Nunca Te Amarei -- Capítulo 15

 

A reação de Luciana foi imediata. Ao ver o filho entrando com a foto de Arthur nas mãos, jogou-se sobre Kristen fingindo um desmaio.

Kristen a agarrou e a estreitou com força entre seus braços. Luciana afundou o rosto na curva de seu pescoço e fechou os olhos. O perfume dela atiçava-a, deixando seu corpo fraco e forte, ao mesmo tempo. 

Com Luciana ali, praticamente sentada em seu colo, e sentindo o perfume que os cabelos macios exalavam, Kristen sentiu vontade de tocar aquela pele macia. Com esse pensamento, seus dedos deslizaram levemente pelos seios dela, cobertos pelo tecido fino da blusa social.

-- Aiiiii... menino! -- Jefferson, habilmente arrancou o porta retratos da mão de Eduardo -- Você vai quebrar isso.

-- Papai! -- o garoto pulou tentando alcançar o objeto -- Papai!

-- Que papai, coisa nenhuma, vamos guardar isso no lugar -- Jefferson saiu, arrastando o garoto para fora da cozinha.

Rick e Letícia se entreolharam por um momento, enquanto Luciana continuava esparramada no colo de Kristen. 

Luciana sentia segurança e conforto, mas aquilo não duraria muito. Logo, voltou à realidade, lembrando que a dona daquele colo era Donati. Abriu os olhos de repente e a vergonha a invadiu.

-- Ponha-me no chão -- ela levantou a cabeça para olhá-la. A cor abandonou seu rosto ao se deparar com olhos brilhantes como brasas verdes. 

Ao ouvir as palavras dela, Kristen a colocou no chão, sem gentileza.

-- Por nada, moça -- disse a loira, de cara fechada.

-- Muito obrigada por sua ajuda -- murmurou Luciana, de má vontade, ao mesmo tempo que deu um passo hesitante para trás -- Onde está o Dudu? -- virando-se, esperou, durante alguns intermináveis segundos pela resposta.

-- O Jeff levou ele lá para a sala de jogos. Credo, que criança mexilhona! -- disse Rick, saindo atrás de Jefferson.

-- Eu vou buscar ele para irmos embora -- Letícia também saiu. 

-- Não acredito que você me agarrou -- disse ela em tom de acusação, sem conseguir controlar o tremor da voz.

-- Eu te agarrei? Deus me livre! Devia ter deixado você se estatelar no chão -- respondeu ela secamente.

Luciana disfarçou, Kristen olhava para ela como se fosse dona do mundo, e ela não passava de uma empregadinha qualquer. Esse jeito arrogante a irritava. 

Sem dizer nada, Kristen a olhou de maneira penetrante por tanto tempo, que se assustou quando ela perguntou: 

-- Tem certeza de que não vai viajar com a gente?

A voz dela parecia conter uma ameaça, pensou Luciana.

-- Já disse que temos um compromisso neste fim de semana.

-- Entendi, deve ser algo muito importante.

Desta vez não havia dúvida quanto ao tom de divertida insolência em sua voz. Ela não disse mais nada e começou a caminhar na direção da sala, sem se dar ao trabalho de verificar se ela a seguia. Luciana teve de correr para acompanhar-lhe os passos. 

Leticia e Jefferson já esperavam na sala.

-- Vamos? -- perguntou Jefferson -- O seu João Vitor já deve ter colocado a polícia atrás de nós.

-- Não retornem a empresa, podem ir para casa. Eu falo com o João Vitor -- Kristen olhou diretamente para Luciana -- Vocês já arranjaram confusão demais por um dia.

As sobrancelhas e os cabelos loiros contrastavam com a pele bronzeada, e os olhos cor de esmeralda lançavam fogo ao percorrerem cada centímetro do corpo dela. A sensação que tinha era que ela a despia mentalmente, deixando-a nua. A raiva a fez corar, e, para seu horror, sentiu que seus seios reagiam com um arrepio.

-- Vamos embora -- disse Luciana, pegando Eduardo no colo -- Passar bem, dona Donati.

 

 

Luciana acomodou Eduardo na cadeira de criança no banco de trás do carro.

-- Eu quero a Kiss, mamãe -- disse Eduardo, a voz chorosa.

-- Não começa, Dudu -- ligou o carro e saiu.

-- Mas, eu quero -- disse triste.

Oh, maldição, Luciana praguejou em silêncio. Se não tivesse levado Dudu para a empresa, mas levou, e agora era tarde demais para lamentações, Luciana se dirigiu para casa e, tentando não pensar, deu banho no filho, vestiu-o e colocou-o na cama. Era um alívio estar em seu apartamento, tomar um banho e deitar-se. Porém, quando chegou a hora de dormir, estava com uma terrível dor de cabeça.

-- Boa noite, mana -- disse Laura, deitada no sofá.

-- Boa noite.

-- A Jaqueline me contou o que aconteceu. Que loucura, hem? O João estava louco atrás de vocês.

Luciana sorriu.

-- Eu imagino a cara de bundão que ele ficou depois que a Kristen ligou dizendo que a gente não voltaria à tarde para trabalhar.

-- Ele deve ter ficado P da vida.

Elas riram, com gosto.

-- Posso não gostar do jeito arrogante da Kristen, mas adoro o modo como ela trata o João Vitor. 

-- Falando nisso, como foi no apartamento da chefinha?

Luciana sentou na poltrona menor.

-- Uma grande confusão, mas não quero falar sobre isso agora. Eu preciso de um momento de silêncio -- murmurou Luciana e cruzou as mãos no peito.

Sorrindo, Laura correu a mão pelos cabelos. 

-- Ela é impressionante, não? Tem um corpo que não tenho palavras. Dei de cara com ela no estacionamento e fiquei babando por uma hora. Sem contar aqueles olhos verdes lindos.

-- Vocês estão enchendo demais a bola dessa garota. Para mim ela não passa de uma garota comum, apenas bonitinha.

Laura caiu na gargalhada.

-- Você sabe que não.

-- Que impressão teve dela, Laura? 

-- Uma gostosa, mana. 

-- Será que você consegue parar de pensar nela fisicamente?

-- Posso tentar -- Laura sentou-se -- Bom, ela parece ser uma garota independente e não se apega a ninguém. A Letícia é uma boba em achar que tem alguma chance.

-- Ela gosta muito do Dudu. A gente vê o jeito como os dois ficam juntos.  

Laura ficou intrigada com o que a irmã falou.

-- Você notou isso?

-- Notei, é impressionante a conexão existente entre irmãos, não é mesmo? -- ela arqueou a sobrancelha -- Mas, continuo com a mesma opinião de nunca revelar a verdade.

-- Como você é intransigente, mana -- Laura disse, sorrindo -- Me empresta o carro amanhã?

-- Claro, eu volto para casa de Uber.

-- Obrigada, mana -- ela fez um coração usando o dedo indicador e o polegar e mostrou para a irmã -- Te amo!

 

 

Kristen deu uma mordida no cachorro quente, mastigou e engoliu, educadamente, antes de falar. 

-- Ela vai ver do que sou capaz!

-- Você parece uma menina mimada, que vergonha! 

-- Quem manda ela não ir comigo para Xangri-lá.

Rick balançou a cabeça.

-- Vingancinha infantil, não tinha algo mais cruel?

-- É só para ela saber com quem está se metendo.

-- Depois dessa, vou dormir. Boa noite! -- Rick fez uma micagem e saiu. 

Kristen devorou o cachorro quente, ainda irritada por ser contrariada por Luciana. Sentia-se tentada, muito tentada, a terminar a discussão que começaram naquela manhã. Onde já se viu recusar um passeio maravilhoso como esse? Levantou-se da cadeira e foi deitar-se no sofá da sala. As mulheres nervosinhas não faziam seu tipo. Mulheres com temperamento explosivo e barraqueira, menos ainda. Não que ela não fosse interessante, pensou. Quem sabe alguns encontros, talvez uma trans* gostosa. Afinal, quem não teria fantasias com uma mulher daquela.

 

 

Foi uma manhã agitada para Luciana. Um dia em que João Vitor estava particularmente inspirado para trabalhar. Só que ele simplesmente mandava e quem tinha que ralar era ela. Por isso ainda estava no setor, enquanto todos os outros funcionários já haviam saído para o almoço. 

-- Algum problema? -- perguntou João Vitor da porta da sua sala.

Luciana apenas fez que não com a cabeça.

-- Você parece preocupada.

-- É que me atrasei com o trabalho hoje. Não sei o que aconteceu, parece que quanto mais digito, mais planilhas aparecem.

-- Quer saber o que aconteceu?

-- Quero -- Luciana respondeu, surpresa com a pergunta.

-- Se ontem em vez de ficar vadiando e bajulando a filha do Arthur, tivesse ficado trabalhando, não teria se atrasado em suas obrigações.

-- Mas são muitos os relatórios que você pediu e...

-- Está sendo paga para esse trabalho -- disse ele, interrompendo-a -- Você terá que fazer hora extra neste final de semana. 

-- Não posso fazer hora extra neste fim de semana -- ela disse, irritada, nervosa e esgotada, mas arrependeu-se do tom brusco e corrigiu-se em seguida -- Desculpa -- não tinha nenhuma vontade de fazer horas extras, mesmo porque não tinha com quem deixar Eduardo.

João Vitor ainda deixou bem claro que ela aprontasse os documentos para segunda de manhã.

-- A senhorita Kristen passará para assiná-los, antes de partir para um compromisso. 

Seus dedos deixaram as teclas do teclado. Ela apoiou o queixo na mão e fechou os olhos. Só pode ser a mando dela! Pensou, louca de raiva.

-- Filha da pu...

João franziu a testa.

-- O que você falou?

-- Nada não -- ela disfarçou -- A senhorita Kristen ainda está na empresa?

João Vitor olhou-a desconfiado.

-- Está, porque?

-- Curiosidade -- ela respondeu, fingindo uma indiferença que estava longe de sentir.

Antes de sair, com aquele seu jeito de tiozão tarado, João destilou o seu veneno sobre Luciana.

-- Você e a senhorita Kristen são muito diferentes, ela vive apenas para o momento presente, enquanto você leva tudo a sério na vida. Ela é cheia de vida. Gosta de curtir, de sair, e de outras coisas também. Está me entendendo? Como pode ver, ela é o oposto de você em tudo. Afaste-se dela enquanto há tempo.

Luciana baixou a cabeça escondendo a sua indignação, o que mais queria era distância dos Donati.

Ela balançou a cabeça e tentou concentrar-se no trabalho. 

 

 

Enquanto remexia nos guardados de seu pai, Kristen se deparou com um papel, desdobrou-o para ver do que se tratava. Logo ao ler o primeiro parágrafo, no entanto, suas mãos começaram a tremer, e um arrepio percorreu-lhe a espinha. Aturdida, segurou melhor o papel e continuou a lê-lo. A cada nova frase, se espantava mais, mal acreditando no que estava escrito. Seu pai tinha uma amante.

-- Tudo, menos isso! - ela disse horrorizada. Kristen não conseguiu ler mais nem uma palavra. Pondo o papel sobre a mesa, deixou-se afundar na enorme cadeira estofada de couro que pertenceu a seu pai. Fechando os olhos, sentiu o estômago contrair-se e um peso incrível comprimiu-lhe o peito. A morte do pai foi dolorosa. Porém, nada era mais decepcionante do que essa descoberta.

Com as mãos ainda trêmulas, apanhou novamente o papel e continuou a lê-lo para ficar a par dos detalhes da traição. Seu pai estava em contato com o advogado para preparar o testamento, mas pelo visto, não houve tempo dele elaborar o documento. Respirando fundo, decidiu que entraria em contato com o advogado, precisava saber quem era a amante do pai. 

Consultando o relógio, verificou que já passava das cinco. Depois de procurar o número do celular do advogado na agenda do pai, anotou em um pedaço de papel e guardou no bolso.

Cinco horas da tarde, Luciana desligou o computador e levantou-se, pegou a bolsa e foi para a porta. Olhou para o corredor vazio e ajeitou a roupa. Precisava dizer umas verdades a ela, mesmo que custasse-lhe o seu emprego. Decidida, respirou fundo e entrou no elevador.

Kristen estava parada à porta de sua sala, mão no bolso, pensativa.

-- Foi você quem mandou o seu João Vitor me pedir hora extra para o fim de semana! -- a voz dela ecoou pelo longo corredor vazio -- Você sabe que eu tenho um passeio programado com a Letícia e o Dudu.

Kristen a olhou de cima a baixo com o olhar zombeteiro fixo no rosto dela.

-- Eu preciso dos documentos para segunda, não tenho culpa se você é incopetente -- disse com voz áspera.

Luciana e Kristen desafiaram-se com o olhar. Por que diabos você é tão linda? Luciana perguntou-se, olhando para cima.

-- Você fez de propósito, só para estragar o nosso fim de semana.

-- Estou me lixando para o seu fim de semana, apenas acho que você não tem o direito de estragar o fim de semana da Letícia e do Dudu. 

-- Você é uma estúpida! 

Kristen nada respondeu. Luciana saiu sem olhar para trás. Somente os seus passos ecoavam pelo corredor até o elevador. Desceu até o primeiro andar, despediu-se do segurança e atravessou o hall de entrada do prédio.  

Era um dia abafado e os primeiros pingos de chuva começaram a cair. Acelerou os passos, atravessou a rua e alcançou a calçada. Queria andar um pouco antes de chamar o Uber, mas não foi uma boa ideia. A chuva ficou mais forte, os cabelos estavam começando a grudar na cabeça, a água descia por seu pescoço. 

-- Droga! -- a roupa já estava colada ao corpo -- Que dia para estar sem carro! -- virou-se  e deu de encontro com um transeunte. 

-- Ai... -- mãos seguraram seus braços para que não caísse -- Desculpa.

-- É a segunda vez que te salvo de cair no chão como um saco de batata.

Luciana reconheceu a voz imediatamente, mesmo sem ver quem falara.

-- Kristen? -- ela franziu o cenho -- O que faz aqui?

-- Eu a segui -- ela deu um sorriso maroto como se tivesse realizado um feito incrível -- Você está toda molhada, vem comigo.

-- Aonde? -- ela perguntou, curiosa.

-- Ao meu apartamento. Você se enxuga, janta comigo, depois te levo em casa -- Kristen sorriu. Ela se inclinou na frente Luciana e abriu a porta do carro..

Os olhos de Luciana acompanharam seu gesto gentil. Será que era a mesma pessoa que falou com ela há pouco na empresa?

-- Não, não, obrigada.

-- Deixa de frescura -- disse Kristen, conduzindo-a até o carro, com os dedos pressionando o braço dela.

Pronto, a Kristian grossa voltou. 

-- Não posso, senhorita Kristen -- ela insistiu, parada na porta do carro.

-- Entra logo, antes que a rua fique alagada.

Luciana olhou em volta e viu que era verdade. 

-- Tudo bem, mas tenho que voltar cedo para casa.

-- Claro, seis da manhã está bom para você?

Luciana fez uma careta.

-- O que?

Kristen sorriu da cara de desespero dela.

-- Brincadeirinha, prometo te levar para casa assim que você quiser -- antes de ligar o carro ela se virou para Luciana -- E por favor, para de me chamar de senhorita Kristen.

 

Fim do capítulo