Capitulo 30
Capítulo XXX
— O chão tá molhado! Não corram! — Bradou Clarisse para seus filhos, que iam na direção da casa de seus pais.
— Deixa eu ajudar. — Francine disse pegando duas mochilas de dentro do carro, carregando a sua nas costas.
— Obrigada, cuidado que o piso fica escorregadio. — Alertou Clarisse.
— Tá beleza. Espera, espera, deixa eu perguntar uma coisa.
— Diga.
— Onde eu vou dormir?
— Comigo, por que?
— Tem lugar pra todo mundo?
— Não se preocupe com isso, os meninos tem o quarto deles, eu tenho o meu.
— Seus pais não vão achar ruim?
— Por dormirmos juntas?
— É.
— Nem um pouco. Vem, voltou a chover.
Assim que entraram na casa, Dona Isolete veio cumprimentar Francine com um abraço.
— Bem-vinda, Francine, eu sou sua sogra. — Disse em tom de brincadeira.
— É um prazer conhecer a senhora.
— Clarisse, você não havia me falado a idade dela, achei que teria uns quarenta, mas ela aparenta ser menor de idade. — Reclamou com a fronte cerrada.
— Mas, mãe...
— Estou brincando. — Disse cutucando Francine. — Ela ainda acredita nas minhas pegadinhas.
— Ela faz essas pegadinhas comigo também. — Francine respondeu. — Eu sempre caio.
— É de família. — Completou Clarisse.
— Olá, moça do skate! — Seu Donato chegou na sala e apertou a mão de Francine. — Como foi de viagem?
— Bem chuvosa, mas ela dirige com cuidado.
— Claro que dirijo com cuidado, meus maiores tesouros estavam dentro do carro.
Os meninos retornaram para a sala, já sem as mochilas.
— Vô, o campinho ficou pronto? — Perguntou João.
— Quase, vou precisar da ajuda de vocês para finalizar, mas tenho certeza que faremos a partida inaugural ainda nesse final de semana.
— Eba!
— Francine, você joga futebol? — Donato perguntou.
— Ela joga bem pra caramba, semana passada jogou com a gente. — Jardel respondeu.
— É bondade deles, eu jogo meia boca.
— Finalmente acharam alguém para completar o quarteto; Francine, você já está entre minhas noras preferidas. — Disse Isolete.
— Ela nunca falou isso para as outras noras, sinta-se lisonjeada. — Clarisse disse.
— Porr*, mal cheguei e já tô com moral. — Colocou a mão sobre a boca. — Desculpe o palavrão.
— Não se preocupe. Querem jantar?
— Tô com uma fome danada. — Francine respondeu.
— Eu também. — Disse João. — Só tinha maçãs no carro.
— Que absurdo, querido! Venham comer.
Toda a ansiedade de Francine com o encontro com seus sogros já havia se dissipado, durante o jantar estava à vontade e conversando sem reservas. Se esbaldava com lasanha e suco de uva.
— Não sabia que fazia tanto frio aqui, eu tava de regata em São Paulo. — Francine reclamou ao entrar no quarto de Clarisse, vindo do banheiro que ficava no corredor.
— Aqui é mais alto, costuma ser mais frio, principalmente nessa época do ano.
— O inverno nem começou ainda.
— Estamos quase em maio, é friozinho mesmo. Venha pra cama, eu esquento você.
— Já vou. — Francine olhava com curiosidade os porta-retratos em cima da cômoda e os objetos decorativos, trajava uma calça fina de moletom e uma camiseta.
— Se quiser podemos comprar um pijama quentinho para você amanhã.
— Relaxa, eu me enrolo no cobertor. São os meninos? — Perguntou erguendo um porta-retratos.
— Sim, tinham quatro, cinco e seis anos, respectivamente.
— O Vicente aqui, né? Que lindinho.
— Sim.
— E aqui a família completa. — Disse exibindo uma foto de Sabrina, Clarisse e os três filhos.
— Essa foto foi aqui, lá na sala, na noite de Natal.
— Deve ser legal passar a noite de Natal igual nos filmes, todo mundo reunido ao lado da árvore, vários presentes, muita comida.
— Era assim.
— Como é agora?
— Faz três anos que passo o Natal sem os meninos.
— Por que?
— Sabrina sempre dá um jeito de me excluir.
— Que sacanagem.
— Ela sabe o quanto eu gosto de Natal, deve ser por isso que ela faz de tudo para que eu não esteja com eles na data.
— Você deveria processá-la, você tem uma amiga que é advogada foda, Miriam.
— Não vale a pena. — Clarisse largou o celular na mesinha, se ajeitou na cama debaixo das cobertas. — Tenho esperança que com o tempo as coisas fiquem melhores, nossa relação melhore.
— Namorando uma pirralha órfã? Você tá no caminho errado para isso. — Riu.
— Ela vai se acostumar.
Francine se virou para a cama, repousando os cotovelos sobre a cômoda.
— Você acha que ela ainda gosta de você, por isso que enche teu saco?
— Acho que não, acredito que seja uma mágoa tão grande que ela não consegue dissipar.
— Ela não quer que você seja feliz.
— Acho que é por aí... — Respondeu balançando a cabeça devagar. — Acho que na concepção dela eu não tenho direito a felicidade porque tenho uma dívida eterna a pagar.
— A dívida eterna tem relação com o Vicente?
— Sim.
— Tá beleza, já revisitei seu passado e despertei memórias demais, agora vou dormir, espero que aí esteja quentinho.
— Posso ligar o lençol térmico elétrico.
— É zoeira ou realmente existe lençol térmico elétrico?
— É verdade, eu só ligo em dias extremamente frios, hoje não é o caso porque deve estar fazendo uns quinze graus, mas como você é friorenta, posso ligar um pouco.
— Eu não sou friorenta.
— Então para de enrolar e vem deitar, pirralha órfã.
Fran riu e deitou ao seu lado, Clarisse prontamente a abraçou para aquecê-la.
— Se eu soubesse que você estava assim quentinha eu já tinha me deitado antes. — Brincou Francine.
— Estou sempre a disposição para compartilhar calor humano. — Disse e beijou seu pescoço.
— Mas só comigo.
— Eu tenho bastante.
— Com quem mais você quer compartilhar, Clarisse?
— Várias pessoas.
— Por exemplo?
— Meus filhos.
— Se saiu bem. — Riu. — Tenho a impressão que nunca ganharei uma discussão com você.
— Anos de experiência, pequena girina.
— Adoro seus apelidos.
— Sempre lisonjeiros.
— O que vamos fazer amanhã?
— Minha mãe sugeriu levar você para tomar um café na Vila Capivari, ou um chocolate quente, se preferir.
— Vai rolar o futebol que seu pai falou? Com os meninos.
— Acho que não, o tempo tá feio. Gostou da janta?
— Muito, tava bom demais.
— Meus pais adoram cozinhar.
— Que coincidência, adoro lasanha e suco de uva.
— Não foi coincidência, querida. — Clarisse disse e se virou para ela, deitando em seu ombro.
— Não?
— Eles me perguntaram suas preferências.
— Sério? — Sorriu. — Isso foi muito legal da parte deles.
— Foi sim.
— É muito louco isso, não consigo imaginar meus pais fazendo uma coisa dessas. — Respondeu pensativa, olhando para o teto.
— Fazendo o jantar?
— Acolhendo uma namorada minha assim tão bem, eles me escorraçariam.
— Não foi à toa que o Estado tirou a guarda deles.
— É...
— Desculpe, não quis te deixar triste. — Clarisse disse e entregou alguns beijos em seu pescoço.
— Não estou, na verdade tô me sentindo bem pra caramba.
— Estou feliz por você ter vindo, minha família gosta muito de você.
— E eu gosto deles. — Francine respondeu frente a frente, enquanto acarinhava os cabelos de Clarisse.
— Quer dormir?
— Não muito. — Respondeu um tanto maliciosamente.
O papo foi dando lugar aos beijos, os beijos convocaram as mãos bobas, e Francine não mais reclamou do frio.
***
— O que as pessoas vêm fazer aqui? Tem alguma festa? — Francine perguntou a Clarisse, andavam pelas ruas de Campos de Jordão, numa vila turística.
— Turismo. As pessoas vêm para passear, tomar café, tomar cerveja, comprar coisinhas.
— Não tem música, festa, essas coisas?
— Não.
— Aonde estamos indo?
Clarisse deu uma olhada complacente em sua namorada, entrelaçou sua mão na dela.
— Estamos passeando, amor.
— Passear é bom. — Respondeu com um sorrisinho satisfeito.
Depois de alguns minutos de passeio despretensioso, entraram em um café charmoso e aconchegante, mas que estava quase cheio.
— Ali, aquela mesa redonda. — Clarisse disse apontando para uma mesa ao canto, para quatro pessoas.
— Um café aqui deve custar um rim. — Disse já sentada, tirando o casaco.
— Não se preocupe, escolha algo quentinho para beber. — A médica disse lhe entregando o menu.
Depois de um tempo lendo as mais variadas bebidas à base de café, escolheu uma.
— Fran, essa é com rum, escolha alguma coisa sem álcool.
— Ah, não sabia. Pode ser chocolate quente então.
Tempos depois, Francine já terminava seu terceiro croissant, prestava atenção nas pessoas que estavam por ali.
— São todos turistas?
— Acho que a maioria. Mês que vem vai ficar ainda mais cheio, quando esfriar mais.
— As pessoas vêm para cá passar frio?
— É, tipo isso. Campos é uma cidade turística, tem toda uma estrutura pronta para esse tipo de turismo, é um bom passeio para casais e para famílias, é tranquilo.
— Você gosta de tranquilidade?
— Eu amo tranquilidade.
— Acho que eu gosto de bagunça.
— Na sua idade eu também gostava de bagunça.
— Mas agora tô namorando, o rolê é outro.
— Você não precisa deixar de fazer o que gosta por estar namorando, ok? Eu ficaria chateada se você deixasse de sair com seus amigos por minha causa.
— Sei lá... — Disse pensativa enquanto sugava seu milk shake. — Você sairia com a gente? Não consigo imaginar você me acompanhando no rolê com Matheus e Amanda.
— Eu não me importaria, mas abriria mão de algumas coisas, como baile funk.
— Você iria num torneio de skate?
— Iria, gostaria de te ver competindo.
— É barulhento.
— Eu tenho filhos, Fran, eu sei o que é barulho. Uma vez fui numa gincana da escola deles, por pouco meus tímpanos não foram perfurados.
Fran riu, afagou a mão dela que estava sobre a mesa. Clarisse trouxe até seu rosto e beijou, depois se inclinou e beijou a namorada.
— Não tem problema fazer isso na sua cidade natal?
— Não, fique tranquila.
— Mas deve ter conhecidos da sua família por aqui.
— Faz tempo que saí do armário.
— Qual foi a primeira mulher que você beijou?
— Colega de residência.
— De onde você morava?
— Não, residência médica, em São Paulo. Eu trabalhava em um hospital lá e fiquei algumas vezes com uma colega, depois que me separei.
— Eu não me importaria de beijar apenas você pelo resto da vida, é bom pra caramba.
Clarisse riu, não resistiu e roubou mais um beijo, agora mais demorado.
— Adoro beijar você, é viciante. — A médica disse.
— Sente falta do piercing?
— Não, gosto assim ao natural.
Francine aproximou a cadeira e perguntou ao pé do ouvido.
— Como se diz quando você desce lá?
— Sexo oral.
— Eu pensei em recolocar o piercing para fazer sex* oral em você. — Disse baixinho.
— Tenho uma ideia melhor.
— Qual?
— Hoje à noite, mesmo sem piercing, se sente preparada?
— Não tenha a menor dúvida disso. — Disse maliciosamente.
— Você é minha perdição, garota. — Um beijo rápido. — Quer pedir algo mais?
— Uma Coca.
Clarisse ergueu a mão chamando o atendente, e logo seu semblante mudou para surpreso.
— Marcos! — Levantou rapidamente de sua cadeira e abraçou carinhosamente um homem de aparentes quarenta anos e alguns fios grisalhos surgindo em sua barba bem aparada.
— Cisse, que bom te ver!
— Bia, que grandona que você está! — Clarisse disse antes de abraçar uma adolescente que acompanhava Marcos.
— Voltou a morar em Campos? — Marcos perguntou.
— Não, apenas visitando meus pais, querem sentar aqui?
— Agradeço, o café está cheio hoje.
Após os dois novos convidados se sentarem à mesa delas, Clarisse fez as apresentações.
— Fran, esse é o Marcos, que já comentei com você, e essa é a Bia, sua filhota. Marcos, essa é a Francine.
— Prazer em conhecê-la, Francine.
— Tiveram a mesma ideia de passear na Vila Capivari?
— Sim, sim, é meu final de semana com Bia, e ela adora vir aqui, então...
— Como assim? Você não está mais com a Regiane?
— Não, nos separamos ano passado.
— Sério? Estou por fora das fofocas de Campos. — Riu.
— Dona Isolete sabia disso, mas ela é uma das poucas não fofoqueiras da cidade.
— É verdade. — Disse rindo. — Minha mãe me repassa pouquíssimas fofocas.
— É seu ex-marido? — Francine perguntou.
— Sim, amor de faculdade, essas loucuras da juventude.
— Mas os porres valeram a pena. — Marcos completou.
— Ah sim, sem dúvida, os porres no bar do Dão às sextas, meus melhores porres.
— E Míriam, como está?
— Ótima, está se tornando sommelier de vinhos, não duvido que abra uma loja de vinhos em breve.
— Então vou falar com ela, a Bia vai fazer quinze anos em setembro, preciso de alguém que me ajude a escolher as bebidas para a festa.
— Quinze anos já? Como o tempo passa rápido, parece que foi ontem que nos divorciamos.
— E Sabrina, ainda está com Renata?
— Sim, ali foi um encontro de almas, firmes e fortes.
— Ela ainda te atormenta com a guarda das crianças?
— De vez em quando, mas já me acostumei, um dia de cada vez, por enquanto estamos indo bem.
— Cadê os meninos? — Marcos perguntou e logo após fez o pedido ao garçom.
— Com meus pais, ajudando a finalizar um campinho de futebol que meu pai fez para eles atrás do quintal.
— Seu Donato é muito bobo pelos netos, né? É uma figura.
— Faz tudo por eles.
— Eu não sabia que você havia adotado uma menina, você sempre quis ter uma filha.
— Eu não adotei nenhuma menina.
— Ah, desculpe. — Apontou com a cabeça para Francine. — Achei que fosse sua filha.
— Francine? Não, Fran é minha namorada. — Respondeu passando o braço pelos ombros dela. — Veio conhecer meus pais.
Um tanto chocado, Marcos responde.
— Desculpe a confusão.
— Fique tranquilo, ela é maior de idade. — Riu.
Francine visivelmente não estava confortável com a conversa, preferiu não falar mais nada. Quando Marcos e Bia foram embora, Clarisse se despediu carinhosamente de ambos, e voltou a sentar.
— Tinha mais de um ano que não via Marcos, já está ficando grisalho, o tempo passa muito rápido.
Francine nada respondeu.
— Quer comer algo mais? Deve ter janta lá em casa daqui a pouco.
— Não.
Clarisse ergueu a mão e pediu a conta, pousou a mão sobre seu ombro oposto e falou com cuidado.
— Algo te chateou?
— Não. — Respondeu, visivelmente chateada.
Pagaram a conta e seguiram a pé até o carro, em silêncio. No curto percurso até a casa de seus pais, Clarisse voltou a indagar.
— Fran, alguma coisa te deixou chateada? Tem a ver com o Marcos?
— Nada.
— Fran...
— Ele tá solteiro, por que você não volta com ele? Parecem se dar muito bem. — Respondeu de braços cruzados.
— Foi isso que você achou? Que eu quero voltar com ele?
— Você estava tão simpática.
— O nome disso é educação.
— Então vai lá ser educada com ele.
Mordendo o lábio e respirando fundo, Clarisse pediu ao universo que lhe mandasse paciência.
— Ele é meu amigo, é assim que amigos conversam, não há nenhum sentimento entre nós, achei que você soubesse disso.
— Como vou saber?
— Porque é você que eu amo, Fran.
Ainda emburrada, nada disse.
Ao chegarem em casa, Francine seguiu na frente e subiu direto para o quarto, Clarisse parou na sala e deixou as chaves sobre o aparador, seus pais estavam na sala assistindo TV.
— Como foi hoje na vila? — Perguntou Isolete.
— Bem, dentro do possível.
A mãe dela saiu do sofá e foi até a filha lhe perguntar.
— O que aconteceu com Francine? Porque passou por aqui feito um furacão?
— Ela ficou chateada. — Disse e tirou o casaco, o pendurando num cabideiro.
— Com o que?
— Encontramos Marcos e a Bia no café, eles sentaram conosco.
— Mas ela se chateou com o que?
Clarisse esfregou o rosto, afogou a gola da blusa de lá.
— Coisa de adolescente, mãe, ainda estou me acostumando.
— Ela ficou com ciúmes?
— Ficou.
— Vou lá falar com ela.
— Não, nesse caso é melhor dar um tempo, conheço meu gado.
— Quer jantar?
— Daqui a pouco, vou lá tomar um banho e olhar meus e-mails e mensagens.
Clarisse ficou uns minutos com os filhos na sala e logo subiu para o quarto, encontrou Francine totalmente coberta na cama, ignorou e foi tomar banho.
Ao sair, tentou conversar com ela.
— Fran, vem jantar comigo.
Nada respondeu. Clarisse se aproximou e sentou na cama.
— Quer conversar?
— Não. — Respondeu abafado.
— Você ficou com ciúmes de Marcos?
Não respondeu.
— Fran, foi apenas uma conversa amigável, desça comigo, vem jantar. — Disse colocando a mão onde julgava estar a cabeça dela.
Destampou a cabeça e respondeu.
— Por que não volta com ele?
— Eu sou lésbica, Francine.
— Acho que você ainda gosta dele. — Respondeu e voltou a cobrir a cabeça.
— Como amigo, que eu vejo uma vez por ano, e olhe lá.
— Ele é bonitão, um ótimo partido.
Clarisse levantou e tomou o celular de cima da cômoda.
— Vou jantar, quando quiser desça, estaremos na sala. — E saiu.
Após o jantar, a família estava reunida na sala, logo seu Donato apareceu com dois violões, entregando um para Clarisse.
— Me acompanha?
— Acompanho, mas estou enferrujada na maioria das músicas.
— Vamos nas mais fáceis. Meninos, querem acompanhar?
— Sim! — Saíram correndo, Jardel voltou carregando o cajon e João um pandeiro vazado em formato de meia lua.
Logo seu Donato puxou o solo de “Eu te darei o céu” de Roberto Carlos, de quem era fã, Clarisse fez a base no violão, Dona Isolete começou a cantar, Jardel a batucar sentado no cajon e João sentado no tapete da sala batendo no pandeiro.
Pouco importava a afinação e a qualidade daquela jam familiar, todos estavam se divertindo e cantando o que lembravam da letra, era visível que aquele tipo de reunião musical era algo que ocorria com certa frequência, havia uma harmonia unindo os integrantes.
Lá pela terceira música, uma de Chico Buarque, Francine desceu as escadas e se recostou timidamente na parede logo na entrada da sala. Quando Clarisse a viu, parou de tocar o violão e a chamou para o sofá com um gesto. Francine seguiu cabisbaixa e sentou ao lado na namorada, que se aproximou e perguntou baixinho.
— Tudo bem?
Francine balançou a cabeça de forma afirmativa.
— Quer jantar? Esquento para você.
— Agora não.
— Então seja bem-vinda ao show da família Martinelli.
— Clarisse, você me desculpa por hoje?
A médica balançou a cabeça com semblante compreensivo.
— Claro, amor, aproveite a noite com a gente. — Clarisse se inclinou na direção dela e a beijou, recebendo sua mão afagando seu rosto.
A música acabou, os sogros a cumprimentaram.
— Tem janta lá no forno, quer que eu esquente? — Perguntou Dona Isolete.
— Mais tarde como alguma coisa, obrigada. — Disse ruborizada.
— Fran, quer vir aqui tocar o cajon?
— Acho que não levo jeito para isso, Del.
— Mas isso aqui é mais fácil, tome. — João entregou o pandeiro.
— Obrigada.
— Sabia que eu e Isolete tínhamos uma banda nos anos setenta? — Seu Donato perguntou. — Éramos mais famosos que os Beatles.
Clarisse riu e completou.
— Mais famosos que a banda cover dos Beatles de Pindamonhangaba.
— Mas gravamos um disco de vinil e tudo.
— Eu soube, vocês foram famosos mesmo, adoraria ouvir esse disco.
— Amanhã a gente coloca pra você. Mas agora vamos tocar uma música em sua homenagem, sabia que gosto muito do rei Roberto Carlos?
— Não sabia.
— Pai, olha o que você vai aprontar.
— Lete, vamos com a terceira do lado B de O Inimitável.
Depois de raciocinar por dez segundos, Dona Isolete deu uma risada abafada. Assim que começaram a tocar e cantar, Clarisse começou a rir.
Mas é ciúme, ciúme de você
Ciúme de você, ciúme de você
Francine riu envergonhada, Clarisse a enlaçou, beijou seu pescoço e murmurou.
— Meu pai é um fanfarrão, não ligue não.
Quando a música terminou, seu Donato voltou a falar.
— Nada mais justo que cantarmos uma música para você, Cisse, sei que você adora Rita Lee.
Logo nos riffs iniciais Clarisse reconheceu a melodia, era “Ovelha Negra”.
Ao finalizar, Clarisse agradeceu.
— Uma ótima escolha, pai, obrigada.
— Fran, quer escolher uma? — Dona Isolete perguntou.
— Eu? Não sei.
— Pensa em alguma coisa que você ouviu recentemente, dos CDs que te emprestei.
Depois de pensar um instante, decidiu.
— O senhor sabe tocar Caetano Veloso?
— Todas. Venha aqui e me fale o nome da música no meu ouvido.
Francine foi até seu sogro e sussurrou algo, Clarisse ficou curiosa. Voltou ao sofá, lançou um sorriso arteiro para a namorada.
— Filha, ela pediu para dedicar a você, e eu concordei. Me acompanhe, o tom é Lá.
“Fonte de mel
Nos olhos de gueixa
Kabuki, máscara...”
Clarisse sorriu abertamente enquanto fazia a base no violão, olhou para o lado e viu Francine cantando baixinho o refrão a fitando de forma apaixonada.
“Você é linda
Mais que demais
Você é linda sim”
— Obrigada pelo elogio. — Clarisse murmurou ao fim da música.
Mal terminou de tocar, seu Donato já puxou o solo de “Hotel California”.
— Ok, agora seu Donato vai se exibir um pouco, vou lá buscar um copo d’água. — Clarisse disse.
— Com certeza vai emendar com “Stairway to Heaven”. — Respondeu sua mãe.
— Volte, vamos cantar “Andança” depois.
Já próximo da meia-noite, a cantoria se findou e o casal se preparava para dormir.
— Fran, venha aqui, tem presente para você. — Clarisse disse para Francine, que mexia em sua mochila no chão.
— Que?
— Sua puxa-saco número dois comprou isso para você hoje.
— O que é?
— Abra.
Francine tirou de dentro do pacote um pijama flanelado e apeluciado.
— Que bom! Estava precisando pra caramba. Mas quem me deu?
— Minha mãe.
— E quem é minha puxa-saco número um?
— Eu, obviamente.
— Amanhã vou agradecer dona Isolete, sua família é muito daora.
— Exceto meu irmão.
— Por que?
— Ele é homofóbico, entre outras coisas.
— Sério? Mas por que?
— Sei lá, ele é tão diferente dos meus pais, se tornou um cara amargo e conservador, por isso nunca o visito, ele não aceita minha sexualidade, nem meus filhos.
— Isso é um absurdo, que cara quadrado.
— Paciência... Parei de me esforçar para ser aceita por ele. — Clarisse disse e foi para a cama. — Ele vai espumar quando souber com quem estou namorando agora.
— Eu sinto muito, Cisse, acho melhor não contar para ele sobre nós. — Francine tirou a roupa e estava prestes a vestir o pijama novo.
— Vem aqui.
— Que foi?
Clarisse a puxou pela cintura e a derrubou sobre a cama.
— Eita!
— Você me chamou de Cisse, e eu achei fofo.
— Saiu sem querer.
— Ótimo.
— Me solta, tenho que provar o pijama.
— Prove amanhã, agora eu quero você exatamente assim, só de calcinha.
— Eu vou provar amanhã. — Respondeu e mergulhou num longo beijo.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:

Zaha
Em: 14/04/2023
Olá!!!
Digo que Francine me deixou quase cansada com essas cenas de ciúmes, até de Marcus kkkkkkk. O ciúmes é irracional, mas o dela não tá sem noção hahahahaha. E entrou na casa e nem tchum. Se engole a chateação e fica, n subindo. Essa, apesar de entender, não tem desculpas. N foi pela doença, n foi pq é nova, foi infantilidade que pode ter em QQ idade RS. Eu tava pra tirar o q falei dela de madura, mas são muitas mudanças de vez , então, ela tem q processar muitas coisas.
Achei q tivesse ficado chateada pq Marcus tivesse confundido ela como filha e não por ele hahaha.
Bem, os pais de Cissa são "lo más"!!!!
Beijoss

Zaha
Em: 14/04/2023
Olá!!!
Digo que Francine me deixou quase cansada com essas cenas de ciúmes, até de Marcus kkkkkkk. O ciúmes é irracional, mas o dela não tá sem noção hahahahaha. E entrou na casa e nem tchum. Se engole a chateação e fica, n subindo. Essa, apesar de entender, não tem desculpas. N foi pela doença, n foi pq é nova, foi infantilidade que pode ter em QQ idade RS. Eu tava pra tirar o q falei dela de madura, mas são muitas mudanças de vez , então, ela tem q processar muitas coisas.
Achei q tivesse ficado chateada pq Marcus tivesse confundido ela como filha e não por ele hahaha.
Bem, os pais de Cissa são "lo más"!!!!
Beijoss
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mtereza
Em: 09/04/2023
Paciência a Clarisse tem demais viu rsrsr

Cristiane Schwinden
Em: 14/04/2023
Autora da história
Tem que ter paciência mesmo, ela sabia onde estava se enfiando... rs
Abraços!
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patty-321
Em: 01/04/2023
Fran se mordeu de ciúmes, ainda bem que não estragou o fds delas e os pais da cisse são maravilhosos. E aos poucos vao se adaptando uma a outra, normal a Fran ter uma baixa autoestima.

Cristiane Schwinden
Em: 14/04/2023
Autora da história
É isso, elas vão se adaptando aos poucos, é ainda mais complexo para Francine pq são novas situações de vida, mas ela está crescendo, tá evoluindo ;)
Abraços!
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Lea
Em: 31/03/2023
Melhor encontro de família! ADOREI!
Francine é um "poço" sem fim,de ciúmes.
Ser confundida como filha da Clarisse,isso vai acontecer e muito.

Cristiane Schwinden
Em: 14/04/2023
Autora da história
Tb acho que ainda vão confundir com filha mais algumas vezes, Francine precisará reforçar seu emocional para essas novas situações ;)
Abraços!
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Marta Andrade dos Santos
Em: 31/03/2023
Fran segura o ciúmes é bichinho da ruína.

Cristiane Schwinden
Em: 14/04/2023
Autora da história
Ciúme de adolescente é o mais chato de todos... rs
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