaria para conquistá-la. 

Inquieta, Kristen ajeitou pela décima vez o travesseiro e, num gesto de irritação, puxou para cima a colcha. Mas nada que fazia parecia adiantar. Precisava elaborar uma estratégia para alcançar seu objetivo. O que mais a atraía nela era sua imunidade ao seu charme, um desafio que Kristen não resistia. 

 

Sem desconfiar dos planos de Kristen para seu futuro, Luciana acordou cedo na manhã seguinte e levou alguns instantes para se lembrar porque estava dormindo no sofá da sala. Ficou ali deitada pensando nos acontecimentos da noite anterior. Sentia-se tão revoltada que relutou em sair da cama. Mas, como ela não tinha outra opção, sentou-se e olhou para a porta do quarto fechada. Será que a barata ainda estava lá?

-- Eu vou me vingar, juro que vou me vingar! Você não perde por esperar Kristen Donati -- esticou o braço para alcançar o celular e ligar para Jefferson -- Bom dia Jeffe, será que você pode vir até a minha cabana? A minha roupa está no quarto e tem uma barata lá dentro...Tá bom, obrigada!

Vinte minutos mais tarde, ela já estava de cabelo penteado, dentes escovados, rosto lavado e alimentada.

-- É inacreditável que ela tenha feito isso! -- afirmou Jefferson, incrédulo.

-- Pois fez -- ela disse, jogando as sobras de comidas no lixo -- Agora me diz o que eu faço? Como vou conviver com essa peste todos os dias na empresa? -- furiosamente ela caminhava de um lado para outro na sala, como se de alguma forma aquilo tivesse o poder de diminuir a sua raiva. Com os punhos cerrados e a respiração descompassada, continuava andando e esbravejando furiosa. Precisava fazer alguma coisa, fosse o que fosse, para se livrar dela -- Eu não posso sair da empresa, não vou ganhar o que ganho em nenhum outro lugar.

-- O passado -- disse Jefferson, com pesar -- O escuro e terrível passado, vai persegui-la não importa o lugar onde você estiver. Por muito tempo você viverá com as lembranças de Arthur, lembranças de ter sido amante dele e de ter um filho com ele. Somente a verdade será capaz de clarear o seu caminho.

-- Se eu contar a verdade, corro o risco de perder o Dudu para os Donati. 

-- Ninguém vai tirar o Dudu de você, criatura.

Luciana olhou séria para o rapaz.

-- Será? -- ela perguntou, não que precisasse de uma resposta para a pergunta que fizera; por nada arriscaria.

 

Mesmo que ainda sentisse dor, tanto na perna quanto no braço, o desconforto era bem tolerável para permitir que ela disputasse as finais no domingo. Quando Letícia apareceu com a bandeja do café da manhã, ela sorriu. 

-- Bom dia! Porque dormiu no sofá? -- ela perguntou

-- Estava sem sono, então, fiquei assistindo a live de um canal do Fluminense.

-- Como se sente hoje? Preparada para a final?

-- Me sinto muito bem -- Kristen a assegurou -- Espero que o mar colabore -- ela se levantou jogando o cobertor para longe -- Você não vai acordar o Dudu para tomar café?

Levou algum tempo para Letícia assimilar a pergunta.

-- Ah, é mesmo! Vou acordar ele -- ela caminhou até a porta e se virou, rodando nos calcanhares -- Alimente-se bem, quero você com bastante energia para ganhar essa taça -- ela ordenou antes de sair.

Kristen balançou a cabeça, Leticia nem parecia ser mãe. Ela levou a bandeja para a varanda, para aproveitar sua refeição no ar fresco da manhã de Xangri-lá. Ficou feliz ao constatar que o vento soprava da terra para o mar. Recordou-se imediatamente do pai dizendo que o melhor vento para a prática do surf é o terral (da terra para o mar) de preferência leve. Este vento irá garantir que a onda não quebre de forma irregular e que tenha uma parede mais lisa e tubular. O vento maral (do mar para a terra) pode prejudicar a qualidade da onda, principalmente se for forte.

Kristen comeu um pão e tomou o café olhando para a ampla área de lazer à frente das cabanas, através da grade da varanda. 

De repente viu surgir um corpo esbelto de dentro da piscina; era Luciana que atravessava a piscina com uma delicadeza de movimentos que deixou Kristen entorpecida só de olhar. Finalmente ela saiu da piscina e ficou de pé, de braços esticados e rosto voltado para o sol por alguns segundos antes de cobrir seu corpo espetacular numa toalha felpuda. Kristen perguntou-se como ser imune a uma mulher tão gostosa.

Não queria chamar a sua atenção, mas antes que pudesse se mexer, ela se virou e viu Kristen com um sorrisinho idiota nos lábios.

-- Olá! -- ela fez uma reverência para Luciana.

Ruborizada, Luciana entrou em sua cabana e foi direto para o quarto. Pegou uma roupa na mala e foi se lavar no banheiro.

-- Imbecil, safada, irritante, convencida... -- tomou banho, passou hidratante pelo corpo, vestiu a roupa de baixo, depois enfiou uma bermuda jeans e um top preto. Voltou à sala ao mesmo tempo em que Jefferson entrava.

-- Vim buscá-la -- ele disse. 

-- Desculpa, mas não precisava, posso muito bem ir sozinha. 

O rapaz fez um gesto como se as palavras dela não tivessem importância.

-- Hi, tá de ovo virado é?

-- Você não imagina o motivo?

-- A senhorita Kristen Donati -- O desdém no rosto bonito de Jefferson a avisou de que ela passara dos limites ao se referir a chefe.

-- Ela mesma -- disse cruzando os braços. 

-- O que ela fez dessa vez? -- ele olhou para ela, erguendo as sobrancelhas.

Luciana mordeu o lábio, envergonhada e nervosa, e baixou os olhos para Jefferson.

-- Ela estava me espionando enquanto eu tomava banho de piscina.

Jefferson respirou fundo.

-- Só por isso?

Luciana bufou zangada.

-- Como você é puxa-saco! -- ela saiu feito um furacão pela porta afora e ele a seguiu quase correndo -- Vamos logo, vou torcer contra.

-- Eta, urubuzenta. 

Luciana sentou-se na areia, distante alguns metros de onde estavam os amigos, decidida a não permanecer perto de Kristen mais tempo do que o necessário. Depois que voltasse para casa, evitaria ao máximo se encontrar com ela. O que era bom, pois sua presença a perturbava demais.

-- Vamo Kiss! -- Eduardo berrava e dava pulinhos na areia. O som de sua voz se perdia ao vento, mas mesmo assim ele continuava a berrar.

A distância dificultava a visão, mas Luciana não podia afastar os olhos da figura alta e atlética de roupa de borracha, cabelos molhados, distante uns sessenta metros para além da arrebentação. Observava com fascínio enquanto Kristen se agachava na prancha, depois se equilibrava e se erguia. 

Luciana prendeu a respiração quando ela realizou uma manobra arrojada oscilando perigosamente ao deslizar na onda. 

-- Que manobra! -- disse um surfista, eufórico.

Luciana não entendia praticamente nada sobre o esporte, mas pelo entusiasmo da galera na areia, Kristen havia se saído muito bem.

Uma surfista que já havia finalizado suas atividades, parou perto dela. Luciana aproveitou para se informar.

-- Quem está ganhando?

-- Quem está ganhando? Tá de brincadeira! A Donati fez um Cutback perfeito, um Floater maravilhoso, dois Aéreos e um Layback. Não tem como outra surfista ganhar -- a garota respondeu e foi embora desanimada.

Luciana sentiu-se estranhamente feliz. Deve ser por causa do filho, garantiu a si mesma. Eduardo era o fã número um de Kristen e a felicidade dele também era a dela. 

 

Uma grande onda se aproximava e Kristen se preparou, sentindo uma grande euforia. Sabia que havia realizado uma bela prova. Ficou de pé na prancha e foi em diagonal até a praia. Antes que a onda morresse, ela mergulhou e deixou que a correnteza a levasse até a areia quente.

Os amigos foram recebê-la, Eduardo era o mais entusiasmado. A prancha foi jogada de lado e ela rolou com ele na areia.

-- Você gostou -- perguntou ao garoto.

-- Muito Kiss!

-- Isso é o que importa -- ela disse, protegendo os olhos contra o brilho do sol que lhe dera desde a infância aquele bronzeado dourado e inteiro.

-- Quando vai sair o resultado? -- perguntou Rick -- Já estou nervoso.

-- Os juízes já devem estar prestes a oficializar as notas -- apoiando-se em um cotovelo, Kristen olhou à volta e viu Luciana, parada no alto da escada rochosa que dava acesso à praia. Com uma expressão triunfal no rosto, protegido pelo protetor solar, levantou-se, enxugou-se rapidamente e afastou uma mecha de seu cabelo louro do rosto. Pegou a prancha, pôs debaixo do braço e foi andando pela areia em direção a um quiosque, na extremidade da praia. 

-- Vamos tomar um sorvete? -- ela perguntou para Eduardo.

-- Vamos -- Leticia segurou a mão do garoto e subiu os degraus sem pressa. 

Um quiosque de telhas amarelas, típico do local, com metade coberta e metade ao ar livre. As paredes estavam cobertas de telas, uma encostada na outra, com fotos de surfistas famosos que participaram de circuitos anteriores.

Deixou a prancha no lado de fora e atravessou o bar até o balcão.

-- Sorvete para todos!

Luciana surgiu vestida de bermuda jeans e blusinha de alça.

-- Posso me sentar com vocês? --  ela perguntou disfarçando seu constrangimento. 

-- Claro, bobinha -- Jefferson respondeu sorrindo.

-- Olá, como se sente hoje? -- Kristen perguntou, com aquele sorriso cínico que Luciana tanto odiava.

-- Bem melhor.

-- Jefferson me contou que você teve que dormir no sofá -- Kristen falou casualmente -- Precisa tentar se arranjar sozinha -- Kristen a serviu de suco depois puxou uma cadeira para se sentar do seu lado.

Luciana sorriu educadamente. 

-- Eu me viro sozinha.

-- Eu percebi -- ela disse balançando a cabeça molhada. 

-- Não estou entendendo nada dessa conversa estranha de vocês. Vou me servir de novo, bye, bye -- Rick se levantou da mesa onde tinha tomado um milk shake com sorvete de chocolate e foi pegar outro sorvete.

-- Também quero mamãe -- Eduardo correu atrás dele.

Kristen olhou para o garoto e abriu um sorriso que mexeu com Luciana.

-- Gostou de Xangri-lá? Não tinha razão quando disse que a praia é linda?

-- Sim, você tem razão. Pena que você estragou a minha noite.

-- Você não me tratou com consideração. 

-- Como já lhe disse, srta. Donati, não sou uma das suas namoradinhas. Falando em namoradinha, a senhorita já não tem uma? -- Luciana fez um meneio de cabeça na direção de Letícia -- Comporte-se.

-- Não me iludo -- ela disse contrariada -- Sei que as namoradinhas não estão atrás de mim por causa do meu charme. Só querem o meu dinheiro -- Kristen abriu um sorriso sedutor.

Luciana deu de ombros. Ela falava por falar, Kristen sabia muito bem do seu poder sedutor. 

Kristen se levantou.

-- Você ainda vai me chamar para sair -- ela deu um pequeno sorriso -- E eu vou aceitar.   

Luciana amarrou a cara ao vê-la sair do bar, sentindo-se confusa. Kristen Donati era irritante, mesmo quando amigável.

 

Kristen conquistou a primeira etapa do Circuito Nacional de Surfe, disputada na praia Xangri-lá. Ela superou, na decisão, a líder do ranking nacional, a paulista Verônica Terrone.

Na grande decisão, ela dominou a disputa desde o início. Kristen deixou Verônica em situação complicada após pegar um tubo que lhe garantiu 8,83 pontos e depois completou uma onda melhor ainda para somar mais 8,90. Porém, o melhor ficou para o final, quando completou  completou outro tubo incrível para receber um 9,55 e aumentar sua vantagem.

 

Luciana se instalou na varanda, pegou o celular, apoiou o braço na grade e começou a tirar fotos. Na luz forte da manhã, ela fotografou a piscina emoldurada por coqueiros, espirradeiras e tamariscos. E logo ela ficou tão concentrada que perdeu a noção do tempo. Quando olhou no relógio, já era meio dia.

-- Droga, o almoço!

Luciana levou alguns minutos no banheiro se arrumando e, quando voltou para o quarto, viu que Kristen estava na porta esperando por ela.

-- Pensei que havia esquecido do almoço da vitória ou não quisesse a minha companhia. 

Luciana a fitou irritada. Como era difícil evitá-la!

-- Não precisava me buscar.

-- Você está atrasada -- ela puxou-a pela cintura, ignorando o que ela dissera. 

-- Eu sei, eu sei -- Luciana ficou tensa com a proximidade dela. Sentiu-se presa ao seu corpo quente e cheiroso e teve vontade de empurrá-la.

-- Não estou com fome -- ela disse enquanto Kristen descia com ela pelas escadas da cabana.

-- Está sim, só está dizendo que não porque não quer estar próxima de mim.

-- Ai, quanta presunção!

Elas passaram pelas portas de vidro e chegaram ao restaurante no terraço com vista para o mar. 

Luciana olhou ao redor e ergueu as sobrancelhas sem entender. 

-- Onde está todo mundo?

 

 

Fim do capítulo