Nunca Te Amarei -- Capítulo 14

Rick cruzou os braços.

-- Não precisa pressa não. Podemos pedir uma pizza, estender uma toalha no chão e fazermos um piquenique -- disse, com a cara amarrada. 

-- Deixe de ser ranzinza, Rick. A Luciana está nervosa, não piore ainda mais a situação. 

Rick não respondeu, e quando olhou para Luciana, percebeu que os ombros dela estavam tensos, a expressão fechada. Havia algo mais sério por trás daquela história.  

-- Tudo bem, para ser franco, não estou entendendo bulhufas do que vocês estão dizendo. Nem sei porque estou ajudando vocês.

-- Você está nos ajudando porque ainda é o meu amigo -- Jefferson provocou, observando o rosto dele, esperando por sua reação.

Mas Rick não disse nada, sentindo-se surpreendentemente triste. Não pensava que depois de anos e anos distantes um do outro, ouvir de Jefferson a palavra amigo, machucasse tanto o seu coração.

-- Vamos entrar -- Luciana respirou fundo, tentando controlar o enjoo que lhe ameaçava revirar o estômago. Estava assustada, mas não iria se deixar dominar pelo medo. Estava farta da perigosa teia de mentiras que havia se metido. Tentando buscar coragem do nada, ela levantou o queixo e respirou fundo, decidida a não se deixar abater. 

-- Psiu! 

Ela ignorou o chamado, e logo em seguida escutou outra vez: 

-- Psiu! 

-- O que foi, Jeffe? -- perguntou ela num sussurro. 

-- Estou do seu lado para o que der e vier.

-- Eu sei -- respondeu ela, num murmúrio -- Vamos e seja o que Deus quiser.

Kristen ligou o videogame para Eduardo, em seguida, foi até Letícia e sentou-se ao seu lado, no enorme sofá de couro branco. 

-- Você está mimando esse garoto -- Leticia criticou Kristen.

Eduardo se sentou e parecia tão imerso na batalha que travava no video game que parecia indiferente às duas. Kristen sorria enquanto olhava o menino.  

-- Eu gosto de ver a alegria dele e agora que vou encontrá-lo com frequência, podemos fazer um monte de coisas legais juntos.

Leticia encolheu-se no sofá.

-- Como assim? O que quis dizer com "agora que vou encontrá-lo com frequencia"?

-- A gente pode continuar saindo, você não quer?

Era tudo o que mais queria, pensou.

-- Claro -- a voz saiu hesitante e insegura -- Porque não?

-- Podemos viajar para lugares incríveis, ensinar o Dudu a surfar... 

Leticia se aproximou mais e falou baixinho, apesar de ter quase certeza de que Eduardo não poderia escutar a conversa. Estava ocupado demais jogando Mario Kart Tour.

-- Vamos para Paris? Meu fetiche é trans*r na Torre Eiffel.

Kristen olhou pensativa para Letícia. Enfim, encontrou alguém mais louca que ela.

-- Sim, claro -- respondeu sem entusiasmo.

-- Tô com sede -- disse Eduardo, sem tirar os olhos do jogo.

-- Vou na cozinha pegar um refrigerante.

Leticia se levantou antes que ela.

-- Deixa que eu busco -- ela desviou o olhar de Kristen para o menino -- Fica com a mamãe Kristen, Dudu.

O menino se virou para Leticia.

-- Não é a mamãe, é a Kiss -- disse ele, zangado olhando rapidamente para Kristen -- Né Kiss?

Ela balançou a cabeça em aprovação.

-- Se você prefere -- respondeu sorrindo -- Porque ele chama todos de mamãe?

-- Ele só chama de mamãe algumas pessoas, não sei o motivo, talvez a Lú... -- ela parou no meio da frase, percebendo que havia falado o que não devia.

-- Quem é a Lú? -- perguntou Kristen, curiosa.

-- Uma amiga -- respondeu de forma rápida e natural -- Vou buscar o refrigerante.

Luciana caminhava pela sala com passos lentos, observando a mobília enquanto buscava coragem para enfrentar a filha de Arthur. 

Em silêncio, dirigiu-se a outra parte da sala onde havia uma seleção de fotos de família. Kristen e Arthur apareciam juntos em todas as fotos, quase sempre sorrindo, uma imagem que perturbava drasticamente. Luciana pegou um dos porta-retratos. 

-- Céus! O Dudu não pode ver essas fotos! 

-- Fala baixo, se o Rick ouvir, vai encher a gente de perguntas -- Jefferson devolveu o retrato à posição de origem e se virou para ela -- Deixa isso comigo, se preocupa com o que vai falar para a chefinha. Vai lá e saiba que estou aqui para ajudá-la, se sentir que precisa de mim.

-- Obrigada.

Nesse momento Rick entrou na sala e a conversa teve de ser interrompida.

-- Pronto, já fiz o número um e o número dois. Gente, aquele pão de batata com catupiry que eu comi no restaurante da empresa, me deu um revertério tão grande na barriga que fui obrigado a tomar banho. 

Luciana fechou os olhos. Isso estava começando a se tornar constrangedor. A última coisa que queria saber era o que Rick fez no banheiro.

Jefferson hesitou antes de dizer: 

-- Certas coisas nunca mudam.

Luciana refletiu. Contendo a vontade de rir, fechou os olhos e teve de abri-los em seguida. 

-- Me leva até onde eles estão -- pediu Luciana com voz fraca. 

Rick sorriu, exibindo dentes perfeitos.

-- Finalmente! Agora o bicho vai pegar -- ele previu com um sorriso malicioso -- Vem comigo.

Já ia abrir a porta, quando ela foi escancarada por Letícia que saiu da sala de forma tempestuosa.

-- Ai que susto! -- ela deu um passo para fechar a porta, mas Rick foi mais rápido e, erguendo o braço, impediu-a de fechá-la.

-- A Luciana precisa conversar com a Kris 

Letícia sentiu o sangue gelar. 

-- Não é o momento -- ela contra-atacou. 

A surpresa estampada no rosto de Luciana a fez explicar.

-- A coisas não podem ser reveladas de sopetão.

Luciana franziu a testa.

-- Mas é assim que será -- a voz estava fria -- Eu vou falar com ela -- disse firme, tinha responsabilidades das quais não podia se esquivar. Pior, tinha uma criança para proteger. Deixar os Donati se aproximarem demais, poderia lhe custar o filho. Nesse instante, Luciana gelou quando a porta se abriu e Eduardo entrou correndo na frente de Kristen. 

-- Mamãe, tô jogando Mario! -- contou o menino, abrindo os braços para ser erguido. Luciana se inclinou e o tomou nos braços, abraçando-o bem apertado, os olhos assustados enquanto o segurava. 

-- Meu amor estava com saudade? -- perguntou ela, tentando não deixar o medo transparecer. Sabia, sem olhar, que Kristen os estava fitando.

-- Sim, mas agora não tô mais. A Kiss é minha amiga, mamãe -- disse a criança num tom adulto. 

Luciana teria rido, mas aquela não era hora para humor. Ela desviou o olhar do filho para a moça.  

Kristen a encarou com espanto, mal sabia ela que estava diante da mãe do seu irmão bastardo. 

O olhar de Kristen fixou-se no rosto de Luciana como se fosse atraída por uma força magnética. Apesar dos olhares ao redor, ela examinou em detalhes os lábios vermelhos e carnudos que adornavam o rosto incrivelmente lindo. Aqueles lábios pareciam convidar qualquer pessoa com sangue nas veias a beijá-los.

-- Você é a moça que estava no enterro do meu pai, é claro -- disse Kristen com a voz macia -- Você parecia estar sofrendo bastante com a morte dele.

O comentário feito pela filha de Arthur, fez Luciana repensar a sua decisão de falar a verdade sobre ser a mãe de Eduardo. 

-- Seu Arthur foi um ótimo patrão -- murmurou, quase sem conseguir respirar. 

Kristen não podia tirar os olhos dela. Era como se a presença da moça lhe transmitisse uma sensação inexplicável e apaixonante, capaz de hipnotizá-la. 

Pressentindo problemas, Luciana mudou de assunto.

-- Bem, precisamos voltar ao trabalho -- transtornada não notou o efeito que a sua presença estava causando em Kristen. Ela olhou para os amigos com a face tão pálida quanto uma folha de papel -- Vamos?

-- De jeito nenhum -- Kristen interviu, com veemência -- o Dudu está com fome, Leticia. Ele não vai embora sem antes almoçar -- ela olhou para o garoto com preocupação -- Rick, prepara o almoço.

O rapaz fez uma careta.

-- Sobrou pra mim.

-- Vai logo!

Luciana sentia-se exausta. Já havia tido surpresas mais que suficientes para uma manhã, se não tivesse levado Eduardo para a empresa, Kristen jamais veria o menino. Não ousou pensar nas consequências ou enlouqueceria! Entregando o filho a Letícia aproximou-se de Jefferson.

-- O que você acha?

-- Se não formos demitidos por abandonar a empresa, tudo bem.

-- Claro que não, sou eu quem estou pedindo -- sem dizer mais nada, Kristen saiu da sala e entrou na cozinha.

Imediatamente Jefferson se virou para Luciana.

-- Não vai dizer a ela que você é a mãe do Dudu?

-- Não depois do que ela falou -- disse olhando para suas mãos úmidas -- Ela se lembrou de mim, me viu no enterro do Arthur.

-- Todos nós estávamos no cemitério, nem por isso tínhamos um caso com o seu Arthur.

-- Mas nenhum funcionário chorou naquele dia, somente eu. Ela pode muito bem ligar as coisas.

-- Isso é verdade. Ainda bem que você tomou juízo -- comentou Letícia, para a ira de Luciana.

-- E você, sua safada, está usando o meu filho para se aproximar dela.

Letícia foi sentar-se no sofá.

-- Não foi nada planejado e você sabe muito bem.

Luciana virou-se no momento em que Kristen retornou à sala, acompanhada de Rick. O rapaz carregava uma bandeja com uma jarra de suco gelado. Sem antes oferecer, ele encheu três copos e os entregou. Depois, abriu uma latinha de refrigerante e entregou para Eduardo.

-- Qual o setor que vocês trabalham? -- perguntou Kristen, sentando-se ao lado de Letícia no sofá.

Luciana deu um prolongado gole na bebida antes que conseguisse formular uma vaga resposta.

-- Eu e o Jefferson trabalhamos no setor financeiro.

Kristen deu um sorrisinho sacana.

-- Trabalham com o João Vitor, então.

-- Sim, porque?

-- Nada não, foi só um comentário bobo.

Luciana ficou olhando fixamente para o copo que segurava, observando as gotículas de água que se formavam pelo calor, deslizando pelo vidro do recipiente. Como lágrimas, pensou Luciana. 

Kristen olhou para a mão da moça, fazendo-a perceber o quão delicada era. Os dedos eram longos, e por um momento Kristen imaginou-os tocando-lhe o corpo, as unhas pintadas arranhando sua pele. Olhou outra vez para a mulher. Mas por que diabos estava pensando naquilo? Luciana não era seu tipo de mulher. Ela parecia mandona demais, forte demais. O tipo de pessoa que facilmente se irrita e faz barraco. Por um instante trocaram olhares, e tudo o que ela viu foi fogo. Um segundo depois, Luciana desviou o olhar. Trabalhar na mesma empresa com aquela mulher seria um desafio, pois geralmente gostava de manter o controle sobre tudo. Havia algo em Luciana que lhe dizia que ela era perigosa. Provavelmente o maior desafio que enfrentaria na empresa.

Luciana olhou para o filho, que agora estava esparramado no tapete. Estava começando a achar que o dia não iria terminar nunca. Desde o nascer do sol que aquele dia parecia eterno.

-- Nesse final de semana, vou participar da Primeira Etapa do Circuito Dream Tour de surf em Xangri-lá, no Rio Grande do Sul -- Kristen se virou para Letícia -- Estive pensando em levar você e o Dudu comigo.

-- Sim! -- respondeu Letícia, animada.

-- Não! -- disse Luciana, desesperada.

Jefferson se levantou e colocou o copo vazio sobre a bandeja.

-- Vou ver se o Rick está precisando de ajuda.

Kristen olhou séria para Letícia e depois para Luciana. 

Percebendo que Kristen ficou desconfiada, Luciana se apressou em explicar:

-- Nós já tínhamos combinado um passeio para esse fim de semana, lembra, Lê? -- ela rangeu os dentes como uma fera e encarou Leticia. 

-- Verdade, a gente já tinha combinado esse passeio há dias. 

Kristen pensou um pouco e depois levantou-se decidida.

-- Então, você vai junto! 

Luciana arregalou os olhos.

-- Não posso.

-- Porque não? Garanto que será um passeio bem melhor do que vocês tinham programado.

-- O que te garante isso? -- Luciana parou diante de Kristen, com as mãos na cintura -- O nosso programa pode ser muito mais interessante que o seu.

Kristen ergueu uma sobrancelha, ela ficou tão linda bravinha que sentiu vontade de beijá-la.

-- Duvido! Xangri-lá é um lugar maravilhoso, vocês vão adorar. Vamos na sexta à noite e voltamos no domingo. Não se discute mais isso.

Luciana bufou de raiva. Quem essa pirralha acha que é? Pensou indignadíssima. 

-- Eu não vou e ponto final! Você não pode me obrigar.

Kristen soltou uma risada debochada.

-- Não pretendo obrigá-la a nada, mas confesse, que está louca para ir conosco a Xangri-lá.

O pior era que a idiota estava certa. Pensou Luciana, mas a mente dela lhe dizia para ser orgulhosa e forte, e fugir enquanto podia, porque aquela garota era perigosa e poderia levá-la a todo tipo de problemas.

-- Quanta presunção! Eu não estou nenhum pouquinho a fim de viajar para essa tal de Xangri... sei lá o que.

-- Xangri-lá -- Kristen completou, irritada. Já estava perdendo a paciência com a moça. Ela era muito bonita, mas também muito teimosa -- Se você não quer ir conosco, por mim tudo bem, vamos eu, a Letícia e o Dudu -- após dar-lhe uma rápida examinada com os olhos verdes esmeralda, ela virou-se, então, e saiu da sala, fazendo um enorme esforço para não falar um palavrão.

Luciana virou-se para encarar Leticia, suas emoções estavam a ponto de explodir.

-- Eu vou matar você! 

Leticia levou a mão à testa em um gesto dramático e fechou os olhos.

-- Não tenho culpa se você transformou a sua vida em uma grande mentira. 

-- E precisava aumentar ainda mais a mentira? Como eu saio dessa agora? Jamais deixarei você levar o meu filho em uma viagem, ainda mais junto com essa grossa.

-- Você não acha que está passando dos limites? Ela vai te demitir. Manera um pouco.

Luciana bufou e ajeitou o cabelo para trás. Ela tentou se acalmar, uma tarefa nada fácil quando tinha as emoções à flor da pele.

-- Você espera realmente que eu aceite essa situação? Você não vai usar o meu filho como isca para fisgar a garota. Entendeu?

Sacudindo os ombros com indiferença, Leticia cruzou os braços junto aos seios, uma postura que irritou profundamente Luciana. Os olhos dela ficaram em brasas.

-- Deixa o meu filho fora dos seus casinhos amorosos! -- disse, apontando o dedo em riste.

Sentando à mesa, Kristen sacudiu a cabeça, inconformada. Nunca tinha visto uma mulher tão encantadora, com seus cabelos castanhos, a pele clara e perfeita, o rosto levemente corado.

-- Vai demorar muito, Rick? É só um almoço rápido e não uma ceia de Natal.

-- Já está pronto, só falta arrumar a mesa -- respondeu Rick, com alguns pratos na mão -- Chama as meninas, Jefferson.

-- Claro.

Por sorte, sentou bem longe de Kristen. Isso não pode estar acontecendo comigo, pensou Luciana. Almoçando no apartamento da pessoa que mais queria distância nesse mundo e para piorar, a filha de Arthur não tirava os olhos dela. Após segundos de um silêncio constrangedor, ela disse a Letícia:

-- Não sei nada sobre sua vida pessoal, quem é o pai do Dudu?

Luciana começou a tossir e engasgar-se. Jefferson  insinuou um sorriso.

-- Do que está rindo? -- perguntou Kristen.

No mesmo instante ele ficou sério. 

-- Nada. Bom, é que a Luciana vive se engasgando.

Eduardo começou a chorar e Letícia aproveitou para fugir da resposta.

-- O que você quer, meu filho?

Luciana revirou os olhos e fez micagens por trás dela. O garoto respondeu chorando:

-- Quero jogar Mario.

-- Ah, é isso? Deixa que a Kiss liga o video game para você -- Kristen apoiou a mão carinhosamente no ombro do menino. 

-- Enquanto isso eu vou buscar a sobremesa -- disse Rick, levantando-se.

Assim que Kristen saiu, levando o garoto pela mão, Luciana pediu desesperadamente aos amigos:

-- Vamos embora, por favor!

-- Ah, vamos pelo menos comer a sobremesa -- pediu Jefferson.

Minutos depois, Kristen retornou a cozinha e o enorme sorriso que ela deu quase derrubou Luciana da cadeira.

-- O Dudu é um garoto muito esperto. 

-- E arteiro -- completou Letícia.

-- Aos cinco anos, as crianças são cheias de energia. Elas conseguem realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo, e isso abre novas perspectivas para elas, que vão começar a esbanjar energia para fazer coisas simultâneas, como correr e falar -- explicou Luciana -- Tudo isso é normal da idade, é sinal que ele está crescendo, e sua curva de aprendizado está dentro da normalidade. 

Kristen se deteve e inclinou a cabeça, escutando-a com atenção.

-- Você parece entender bastante de criança, também tem filho?

Luciana virou a cabeça em um movimento brusco ao ouvir a porta da cozinha sendo aberta e o filho entrar feito um raio com um porta retrato na mão.

-- O papai, mamãe! O papai, mamãe!

Próximo capítulo:

 

-- Eu preciso de um momento de silêncio -- murmurou Luciana e cruzou as mãos no peito.

Sorrindo, Laura correu a mão pelos cabelos. 

-- Ela é impressionante, não? Tem um corpo que não tenho palavras. Dei de cara com ela no estacionamento e fiquei babando por uma hora. Sem contar aqueles olhos verdes lindos.

-- Vocês estão enchendo demais a bola dessa garota. Para mim ela não passa de uma garota comum, apenas bonitinha.

Laura caiu na gargalhada.

 

 

 

 

 

 

 

Fim do capítulo