• Home
  • Recentes
  • Finalizadas
  • Cadastro
  • Publicar história
Logo
Login
Cadastrar
  • Home
  • Histórias
    • Recentes
    • Finalizadas
    • Top Listas - Rankings
    • Desafios
    • Degustações
  • Comunidade
    • Autores
    • Membros
  • Promoções
  • Sobre o Lettera
    • Regras do site
    • Ajuda
    • Quem Somos
    • Revista Léssica
    • Wallpapers
    • Notícias
  • Como doar
  • Loja
  • Livros
  • Finalizadas
  • Contato
  • Home
  • Histórias
  • ACONTECIMENTOS PREMEDITADOS
  • Capitulo 14

Info

Membros ativos: 9524
Membros inativos: 1634
Histórias: 1969
Capítulos: 20,492
Palavras: 51,967,639
Autores: 780
Comentários: 106,291
Comentaristas: 2559
Membro recente: Thalita31

Saiba como ajudar o Lettera

Ajude o Lettera

Notícias

  • 10 anos de Lettera
    Em 15/09/2025
  • Livro 2121 já à venda
    Em 30/07/2025

Categorias

  • Romances (855)
  • Contos (471)
  • Poemas (236)
  • Cronicas (224)
  • Desafios (182)
  • Degustações (29)
  • Natal (7)
  • Resenhas (1)

Recentes

  • Legado de Metal e Sangue
    Legado de Metal e Sangue
    Por mtttm
  • Entre nos - Sussurros de magia
    Entre nos - Sussurros de magia
    Por anifahell

Redes Sociais

  • Página do Lettera

  • Grupo do Lettera

  • Site Schwinden

Finalizadas

  • Dueto: perdurável
    Dueto: perdurável
    Por May Poetisa
  • Tudo de Nós (Por que demoramos tanto?)
    Tudo de Nós (Por que demoramos tanto?)
    Por Leticia Petra

Saiba como ajudar o Lettera

Ajude o Lettera

Categorias

  • Romances (855)
  • Contos (471)
  • Poemas (236)
  • Cronicas (224)
  • Desafios (182)
  • Degustações (29)
  • Natal (7)
  • Resenhas (1)

ACONTECIMENTOS PREMEDITADOS por Nathy_milk

Ver comentários: 0

Ver lista de capítulos

Palavras: 7667
Acessos: 1191   |  Postado em: 27/03/2023

Capitulo 14

Capítulo 14 - acontecimentos premeditados

 

Eu saí da sala de interrogatório com a cópia dos dois depoimentos em mãos, mas com a cabeça voando em mil questões. Mil questões desse caso. Eu nunca fui muito estimulada na minha infância, no sentido acadêmico, mas quando eu tinha uns 7 anos, uma tia me deu um jogo com três quebra cabeças, eu fiquei tão encantada com aquilo que eu passei a semana quase sem dormir tentando montá-los e depois que eu já sabia todos de cor e salteado comecei a desenhar nas peças atrás, para criar outros. Ser investigador é exatamente isso, achar suas próprias peças e criar a imagem do seu próprio quebra cabeça. 

As ideias surgem na minha mente de um jeito que eu praticamente entro em transe, os pensamentos queimam, eles saem da minha mão para a folha sem eu ter a consciência deles, sem nem ao menos compreendê-los. Eu preciso primeiro deixá-los sair de mim para depois analisar. Voltei da sala do interrogatório e  sentei na minha mesa, abri a gaveta de baixo e peguei o meu caderno de casos. Enquanto a lenha queimava produzindo vapor, o meu computador de trabalho ligava, eu fui começando a escrever no caderninho dos casos. 

        Preciso da equipe de informação para analisar o celular do Migalha e tentar pegar o contato do tal Caroço ou Grilo, que são quem passa os casos para desovar. Preciso ligar pro legista e ver se já há alguma identificação dos corpos, se houver preciso interrogar as famílias. Preciso rastrear as caixas de midazolam e fentanil que estavam no carro apreendido. E preciso estudar aquele caderninho de anotações, um por um, será que a Bia fotografou cada página dele? Não vou poder mexer no original que é a prova, mas preciso da foto. Deixei isso anotado. 

          Estou pensando aqui, as vítimas "patrão" são corpos cheios, com os órgãos, portanto devem ser os pacientes que foram a óbito na cirurgia. Porque será que os corpos não são devolvidos às suas famílias? Não seria mais fácil do que desaparecer com eles? Vou começar rastreando os lotes de midazolam e Fentanil que achei no carro do Migalha. Essas medicações são psicotrópicos, para uma equipe pegar uma ampola dessa nas mãos, um farmacêutico deve ter liberado após um médico prescrever e depois esse farmacêutico deve comunicar instâncias de vigilância acima, ou seja, não é nada que dá pra comprar por aí como uma dipirona. 

Em uma das minhas investigações anteriores eu havia achado dois crimes contra materiais hospitalares que me chamaram a atenção, na verdade achei diversos, mas esses dois me levantaram a orelha. Um deles foi contra uma van que transportava respiradores hospitalares,  onde carrinhos de anestesia foram levados, os próprios respiradores e materiais necessários para o funcionamento dos equipamentos. O outro assalto foi em uma clínica de hemodiálise, em um bairro nobre de São Paulo, relativamente próximo à favela do Heliópolis, que fica próximo ao Matão do fundo onde achamos os 5 corpos iniciais e onde pegamos o carro com os dois. Esse assalto a clínica foi a luz do dia, logo após um caminhão de suprimentos hospitalares chegar. A hipótese inicial foi que algum profissional da clínica ou da entregadora contou sobre a chegada. Preciso identificar se o Midazolam e o Fentanil achados com o Migalha é de algum desses dois assaltos, e se bem conheço meus instintos é. 

A Bia já me entregou uma pasta com as imagens dessa apreensão da sexta feira, então puxei a gaveta debaixo e peguei. Com uma organização bem bagunçada que só eu entendo, peguei a imagem dos lotes das medicações. Agora preciso abrir o processo desses dois crimes e analisar, identificar que foi levado medicações, e caso sim, se os lotes batem. O pequeno e leve problema é que a documentação do caso da van tem 300 páginas e a da clínica 250, mas nada que não seja padrão. 

 

- Flávia? Flávia? - Só na segunda chamada eu atentei a Bia parada na porta da sala dos investigadores, me olhando. Eu estava tão concentrada na leitura dos processos que apenas quando ela me chamou que eu levantei a cabeça e percebi a dor nas costas que eu estava. 

- Entra Bi. Tá tudo bem?

- Eu e o Gabriel vamos almoçar, você quer ir? Ou trouxe comida? Já comeu?

- Ainda não, está cedo para irmos, não acha?

- olha a hora, você nem se deu conta do horário né?!

- Nossa, não mesmo. Já são 13h. Vamos antes que o Kilo feche. Só que eu preciso passar no vestiário antes, para pegar minha carteira, pode ser? Me esperam? 

- Em 10 minutos no térreo? 

- Cara, você já está falando como o Cantão! Em 10 lá na rua chefe - ela ficou vermelhinha, sorriu pra mim e saiu. Acho super fofo como ela fica envergonhada fácil. Vai ser gostoso morar com ela, eu acho, sempre dividi minha casa com um monte de gente, seria estranho morar sozinha. 

Organizei rápido os papéis da minha mesa e silenciei o computador. Desci até o vestiário quase em pulos, para agilizar o processo e não atrasar. Abri meu armário, peguei a minha carteira, só então eu lembrei do meu celular. Eu não sou a doida ligada nele, principalmente quando estou em serviço. Peguei ele e fui ligando enquanto batia a porta do armário. Subi um lance de escada para chegar na rua enquanto eu abria o aplicativo de mensagem, a manhã foi tão diferente e trabalhosa que eu esqueci de mandar mensagem pra Bruna, na verdade eu ainda não criei esse hábito. Assim que olhei o celular vi que ela havia mandado várias mensagens. 

            - Bom dia Flavinha! Tudo bem por aí?

- Cheguei no jornal, tudo bem?!

- Senti falta de ficar conversando com você ontem, o sábado foi tão gostoso que o domingo ficou vazio. 

- Você deve estar trabalhando, eu estou enrolando mesmo. Meu padrinho voltou hoje então cheguei mais cedo para termos reuniões de atualização e tals. Depois a tarde vou ter reuniões sobre o jornal em São Francisco, o dia vai ser mais administrativo que jornalístico. E como você está?

- Estou indo almoçar, quando der me liga?

- Não vai me ignorar depois do final de semana não né?! Te assustei?

Senhor, mas que mulher insistente. Achei graça enquanto eu subia a escada indo para o térreo, vou ter que me policiar para acordar e mandar mensagem pra ela e periodicamente olhar o celular. Uma das realidades é que faz tanto tempo da última vez que me importei com alguém do outro lado do celular que fico meio perdida, mas vou reaprender. Quando cheguei a lateral do DP o número dela já estava atendendo minha ligação. 

- Bom dia linda.  - comecei falando

- Boa tarde Flávia, já passamos do meio dia há um tempo. 

- Foi tão corrido aqui que se a Bia não tivesse me chamado pra almoçar eu ainda iria achar que é 8 da manhã.

- Pesado?

- Sim, tive que interrogar suspeito, depois analisar dados, por sorte não tive nenhuma ação para ir. Como você está?

- Melhor agora falando com você - brega, mas bonitinho. 

- Hhahaha, que linda. Quase acredito em você, Bru. 

- É verdade. Você já foi comer?

- Estou indo agora com a Bia e o Cantão - os dois que estavam andando ao meu lado olharam, mas o Cantão moleque, foi no meu celular gritar, como se fosse conseguir falar com a menina: - Vem também Pink! - eu apenas consegui puxar o aparelho rapidamente, para não ir o grito todo do idiota, mas ela pode ouvir e deu risada do outro lado

- Manda um beijo pra ele. 

- Mando sim Bru, vamos comer aqui perto do DP mesmo. 

- Flavinha, você tem aula hoje?

- Tenho prova às 19h. Porque?

- Quer tomar um café entre a delegacia e a faculdade.  Dá tempo?

- Acho que dá sim, só tem um problema, eu deixei a moto em casa e vim andando, você quer tomar café aí no jornal ou aqui embaixo?

- Eu desço, fica mais fácil pra você. Sai as 5?

- A hora que você chegar me fala que saio, só preciso chegar na facul um pouquinho antes, umas 20 pras 7, pode ser?

- Fechado amor, combinado. 

- Beijo. 

- Estou contando com isso. - Ela respondeu e eu sorrindo desliguei o celular. 

 

- Nossa… amor, beijinho pra cá, saudade pra lá, alguém tá curtindo a pegação - O Cantão não consegue ficar sem me fazer de piada do dia. 

- Mas você é besta mesmo. Como você aguenta ele, Bia?

- Ah, ele é palhaço, mas é fofo - falou fazendo uma carinha de apaixonada que vocês precisavam ver. 

- Nossa, quanto mel vocês dois. 

- Mas fala aí sapatão, tá na dela ne?! 

- Sem pressão, só tô deixando rolar.  

- Você está mais leve mesmo - a Bia entrou na conversa - mais sorridente. 

- Fico feliz, uma vez na vida finalmente me ouviu. Só não estraga tudo. - O Gabriel completou

- Porque seria eu a estragar tudo?

- Porque você é caçadora, e nem sempre quem caça consegue se contentar com a comida. 

- Para de incomodar ela Gabi - Ele sorriu sem graça com a bronca que levou da Bia, me olhou com uma expressão de desculpa, mas no fundo é um pouco de verdade o que ele falou. Será que por eu ter “caçado” tanto  eu consigo me acostumar de novo em ser uma mulher só? Em acordar e mandar mensagem a alguém? De me preocupar novamente com alguém? E mais ainda, será que consigo me permitir amar depois da Fabi? Ele fez piada, mas eu tenho todos esses medos juntos.

Continuamos andando em direção ao restaurante, eles juntos de mãos dadas e eu ao lado pensativa. Assim que chegamos o Cantão se propôs a segurar uma mesa para nós enquanto eu e a Bia pegavamos comida. Quando nos afastamos um pouquinho dele, a Bia começou a falar:

- Flavinha, não se preocupa com o que ele falou não, o Gabriel às vezes perde a linha nos comentários dele. 

- O pior é que ele tem razão Bia. O que ele falou é um dos meus medos. 

- Para de ser boba, todo mundo é capaz de amar, de estar com outra pessoa, as vezes demora um pouco pra dar certo, pra se soltar, mas todo mundo é capaz disso. E você está conseguindo, está alegre, viva. 

- Eu estou gostando dela. De conversar, estar perto. 

- Vai com calma, no seu tempo, deixe acontecer. 

- Como vocês dois estão, Bia?

- Ah, ele é um fofo, cuida bem de mim. Na sexta, depois da crise de pânico eu não queria ir pra casa de jeito nenhum, ele me ofereceu pra ir pra casa dele. Ele viu que eu fiquei meio tensa, não queria ir pra minha, mas estava desconfortável de ir pra dele. Mas aí ele foi delicado, ofereceu o quarto do irmão dele, não forçou nada. Me deu um ambiente seguro. Estamos nos conhecendo, ele é gente boa. 

- Ele é um bom menino. Já conheceu as mães dele?

- Não, elas estavam viajando na sexta. Aí não conheci. 

- Elas vão ir na festa dos meus avós que convidei vocês, vai acabar conhecendo elas. 

-  Mas seus avós conhecem as mães do Gabriel?

- Minha vó teve um problema na aposentadoria um tempo atrás, e a dona Carmen deu uma ajuda. Desde então pra minha vó, Deus no céu e a mãe do delegado na terra. 

- Entendi. É um carinho, agradecimento que ela tem. Ah, na festa precisa levar algo? 

- Não. Eu já comprei tudo, venho organizando há um tempo. Não queria que passasse em branco, são 50 anos de casados. Será coisa simples.

- Tenho certeza que vai ser ótimo. Se precisar que eu leve algo me avisa pra pegar no mercado. 

- Aviso, mas a princípio só a presença mesmo. Pegou tudo? Vamos sentar? 

- Sim - fomos em direção a mesa enquanto o Cantão levantou para ir pegar a comida. O almoço ocorreu de um modo suave, eu enfiada dentro dos meus pensamentos e os dois como um casal de início de relacionamento, carinhos e cafunés a todo momento. Minha cabeça estava permeando o caso, as próximas etapas desse processo todo de investigação, mas pensando em ir na casa da minha mãe buscar as minhas coisas, na festa da minha vó, em ver a Bruna mais tarde. Poder ver a Bruna foi a coisa que mais fez sentido no meu dia, uma brisa leve no meio de um mormaço de verão. 

Após terminarmos o almoço o casal seguiu em direção ao DP, mas eu estava incomodada em ficar de vela deles, então deixei eles irem e segui em direção ao chaveiro, que fica um quarteirão a frente da delegacia. Eu preciso fazer uma cópia da chave de casa para a Bia, não tem condições dela morar lá comigo e termos uma chave só. Contudo, os dois chaveiros que tem perto do DP estavam fechados, um para almoço e o outro com uma plaquinha de “ Volto já”. Bati o olho no relógio e pelo correr da hora achei melhor seguir para o serviço de volta, ainda mais porque eu quero sair um pouquinho mais cedo hoje, então é melhor não forçar a barra. 

Subi direto pra minha sala, sem a habitual xícara de café na copa, hoje eu não estou muito no clima, não do café, mas do bate papo chato da copa. Deixei minha carteira e meu celular na minha gaveta e atravessei o corredor, em direção ao departamento de polícia técnico científica, onde a Bia fica trabalhando. Ela já havia voltado e estava sentadinha no computador dela, com o fone de ouvido. Sem assustá-la encostei em seu ombro para chamar a atenção. 

- Oi Flávia. 

- Bi, não consegui fazer uma cópia da chave - falei abaixando para ficar na mesma altura dela sentada na cadeira - fica com a minha hoje, amanhã já devo conseguir fazer uma cópia. 

- Mas você vai ficar sem?

- Eu devo sair da faculdade por volta das 21h, 22h. A depender de como for a prova. Você vai estar em casa esse horário?

- Sim, eu estava querendo ir saindo daqui. 

- Perfeito, então você fica com a chave, quando eu chegar toco a campainha e você abre pra mim. Amanhã faço uma cópia e já resolvemos isso. Tudo bem?

- Claro Fla. Certinho. 

- Bi, outra coisa é que a casa está praticamente como você viu no sábado, ainda cheia de quinquilharias da dona anterior. Como eu não sabia se você ou alguém iria mudar por agora, eu só comecei a arrumar o meu quarto, nem mexi no quarto do meio. Aí você indo pra lá ou dorme lá no meu quarto que está menos zona ou já vai mexendo no seu. O que achar que pode jogar fora já separa para darmos fim. 

- Tranquilo, eu já vou vendo quando eu chegar lá. Separa alguma coisa?

- Quarto seu, espaço seu. Veja se algo antigo é útil pra você, caso não separe. E mil desculpas por não ter arrumado nada, eu não estava programada. Ah, você sabe da história toda e tudo mais. 

- Fla, não tem que se desculpar por nada. Você está me dando uma oportunidade de casa, eu que preciso pedir desculpas por não ter avisado antes, ter chegado de supetão. 

- Que nada, fica tranquila. Ah, já avisei o porteiro que a moradora nova vai chegar hoje. Você só precisa passar pela portaria e fazer um chaveiro de identificação, que dá acesso ao prédio. Depois vamos vendo os demais detalhes - ela sorriu leve, feliz, contente por estar começando algo novo. 

- Obrigada Flavinha, mesmo.

- Seja bem vinda - sorri de volta, sincera. Levantei do agachamento eterno que eu estava. Passei a mão no ombro dela em forma de carinho e segui para fora da sala dela. Não voltei para a minha, segui para a do Cantão no final do corredor. Por sorte mais uma vez estava vazia, permitindo que eu falasse com ele sem ter que esperar muito. 

- Posso entrar?

- Sim sim, senta aí, eu só preciso terminar de imprimir esses documentos - falou esticando a mão para pegar as folhas de papéis que eram cuspidas da impressora dele. Acertou calmamente as bordas dos papéis e grampeou-os. - Pronto, o que manda?

- Precisava falar com você duas coisas. A primeira é que eu preciso de um documento seu daqueles de delegação de função, quero que o TI análise o celular do Migalha. Acho que lá vamos achar mais coisas e o telefone do tal Caroço e Grilo. 

- Tudo bem, me manda os dados corretamente, tudo que precisa no documento que já faço e assino. Como você vai querer prosseguir? Flávia, eu vou meio deixar esse caso nas suas mãos, vou ficar de olho só, você está mais do que apta para puxar a investigação e eu acho que é esse caso que vai te levar para Delegada. Depois do concurso e tudo mais, mas na análise da sua ficha eu digo. 

- Eu vou trabalhar em três linhas: quero identificar as vítimas, acho que com elas vamos achar quem agencia as pessoas para, entre aspas, venderem os órgãos, que na verdade  é morrer, quero saber se é voluntário e no final dá errado ou se é sequestro. A segunda linha é identificar como são oferecidos os órgãos, porque algo só é vendido porque alguém compra. E a terceira via é o gerenciamento e chefia desse esquema, mas com essa terceira linha vamos achar o mandante do assassinato da vítima 3, que foi desovado com coração, tem um perfil diferente. Tenho outras questões sutis no meio para abordar e achar respostas, mas de um modo amplo é isso.

- Certo. É um caminho bem viável. Eu fico a sua disposição como delegado para o que precisar  e como amigo para conversarmos. 

- Tá certo - falei mais seca, sem grandes alegorias. Estou um pouco chateada com o que ele falou agora a pouco no restaurante. 

- E o que é a segunda coisa?

- Eu preciso de duas folgas. Preciso arrumar aquele muquifo que você viu e chamar o moço para fazer a parede da cozinha. 

- Não posso te dar folga Flávia. 

- Pode sim Cantão, eu tenho banco de horas. É só você dar. 

- Pode ser um dia de folga e o outro eu te deixo de sobreaviso, se der merd* você vem, mas se ficar de boa fica em casa. Pode ser?

- Pra mim tranquilo. Eu realmente preciso arrumar isso, preciso ir na minha mae pegar minhas coisas. Preciso fazer  a parede, tirar os itens velhos

- Como você vai fazer para pegar suas coisas? Vai de moto?

- A princípio ia ser, mas a Bruna vai deixar o carro dela comigo enquanto ela estiver nos Estados Unidos, pensei em ir com ele rapidinho e trazer minhas coisas todas. Ir de manhã que não tem ninguém por lá. 

- A Bruna vai deixar o carro dela com você? Ela é retardada? - ele tentou fazer graça, mas estou só ficando mais chateada e puta com ele. 

- Eu vou levar ela amanhã no aeroporto e ela pediu pra eu ficar com o carro na minha casa até ela voltar. 

- Acho ela bem louca, não confio em você com o meu carro - ainda não entendeu que eu estava chateada. 

- Ainda bem que estou com ela e não com você não é?! Vou indo - falei levantando da cadeira, mas ele me chamou de volta. 

- Flávia?!

- Oi

- Senta aqui mais um pouquinho, deixa eu falar com você. 

- O que precisa?! - falei normal. 

- Desculpa pelo que eu falei lá no restaurante, você sabe como sou desligado nas questões de tato. Acabei falando demais. 

- Fica tranquilo Cantão, o que você falou não é nenhum absurdo não. 

- Você está se esforçando Flavinha, dá pra ver. E eu fico muito feliz com isso, quero você bem, feliz. Vai no seu tempo. 

- Porque todo mundo fica falando isso, vai no seu tempo?! Como se eu fosse algo pronto para quebrar? Que saco. 

- Eu estou falando porque talvez você e a Bruna estejam em momentos diferentes e eu conheço o quanto ela pode pressionar alguém. Vá no seu tempo - ele poderia ter calado a boca, eu estou começando a ficar mais irritada ainda, que porre. 

- Tá, vou ir devagar. Posso ir?

- Pode Flávia, pode. Faz o documento e me manda.

- Ok. Amanhã e quarta eu estou livre né?!

- Sim, mas na quarta fica de olho no celular. Fla - olhei de volta pra ele, cansada - Obrigada por cuidar dela, deixar ela morar junto de você. 

- Ela é gente boa, está mais me fazendo um favor que o oposto - e finalmente sai da sala dele, exausta, desejando que esse dia acabe logo. Voltei para a minha mesa e peguei o celular, disquei para o número de um mestre de obras que eu já havia negociado e combinado o serviço e o material, apenas precisava conversar com ele sobre a data. Por sorte ele está disponível para fazer o serviço amanhã. Isso será ótimo, já resolvo a questão da cozinha, que é gigante e não tenho sala. O que será feito é uma parede transformando a cozinha gigante em pequena e um espaço dela em sala. Isso vai permitir que eu coloque uma TV e um sofá, tendo um espaço confortável.  

Passei o resto do dia fazendo duas coisas, uma foi ler os inquéritos e mexer no caso, a segunda foi pensar na Bruna e em quantos minutos faltavam para ela aparecer e eu finalmente poder beijá-la, pelo menos hoje, essa é a parte mais interessante do meu dia. Quero sentir a pele dela, os lábios, digamos que eu chego a estar com saudades da jornalista. 

O lote da caixa de midazolam bate com o roubo da van, mas a caixa de Fentanil bate com a imagem da clínica, o bom é que o caminho é esse, o problema é o tamanho do caminho. Preenchi mais um documento burocrático pois quero analisar as cameras de cada um dos locais relacionados a época dos assaltos, identificar que se há rostos em comum ou não, pra mim os dois foram de autoria da mesma quadrilha, mas tudo na vida não são suposições apenas, eu preciso de provas, de identificações, A + B. 

Eu me assustei com o celular tocando no canto da minha mesa, apitando e cambalhotando com a foto da minha musa na tela. Sim produção, salvei uma foto dela no contato. Atendi a Bruna, que já estava chegando ao DP e levantei minha cabeça pela primeira vez aquela tarde. Desliguei o computador e peguei o que eu precisava levar para casa para trabalhar lá. Minhas costas estavam rasgando de dor e minha cara, cheia de olheiras, não nega o quanto estou cansada e acabada. Confesso que o que mais quero é poder abraçar a Bru, sentir ela próxima a mim, sentir alguém cuidando de mim. Passei mais uma vez no vestiário, mas agora para pegar minha mochila e trocar a minha camisa e o sapato para poder entrar na faculdade, somos proibidos de assistir aula com roupa do dia a dia, sempre tem que ser social. Passei uma água no rosto e fiz um coque no meu cabelo, já melhorou 20% do meu rosto, mas a fadiga estava claramente estampada. 

Quando eu saí da delegacia, com minha mochila nas costas, desolada e exausta, levantei o rosto e vi na calçada, lá na frente um frescor de vida. Meus ombros relaxaram na mesma velocidade que meu rosto sorriu ao ver a Bruna. De salto e vestindo uma camisa amarela, social, firme, ela me olhou com plenitude, uma sensação de decisão, que por alguns segundos eu me senti segura.

- Oi meu amor - falou abrindo um sorriso de orelha a orelha, mostrando a covinha do rosto. 

- Oi Bru, como você está? - Perguntei isso, mas ela sentiu antes a minha resposta e abriu os braços para que eu pudesse me encaixar, finalmente. Passei meus braços por cima dos ombros dela, me aninhando a menina, ali mesmo na calçada da delegacia, onde por tanto tempo fiquei com uma garota atrás da outra, sem querer o dia seguinte, sem  haver nem ao menos um abraço com carinho. - Oh, o dia foi difícil? 

- Bem pesado - falei finalmente me soltando dela e levantando a cabeça novamente, onde depois da minha resposta nossas bocas se encontraram em um selinho longo, carinhoso, firme. - Como você está?

- Cansada também, mas estou bem. Você comeu?

- Só almocei.

- Vem, vamos comer alguma coisa antes da sua prova. Onde quer ir?

- Vamos perto da faculdade, eu como um PF de jantar. Pode ser?

- Claro, só vai ter que me guiar até lá. 

- Te guio até onde você quiser. - falei com um sorriso sacana, sedutor. Ela retornou sorrindo leve, mas com uma mordida no lábio inferior, quase que uma prova de aceite. Passei a mão no rosto dela em carinho e depois estiquei para que ela segurasse para irmos até o restaurante, dois quarteirões a frente. Fomos andando e conversando - E como foi hoje amor?

- Foi bem corrido, antes de viajar é sempre assim. Só que desta vez juntou a ida para São Francisco com a volta do meu padrinho. 

- Ele voltou?

- Finalmente. Estou livre da Mayra por um tempo. 

- E como foi?

- Ah, ele chegou bem cedo pelo que eu soube. Quando eu cheguei às 7h30 ele já estava lá. Em geral temos sempre uma reunião de atualização sobre o que aconteceu com o jornal na ausência dele ou de um dos editores. Mas dessa vez ele chegou bem cedo e teve uma reunião com a Mayra antes de tudo. Quando eu cheguei, eles já estavam reunidos. A coisa foi feia, porque ela saiu da sala dele resmungando depois entrou na dela e chutou a cadeira, a mesa. Achei que iria quebrar o computador. Enfim, não tenho nada a ver com isso. 

          - Será que não foi uma chamada pela forma como ela te tratou esses dias? 

         - Imagino que não, deve ter sido algo mais grave, de importância para o jornal mesmo ou para algum dos negócios do grupo. Ele não quis me dizer e ela menos ainda. 

        - Mas o importante é que não foi com você. Digo, você deve ter trabalhado bem no período que ele estava ausente. 

       - Sim, faço como ele me ensinou. Não desvio muito não. Ele é como um pai pra mim, sempre me ajudou, me ensinou, pagou meus estudos. Fico bem mais leve com ele por aqui. 

       - Imagino, é gostoso trabalhar com quem a gente se dá bem - atravessamos a rua, logo de frente com o restaurante do sr. Olimpio, que vende um PF bom e de preço honesto - Chegamos, vamos entrar? 

      - Aqui?! - a expressão da Bruna era de completo nojo, de asco mesmo, como se aquele fosse o pior lugar do mundo - Eu não vou entrar nesse lugar, não vou comer aqui.

       Desde o meu primeiro ano de faculdade venho nesse restaurante e como aqui, nunca passei mal ou fui mal atendida. Estou cansada do dia, não sei se devo discutir com ela, brigar para comermos aqui, não sei exatamente o que fazer. 

-Porquê? A comida é boa aqui, sempre como aqui - respondi educadamente, sem forçar a barra. Na verdade assustada pela forma como ela falou.

     - Flávia, eu não vou comer aqui. Se quiser, vai entrar sozinha. Tem um restaurante bem melhorzinho ali na frente - e saiu andando sem soltar a minha mão, praticamente me puxando para irmos para outro lugar. Que sensação incômoda, não gostei dessa atitude dela. Me senti furando alguma regra social, sendo colocada abaixo. Ela andou mais meio quarteirão e parou em frente a uma rotisseria. A única vez que eu entrei nesse lugar foi quando a Fabi veio me acompanhar para a matrícula no primeiro ano, na época tomamos um café e comemos um doce, saiu tão caro que foi a única saída do mês - Vem Flavinha, a comida daqui é uma delícia. 

        - Bru, aqui é bem mais caro - acho que foi a única coisa que consegui argumentar.

     - Aí Flávia, entra logo - falou sorrindo, leve, dominando completamente a situação, como se dançasse uma valsa sem música. Eu a segui, não sou exatamente do tipo de pessoa que discute, mas estou desconfortável. Vou deixar passar dessa vez, sútil, mas depois que ela voltar dos Estados Unidos e formos sair novamente eu converso com ela. 

     Entramos no estabelecimento e ela escolheu uma mesa do lado de fora, ao ar livre. Uma jovem, elegante e super bem vestida veio nos atender, oferecendo o cardápio. Eu peguei e fui olhando o que dali caberia no meu orçamento e encheria minha barriga, em definitivo nada. A Bruna quase que de bate pronto pediu uma massa fresca com filé, um treco com um nome diferenciado. Eu tentei olhar rapidinho o cardápio, mas fui na torta de frango. Nem pedi mais nada. O preço da torta aqui é o mesmo que o PF lá no sr. Olímpio, por hoje não vou discutir. 

- Vai de torta de frango amor? Achei que iria jantar, comer comida. 

- Não, achei melhor algo mais leve. Tem prova hoje. - menti tentando disfarçar a situação incômoda que eu estava inserida.

-Isso é verdade Fla, imagina aquele cansaço depois de comer na hora da prova. Como foi o dia no DP? Você está com uma carinha cansada - puxou papo, sem se importar com a situação da comida ou simplesmente ignorando.

- Estou mesmo, acho que juntou o fim do semestre da faculdade com o trabalho. Eu estou em um caso bem complicado, hoje eu passei o dia coletando depoimento e depois analisando. Estou cansada sim. 

- É o caso do tráfico de órgãos que a Bia falou na sexta?

- Amor, não posso discutir caso com quem é de fora da equipe. 

- Nem eu? - fez um bico, tentando me convencer. Além de eu não poder falar com ninguém, imagina eu falar sobre algo sigiloso com uma jornalista. 

- Muito menos você Bru. Iriam te ligar rapidamente a mim e eu perderia meu caso. 

- Não deixa de ser verdade, mas é que minha alma jornalista quer insistir. 

- Não falo nada, nem sob tortura. 

- Olha que sei uma tortura bem gostosa - ela completou. 

- Hahahaha, sem chance. Desse jogo eu sou o jogador caro - ela deu risada leve, eu acabei me soltando mesmo incomodada pela situação da comida, tentei não perder tempo com ela. Logo a atendente entregou nossos pedidos, confesso que o prato dela realmente deve ser uma delícia, um macarrão bonito com molho branco, uns pedaços de carne de lado. E um cheiro de me fazer salivar. Ela até ofereceu, mas eu nem aceitei. 

- Fla, quando foi a última vez que você viajou? Tipo, foi pra algum lugar relaxar, tirar um tempo seu?!

- Nossa, faz muito tempo. 

- Tempo… tipo?

- Não sei - calculei mentalmente - uns 4 anos eu acho. 

- Às vezes você está saturada assim por falta de descanso. Um final de semana em algum lugar já iria te aliviar, não acha?

- Sim, você não está errada. Mas agora, agora, não vai rolar. Eu estou bem na pindaíba com o apartamento. 

- Imagino, mas quando acalmar as suas contas você poderia ir pra algum lugar, se divertir um pouco relaxar. 

- Eu até fazia bastante isso quando eu era mais nova, mas acabei perdendo um pouco dessa aventura toda. 

- Falou a idosa de 80 anos. 

- Não Bru, mas eu já fui bem mais jovial um dia, já fui mais imatura, mais intempestiva. Hoje sou bem mais pé no chão. Tirando essas viagens para os EUA você acaba viajando por diversão?

- Às vezes, quando a companhia vale a pena. Eu sempre me divirto muito quando estou em San Fran, lá é uma cidade deliciosa, se tem um lugar que moraria seria lá. Mas é trabalho, não conta muito como diversão. 

- Mas só o fato de mudar um pouco as pessoas, a rotina já ajuda. 

- Ah, muito Flávia. Eu adoro trabalhar em campo, quando estou em San Fran quase faço isso, acompanho os jornalistas, é uma delícia. Da última vez que viajou foi pra onde?

- Nossa, deixa eu pensar, faz tanto tempo. Mas acho que fomos para o rio, em Paraty. 

- Você e sua ex namorada?

- Sim, a Fabi sempre foi mais de praia, eu sou bem mais do frio, montanha.

- Humm, pelo menos descobri o nome, já ajuda. 

- Porque você não perguntou?

- Sempre que eu pergunto qualquer coisa você me enrola e não conta nada. 

- O que você quer saber? Só não vejo motivo para ficar falando sobre ela - não menti, mas é que dói tanto falar da Fabi, que tento seguir em frente. 

- Ah, eu queria saber só Fla, curiosidade.

- Então vou fazer um trato com você, se quiser pode até gravar para não ter mentira. 

- Nossa, a advogada é você, redige um contrato. 

- De advogada eu não tenho nada, nem a OAB ainda. O trato é o seguinte, quando você voltar vai ter aquela festa que te chamei pra ir, da bodas de ouro dos meus avôs. Se você for lá e não fugir, correr, sumir, se continuar querendo me ver depois de descobrir os podres da minha família, eu te conto tudo que você quiser. 

- Porque só depois da festa?! O que tem a festa em si?!

- É que eu bem acho que depois da festa você vai sumir e nem mais me procurar. Tenho essa sensação. 

- Mas tem algum motivo especial? 

- Não exatamente, vamos deixar acontecer Bru. Tudo ao seu tempo. Falando em tempo, já deu o meu, preciso subir para prova. Vou pedir a conta.

- Não, deixa que eu vou lá e pago. Você sempre paga nossos cafés, deixa que esse fica na minha conta. 

- Tem certeza Bru? Toma a minha parte - comecei a mexer na mochila para pegar o cartão, mas ela ignorou e seguiu em frente, em direção ao caixa. Se eu soubesse disso teria pego a comida mesmo, mas enfim, já passou. Logo em seguida ela voltou, com uma garrafa de água com gás na mão, gelada e me entregou. Quase chorei de emoção, não pedi porque deve ser um preço absurdo aqui. 

- Água pra você fazer a sua prova e um doce pra você comer  de sobremesa - eu peguei e agradeci com um beijinho. 

- Vamos indo? Eu vou entrar por essa portaria aqui - apontei para o final da rua - Só não vou conseguir ir com você até o metrô, tudo bem?

- Claro meu amor, fica tranquila. Acho que vou pedir um uber.

- Amanhã você trabalha? - perguntei a ela, já na porta da lanchonete. 

- Não, amanhã estou liberada para arrumar as malas e tudo. Vai me levar mesmo?

- Se puder dirigir seu carro sim, às 18h na sua casa não é?

- Isso, 18h lá. 

- Tá certo, vou te avisando. Eu consegui folga para amanhã, mas vou estar em casa que o pedreiro vai fazer a parede. Eu vou te avisando. 

- Certo, cuidado com o cara na sua casa. 

- Relaxa, conheço ele há anos, é mais fácil ele tomar cuidado comigo. Vem cá me dá um beijo de boa sorte na prova - a Bruna automaticamente sorriu, se aproximando mais do meu corpo e passando os braços por baixo do meu, encaixando sua micro altura na minha. Meus lábios já sabem bem o caminho do dela e habilmente se encostaram, suave, breve, mas cheio de emoção. Quando nos afastamos, minha única vontade era largar tudo, largar a prova e voltar a encostar neles.

Nos despedimos com mais um abraço, o suficiente para que eu ficasse com mais vontade de voltar para ela. Segui em direção a portaria e entrei rapidamente para o bloco onde será minha prova de hoje. A Ana Lu já havia guardado nossos lugares quase no fundo. Assim que entrei fui em direção a ela. 

- Oiiii, boa noite. 

- Fala?! Senta aí. Tudo bem?

- Tá sim, apesar das confusões do final de semana, mas você já está atualizada. 

- Mano, sua casa nem está pronta pra você mudar. 

- Não mesmo Lu, vou fazer a parede amanhã. A Bia acabou já se mudando, antes mesmo de arrumar as coisas. Enfim, Deus sabe o que temos que passar. 

 - A Bia do delegado?

- a própria. Pediu hoje cedo e já vai dormir lá em casa hoje. Já mudou. 

- Que rápido. Velho, e esse doce aí?! Bonito hein, dá um teco. 

- Mais direta que você só eu. “Tô” pega aí. - falei esticando o pacote

- Parece doce daquele lugar aqui atrás, que a gente nunca entra. 

- É de lá mesmo, eu passei no sr. Olimpio pra comer, a Bruna falou que lá é um pardieiro e não entrou de jeito nenhum. Aí me levou nesse lugar chique aí, o valor do prato do sr Olimpio não dava nem pra coxinha. 

- Que fresca, achei que ela era de boa. Falo isso porque sexta sentou no boteco, bebeu com a gente.- Me falou devolvendo o pacote com o doce. 

- Mas aquele bar da sexta não é exatamente um boteco, é um lugar bem mais ajeitadinho. Enfim, depois converso com ela sobre isso. Lu, amanhã eu vou levar ela no aeroporto, que ela vai pra São Francisco. 

- Hummm, prossiga. 

- Eu queria dar algum presente pra ela, o que acha que dou? Pensei em uma flor, mas não sei se ela gosta disso. 

- Flor não dá Flávia. Se ela vai pegar avião, ainda mais pra São Francisco, as flores vão morrer. Sem contar em onde a menina vai enfiar as flores? - ela falou rindo de mim, mas sutil. Gosto muito da minha amizade com a Ana Lu. 

- Tem razão, não tinha pensando. Pego o que pra ela? Não sei mais fazer isso, a Fabi eu já conhecia tão bem. 

- A Bruna come doce? Pensei em uma caixinha de chocolate, daquelas mais arrumadas. 

- Doce ela come, não sei se chocolate. Acabou de comer um donuts de doce de leite enorme. 

- Então fechou. Passa em uma loja de chocolates e pega uma caixinha legal, daqueles com recheio, uns puros. Como não sabemos o gosto dela pega variado. Ela vai gostar, toda mulher gosta. Todas não que é generalizar, mas se come donuts de doce de leite deve comer chocolate. 

- Tá, eu vou te mandando fotos pra você me ajudar. Tem bem mais jeito com isso que eu.

- Fechado. Me manda. Ah, rapidão, quando acabar a prova eu vou sair correndo tá?! Eu até tinha uma carona pra ir embora, mas agora a menina mora aqui do lado, aí vou ter que ir correndo pra não perder o ônibus - ela falou mudando o tom de voz, fazendo uma voz engraçada, leve, rindo da situação.

- Nossa, sem noção essa sua carona aí - eu entrei na brincadeira - ah, o dia que acabar tarde, acontecer alguma coisa e precisar ficar lá em casa, fica a vontade. Mi casa, Su casa. 

- Tranquilo, se precisar fico sim. Vai rolar um open house?

- Ah, quando arrumar tudo sim. Ainda está uma zona, fazendo parede, uma confusão só. Mas quando ficar pronto vou fazer sim, não cabe muita gente, mas os mais próximos cabem sim. 

- To dentro, até levo umas águas com gás pra você tomar.

- Aff, bicho besta, só pra me zuar. Ishi, chegou - olhei para a porta vendo a professora entrando na sala - Boa prova Lu.

Ela me acenou com a cabeça e se ajeitou na cadeira, virando para a frente para fazer a última prova de tributário do semestre e no caso, do quarto ano. Não vejo a hora de finalmente entrar em férias e chegar ao último ano da faculdade de direito. 

 

Assim que passei pela portaria do prédio meu corpo começou a entender que estávamos em casa, porque o cansaço apertou mais ainda, parece que estou carregando um saco de cimento nos ombros, de tão pesados e doloridos que estão. Passei pela portaria, comprimentando o porteiro da noite e segui pelo elevador até chegar ao 20o. andar. Antes mesmo que eu tocasse a campainha a Bia já abriu a porta.

- Oii - foi a primeira coisa que a Bia me falou. 

- Boa noite - estiquei o corpo e entrei em casa. Olhei rapidamente, ela estava diferente, usando uma bermuda velha e uma camiseta regata de pijama. - Tudo bem? O Cantão está aí?!

- Não, ele foi embora era umas nove e meia, ficou aqui me ajudando a organizar as coisas. 

- Ah, ótimo. Tem tanta coisa da dona antiga que vamos ter trabalho. Seu quarto está habitável? - falei seguindo para o meu e colocando a mochila no canto e tirando a camisa que eu estava vestindo, fiquei apenas com a regata branca de baixo, tirei o sapato também. 

- Está sim, eu troquei a cama, esvaziei uma parte do armário. Acabei separando essa sacola de coisas, quer dar uma olhada antes de nos desfazermos?

- Deixa aí que eu olho, é o que? - falei separando uma muda de roupa e a minha toalha para banho. - Vem cá. - chamei a Bia para entrar no meu quarto, quando reparei ela estava na porta, travada na timidez dela, olhando para baixo. - Entra aí Bia. Vamos morar juntas, não precisa ter vergonha. 

- É que é seu quarto. 

- Sim, mas estou te convidando. Entra aí - ela deu um passo pra dentro, estiquei a mão oferecendo minha cama para ela sentar enquanto eu mexia nas minhas roupas. 

- Tem alguns livros e uma roupas velhas naquela sacola. Acho mancada jogar fora. 

- Mancada mesmo. Deixa de lado aí, na quarta eu vou ir na  casa da minha mãe pegar minhas coisas que deixei lá, eu passo na igreja lá perto e deixo essas coisas de doação. 

- Vai de moto?

- Vou estar com o carro da Bruna. 

- Ah, vai facilitar bem. 

- Sim, aí já levo essas coisas pra já irmos nos livrando disso. Ah, Bia, amanhã vai vir um moço fazer a parede da cozinha. Quando você chegar a noite pode ser que esteja uma zona, mas pode deixar, vou estar de folga amanhã e na quarta, aí na quarta eu arrumo.

- Tudo bem, quando eu chegar do DP eu te ajudo a organizar.

- É que vou ter que sair pra levar a Bru no aeroporto, vou deixar arrumado da maneira como der, mas se ficar zona arrumo na quarta. 

- Fica tranquila. Ah, eu não sei se você come, mas acabamos comprando pãozinho e mortadela. Não tinha nada. 

- Nossa!!! salvou a pátria Bia! - levantei da mala que eu estava mexendo, olhei pra ela e mandei um beijo com a mão - Estou morrendo de fome.

- Tem lá na geladeira. O pão está em cima da pia. 

- Vou tomar um banho e vou comer. Depois acerto com você o valor do pão e tals. 

- Fla, vamos morar juntas. Esquece. Ah, e obrigada por me deixar ficar. 

- Que nada Bia, está me fazendo um favor. Nunca morei sozinha em lugar algum, sempre dividi a casa, sempre cheia de gente, iria até ficar estranho estar só aqui. Obrigada você. Eu vou tomar um banho, comer e cama, que o dia foi pesado demais. 

- Aí, concordo. Ah, deixei sua chave lá na porta, já consegui fazer uma cópia pra mim. O chaveiro lá perto do DP estava livre quando sai, aí fiz uma copia pra mim já. 

- Ótimo Bia, ainda bem. Vou tomar um banho, vai lá descansar. 

- Até amanhã Flavinha. 

- Qualquer coisa me chama. - Ela concordou com a cabeça e entrou pro quarto dela, eu segui para o banheiro. 

Deixar a água quente cair no meu ombro em geral é uma das coisas que mais eu gosto, mas hoje em especial está me ajudando a relaxar, o corpo chega a doer de tão tenso. A água caindo está aliviando o cansaço e o desconforto com a situação da comida, fico pensando o que mais eu tenho de diferente da Bru. Nossos apartamentos são bem diferentes, o dela é amplo, de 4 quartos, o meu precisa de uma parede a mais pra conseguir uma sala pequena. Ela tem carro, o meu eu vendi pra comprar o apê. A moto dela é elegante, chique. A minha mais rodada que puta na zona. Eu nunca entrei em um avião, ela viaja mensalmente para outro país. Não estou pensando apenas no quesito material, mas que diferenças temos na vida? Será que ela é capaz de entender sobre necessidades, sobre faltas? Será que ela sempre foi mimada apesar de ter sido expulsa de casa? A que ponto ela entende meu esforço de acordar todo dia cedo, ir pra academia, trabalhar e estudar e além disso treinar para o concurso de delegado? O meu medo é eu estar entrando em um mundo onde dinheiro é a moeda, com isso eu não vou ser boa para competir. Consigo competir com amor, carinho, atenção, e mesmo assim bem naquelas. Meu medo é estar arriscando mais do que eu tenho no momento.

Fim do capítulo


Comentar este capítulo:
[Faça o login para poder comentar]
  • Capítulo anterior
  • Próximo capítulo

Comentários para 14 - Capitulo 14:

Sem comentários

Informar violação das regras

Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:

Logo

Lettera é um projeto de Cristiane Schwinden

E-mail: contato@projetolettera.com.br

Todas as histórias deste site e os comentários dos leitores sao de inteira responsabilidade de seus autores.

Sua conta

  • Login
  • Esqueci a senha
  • Cadastre-se
  • Logout

Navegue

  • Home
  • Recentes
  • Finalizadas
  • Ranking
  • Autores
  • Membros
  • Promoções
  • Regras
  • Ajuda
  • Quem Somos
  • Como doar
  • Loja / Livros
  • Notícias
  • Fale Conosco
© Desenvolvido por Cristiane Schwinden - Porttal Web